Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:9472/16.0BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:06/24/2021
Relator:MÁRIO REBELO
Descritores:INVOCAÇÃO DE ILEGALIDADE
DIREITO DE AUDIÇÃO
Sumário:1. O Impugnante pode invocar na ação de impugnação qualquer ilegalidade, mesmo que não a tenha invocado no procedimento.
2. O facto de o Impugnante não ter exercido o direito de audição não preclude a possibilidade de invocar os vícios que, posteriormente, em sua defesa pretenda apresentar.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


RECORRENTE: Exmo. Representante da Fazenda Pública
RECORRIDO: P….., Lda.
OBJECTO DO RECURSO: Sentença proferida pelo MMº juiz do TAF de Sintra na parte em que julgou procedente a impugnação deduzida contra as liquidação adicionais de IVA e juros compensatórios referente a 2002.
CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES:

 I. O artigo 20.° do CIVA define em que termos o imposto suportado pelo sujeito passivo pode ser deduzido, resultando do artigo 21.° do CIVA a enumeração de despesas cuja dedução do IVA se encontra vedada, das quais salientamos, pela sua pertinência pare o caso que aqui nos traz, as constantes das alíneas a), d) e e).

II.        Por outro lado, o n.º 2 do artigo 21.º do CIVA prescreve um afastamento da exclusão do direito à dedução nas sus várias alíneas.

II. Com fundamento na exclusão do direito a dedução, nos termos do disposto nas alíneas a), d) e e) do artigo 21.° do CIVA, não admitiu a Inspecção Tributária, no âmbito de procedimento inspectivo interno, o IVA suportado pela impugnante, com referência ao ano de 2002 e no valor de € 1.108,08, relativo a despesas tituladas pelos documentos apresentados pela impugnante com os n.°s 294, 56 e 88.

IV.      Pois que, notificada a impugnante para a apresentação de documentos comprovativos das operações efectuadas com vista à validação do reembolso de IVA solicitado, apresentou os documentos que se encontram devidamente identificados no relatório de inspecção tributaria e que por si só não permitiam admitir a dedução do IVA suportado, uma vez que se incluíam no disposto nas alíneas a), d) e) do n.° 1 do artigo 21.° do CIVA.

V.        Facto este que se encontra devidamente fundamentado de facto e de direito no RIT constante dos autos, com referência às especificas despesas em questão nos presentes autos, no qual são discriminadas as facturas em causa, com indicação  do número do documento, da descrição, do NIF do fornecedor do bem/serviço, do valor de IVA e da data.

VI.      E considerando os documentos apresentados pela impugnante, devendo ter-se em considerando de que se tratava de um procedimento inspectivo interno, não podia a Administração Fiscal ter agido de outra forma, porque se tratava de despesas que, pela sua natureza e também pelo facto de não se mostrarem validadas por documentos suplementares, não conferiam o direito a dedução do imposto.

VII.     E, notificada a impugnante do projecto de relatório com vista a exercer, querendo, o seu direito de audição, com especificação das concretas despesas em causa, teria sido sua obrigação fazer juntar ao procedimento inspectivo em curso os concretos documentos que permitiam estabelecer a conexão entre os serviços/bens adquiridos e um terceiro por conta do qual correriam as despesas nos termos do disposto na alínea c) do n.° 2 do artigo 21.° do CIVA.

VIII.   Contudo, assim não procedeu a impugnante, nada alegando nesse sentido aquando do exercício do direito de audição, conforme vertido no RIT, pelo que se conclui que a AT não era exigível actuar de diversa forma, não lhe sendo lícito aceitar a dedução de IVA relativamente a despesas cuja exclusão do direito a dedução decorre expressamente da lei.

IX.      E neste ponto efectivamente concordamos com a douta sentençaa recorrida que afirma decorrer do artigo 74.° da LOT que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração  ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque, para chegarmos, no entanto, a conclusão diversa: à AT cabia fazer a prova dos factos em que fundamenta as correcções, ónus que a mesma cumpriu, enquanto a impugnante, como sujeito passivo que se [arroga] o direito à dedução  do IVA suportado, cabia fazer a prova dos factos constitutivos em que assentava tal direito a dedução com referência a despesas que originariamente e de acordo com as regras gerais vertidas no n.° 1 do artigo 21.° do CIVA não conferem tal direito.

X.        Não cumpriu a impugnante o ónus que sobre si impendia, nos termos do artigo 74.° da LGT, mostrando-se desta feita as correcções como absolutamente legitimas, e não padecendo de qualquer erro na apreciação dos factos e do direito.

XI.      Junta em sede de impugnação judicial a impugnante um parecer de um Revisor Oficial de Contas, cujos fundamentos a douta sentença acolhe como válidos e bastantes, entendimento que a Fazenda Publica claramente não sufraga, discordando ademais da errónea qualificação do meio de prova enquanto prova pericial, porquanto totalmente subtraído ao regime próprio da prova pericial decorrente do disposto nas normas dos artigos 467.° a 489.° do CPC, com consequências ao nível da valoração da prova.

XII.     Por outro lado, a Fazenda Pública diverge da douta sentença recorrida porquanto não pode ser atribuída ao parecer do ROC a capacidade de produzir a prova necessária à aceitação do direito de dedução do IVA, porque antes de mais se impunha que tal produção de prova tivesse ocorrido à data do procedimento inspectivo, não se mostrando possível que a AT admitisse o direito a dedução à data com base em factos e documentos que nunca poderiam ser atendidos à data para efeitos de admissão do direito a dedução porque invocados na presente sede.

XIII.   Acresce que o parecer junto aos autos não permite estabelecer uma relação segura e precisa entre os documentos cujo IVA foi desconsiderado e a sua subsequente facturação a terceiros por conta dos quais teriam sido contratados pela impugnante, pois que tal facto não resulta dos anexos ao parecer, nem do próprio parecer, que se refere a meros procedimentos abstractos e gerais.

XIV.   Não permite, pois, o parecer identificar como, quando, de que forma, e com relação a que facturas cujo IVA foi deduzido em 2002 de forma a fazer jus ao exigido pelo disposto na alínea d) do n.° I do artigo 21.° do CIVA conjugado com a alínea c) do n.° 2 do mesmo artigo.

XV.     Pelo que, se mostra a douta sentença proferida em erro de julgamento de facto, fazendo uma errónea apreciação dos factos trazidos a juízo, e em violacão do disposto nas alíneas a), d) e e) do n.° 1 do artigo 21.° do CIVA e alínea c) do n.° 2 do artigo 21.° do CIVA, bem como das normas constantes do n.° 3 do artigo 74.° da LGT.

XVI.   Ademais, resulta da valoração atribuída pela douta sentença recorrida ao parecer do ROC a inclusão do mesmo na categoria de relatório pericial, em violacão do disposto nos artigos 469.° a 489.° do CPC.

XVII.  Atento o exposto, na sentença recorrida não foi obtido o melhor julgamento, pelo que, pugna-se pela substituição da decisão proferida nos autos de modo a que, com as legais consequências, se considere correcta e fundamentada a posição da Administração Fiscal quanto a liquidação adicional de IVA referente ao exercício de 2002, e respectivos juros compensatórios.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação totalmente improcedente.

SENDO QUE EXAS. DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste TCA emitiu esclarecido parecer concluindo  pela procedência do recurso.

II QUESTÕES A APRECIAR.

O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou no julgamento de facto e de direito ao julgar procedente a impugnação deduzida contra as liquidação adicionais de IVA/2002.

III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:

1.         A Impugnante tem por objecto social a “a actividade de prestações de serviços de publicidade e comunicação a sujeitos passivos dos países comunitários”, sendo sujeito passivo de IVA enquadrado no regime normal e com periodicidade mensal;

2.         Em cumprimento das ordens de serviço n.ºs ….., ….., …..e ….., foi efectuada pelos de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa análise dos pedidos de reembolso do IVA referente aos períodos 01/04, 01/010, 02/01 e 02/06, nos montantes de Euros 42.031,83, 23.85198, 45.000,00 e 31.837,02, respectivamente;

3.         No decurso da acção inspectiva relativa aos pedidos de reembolso foi apurado que:

“Nos períodos em análise a maioria do seu volume de negócios destina-se ao Mercado comunitário, nomeadamente para Espanha”;

4.         Notificada para o efeito, no decurso da acção inspectiva, a Impugnante remeteu à AF vária documentação que se encontra junta ao processo administrativo e cujo teor aqui se dá por reproduzido;

5.         Analisados os documentos enviados, foi pel a AF concluído, que: “O sujeito passivo deduziu IVA, relativamente às facturas que constam no quadro (…) dos anos de 2000, 2001 e 2002, relativamente a diversas despesas que não conferem direito à dedução do imposto suportado nos termos das alíneas a), d) e e) do n.º 1 do art. 21.º do CIVA, nomeadamente despesas relativas à locação de barcos (IATE), despesas respeitantes à aquisição de HI -FI, Leitor de DVD’S e TV (exclusão do direito à dedução do imposto suportado, dado que o seu carácter não os torne essenciais à actividade produtiva e são facilmente desviáveis para consumos  particulares, não obstante de os mesmos bens pertencerem ao seu imobilizado), despesas relativas ao cartão de crédito – Classic Empresa, despesas respeitantes a alimentação, bebidas, animação e de recepção, incluindo as relativas ao acolhimento de pessoas estranhas à empresa e as despesas relativas a imóveis ou parte de imóveis e seu equipamento, destinados principalmente a tais recepções e eventos;

6.         Culminando a acção de inspecção foi apurado IVA em falta e emitidas as liquidações impugnadas, nos montantes de: Euros 34.620,13, referente ao ano de 2001, e 1.108,08 relativamente ao ano de 2002, acrescidas dos respectivos juros compensatórios;

7.         Em 30 de Junho de 2003 foi elaborado por J….., ROC ….., “Relatório do Revisor Oficial de Contas Independente” subordinado ao tema: ”Débito de Despesas a Clientes”, e que se transcreve:

“O presente relatório é emitido a pedido da Gerência da sociedade P….., LDA., (P…..) tendo em vista confirmar se determinadas despesas por ela incorridas se encontram debitadas, ou não, na facturação emitida a clientes:

1.         Examinámos, numa base substantiva, as despesas incorridas pela P….. constantes do quadro constante do Anexo I.

2.         As referidas despesas são incorridas pela P….. com a organização de eventos comercializados pela Empresa, sendo obtido previamente um orçamento das mesmas junto ao respectivo fornecedor.

3.         Tais orçamentos são discutidos e aprovados pelos clientes, e mantidos em boa ordem pela P…...

4.         Analisámos os orçamentos de cada “obra”, que dão origem à emissão de uma factura pela P….., as despesas a que respeitam aqueles orçamentos e as correspondentes facturas emitidas pela empresa.

5.         Do exame efectuado podemos confirmar que as despesas incluídas no mapa em anexo são repercutidas nas facturas emitidas pela P….. aos seus clientes, sendo:

(i)        No caso das facturas incluídas no Anexo II, debitadas e identificadas claramente nas mesmas; e

(ii)       No caso  das facturas incluídas no Anexo III, não identificadas expressamente nas mesmas, mas podendo-se concluir que nelas se encontram incluídas, através da comparação entre a importância facturada e a importância orçamentada”.

(vide Relatório Pericial de fls. 11 e seguintes, que aqui se dá por integralmente reproduzido, nomeadamente, os anexos a que se fez referência);

8.         As despesas cujo direito à dedução não foi aceite pela AT foram facturadas aos respectivos clientes da Impugnante;

9.         A liquidação de IVA referente ao ano de 2001, com o n.º ….., no montante de Euros 34.620,13, e as liquidações de juros compensatórios referentes ao IVA do mesmo ano, com os n.ºs ….. e ….., nos montantes, respectivamente, de Euros 1.804,22 e 1.236,14, tinham como data limite para pagamento voluntário o dia 31 de Março de 2003;

10.       A p.i. da presente impugnação foi entregue, em mão própria, no Serviço de Finanças de Oeiras – 3. em 2 de Julho de 2003.

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Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.

*

A decisão sobre a matéria de facto assentou na análise crítica das informações oficiais e dos documentos constantes dos autos.

*

ADITAMENTO OFICIOSO DE FACTOS.

a)Como vemos dos Factos Provados, o MMº juiz considerou provados factos com remissão para os anexos a que se fez referência no parecer do Exmo. ROC, junto com a petição inicial.

Este modo de elaboração do probatório tem sido reiteradamente censurado pela jurisprudência como uma prática inadequada[1], pelo que se impõe a correção do erro.

Assim, aditam-se os seguintes factos suportados pelas facturas juntas aos autos, quer pela AT no procedimento, quer pela Impugnante na impugnação: 

7.1.

T….. - Factura n.º 294, de 16/5/2002, no valor  de € 2593,75 e IVA no montanate € 440,94, com a descrição “Aluguer de salão”

Esta factura contem no seu descritivo, entre outros, “Evento (espaço, catering 200 pax. Animação, 2000 convites/envelopes; 2000 envios/handling; decoração) no valor de € 18485,36

E mais abaixo “Aluguer de autocarro (Porto Mafra/Mafra Porto).

7.2

E…..-Factura n.º 56, de 17/5/2002, no valor de € 2169,77 e IVA no valor de € 368,86 com a descrição “Ação de animação -T…..” (fls. 48 do PA).

Esta despesa foi debitada na factura n.º 54/2002, onde efetivamente consta a menção a animação (fls. 20).

7.3

O…... Factura n.º 88, de 15/4/2002, no valor de € 2882,60 e IVA de 490,04, com o descritivo “Evento: Reunião 11/4/2002.

50% do valor relativo ao aluguer de salas.

Restante do valor relativo ao equipamento audiovisual

100% do valor relativo ao serviço de catering” (fls. 49 do PA).

b) Elimina-se do probatório a palavra “pericial”, usada pelo MMº juiz na fundamentação do facto n.º 7, e na fundamentação de direito, por estar referida ao documento junto pela Impugnante e subscrito por ROC, que pretende demonstrar as despesas realizadas pela Impugnante foram debitadas aos seus clientes. Não se trata de relatório pericial na medida em que o seu conteúdo não foi produzido de acordo com as regras da prova pericial (arts. 467º e segs do CPC).

IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

A sociedade P….. deduziu impugnação judicial contra as liquidações adicionais de IVA dos anos de 2001 e 2002, efetuadas na sequência de uma inspeção realizada após pedido de reembolso aos exercícios de 1999, 2000, 2001 e 2002 por não aceitação do IVA deduzido, alegando que as despesas são relativas a serviços necessários para a prossecução do seu objecto social (despesas de restauração, hotelaria, aluguer de equipamentos, carros e barcos, os quais pela sua natureza se enquadram no âmbito do art. 21º do CIVA). Mas o desenvolvimento de ações de Marketing e publicidade, cerne da actividade da P….., implica o suporte de despesas identificadas pelos serviços como não passíveis de dedução. Não obstante tais bens e serviços serem facilmente desviáveis para consumos privados, eles são de facto utilizados na prossecução do desenvolvimento da sua actividade.

Além disso, a P….. procede à faturação das ações e projetos realizados aos seus clientes, pelo que se deve aplicar o disposto na alínea c) do n.º 2 do art. 21º do CIVA.

O MMº juiz julgou procedente a exceção de caducidade do direito de impugnar em relação ao IVA 2001 e juros compensatórios. No restante, IVA de 2002,  julgou procedente a impugnação essencialmente porque a argumentação da AT é genérica e meramente conclusiva contrapondo o Impugnante a errónea apreciação dos factos e do direito aplicável, baseando-se no parecer do ROC, cujos fundamentos acolheu como válidos e bastantes.

O ERFP discorda. Desde logo porque a Impugnante foi notificada para apresentar os documentos comprovativos das operações efetuadas, apresentando apenas os documentos identificados no RIT que só por si não permitiam admitir a dedução do IVA suportado, uma vez que se incluíam no disposto nas alíneas a), d) e e) do art. 21º do CIVA.

Depois, quando notificada do relatório para exercício do direito de audição, tão pouco juntou ao procedimento os concretos documentos que permitiam estabelecer a conexão entre os serviços/bens adquiridos e um terceiro por conta do qual correriam as despesas nos termos do disposto na alínea c) do n.º 2 do art. 21º do CIVA, incumprindo o ónus que sobre si impendia.

Acrescenta que o parecer do ROC também não permite estabelecer uma relação segura e precisa entre os documentos cujo IVA foi desconsiderado e a sua subsequente faturação a terceiros por conta dos quais teriam sido contratados pela Impugnante.

Apreciemos então.

Antes do mais, considerando exposto, concluímos que o recurso incide sobre a parte da sentença que julgou procedente a impugnação contra as liquidações de IVA referentes ao ano de 2002, por erro na apreensão da matéria factual, uma vez que a Impugnante não fez prova de que tinha direito à dedução do imposto liquidado nas faturas e o parecer o ROC não tem aptidão para produzir a prova necessária à aceitação de tal direito à dedução, mas também erro de direito, uma vez que a prova necessária à aceitação do direito à dedução  nos termos da alínea c) do n.º 2 do art. 21º CIVA deveria ter ocorrido na data do procedimento inspetivo, não se mostrando possível que a AT admitisse o direito à dedução à data com base em documentos que nunca poderiam ser atendidos à data para efeitos de admissão do direito à dedução porque invocados na presente sede.

Começando pela última questão adiantemos desde já que não procede. Como resulta do disposto no art. 99º do CPPT, o Impugnante  pode invocar na ação de impugnação qualquer ilegalidade, mesmo que não a tenha invocado no procedimento, pois a lei não prevê qualquer restrição.

Por outro lado, o facto de o Impugnante não ter exercido o direito de audição não preclude a possibilidade de invocar os vícios que, posteriormente, em sua defesa pretenda apresentar.  O exercício do direito de audição é um direito do contribuinte (constitucionalmente consagrado na vertente do direito de participação– cfr art. 267º/5  CRP) e não um dever cujo incumprimento tenha função preclusiva.

O dever que neste campo existe situa-se na esfera da AT, vinculada que está a proporcionar o exercício deste direito ao contribuinte nas condições previstas no art. 60º LGT.

Mas a este dever da AT corresponde, do lado do sujeito passivo, apenas um direito que pode ou não exercer, sem consequências preclusivas.

Vejamos agora se a sentença errou ao considerar estar verificada a não exclusão do direito à dedução de acordo com os requisitos enunciados na alínea c) do n.º 2 do art.º 21º do CIVA (na redação aplicável).

Nesta matéria, ao contrário do que defende a Impugnante, a lei não faz depender o direito de dedução do IVA liquidado nas despesas faturadas ao seu objeto social. A lei, atendendo à natureza destas despesas apenas permite que o IVA liquidado seja dedutível nas situações previstas no n.º 2 do art. 21º do CIVA.

Ora, de acordo com a alínea c) do n.º2 do art.º 21º do CIVA,  não são excluídas do direito à dedução as despesas mencionadas nas alíneas a), c) e d) do número anterior, quando efetuadas por um sujeito passivo do imposto agindo em nome próprio mas por conta de um terceiro, desde que a este sejam debitadas com vista a obter o respetivo reembolso.

Neste contexto, das despesas faturadas à Impugnante e que esta deveria debitar aos seus clientes (para não excluir o direito à dedução), podemos identificar as seguintes, aditadas aos factos provados:

1º Fatura T…...

Factura n.º 294, de 16/5/2002, no valor  de € 2593,75 e IVA no montante € 440,94, com a descrição “Aluguer de salão”.

Esta despesa, de acordo com parecer do Exmo. ROC foi debitada na factura n.º 54/2002 fls. 20 dos autos).

Esta factura contem no seu descritivo, entre outros, “Evento (espaço, catering 200 pax. Animação, 2000 convites/envelopes; 2000 envios/handling; decoração) no valor de € 18.485,36

E mais abaixo “Aluguer de autocarro (Porto Mafra/Mafra Porto).

Assim, podemos concluir que esta despesa foi debitada a terceiro por conta de quem foi realizada a despesa,  satisfazendo o disposto na alínea c) do n.º 2 do art. 21º do CIVA (na redação aplicável)

2º Fatura E…..

Factura n.º 56, de 17/5/2002, no valor de € 2169,77 e IVA no valor de € 368,86 com a descrição “Ação de animação - …..” (fls. 48 do PA).

Esta despesa, de acordo com parecer do Exmo ROC foi debitada na factura n.º 54/2002.

Nesta fatura efetivamente consta a menção a “animação” (fls. 20).

Assim podemos também concluir que esta despesa foi debitada ao terceiro por conta de quem foi realizada a despesa, nos mesmos termos supra referidos.

A terceira factura (O…..) com o  n.º 88, de 15/4/2002, no valor de € 2882,60 e IVA de 490,04, com o descritivo “Evento: Reunião 11/4/2002.

50% do valor relativo ao aluguer de salas.

Restante do valor relativo ao equipamento audiovisual

100% do valor relativo ao serviço de catering (fls. 49 do PA).

Esta despesa, de acordo com parecer do Exmo ROC foi debitada na factura n.º 30/2002, (fls. 37).

Mas da descrição desta factura não se consegue estabelecer com um mínimo de segurança que esta despesa foi efetivamente debitada ao terceiro adquirente.

Por conseguinte, o IVA liquidado nesta despesa permanece não dedutível.

 

Nestas circunstâncias, o recurso deve proceder parcialmente revogando-se a sentença na parte recorrida, apenas quanto à fatura n.º n.º 88, de 15/4/2002 (O…..) que por não preencher os requisitos da não exclusão do direito à dedução, o IVA nela liquidado não poderá ser deduzido pela Impugnante.

E consequentemente, improcede a impugnação também nesta parte, para além da improcedência decidida na sentença em relação ao exercício de 2001.

 

V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da segunda sub-secção de contencioso Tributário deste TCAS em conceder parcial provimento ao recurso, revogar a sentença na parte recorrida, no segmento em que julgou verificada a não exclusão do direito à dedução do IVA liquidado na fatura n.º 88, de 15/4/2002.

Em consequência, improcede, também parcialmente, a impugnação na parte relativa a esta fatura (mantendo-se a improcedência da impugnação na parte relativa à impugnação do ano de 2001).

Custas pela Recorrido em todas as instâncias, na proporção do decaimento, desonerando-se apenas do  pagamento da taxa de justiça neste TCA por não ter contra alegado.

A AT não suporta quaisquer custas por o processo ser anterior a 2004.

[Nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, o relator consigna e atesta que têm voto de conformidade as Exmas. Senhoras Desembargadoras Patrícia Manuel Pires e Susana Barreto que integram a presente formação de julgamento.]

(Mário Rebelo)

______________
[1] Cfr., por todos,  o Ac. do STA n.º 0994/15 de 20-01-2016 Relator:     PEDRO DELGADO
Sumário:               II - A mera remissão para um documento tem apenas o alcance de dar como provada a existência desse documento, um meio de prova, e não o de dar como provada a existência de factos que com base neles se possam considerar provados.