Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:105/17.9BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:09/28/2017
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:NULIDADE DA SENTENÇA DEVIDO A FALTA DE ESPECIFICAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DE FACTO E DE DIREITO.
ARTº.615, Nº.1, AL.B), DO C.P.CIVIL. ARTº.125, Nº.1, DO C.P.P.TRIBUTÁRIO.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO DA DECISÃO JUDICIAL. REQUISITOS LEGAIS.
DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO.
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA.
ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO.
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE 1ª. INSTÂNCIA RELATIVA À MATÉRIA DE FACTO. ÓNUS DO RECORRENTE.
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA. PROVA TESTEMUNHAL.
SUJEITO PASSIVO DA RELAÇÃO JURÍDICO-TRIBUTÁRIA DE SISA. MATÉRIA COLECTÁVEL DO IMPOSTO DE SISA.
ARTº.2, § 2, DO C.I.M.S.I.S.S.D. TRADIÇÃO FICCIONADA OU PRESUMIDA DE IMÓVEL.
AJUSTE DE REVENDA. CESSÃO DA POSIÇÃO CONTRATUAL.
CONTRATO DE CESSÃO DA POSIÇÃO CONTRATUAL. CONFIGURAÇÃO E REGIME.
SUJEIÇÃO A SISA DA TRANSMISSÃO PREVISTA NO CITADO ARTº.2, § 2, DO C.I.M.S.I.S.S.D.
REPORTADA À DATA DA CELEBRAÇÃO DA ESCRITURA INCIDENTE SOBRE O IMÓVEL OBJECTO DA CESSÃO.
QUESTÕES NOVAS.
Sumário:1. Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.b), do C.P.Civil, é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Para que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Já a mera insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, mas não produz nulidade. Igualmente não sendo a eventual falta de exame crítico da prova produzida (cfr.artº.607, nº.4, do C.P.Civil) que preenche a nulidade sob apreciação. No processo judicial tributário o vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário.
2. Analisando, agora, a questão do exame crítico da prova, dir-se-á que a nulidade em causa (não especificação dos fundamentos de facto da decisão) abrange não só a falta de especificação dos factos provados e não provados, conforme exige o artº.123, nº.2, do C.P.P.T., igualmente podendo nela enquadrar-se a falta de exame crítico da prova, requisito previsto no actual artº.607, nº.4, do C.P.Civil.
3. Na realidade, a fundamentação de facto da decisão judicial deve incluir, não só a indicação dos elementos de prova que foram utilizados para formar a convicção do juiz, como a sua apreciação crítica, sendo caso disso, de forma a ser possível conhecer as razões por que se decidiu no sentido em que o foi e não noutro. Assim, a fundamentação de facto não deve limitar-se à mera indicação dos meios de prova em que assentou o juízo probatório sobre cada facto, devendo revelar o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu sobre todos os pontos da matéria de facto, tudo dependendo do meio probatório em causa. Nos casos em que os elementos probatórios tenham um valor objectivo (como sucede, na maior parte dos casos, com a prova documental) a revelação das razões por que se decidiu dar como provados determinados factos poderá ser atingida com a mera indicação dos respectivos meios de prova, sem prejuízo da necessidade de fazer uma apreciação crítica, quando for questionável o valor probatório de algum ou alguns documentos ou existirem documentos que apontam em sentidos contraditórios. Já quando se tratar de meios de prova susceptíveis de avaliação subjectiva (como sucede com a prova testemunhal) será indispensável, para atingir tal objectivo de revelação das razões da decisão, que seja efectuada uma apreciação crítica da prova, traduzida na indicação das razões por que se deu ou não valor probatório a determinados elementos de prova ou se deu preferência probatória a determinados elementos em prejuízo de outros, relativamente a cada um dos factos face aos quais essa apreciação seja necessária.
4. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
5. Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
6. O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida.
7. No que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário). Tal ónus rigoroso ainda se pode considerar mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6.
8. Se a decisão do julgador, no que diz respeito à prova testemunhal produzida, estiver devidamente fundamentada e for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção. 
9. O sujeito passivo da relação jurídico-tributária de sisa era o transmissário, ou seja, aquele que recebia os bens imóveis transmitidos (no caso de venda é o comprador) e a matéria colectável do imposto (pressuposto objectivo genérico de qualquer relação jurídico-tributária) era constituída pelo valor do imóvel, correspondendo o conceito fiscal de transmissão ao do direito privado, isto é, só é transmissão a perda relativa e a aquisição derivada de direitos, exceptuando os casos em que a lei fiscal dispuser o contrário (artºs.7 e 19, do C.I.M.S.I.S.D.).
10. De acordo com o artº.2, § 2, do C.I.M.S.I.S.S.D., o legislador basta-se com uma tradição ficcionada ou presumida do imóvel em causa, verificados que estejam os pressupostos em que a mesma assenta, a saber: o ajuste pelo promitente-comprador da revenda do imóvel a terceiro; a posterior realização da escritura de venda entre este terceiro e o primitivo promitente-vendedor.
11. O “ajuste de revenda” é um contrato inominado, ou seja, não se acha expressamente previsto e regulado na lei que não o consagra, nem lhe dá denominação, não tem “nomen júris”. Dentro daquilo que se pode chamar “ajuste de revenda” poderão ser encontradas diversas figuras contratuais, como o contrato de agência, o contrato de concessão, o contrato de mediação ou a cessão da posição contratual, sendo esta última definida, nos termos do artº.424, nº.1, do Código Civil, como a possibilidade que as partes, num contrato com prestações recíprocas, têm de transmitir a terceiro a sua posição contratual, desde que o outro contraente consinta na transmissão.
12. A figura da cessão da posição contratual consiste no negócio pelo qual um dos outorgantes em qualquer contrato bilateral ou sinalagmático transmite a terceiro, com o consentimento do outro contraente, o complexo dos direitos e obrigações que lhe advieram desse contrato (cfr.artº.424, do C.Civil). São três os protagonistas da operação: o contraente que transmite a sua posição (cedente); o terceiro que adquire a posição transmitida (cessionário); e a contraparte do cedente, no contrato originário ou base, que passa a ser contraparte do cessionário (contraente cedido, ou o cedido, tout court). O contrato de cessão da posição contratual descreve, na sua configuração, um circuito de natureza triangular, visto a sua perfeição exigir o consentimento dos três sujeitos colocados em posições diferentes. Além da vontade dos intervenientes directos na cessão (o cedente, dum lado; o cessionário, do outro), o artº.424, nº.1, do C.Civil, alude directamente à necessidade do consentimento do contraente-cedido, para quem não é indiferente a pessoa do devedor nas obrigações de que ele seja credor.
13. A conexão existente entre os dois contratos provém do facto de o contrato de cessão ter por efeito típico a transmissão da posição de um dos contraentes na relação nascida do contrato base. Mais se dirá, nos termos do artº.425, do C.Civil, que os requisitos do contrato de cessão estão directamente ligados, ou definem-se em função do tipo de negócio que serve de base à cessão.
14. A sujeição a sisa da transmissão prevista no citado artº.2, § 2, do C.I.M.S.I.S.S.D., nasce no momento em que ocorre a tradição (puramente jurídica ou fiscal) e esta tem-se por verificada na data da celebração da escritura incidente sobre o imóvel objecto da cessão.
15. O direito português segue o modelo do recurso de revisão ou reponderação (modelo que tem as suas raízes no Código Austríaco de 1895). Daí que o Tribunal “ad quem” deva produzir um novo julgamento sobre o já decidido pelo Tribunal “a quo”, baseado nos factos alegados e nas provas produzidas perante este. Os juízes do Tribunal de 2ª. Instância, ao proferirem a sua decisão, encontram-se numa situação idêntica à do juiz da 1ª. Instância no momento de editar a sua sentença, assim valendo para o Tribunal “ad quem” as preclusões ocorridas no Tribunal “a quo”. Nesta linha, vem a nossa jurisprudência repetidamente afirmando que os recursos são meios de obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos Tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do Tribunal de que se recorre, visto implicar a sua apreciação a preterição de um grau de jurisdição.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:

ACÓRDÃO

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RELATÓRIO

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M..., com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.303 a 321 do presente processo, através da qual julgou improcedente a presente impugnação, pelo recorrente intentada e visando actos de liquidação de Sisa e juros compensatórios, no montante total de € 57.684,30.

X

O recorrente termina as alegações (cfr.fls.336 a 354 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:

1-O presente recurso visa a apreciação da legalidade da sentença do Tribunal a quo com fundamento na imputação de nulidades e/ou erros de julgamento sobre a matéria de facto e de direito;

2-Na verdade, a ora recorrente não se conforma com a matéria de facto assente, considerando como não provado algo que resultou expresso e cristalino do depoimento do cessionário J...;

3-A reapreciação da prova, permitida ao abrigo do disposto nos arts. 640.° e 662.°, n.° 1, e n.° 2 do CPC, aplicáveis ex vi alínea a) do art.° 2.° do CPPT, assenta, na análise crítica da prova em que se fundamentou a parte impugnada da decisão de facto e pode conduzir à sua alteração, quer porque o Tribunal de recurso entenda que aquela prova foi mal apreciada ou interpretada, quer porque constate a existência de outros elementos probatórios relevantes, invocados pela recorrente na sua alegação, que não foram tidos em consideração pelo julgador de 1ª. instância;

4-Atenta a prova documental e testemunhal produzida, o Tribunal a quo deveria ter dado como provados os seguintes factos:

a)não existiu qualquer ajuste de revenda entre a impugnante (ora recorrente) e os cessionários;

b)os preços pagos corresponderam apenas aos sinais que a impugnante (ora recorrente) havia liquidado com a celebração dos contratos promessa, tendo os cessionários assumido os pagamentos ainda em dívida;

c)não chegou a haver qualquer entrega e tradição das frações prometidas comprar que ainda estavam em fase de acabamentos exteriores e nem sequer elevadores tinham;

d)nos contratos promessa não está prevista qualquer cláusula de cedência de posição contratual;

5-Ficou manifestamente provado nos autos que apenas existiu uma desistência da ora recorrente que levou a que fosse celebrado a escritura pública com os cessionários;

6-Face ao exposto, deve a sentença recorrida ser revogada, no que concerne à matéria de facto dada como não provada, dando-se por provada a matéria acima mencionada, por ser o conforme à prova produzida em juízo;

7-A fundamentação da sentença, exigida pelo n.° 2 do art.° 123.° do CPPT, deve consistir na indicação dos elementos de prova que foram utilizados para formar a convicção do juiz e na sua apreciação critica de forma a ser possível conhecer as razões porque decidiu no sentido decidido e não outro;

8-A fundamentação deve revelar o itinerário cogniscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu sobre todos os pontos da matéria de facto. Na prova testemunhal será indispensável a revelação das razões da decisão e que seja efectuada uma apreciação crítica da prova, traduzida na indicação das razões por que se deu ou não o valor probatório a determinados elementos de prova ou se deu preferência probatória a determinados elementos em prejuízo dos outros;

9-Ora, o Tribunal a quo limita-se a considerar que o depoimento da testemunha não se afigura suficiente para contradizer o teor dos documentos juntos aos autos;

10-Não se compreende como é que o Tribunal a quo faz um juízo de algo que além de não resultar dos documentos foi contrariado pela única testemunha ouvida nos presentes autos;

11-É assim manifesta a preterição de formalidade legal, por falta de fundamentação, que nos termos do disposto no n.° 1 do art.° 125.° do CPPT origina a nulidade da sentença, que expressamente se vem arguir;

12-As situações que o legislador prevê como sujeitas ao pagamento de imposto são aquelas em que o promitente comprador realiza uma verdadeira venda a terceiro, ficando liberto da celebração da respectiva escritura pública, tal como acontece nos casos em que o promitente vendedor se obriga a aliená-los ao promitente comprador ou a pessoas por este designadas, conferindo-lhe, para o efeito, uma procuração irrevogável, com poderes para venda dos mesmos, situações estas que podem configurar evasão fiscal;

13-A presunção prevista no parágrafo 2.° do art.° 2.° do CIMSISD é uma mera presunção simples ou natural, bastando à recorrente abalar a convicção resultante da presunção e foi exatamente o que aconteceu nos presentes autos;

14-O pressuposto de ajuste de revenda com terceiro tem de ser demonstrado, sendo que no caso dos presentes autos, não o foi manifestamente;

15-Acresce que, caso se considere que estamos perante uma presunção iuris tantum, como defende alguma da nossa jurisprudência, a verdade é que, conforme resulta do disposto no art° 73.° da LGT, a mesma é elidível nos termos legais, e foi elidida pela Recorrente, conforme resulta da prova testemunhal e documental junta aos autos, pelo que existe manifestamente um erro de julgamento por parte do Tribunal a quo;

16-A teleologia do parágrafo 2 do art.° 2.° do CIMSISD é sujeitar a sisa a revenda ou a agenciação de bens alheios feita pelo promitente comprador ao negociar ou ceder a sua posição contratual, entendendo-se que se dá, nestas circunstâncias, uma tradição física do imóvel, embora aquele não intervenha na escritura uma vez que a sua intervenção no acto é escamoteada;

17-Caberia à AT, em razão do princípio da legalidade, o ónus de prova de verificação dos pressupostos que a determinaram a agir, cumprindo demonstrar a factualidade que a leva a considerar a existência de um ajuste de revenda que justifica legalmente a ficção de uma tradição do bem, sendo certo que dos elementos carreados para o processo, resulta exactamente o contrário, ou seja que não existiu ajuste de revenda;

18-O art.° 100.° do CPPT contém uma norma que se reporta ao ónus da prova, estabelecendo uma verdadeira repartição do ónus da prova, em termos de que a incerteza sobre a realidade dos factos tributários reverte contra a AT, não devendo efetuar a liquidação se não existirem indícios suficientes daqueles. Ou seja, se o facto tributário resulta duvidoso cabe resolver contra a Fazenda Pública e dar como não existente o facto tributário, anulando a liquidação;

19-Conforme resulta da nossa jurisprudência, nem todos os contratos de cessão de posição contratual de um contrato promessa de compra e venda envolvem como causa uma venda - cfr. Acórdão do STA de 02.12.1998;

20-A simples desistência dum contrato promessa de compra e venda, ainda mesmo que mediante uma indemnização não equivale a uma revenda, fomentada pelo desistente, na transmissão estabelecida diretamente entre o proprietário e o terceiro comprador.” - cfr. Acórdão do STA de 11.11.1964;

21-Conforme resulta do teor dos contratos promessa juntos nos autos, não foi clausulado nada relativamente à cessão de posição contratual e o preço pago pelos cessionários correspondeu aos sinais que haviam sido pagos pela recorrente (cfr.matéria de facto assente nos pontos 4 e 8);

22-Na mesma linha de pensamento: “... só há duas transmissões fiscais e respetivas sisas quando o promitente comprador tenha efetivamente ajustado a “venda” com um terceiro” - cfr. Acórdão do Tribunal de 2.a Instância de 30.01.1969;

23-O sentido e alcance do estatuído no parágrafo 2o do art. 2o do CIMSISD deve ser retirado do conceito jurídico do ajuste de revenda referido nesse preceito o qual aponta para que o ajuste de revenda tem que revestir o carácter de um negócio jurídico paralelo e subsequente à promessa de venda que serve de pressuposto de facto à presunção legal de transferência da posse, e consequente incidência do imposto;

24-Para efeitos de fundar a presunção ínsita no § 2o do art. 2o do C. Sisa tem a AT de provar que entre o promitente comprador e o terceiro que adquiriu em definitivo a fracção prometida vender, foi acordada uma revenda segundo um determinado figurino jurídico, isto é, a celebração de um negócio que para aquele traga vantagens económicas. Impõe-se, pois, que a AT prove a existência de tal negócio produzindo efeitos que recaiam enquanto tais na previsão da norma tributária, caso em que, por força do parágrafo 2.° se pode presumir a tradição jurídica dos bens;

25-E não basta, para preencher o requisito - acordo de revenda - a mera diferenciação de sujeitos entre o que se compromete a comprar e o que efectivamente compra;

26-Por força do princípio da legalidade tributária, incumbia à AT, a prova dos pressupostos de facto em que assenta a presunção do aludido preceito legal, nomeadamente, a demonstração da existência de um ajuste de revenda;

27-Não tendo a AT provado a verificação do ajuste de revenda entre o cessionário e a ora recorrente e, assim, que este obteve ganho ou vantagem patrimonial com a aludida cessão, não se pode presumir a tradição nos termos do § 2o do art° 2o do C.Sisa - cfr. neste sentido Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul de 18 de Maio de 2010, a senda de outro Acórdão proferido pelo mesmo Tribunal em 22 de Novembro de 2005;

28-Nos presentes autos, perante a factualidade provada e a ora impugnada, nada permite concluir pela existência de tradição nem pela existência de ajuste de revenda. Aliás, resulta provado manifestamente que não existiu qualquer vantagem patrimonial para a recorrente que apenas recebeu os sinais que havia liquidado;

29-A pretensão do legislador foi penalizar foi a realização de vendas com intuito especulativo e com a realização de mais valias, que manifestamente não aconteceu nos presentes autos;

30-De facto, ficou provada a inexistência de qualquer lucro ou finalidade especulativa por parte da impugnante;

31-Em suma, para a AT se basear na presunção prevista no § 2 do art° 2 do CIMISD, a AT teria de provar que entre o promitente comprador e o terceiro que adquiriu em definitivo a fração prometida vender foi acordada uma revenda segundo um figurino do qual resultem para o promitente comprador vantagens económicas. Ora, tal não ficou provado. Aliás ficou provado exactamente o contrário;

32-Nos termos expostos e no mais que o douto suprimento de V. Ex.as sugerir, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que dê o pedido da ora recorrente por procedente, E assim se fará JUSTIÇA.


X

Não foram produzidas contra-alegações.

X

O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual pugna pelo não provimento do recurso (cfr.fls.365 e 366 dos autos).

X

Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.

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FUNDAMENTAÇÃO

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DE FACTO

X


A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.306 a 313 dos autos - numeração nossa):

1-Em 30/10/2001, deu entrada, no ... Bairro Fiscal de Lisboa, a presente impugnação, versando sobre duas liquidações de SISA nos valores respectivamente de Esc.1.372.620$00 e Esc.7.227.880$00, bem como duas liquidações referentes aos respectivos juros compensatórios, nos montantes de Esc.195.589$00 e Esc.2.768.575$00 respectivamente, emitidas à impugnante, M..., pela transmissão da sua posição contratual, na qualidade de promitente compradora, ocorrida aquando da assinatura dos contratos de cessão de posição contratual, outorgados por aquela em 9 de Abril de 1999 e 28 de Novembro de 1997 (cfr.carimbo de entrada aposto a fls.3 dos autos e ofício de fls.14 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais);

2-Para notificação das liquidações, identificadas no nº.1 e cuja fundamentação consta de fls.25 a 29 do processo administrativo apenso, sendo estruturadas, além do mais, ao abrigo do artº.2, § 2, do C.I.M.S.I.S.S.D., em 25/07/2001, foi expedido ofício registado com aviso de recepção, pelo ... Serviço de Finanças de Lisboa, no qual se concedia à ora impugnante, o prazo de 30 dias a contar da recepção daquele, para proceder ao pagamento voluntário das mesmas, o qual foi regularmente recepcionado por esta (cfr.ofício junto a fls.14 dos autos; facto admitido por acordo das partes e cálculo das liquidações de fls. 25 a fls. 29 do processo administrativo apenso, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido);

3-As liquidações em apreço têm na sua génese “a verificação da situação tributária da impugnante, relativa ao Imposto Municipal de Sisa, relativo a 1997 e 1999”, apurada em sede de duas Inspecções Tributárias, realizadas à mesma, no cumprimento das Ordens de Serviço n.°s 6409 e 6410 de 20/10/2010, emitidas pela 2.a Direcção de Finanças de Lisboa - Serviços de Inspecção Tributária - 1.a Divisão, findas as quais foram elaborados os respectivos Relatórios de Inspecção Tributária, a 22 de Maio de 2001 (cfr.relatórios de inspecção juntos a fls.32 e seg. e 56 e seg. do processo administrativo apenso, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido);

4-Em síntese, consta do Relatório de Inspecção, realizado em cumprimento da Ordem de Serviço n.° 6410, o seguinte:

“(…)

III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS EFECTUADAS AO IMPOSTO MUNCIPAL DE SISA

Na sequência da acção inspectiva ao sujeito passivo Fundo de Investimento Imobiliário ... cuja sociedade gestora é ... - Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário S.A., NIPC ..., com sede na Av.a ..., n.° 125, Piso 4, Letra D, em Lisboa, verificou- se que o sujeito passivo M... - NIF n° ..., celebrou com aquela empresa um Contrato Promessa de Compra e Venda datado de 21/03/97 (Anexo I, Fls. 1 a 12) e pelo valor Global de Esc. 24.832.000$00, para aquisição da facção autónoma, correspondente ao 15.° andar, letra C, do corpo 2, do lote H, apartamento T1 (inclui arrecadação n. °11, no piso -2 e um parqueamento com o n.° 31, no piso - 2), do prédio sito na rua ... - ..., em Lisboa (Edifício ...).

No entanto, veio a verificar-se que o sujeito passivo, Sr.a M... cedeu a sua posição contratual e 09/04/1999, ao Sr. J..., conforme consta da carta em Anexo II. Esta cedência de posição contratual, encontra-se sujeita a Imposto Municipal de Sisa, nos termos do § 2 do artigo 2.° do C.I.S.I.S.D.: nas promessas de venda entende-se também verificada a tradição, se o promitente comprador ajustar a revenda com um terceiro e entre este e o primitivo promitente vendedor for depois outorgada a escritura de venda.

Após ter sido notificado para apresentar os elementos relativos à operação descrita, constatou-se que o sujeito passivo confirmou que cedeu a sua posição contratual pelo mesmo valor pago ao Fundo de Investimento Imobiliário ..., não tendo apresentado provas do pagamento do Imposto Municipal de Sisa a que estava obrigado (...).

Deste modo, deveria o sujeito passivo ter liquidado SISA - artigo 115.°, n.°4 do CISISD - no montante de 1.565.269$00, resultante da aplicação das taxas constantes da Tabela do ano de 1999 (§ único do n. °2 do artigo 33.° do CIMSISD), ao valor global do contrato promessa de compra e venda de 24.832.000$00, o que se traduz em imposto em falta, desde 09/04/1999, data em que se verificou a cedência da posição contratual (...)”

(cfr.relatório de inspecção junto a fls.32 e seg. do processo administrativo apenso);

5-Em 23/03/1997 foi celebrado contrato, designado de contrato promessa de compra e venda entre a Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário S.A., como promitente vendedora, e M..., NIF ..., e A..., NIF ..., como promitentes-compradoras, mediante o qual, aquela empresa promete vender, pelo valor global de Esc.24.832.000$00, a fracção autónoma que vier a corresponder ao 15.° andar, letra C, do corpo 2, a edificar no lote H, descrito na ... Conservatória do Registo Predial sob o n.° 1449, freguesia de ..., e ainda omisso na matriz - apartamento T1, o qual inclui a arrecadação n.°11 no piso - 2 e um parqueamento com o n.° 31 no piso - 2 (cfr.contrato promessa junto a fls. 96 e seg. dos presentes autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos);

6-A 21 de Maio de 1999, é celebrado contrato, o qual se considera aqui integralmente reproduzido, designado de “contrato de cedência posição contratual” entre a impugnante M... - NIF n.° ... e A..., NIF ..., na qualidade de primeiras outorgantes e J..., como segundo outorgante, nos termos do qual consta o seguinte: “os primeiros outorgantes cedem livre de ónus ou encargos ao segundo outorgante ou a quem ele indicar, a sua posição de promitentes compradoras do apartamento, arrecadação e estacionamento, identificados na alínea antecedente, pelo preço total de Esc.24.832.000$00, a serem pagos metade na data da assinatura do contrato e a remanescente metade será paga ao Fundo ..., conforme plano de pagamentos do contrato promessa de compra e venda” (cfr.contrato de cessão de posição contratual junto a fls.93 e seg. dos presentes autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido para todos os legais efeitos);

7-Em 21 de Janeiro de 2001, foi celebrada escritura de compra e venda com hipoteca, através da qual J... adquiriu o prédio identificado nos nºs.5 e 6 - apartamento T1, correspondente ao 15.° andar, letra C, do corpo 2, ora designada por fracção NY, que inclui a arrecadação n.° 11, designada por fracção GW no piso - 2 e um parqueamento com o n.° 31, no piso - 2, designada por fracção FK pelo valor global de 24.832.000$00 (cfr.escritura de compra e venda junta a fls. 94 e seg. do processo administrativo apenso, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido);

8-Consta do Relatório de Inspecção, realizado em cumprimento da Ordem de Serviço n.° 6409, o seguinte:

“(…)

III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS EFECTUADAS AO IMPOSTO MUNCIPAL DE SISA

Na sequência da acção inspectiva ao sujeito passivo Fundo de Investimento Imobiliário ... cuja sociedade gestora é ... - Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário S.A., NIPC ..., com sede na Av.a ..., n.° 125, Piso 4, Letra D, em Lisboa, verificou- se que o sujeito passivo M... - NIF n.° ..., celebrou com aquela empresa um Contrato Promessa de Compra e Venda datado de 21/03/97 (Anexo I, Fls. 1 a 12) e pelo valor Global de Esc.71.974.000$00, para aquisição da fracção autónoma, correspondente ao 12. andar, letra A, do corpo 1, do lote H, apartamento T5 (inclui arrecadação n.°4, no piso 0 e três parqueamentos com os n.°s 3, 4 e 5, no piso - 2), do prédio sito na rua ... - ..., em Lisboa (Edifício ...).

No entanto, veio a verificar-se que o sujeito passivo, Sr.a M... cedeu a sua posição contratual em 28/11/1997, ao Sr. C..., conforme consta da carta em Anexo II. Esta cedência de posição contratual, encontra-se sujeita a Imposto Municipal de Sisa, nos termos do § 2 do artigo 2.° do C.I.S.I.S.D.: “nas promessas de venda entende-se também verificada a tradição, se o promitente- comprador ajustar a revenda com um terceiro e entre este e o primitivo promitente vendedor for depois outorgada a escritura de venda”.

Após ter sido notificado para apresentar os elementos relativos à operação descrita, constatou-se que o sujeito passivo confirmou que cedeu a sua posição contratual pelo mesmo valor pago ao Fundo de Investimento Imobiliário ..., não tendo apresentado provas do pagamento do Imposto Municipal de Sisa a que estava obrigado (...).

Deste modo, deveria o sujeito passivo ter liquidado SISA - artigo 115.°, n.°4 do CISISD - no montante de 7.197.400$00, resultante da aplicação das taxas constantes da Tabela do ano de 1997 (§ único do n. °2 do artigo 33.° do CIMSISD), ao valor global do contrato promessa de compra e venda de 71.974.000$00, o que se traduz em imposto em falta, desde 28/11/1997, data em que se verificou a cedência da posição contratual (...)”

(cfr.relatório de inspecção junto a fls.56 e seg. do processo administrativo apenso);

9-Em 21/03/1997, foi celebrado contrato, designado de contrato promessa de compra e venda, entre a Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário S.A., como promitente vendedora; e M... - NIF n.° ... e A..., NIF ..., como promitentes-compradoras, mediante o qual, aquela empresa promete vender, pelo valor global de Esc.71.974.000$00, a fracção autónoma, que vier a corresponder ao ... andar, letra A, do corpo 1, a edificar no lote H, descrito na ... Conservatória do Registo Predial sob o n.° 1449, freguesia de ..., e ainda omisso na matriz - apartamento T5 - inclui arrecadação n.°4, no piso 0 e três parqueamentos com os n.°s 3,4 e 5, no piso - 2 (cfr.contrato promessa junto a fls.60 e seg. do processo administrativo apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos);

10-A 28/11/1997, é celebrado contrato, designado de “contrato de cedência posição contratual” entre a impugnante M... - NIF n.° ... e A..., NIF ..., na qualidade de primeiras outorgantes e C..., como segundo outorgante, nos termos do qual as primeiras outorgantes cedem livre de ónus ou encargos ao segundo outorgante, a sua posição de promitentes compradoras do apartamento, arrecadação e estacionamento, identificados no nº.9, pelo preço total de Esc.71.974.000$00, tendo as cedentes recebido a quantia de Esc. 14.399.000$00 na data da assinatura do contrato, que já haviam pago ao Fundo ... e o remanescente, no valor de Esc. 57.575.000$00 seria pago ao Fundo ..., conforme plano de pagamentos do contrato promessa de compra e venda (cfr.ofício comunicando a cessão de posição contratual junto a fls. 72 do processo administrativo apenso, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido; facto admitido em sede de audição prévia, pelas cedentes, conforme requerimento junto a fls. 73 e seg. do processo administrativo apenso, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido);

11-Em data não apurada, mas ocorrida entre 12 de Outubro e 29 de Dezembro de 2000, C... adquiriu a propriedade do prédio identificado nos nºs.9 e 10 - apartamento T5, correspondente ao ... andar, letra A, do corpo 1, designado por fracção LW, incluindo ainda a arrecadação n.°4, no piso 0 e três parqueamentos com os n.°s 3,4 e 5, no piso - 2 (cfr.conhecimento de Sisa junto a fls.128 dos presentes autos; certidão de registo predial junta a fls. 153 e seg. dos autos, cujos conteúdos aqui se dão por reproduzidos);

12-Em 12/10/2000, C... compareceu no ... Bairro Fiscal de Lisboa para proceder ao pagamento da Sisa, relativa à compra que pelo preço declarado de Esc. 71.974.000S00 ia fazer, ao Fundo de Investimento Imobiliário ..., do prédio identificado nos nºs.9 e 10 (cfr.conhecimento de Sisa junto a fls.128 dos presentes autos).


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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não se provou que não existiu ajustamento de revenda com terceiros, nomeadamente com o comprador J...…”.

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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…Resultou a convicção do Tribunal, quanto aos factos provados, da análise dos documentos, juntos aos autos e ao P.A., supra identificados a propósito de cada uma das alíneas do probatório, cujo conteúdo não foi impugnado por qualquer das partes.

Quanto ao facto não provado, resultou a convicção do Tribunal, de o depoimento da testemunha em questão J... não se nos afigurar suficiente para contradizer o teor dos documentos juntos aos autos, supra identificados.

Efectivamente, do teor dos referidos documentos decorre que, a Impugnante, no mesmo dia, isto é, em 21/03/1997 comprou dois apartamentos de diferentes tipologias no prédio em apreço, que revendeu, ainda em fase de construção, respectivamente, 6 meses depois e 2 anos depois.

Ora, não é credível que, em tão curto espaço de tempo, as compras e cedências de posição, efectuadas pela impugnante não se tenham destinado a revenda, tanto mais que foram dois os imóveis comprados no mesmo prédio, revendidos sem que os tenha habitado ou utilizado e antes que o prédio tivesse chegado à fase final de construção.

E, se a impugnante se propôs a compra de dois distintos apartamentos, não terá sido por falta de meios que desistiu dos negócios, o que também não alegou, pois que, se houvesse falta de meios não se propunha a compra de dois imóveis.

Não se encontra, pois, minimamente justificada a razão da cedência da posição contratual nos dois negócios, por parte da impugnante, sendo certo que a esta competia o ónus de demonstrar essas razões (artigo 74.°, n.°1 da LGT), embora se admita que, o comprador José Pinto Fagulha procurasse um local para habitar.

Contudo, o referido facto em nada “belisca” as intenções de especulação imobiliária e de realização de mais-valias, por parte da impugnante, pois que, tal como aquela testemunha refere, não havendo imóveis “novos” disponíveis no empreendimento em questão, recorreu, junto dos patrocinadores do empreendimento ao mercado de 2.a mão: um dos promitentes-compradores interessados em “desistir” da compra do seu imóvel…”.


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ENQUADRAMENTO JURÍDICO

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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida considerou, em síntese, julgar improcedente a presente impugnação mais mantendo os actos tributários de Sisa objecto deste processo.

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Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).

O apelante discorda do decidido aduzindo, em primeiro lugar e em sinopse, que a fundamentação da sentença, exigida pelo artº.123, nº.2, do C.P.P.T., deve consistir na indicação dos elementos de prova que foram utilizados para formar a convicção do juiz e na sua apreciação crítica de forma a ser possível conhecer as razões porque decidiu no sentido em que o fez. Que o Tribunal “a quo” se limita a considerar que o depoimento da testemunha não se afigura suficiente para contradizer o teor dos documentos juntos aos autos. Que é manifesta a preterição de formalidade legal, por falta de fundamentação, nos termos do disposto do artº.125, nº.1, do C.P.P.T., o que origina a nulidade da sentença (cfr.conclusões 7 a 11 do recurso), com base em tal alegação pretendendo, segundo percebemos, consubstanciar um vício de nulidade da sentença recorrida, devido a falta de especificação dos fundamentos de facto da decisão.

Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.

Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.b), do C.P.Civil, é nula a sentença, além do mais, quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Para que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Já a mera insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, mas não produz nulidade. Igualmente não sendo a eventual falta de exame crítico da prova produzida (cfr.artº.607, nº.4, do C.P.Civil) que preenche a nulidade sob apreciação (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.139 a 141; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.687 a 689; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.36).

No processo judicial tributário o vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, norma onde estão consagrados todos os vícios (e não quaisquer outros) susceptíveis de ferir de nulidade a sentença proferida (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.357 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/2/2011, rec.871/10; ac.S.T.A-2ª.Secção, 13/10/2010, rec.218/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/5/2013, proc.6406/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6531/13).

Analisando, agora, a questão do exame crítico da prova, dir-se-á que a nulidade em causa (não especificação dos fundamentos de facto da decisão) abrange não só a falta de especificação dos factos provados e não provados, conforme exige o artº.123, nº.2, do C.P.P.T., igualmente podendo nela enquadrar-se a falta de exame crítico da prova, requisito previsto no actual artº.607, nº.4, do C.P.Civil (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.358; ac.S.T.A-2ª.Secção, 12/2/2003, rec.1850/02; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/7/2015, proc.8473/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 5/11/2015, proc.8773/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/12/2015, proc.6439/13).

Na realidade, a fundamentação de facto da decisão judicial deve incluir, não só a indicação dos elementos de prova que foram utilizados para formar a convicção do juiz, como a sua apreciação crítica, sendo caso disso, de forma a ser possível conhecer as razões por que se decidiu no sentido em que o foi e não noutro. Assim, a fundamentação de facto não deve limitar-se à mera indicação dos meios de prova em que assentou o juízo probatório sobre cada facto, devendo revelar o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu sobre todos os pontos da matéria de facto, tudo dependendo do meio probatório em causa. Nos casos em que os elementos probatórios tenham um valor objectivo (como sucede, na maior parte dos casos, com a prova documental) a revelação das razões por que se decidiu dar como provados determinados factos poderá ser atingida com a mera indicação dos respectivos meios de prova, sem prejuízo da necessidade de fazer uma apreciação crítica, quando for questionável o valor probatório de algum ou alguns documentos ou existirem documentos que apontam em sentidos contraditórios. Já quando se tratar de meios de prova susceptíveis de avaliação subjectiva (como sucede com a prova testemunhal) será indispensável, para atingir tal objectivo de revelação das razões da decisão, que seja efectuada uma apreciação crítica da prova, traduzida na indicação das razões por que se deu ou não valor probatório a determinados elementos de prova ou se deu preferência probatória a determinados elementos em prejuízo de outros, relativamente a cada um dos factos face aos quais essa apreciação seja necessária (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.321 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 15/4/2009, rec.1115/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/7/2015, proc.8473/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 5/11/2015, proc.8773/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/12/2015, proc.6439/13).

Voltando ao caso concreto, conforme se retira do exame da decisão recorrida constante de fls.303 a 321 do presente processo e das referências supra exaradas à fundamentação da decisão de facto constante da mesma, deve julgar-se improcedente a alegação do recorrente, visto que o vício que consubstancia esta nulidade, conforme mencionado acima, consiste na falta de fundamentação absoluta, não bastando que a justificação da decisão (tanto na vertente factual como no aspecto do enquadramento jurídico) se mostre deficiente, incompleta ou não convincente.

No que, especificamente, se refere ao exame crítico das provas produzidas e ao específico facto não provado, concorda este Tribunal com a apreciação efectuada pela decisão recorrida com vista a considerar irrelevante o depoimento da única testemunha ouvida, face ao conteúdo da prova documental produzida no processo. Em todo o caso, certo é que a sentença recorrida não padece da arguida nulidade, tudo sem prejuízo de se poder considerar tal factualidade de natureza conclusiva.

Concluindo, a decisão do Tribunal “a quo” não padece da nulidade acabada de examinar, assim se julgando improcedente este esteio do recurso.

Aduz, igualmente, o apelante que atenta a prova documental e testemunhal produzida, o Tribunal “a quo” deveria ter dado como provados os seguintes factos:

a)não existiu qualquer ajuste de revenda entre a impugnante (ora recorrente) e os cessionários;

b)os preços pagos corresponderam apenas aos sinais que a impugnante (ora recorrente) havia liquidado com a celebração dos contratos promessa, tendo os cessionários assumido os pagamentos ainda em dívida;

c)não chegou a haver qualquer entrega e tradição das frações prometidas comprar que ainda estavam em fase de acabamentos exteriores e nem sequer elevadores tinham;

d)nos contratos promessa não está prevista qualquer cláusula de cedência de posição contratual.

Que deve a sentença recorrida ser revogada, no que concerne à matéria de facto dada como não provada, mais se considerando provada a matéria acima identificada, por ser o conforme à prova produzida em juízo (cfr.conclusões 2 a 6 do recurso), com base em tal alegação pretendendo consubstanciar erro de julgamento de facto da decisão recorrida.

Deslindemos se a decisão recorrida comporta tal pecha.

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr.artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, IV, Coimbra Editora, 1987, pág.566 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.660 e seg.).

Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).

O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida. A decisão é errada ou por padecer de “error in procedendo”, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais que integram o procedimento aplicável, ou de “error in iudicando”, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado. A decisão é injusta quando resulta de uma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexacta dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos, que lhe são confiados (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/6/2013, proc.5618/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/4/2014, proc.7396/14; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.130; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 9ª. edição, 2009, pág.72).

Ainda no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/12/2012, proc.4855/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13).

Tal ónus rigoroso deve considerar-se mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6 (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6531/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.5555/12; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 27/02/2014, proc.7205/13).

Por outro lado, no que concretamente diz respeito à produção de prova testemunhal, refira-se que se a decisão do julgador estiver devidamente fundamentada e for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.6280/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/5/2013, proc.6418/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13).

No caso concreto, não pode deixar de estar votado ao insucesso o fundamento do recurso em análise devido a falta de cumprimento do ónus mencionado supra, desde logo, quanto aos concretos meios probatórios constantes do processo e que impunham o aditamento ao probatório da factualidade supra identificada (concreta identificação dos documentos que fundamentam tal aditamento; identificação das passagens do único depoimento testemunhal que a tal obrigavam).

Arrematando, este Tribunal não tem obrigação de conhecer do presente esteio do recurso.

Defende, ainda e em síntese, o apelante que para a A. Fiscal fazer actuar a presunção prevista no § 2, do artº.2, do C.I.M.S.I.S.S.D., teria de provar que entre o promitente comprador e o terceiro que adquiriu em definitivo a fracção prometida vender foi acordada uma revenda segundo um figurino do qual resultem para o promitente comprador vantagens económicas. Ora, tal não ficou provado. Aliás ficou provado exactamente o contrário. Que não basta, para preencher o requisito acordo de revenda, a mera diferenciação de sujeitos entre o que se compromete a comprar e o que efectivamente compra. Que se o facto tributário resulta duvidoso cabe decidir contra a Fazenda Pública e dar como não existente o mesmo, anulando-se a liquidação nos termos do artº.100, do C.P.P.T. (cfr.conclusões 12 a 31 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo consubstanciar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.

Dissequemos se a sentença objecto do presente recurso comporta tal pecha.

O sujeito passivo da relação jurídico-tributária de sisa era o transmissário, ou seja, aquele que recebia os bens imóveis transmitidos (no caso de venda é o comprador) e a matéria colectável do imposto (pressuposto objectivo genérico de qualquer relação jurídico-tributária) era constituída pelo valor do imóvel, correspondendo o conceito fiscal de transmissão ao do direito privado, isto é, só é transmissão a perda relativa e a aquisição derivada de direitos, exceptuando os casos em que a lei fiscal dispuser o contrário (cfr.artºs.7 e 19, do C.I.M.S.I.S.S.D.).

De acordo com o artº.2, § 2, do C.I.M.S.I.S.S.D., o legislador basta-se com uma tradição ficcionada ou presumida do imóvel em causa, verificados que estejam os pressupostos em que a mesma assenta, a saber e conforme já mencionado supra: o ajuste pelo promitente-comprador da revenda do imóvel a terceiro; a posterior realização da escritura de venda entre este terceiro e o primitivo promitente-vendedor.

O “ajuste de revenda” é um contrato inominado, ou seja, não se acha expressamente previsto e regulado na lei que não o consagra, nem lhe dá denominação, não tem “nomen júris”. Dentro daquilo que se pode chamar “ajuste de revenda” poderão ser encontradas diversas figuras contratuais, como o contrato de agência, o contrato de concessão, o contrato de mediação ou a cessão da posição contratual, sendo esta última definida, nos termos do artº.424, nº.1, do C. Civil, como a possibilidade que as partes, num contrato com prestações recíprocas, têm de transmitir a terceiro a sua posição contratual, desde que o outro contraente consinta na transmissão. A figura da cessão da posição contratual insere-se, sem dúvida, no conceito amplo de ajuste de revenda e tem acolhimento claro no artº.2, § 2, do C.I.M.S.I.S.S.D. Este §2 constitui, justamente, um alargamento da incidência da sisa a outras situações não contempladas nas regras anteriores do preceito, contentando-se a lei, neste caso, com uma tradição ficcionada, a chamada “traditio ficta”, sendo por isso irrelevante que à data da cedência da posição contratual, a fracção prometida comprar ainda se encontrasse em fase de construção e se dever considerar um bem futuro (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 4/3/1998, rec.20331; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 2/12/1998, rec.22820; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 31/10/2000, rec.24570; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 21/04/2010, rec.924/09; ac.T.C.A.-2ª.Secção, 27/4/1999, proc.1557/98; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/10/2004, proc.61/03; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/06/2013, proc.4716/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/06/2013, proc.5618/12; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 29/06/2016, proc.5917/12; F. Pinto Fernandes e N. Pinto Fernandes, C.I.M.S.I.S.S.D. anotado e comentado, Rei dos Livros, 4ª. Edição, 1997, pág.60).

Abordando, especificamente, o contrato de cessão da posição contratual diremos que são três os protagonistas da operação: o contraente que transmite a sua posição (cedente); o terceiro que adquire a posição transmitida (cessionário); e a contraparte do cedente, no contrato originário, que passa a ser contraparte do cessionário (contraente cedido, ou o cedido, tout court).

O contrato de cessão da posição contratual descreve, na sua configuração, um circuito de natureza triangular, visto a sua perfeição exigir o consentimento dos três sujeitos colocados em posições diferentes. Além da vontade dos intervenientes directos na cessão (o cedente, dum lado; o cessionário, do outro), o artº.424, nº.1, do C.Civil, alude directamente à necessidade do consentimento do contraente-cedido, para quem não é indiferente a pessoa do devedor nas obrigações de que ele seja credor. Assim, pela mesma razão por que não é possível a assunção de dívida sem o assentimento do credor, também a substituição do cedente, na transmissão da posição contratual, se não pode consumar sem o consentimento do contraente cedido.

Para que possam ser definidos os direitos e deveres de cada um dos três protagonistas da cessão da posição contratual e compreendida a função específica deste tipo negocial, importa ter presente a distinção entre os dois contratos que se cruzam na operação. Existe, por um lado, o verdadeiro contrato de cessão da posição jurídica de certo contraente; por outro há o contrato base de onde nasceu a posição (complexo de direitos e deveres) que um dos contraentes (cedente) transmite a um terceiro (cessionário).

A conexão existente entre os dois contratos provém do facto de o contrato de cessão ter por efeito típico a transmissão da posição de um dos contraentes na relação nascida do contrato base (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 9/11/2011, proc.3130/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/03/2017, proc.5954/12; ac.S.T.J.-6ª.Secção, 12/7/2011, proc. 1552/03.9TBVLG.P1; João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Almedina, 5ª.edição, 1992, vol.II, pág.381 e seg.; António Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, AAFDL, 1990, vol.II, pág.121 e seg.).

No caso concreto, assentam as liquidações de sisa objecto dos presentes autos no artº.2, § 2, do C.I.M.S.I.S.S.D. (cfr.nºs.1 e 2 do probatório). Ora, de acordo com a jurisprudência o legislador basta-se com uma tradição ficcionada ou presumida do imóvel em causa, verificados que estejam os pressupostos em que a mesma assenta, a saber: o ajuste pelo promitente-comprador da revenda do imóvel a terceiro; a posterior realização da escritura de venda entre este terceiro e o primitivo promitente-vendedor.

Do exame do probatório decorre que o recorrente, apesar de ter cedido a sua posição contratual nos celebrados contratos-promessa, nenhuma justificação forneceu para esses actos, assim permitindo que, legitimamente, se inferisse o escrutinado ajuste de revenda dos imóveis em causa. Recorde-se que não resultou provada factualidade que aponte para uma qualquer impossibilidade do recorrente em outorgar os contratos definitivos, isto é, as escrituras de compra e venda.

Com estes pressupostos, forçoso é concluir que se verifica o ajuste de revenda das fracções autónomas em causa, para efeitos do examinado artº.2, § 2, do C.I.M.S.I.S.S.D., em consequência do que se confirma, também neste segmento, a decisão do Tribunal “a quo”.

Por fim, defende o apelante que o Tribunal "a quo" devia anular as liquidações impugnadas devido a dúvida fundada sobre a existência dos respectivos factos tributários, tudo nos termos do artº.100, nº.1, do C.P.P.T.

A questão sob apreciação não foi invocada no articulado inicial da presente impugnação em 1ª. Instância. Na verdade, não se alcança do exame da p.i. (cfr.fls.3 a 13 dos autos) que a matéria vertida nas conclusões que se deixou exposta (a invocada dúvida fundada sobre a existência dos respectivos factos tributários, com exame nos termos do artº.100, nº.1, do C.P.P.T.) haja sido alegada em 1ª. Instância, pelo que não poderia ser objecto de conhecimento e correcção pelo Tribunal “a quo”, sendo nesta sede de recurso pela primeira vez suscitada. Igualmente, não sendo matéria de conhecimento oficioso.

É que o direito português segue o modelo do recurso de revisão ou reponderação (modelo que tem as suas raízes no Código Austríaco de 1895). Daí que o Tribunal “ad quem” deva produzir um novo julgamento sobre o já decidido pelo Tribunal “a quo”, baseado nos factos alegados e nas provas produzidas perante este. Os juízes do Tribunal de 2ª. Instância, ao proferirem a sua decisão, encontram-se numa situação idêntica à do juiz da 1ª. Instância no momento de editar a sua sentença, assim valendo para o Tribunal “ad quem” as preclusões ocorridas no Tribunal “a quo”. Nesta linha, vem a nossa jurisprudência repetidamente afirmando que os recursos são meios de obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos Tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do Tribunal de que se recorre, visto implicar a sua apreciação a preterição de um grau de jurisdição (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/1/1992, rec.13331; ac.S.T.J., 25/2/1993, proc.83552; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 1/3/2011, proc.2442/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/8/2012, proc.5857/12; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 9/7/2013, proc.6817/13). Não vale, contudo, também entre nós, em toda a sua pureza, o modelo de recurso de reponderação. Além de outras excepções (v.g.as partes podem acordar, em 2ª. Instância, a alteração ou ampliação do pedido - cfr.artº.264, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), o Tribunal “ad quem” pode conhecer de questões novas, ou seja, não suscitadas no Tribunal recorrido, desde que de conhecimento oficioso e ainda não decididas com trânsito em julgado. E essas questões podem referir-se, quer à relação processual (v.g.excepções dilatórias, atento o disposto no artº.578, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), quer à relação material controvertida (v.g.prescrição e duplicação de colecta - cfr.artº.175, do C.P.P. Tributário). No que respeita à matéria de direito, são os Tribunais de recurso inteiramente livres quanto à determinação, interpretação e aplicação das normas jurídicas ao caso ajuizado, devendo, mesmo, tomar em consideração as modificações da lei sobrevindas após o julgamento ocorrido na instância inferior, caso elas abranjam a relação jurídica litigiosa (cfr.António Santos Abrantes Geraldes, Recurso em Processo Civil, Novo Regime, 2ª. Edição Revista e Actualizada, 2008, Almedina, pág.92 e seg.; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.153 e seg.; Armindo Ribeiro Mendes, Direito Processual Civil III, Recursos, AAFDL, 1982, pág.174).

Concluindo, o recorrente pretende a emissão de pronúncia sobre questão nova, o que o mesmo é dizer que o tema suscitado nas conclusões apelatórias em análise excede o objecto do recurso, implicando a sua apreciação a preterição de um grau de jurisdição, pelo que dele se não conhece.

Atento tudo o relatado, nega-se provimento ao recurso deduzido e confirma-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.     


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DISPOSITIVO

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Face ao exposto, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul ACORDAM EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.

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Condena-se o recorrente em custas.

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Registe.

Notifique.


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Lisboa, 28 de Setembro de 2017

(Joaquim Condesso - Relator)

(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)

(Bárbara Tavares Teles - 2º. Adjunto)