Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1039/06.8BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:05/08/2019
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:IRS;
RENDIMENTO ACRÉSCIMO;
MAIS VALIAS;
PERMUTA;
BENS FUTUROS;
DISTRATE;
CAPACIDADE CONTRIBUTIVA.
Sumário:I - O CIRS adota o conceito de rendimento acréscimo, constituindo, assim, a base de incidência deste tributo todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela as mais-valias.
II - Com a outorga do distrate do contrato de permuta ocorre a resolução do negócio anteriormente celebrado por ambos os contraentes e por mútuo acordo, extinguindo-se, assim e de forma potestativa, toda a relação contratual.
III - Deixa, dessa forma, de existir a manifestação de capacidade contributiva que justificava a incidência em termos de IRS, e legitimava a tributação enquanto rendimento de mais valias, donde inexiste facto tributário;
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACÓRDÃO

I - RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (DRFP) veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida, pelo Tribunal Tributário de Lisboa, constante de fls. 259 a 272 dos autos do presente processo que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por M... e MA... tendo por objeto a liquidação de IRS nº 2010 500..., do ano de 2001, no montante de €21.804,22.

A Recorrente, a fls. 285 a 291 dos autos, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

I- Pelo elenco de razões acima arroladas, ressalve-se melhor entendimento, infere-se que a sentença proferida pelo Tribunal “ad quo” caiu em erro, porquanto os factos dados como provados devem levar, na aplicação devida das normas substantivas, a solução diversa da sentenciada e portanto conduziriam a uma decisão diferente da adoptada pelo Tribunal ad quo. Como tal, somos levados a concluir pela existência de resulta de uma distorção na aplicação do direito de tal forma a que o decidido não corresponde à realidade normativa objecto de uma análise deficiente, levando a decisão recorrida a enfermar de error juris.

II – O impugnante, herdeiro de J..., celebrou um contrato de permuta de 3 terrenos para construção por 12 fracções, a construir pela sociedade G... – Imobiliária SA, outorgante na escritura. Neste contrato, os herdeiros estipularam a reserva de propriedade até que a sociedade G... apresentasse uma garantia no montante de 200.000.000$00, prescindindo da mesma posteriormente.

A sociedade G... não cumpriu o contrato de permuta e os herdeiros celebraram, por acordo, uma escritura de distrate do mesmo.

Por sua vez, a AT realizou uma inspecção na sequência de os impugnantes não entregarem o Anexo G da Mod. 3 entendendo que o distrate ou a revogação do contrato não retira os efeitos fiscais do contrato de permuta.

III - A questão decidenda é saber se o distrate do contrato de permuta celebrado em 15/11/2005 importa a anulação da liquidação de IRS, em virtude desta não se puder manter por inexistência de facto tributário.

IV – O art.º 10.º do CIRS consagra que as mais valias resultam da alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis e que os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos actos nos casos de contrato de permuta.

V – Por sua vez o art.º 42.º do CIRS estipulava que o valor de realização nos contratos de permuta é o valor atribuído no contrato dos bens e, nos contratos de permuta por bens futuros o valor reporta-se à data da celebração do contrato.

VI - Pelo exposto, constata-se que nestes normativos o que releva é que o facto tributário gerador de imposto, é desde a celebração da escritura pública de permuta.

VII - O contrato de permuta é um contrato atípico, inominado, pois não tem regulamentação específica na nossa lei, pelo que a sua regulação faz-se nos termos do regime aplicável ao contrato de compra e venda, por força do art.º 939.º do CC.

VIII - Na alienação de bens futuros, por exemplo compra e venda ou permuta, a transferência do direito de propriedade para o adquirente dá-se por mero efeito do próprio contrato, mas a transferência para o adquirente não corre imediatamente, ocorrendo apenas quando a coisa for adquirida pelo alienante ou for determinada com o conhecimento de ambas as partes, nos termos dos arts. 408.º, n.º 2 e 879.º, al. a) e 939.º, todos do CC.

IX - Na verdade, no caso dos autos e, por se tratar de permuta de prédios rústicos por fracções autónomas de edifício a construir, o direito de propriedade dos prédios rústicos transfere-se imediatamente para o adquirente, por efeitos do contrato de permuta.

X - Mas, quanto à transferência do direito de propriedade relativo à fracção autónoma do edifício a construir, bem futuro, para os permutantes adquirentes, ora impugnantes, também se dá por efeito directo do mesmo contrato de permuta, apesar desse efeito apenas se produzir após a construção das fracções.

XI - Ora, tratando-se de coisa futura, a constituição ou transferência do direito real não se verifica no exacto momento do contrato, mas apenas quando o alienante construa o bem, no entanto, essa constituição ou transferência não deixa, por isso, de se operar por efeito do contrato, pelo que o efeito real é sempre um efeito deste e não de um acto subsequente realizado em execução deste.

XII - Com a celebração do contrato produziam-se igualmente os seus efeitos obrigacionais, isto é, a obrigação de pagamento do preço e a obrigação de entrega da coisa, nos termos do art.º 879.º, al. b) e c) do CC, ex vi art.º 939.º do CC.

XIII - Do probatório da douta sentença consta que o impugnante, juntamente com o demais herdeiros, celebram, em 11/04/2011, um contrato de permuta através do qual permutavam à sociedade G... 3 prédios rústicos, recebendo os impugnantes, como contrapartida, uma fracção autónoma a construir.

A fracção autónoma constitui o ganho obtido pelo impugnante e resultante da permuta celebrada com a sociedade G..., sendo que à data da celebração do contrato de permuta, as fracções autónomas ainda não tinham sido construídas.

XIV - A fracção autónoma revestia a natureza de bem futuro, por força do art.º 211.º do CC.

XV - A transferência do direito real sobre essa fracção opera-se por mero efeito do contrato, produzindo-se, igualmente, os seus efeitos obrigacionais deste, in casu, a obrigação de entrega da coisa, sendo que a partir da celebração do contrato o ganho passou a estar na disposição do impugnante.

XVI - A partir da celebração do contrato de permuta, o impugnante passou a ter direito à entrega da referida fracção, sendo que só a entrega se encontra diferida, uma vez que se trata de bens futuros.

XVII - Porém, o direito à fracção é uma realidade económica que entrou na esfera jurídica do impugnante, no seu património, com a celebração da escritura de permuta, mensurável economicamente, pelo que aqueles poderiam dispor desse direito a partir daquela data, designadamente, por cessão da posição contratual.

XVIII - No Ac. do STA de 02/02/2006 é referido que “(…) O intérprete da lei fiscal não pode deixar de atender à substancia económica dos factos tributários. “Isto porque, como frequentemente se acentua, o que efectivamente importa ao direito fiscal são as realidades económicas, as situações reais que expressam a percepção de rendimento ou a capacidade contributiva, e não as meras roupagens com que, por vezes, se apresentam exteriormente.” (Acórdão desta Secção do STA de 14/6/95, in rec. nº 18.778). “E, como é sabido, ao direito fiscal não é indiferente a tributação dos efeitos económicos pretendidos pelas partes, que, na realidade, se tenham produzido: é o que se tem denominado por “realismo” do mesmo direito: a consideração económicas os factos ou actos com relevância jurídica tributária” (Acórdão desta Secção do STA de 4/4/01, in rec. nº 25.469).” – vide Ac. do STA de 02/02/2006, proferido no rec. n.º 0746/05.

XIX - Assim sendo, e da conjugação dos preceitos legais citados, decorre que os ganhos obtidos pelo impugnante relevam para efeitos de mais-valias desde o momento em que foi efectuado a alienação onerosa, isto é, desde a data da celebração da escritura pública de permuta cujos efeitos económicos do contrato se produziram desde aquela data, existindo, por isso, facto tributário nos temos do art.º 10.º, n.º 1, al. a) e n.º 3 do CIRS.

XX - Por outro lado, o distrate do contrato de permuta apesar de extinguir os efeitos civis do contrato de permuta não extingue os seus efeitos tributários, na medida em que, enquanto este não for declarado nulo ou anulado aqueles efeitos mantêm-se, mantendo-se, por isso, os actos tributários.

XXI - Neste sentido, o Ac. do TCAS de 11/10/2005 que “(…) Existe acto tributário consistente em venda ou trespasse de estabelecimento comercial por certa quantia operado por escritura pública, ainda que o negócio ali declarado tenha sido revogado por ulterior escritura pública, enquanto o mesmo não for declarado nulo ou anulado pelos tribunais comuns (…) Quanto à essência do facto tributário, tendo em conta a existência de uma escritura pública donde o mesmo emerge – a escritura pública de 31.12.1997– é inegável que enquanto mo negocio jurídico não for declarado nulo ou anulado não pode a AT deixar de efectuar a correspondente liquidação nos termos nela declarados.” – vide Ac. do TCAS de 11/10/2005, proferido no proc. n.º 07401/02

XXII - Nos termos expostos, constata-se que a liquidação respeitou o art.º 10.º, n.º 1, al. a) e n.º 3 do CIRS, existindo facto tributário, não ocorrendo, por isso, qualquer violação do princípio da capacidade contributiva, pelo que a douta sentença deve ser revogada por outra sob pena de ilegalidade por erro de julgamento.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente, com as devidas consequências legais.

PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA”

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Os Recorridos optaram por não apresentarem contra-alegações.

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A Digna Magistrada do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso (cfr. fls. 299 a 302 dos autos).

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr. fls. 261 a 265 dos presentes autos):

“Com relevância para a decisão da presente ação de impugnação, de acordo com as diversas soluções plausíveis de direito, considero provados os seguintes factos:

A)

Por óbito de J... em 25.11.1998, sucederam-lha a mulher M... e quatro filhos, M..., M..., J... e J...; (cfr. doc. 1 junto com a petição inicial)

B)

Estes herdeiros celebraram um contrato de permuta de três terrenos, com a sociedade G... – Imobiliária SA., em contrapartida de oito frações autónomas a construir à herdeira M... e uma fração autónoma a cada um dos herdeiros, tudo num total de 12 frações;(cfr. doc. 1 junto com a petição inicial);

C)

As frações abrangidas pela permuta eram a construir nos lotes sete e treze do loteamento aprovado pela Câmara Municipal de Esposende, em 21.10.1999, do prédio rustico sito na Barraca Freguesia de M…, Concelho de Esposende, inscrito na matriz sob o art.º 3… e descrito na Conservatória de Registo Predial sob o art.º 20…; (cfr. doc. 1 junto com a petição inicial);

D)

Em 03.08.2001, o valor da garantia contratada, prestada pela sociedade “G... SA.,” ascendia a €997.595,79, PTE200.000.000$00;(cfr. doc. 5 junto com a petição inicial);

E)

Em 01.08.2001 os herdeiros identificados em A), através de instrumento notarial, prescindiram da reserva de propriedade, constante da cláusula sexta da escritura outorgada, em onze de Abril de 2001;(cfr. doc. 5 junto com a petição inicial);

F)

A sociedade não efetuou a edificação dos imóveis e, em 15.11.2005 foi efetuado por acordo das partes o distrate da permuta por escritura pública de «Distrate de Contrato de Permuta» (conforme documento n.º3 junto com a petição inicial);

G)

Em 14.12.2005, o Diretor do Departamento de Administração Geral da Câmara Municipal de Esposende emitiu certidão de informação da Divisão de Gestão Urbanística com o seguinte teor:

«(…) para o processo de licenciamento n.º 5…/99, em nome de G... – Imobiliária SA., verifica-se que nunca foi emitido nenhum Alvará de loteamento uma vez que o requerente nunca a solicitou. Por outro lado verifica-se que o requerente nunca solicitou em devido tempo o licenciamento das obras de urbanização. Mais certifico que face ao exposto e de acordo com o definido no artigo 14º do Decreto –Lei 448/91 com a redação dada pelo Decreto-Lei 334/95 de 28 de Dezembro considera-se que a deliberação de aprovação da operação de loteamento encontra-se caducada.(…)» (cfr. doc. 2 junto com a PI);

H)

Em 15.12.2005 os Serviço da Autoridade Tributária e Aduaneira, (AT) efectuaram uma liquidação adicional n.º 2002 500… ao exercício de 2001 no montante de €16.217,30, juros compensatórios n.º 2005 2524146 no montante de €3.136,54 e Estorno da Primeira Liquidação n.º2002 400…, no montante de €2.022,84, no total de €21.376,68; (cfr. doc. fls 156 do autos)

I)

Em 11.12.2006 o impugnante deu entrada no Serviço de Finanças de Esposende de requerimento para averbamento na Herança Indivisa em nome de M…, M..., M…, J… e J... dos artigos rústicos n.º14…, 14…, 15… e 31…, todos da freguesia de A… do Concelho de Esposende, em virtude da outorga da escritura de Distrate de Contrato de Permuta;(cfr. doc. fls 94 do autos)

J)

Pela apresentação AP- Av.04- Ap. 15/20070… foi cancelada a aquisição por dúvidas a favor da sociedade «G... – Imobiliária SA.», conforme Certidão da Conservatória de Registo Predial de Esposende, a fls 108 e sgs., dos autos;”

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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte:

“Não se provaram outros factos com relevância para a presente decisão.”

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A motivação da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte:

“A matéria de facto, dada como assente nos presentes autos, foi a considerada relevante para a decisão da causa controvertida, segundo as várias soluções plausíveis das questões de direito e, a formação da convicção do tribunal, para efeitos da fundamentação dos factos, atrás dados como provados, está referida no probatório com remissão para as folhas do processo onde se encontram.”

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De harmonia com o disposto no artigo 662.º do Código de Processo Civil, conjugado com o disposto artigo 249.º do Código Civil, ex vi artigo 2.º alínea e), do CPPT, procede-se à retificação de erro de escrita, constante na alínea B), relativo à identificação de M… passando a aludida alínea a contemplar a seguinte redação:

B)

Estes herdeiros celebraram um contrato de permuta de três terrenos, com a sociedade G... – Imobiliária SA., em contrapartida de oito frações autónomas a construir à herdeira M... e uma fração autónoma a cada um dos herdeiros, tudo num total de 12 frações;(cfr. doc. 1 junto com a petição inicial);

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Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

K)

O contrato de permuta referido em B), outorgado em 11 de abril de 2001, estipulava na cláusula sexta o seguinte:

“Os primeiros outorgantes reservam para eles a propriedade dos bens que deram de permuta, apenas até ser prestada por parte da G...-IMOBILIÁRIA, SA, uma garantia bancária no valor de duzentos milhões de escudos, para o cumprimento desta escritura; esta cláusula de reserva de propriedade será cancelada mediante documento autêntico outorgado pelos primeiros outorgantes, autorizando tal cancelamento.” (cfr. doc. 1 junto com a petição inicial, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido);

L)

O escrito referido em F), denominado de “Distrate de Contrato de Permuta”, celebrado em 15 de novembro de 2005, preceitua no que para os autos releva, designadamente, o seguinte:

“Considerando que, não obstante os lotes de terreno sete e treze fazerem parte do loteamento aprovado pela Câmara Municipal de Esposende em vinte e um de Outubro de mil novecentos e noventa e nove loteamento esse do prédio rústico sito em B…, freguesia de M… concelho de Esposende, inscrito na matriz sob o artigo 3…, descrito na referida Conservatório do Registo Predial sob o número …, de M…, com inscrição de aquisição a favor da sociedade que representa G-quatro, não foram ali edificadas, por motivos que só podem ser imputados à permutante “G...-IMOBILIÁRIA, SA”, as fracções autónomas acima referidas e que foram objecto de permuta, pelo presente acordo, os outorgantes, nas qualidades em que outorgam, revogam, com efeitos imediatos o referido contrato de permuta, com a restituição aos respectivos outorgantes dos imóveis supra identificados e objecto do contrato que agora se revoga.

(…) Os primeiros outorgantes declaram aceitar a caducidade da garantia bancária oferecida pela sociedade representada do segundo outorgante e prestada pelo Banco B…, SA, no valor de novecentos e noventa e sete mil quinhentos e noventa e cinco euros e setenta e nove cêntimos, que suportava o cumprimento da permuta agora revogada, cujo original restituem neste acto.” (conforme documento n.º3 junto com a petição inicial, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido);

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III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IRS nº 2010 500 …, referente ao ano de 2001, no montante de €21.804,22.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre apreciar se a sentença padece de erro de julgamento por errónea apreciação dos pressupostos de facto e de direito, indagando, para o efeito, se o distrate do contrato de permuta determina a inexistência do facto tributário, conforme decidiu o Tribunal a quo ou se o mesmo não tem relevância para efeitos fiscais como defende a Recorrente.

Apreciando.

A Recorrente alega que, no caso vertente, encontrando-nos perante uma permuta de prédios rústicos por frações autónomas de edifício a construir, o direito de propriedade dos prédios rústicos transfere-se imediatamente para o adquirente, por mero efeito do contrato de permuta.

Mais evidencia que, quanto à transferência do direito de propriedade relativo à fração autónoma do edifício a construir -bem futuro- a mesma ocorre, igualmente, por efeito direto do aludido contrato de permuta, ainda que esse efeito apenas se materialize com a construção das mesmas.

Enfatiza, neste particular, que os ganhos obtidos pelos Recorridos relevam para efeitos de mais-valias desde o momento em que foi efetuada a alienação onerosa, isto é, desde a data da celebração da escritura pública de permuta cujos efeitos económicos do contrato se produziram desde aquela data, existindo, por isso, facto tributário nos temos do art.º 10.º, n.º 1, al. a) e n.º 3 do CIRS.

Conclui, assim, que o distrate do contrato de permuta apesar de extinguir os efeitos civis do contrato de permuta não extingue os seus efeitos tributários, na medida em que, enquanto este não for declarado nulo ou anulado aqueles efeitos mantêm-se, mantendo-se, por isso, o ato tributário válido o qual não padece de qualquer vício de violação de lei, mormente, do princípio da capacidade contributiva.

O Tribunal a quo assim o não entendeu, tendo decidido que os Recorridos não obtiveram quaisquer rendimentos geradores de mais valias referentes ao ano de 2001, atenta a revogação do contrato de permuta o que implica que o ato de liquidação de IRS se encontra ferido de ilegalidade atenta a inexistência do facto tributário.

Ponderou, para o efeito, que no sistema fiscal vigente só há lugar a tributação quando a mais-valia é realizada, ou seja, quando o ativo é transacionado, o que não aconteceu no caso particular dos autos. Mais concretiza que não existindo efeito económico do contrato de permuta celebrado entre os herdeiros impugnantes e a sociedade “G...”, é forçoso concluir que ocorre a inexistência de facto tributário, em sede de IRS, nos termos do disposto no nº 1 do art.º 38.º da LGT.

Concluindo, assim, que da prova produzida nos autos dimana inequívoco que os Recorridos não auferiram qualquer rendimento, relativamente ao negócio em causa que fosse gerador das mais-valias apuradas em sede de inspeção tributária.

E, de facto, nenhuma censura merece a decisão recorrida visto que interpretou corretamente o quadro jurídico vigente com a devida transposição fáctica ao caso vertente.

Apreciando.

Importa, desde já, relevar que no caso vertente não foi impugnada a matéria de facto, encontrando-se a mesma devidamente estabilizada, na verdade o que a Recorrente entende é que a realidade factual não permite extrapolar a consequência jurídica da inexistência do facto tributário.

Porém sem razão. Senão vejamos.

Comecemos por convocar o quadro normativo que releva para o caso dos autos.

De harmonia com o disposto no artigo 10.º, nº1, alínea a) do CIRS:

“1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de: a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis”.

Mais consignando o nº3, alínea a), do mesmo normativo que:

“Os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos atos previstos no n.º 1, sem prejuízo do disposto nas alíneas seguintes: a) Nos casos de promessa de compra e venda ou de troca, presume-se que o ganho é obtido logo que verificada a tradição ou posse dos bens ou direitos objeto do contrato”.

Com relevo para os presentes autos importa, ainda, convocar o disposto no artigo 42.º, nº1, alínea a), do CIRS, que sob a epígrafe de “Valores de realização”, o qual, à data, dispunha que:

“1 - Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de realização: a) No caso de troca, o valor atribuído no contrato aos bens ou direitos recebidos, ou o valor de mercado, quando aquele não exista ou este for superior, acrescidos ou diminuídos, um ou outro, da importância em dinheiro a receber ou a pagar”.

Consignando, por seu turno, o nº 3 que: ”No caso de troca por bens futuros, os valores referidos na alínea a) do n.º 1 reportam-se à data da celebração do contrato.”

Da leitura conjugada dos aludidos preceitos legais resulta que os ganhos obtidos com a alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis que não constituam rendimentos empresariais, profissionais, de capitais ou prediais, são tributados como mais valias, presumindo-se, no caso dos casos de promessa de compra e venda ou de troca que o ganho é obtido logo que verificada a tradição ou posse dos bens ou direitos objeto do contrato. No concernente ao valor de realização o mesmo reportar-se-á à data da celebração do contrato.

Porém, para existir tributação é preciso que tenha existido um ganho efetivo e não potencial, por os ganhos constituírem manifestação da capacidade contributiva traduzidos num aumento inesperado do valor dos ativos patrimoniais.

O CIRS adota o conceito de rendimento acréscimo, constituindo, assim, a base de incidência deste tributo todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela as mais-valias.

“No IRS, a incidência supõe a realização da mais-valia. Não é o simples aumento do valor dos activos em que se materializam que constitui o facto gerador. Este é, sim, a respectiva alienação onerosa, ou operação equiparada. José Guilherme Xavier de Basto:Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos:Coimbra Editora, p.397.

Com efeito, “[s]ó há lugar a tributação quando a mais valia é realizada, ou seja, quando o activo é transacionado. A imposição das mais valias está assim subordinada ao princípio da realização, segundo o qual estão excluídas da tributação as valorizações dos activos que não tenham sido vendidos-ou melhor, que não tenham sido objecto de alienação onerosa-pelo respectivo titular. A alienação onerosa do activo é, pois, condição da tributação da mais-valia, que só então se diz “realizada” In ob.citada-p.385..

Visto o direito que releva para os presentes autos, vejamos, então, o que resulta do acerto probatório dos autos.

Na sequência do óbito de J..., em 25 de novembro de 1998, M..., e demais herdeiros outorgaram, em 11 de abril de 2001, um contrato de permuta de três terrenos, com a sociedade “G...”, em contrapartida de doze frações autónomas a construir, especificamente, oito relativamente à herdeira M... e as quatro remanescentes, na proporção de uma fração autónoma para cada um dos demais herdeiros.

Mais resultando clausulado no aludido contrato de permuta, particularmente na cláusula sexta que o Recorrido e os demais herdeiros reservavam a propriedade dos bens que deram de permuta até ser prestada garantia bancária no valor de €200.000,00 pela sociedade “G...”, a qual foi, efetivamente, prestada em 03 de agosto de 2001, tendo nessa sequência os herdeiros prescindido da reserva de propriedade.

Resulta, porém, assente que a sociedade “G...”, não edificou as frações autónomas contratualizadas, nem tão-pouco requereu o prévio e necessário licenciamento.

Mais dimanando provado que, em 15 de novembro de 2005, foi outorgado mediante escritura pública e por mútuo acordo, o distrate do contrato de permuta, no qual as partes expressamente consignaram que revogavam com efeitos imediatos o referido contrato, com a consequente restituição dos bens imóveis e bem assim que aceitavam a caducidade da garantia bancária oferecida pela sociedade “G...”.

Ora, em face da factualidade supra expendida, resulta manifesto que não obstante ter sido celebrado um contrato de permuta sobre bens futuros, a verdade é que o mesmo foi objeto de distrate, e em consequência do mesmo os Recorridos acabaram por reaver os prédios rústicos objeto do contrato de permuta nunca recebendo, necessariamente, as frações autónomas, pelo que, conforme bem decidiu o Tribunal a quo inexiste qualquer facto tributário suscetível de tributação enquanto mais valias.

Aliás, conforme consta das alíneas I) e J) da factualidade assente, em 11 de dezembro de 2006, e em resultado da outorga da escritura de Distrate de Contrato de Permuta, o Recorrido apresentou requerimento para averbamento na Herança Indivisa em nome de M…, M..., M…, J… e J... dos artigos rústicos n.º14…, 14…, 15… e 31…, todos da freguesia de A. do Concelho de Esposende, tendo, outrossim, sido cancelada a aquisição por dúvidas a favor da sociedade “G...”.

Com efeito, o artigo 38.º, nº1 da LGT estatui que “1 - A ineficácia dos negócios jurídicos não obsta à tributação, no momento em que esta deva legalmente ocorrer, caso já se tenham produzido os efeitos económicos pretendidos pelas partes.”, funcionando o mesmo como uma norma anti-abuso que pretende a tributação dos efeitos económicos dos atos e negócios jurídicos, independentemente da sua eficácia ou validade ou negócios jurídicos que visaram.

Ora, in casu, como é bom de ver, não ocorreu qualquer efeito económico do contrato celebrado entre os Recorridos e a “G...”, pelo que não pode haver lugar a qualquer tributação. Dito de outro modo, com a outorga do distrate do contrato de permuta ocorreu a resolução do negócio anteriormente celebrado por ambos os contraentes e por mútuo acordo, extinguindo-se, assim e de forma potestativa, toda a relação contratual. Pelo que, em termos tributários tem, necessariamente, de regressar-se ao statu quo ante, deixando de existir a correspondente manifestação da capacidade contributiva.

Neste particular importa chamar à colação o Aresto do Supremo Tribunal, proferido no processo nº 536/12, em 28 de novembro de 2012, numa situação em tudo similar à dos autos, o qual doutrina expressa e claramente que a “ [“d]estruição” de um negócio jurídico e suas consequências em matéria fiscal, escreveu António Lobo Xavier – Efeitos de um acordo anulatório em impostos periódicos – Revista de Direito e Estudos Sociais, Out/Dez 1992, Ano XXXIV, nº 4, págs. 275 e segs.: “ … as leis fiscais não exigem que a celebração de um negócio seja considerada como “caso julgado”, para efeitos tributários, admitindo antes que a posterior ocorrência de acidentes jurídico-civilísticos possa ser acompanhada das correspondentes correcções do imposto. E o princípio que justifica este razoável funcionamento do sistema não pode ser outro senão o princípio da capacidade contributiva.

Na verdade, um negócio jurídico pode traduzir-se na manifestação de capacidade contributiva, que merece a incidência de um imposto ou vários impostos; mas, tornado ineficaz esse negócio, o sistema é forçado a admitir que, também em termos fiscais, se regresse ao statu quo ante: destruída a manifestação da capacidade contributiva, fica desprovido de causa o imposto que lhe correspondia”.

Então, tendo ficado provado que o impugnante nada chegaram a receber relativamente ao negócio em causa nos autos e gerador de mais-valias, até porque o outro contraente nem sequer chegou a pedir o licenciamento das obras de urbanização e muito menos realizou a construção das fracções, temos de concluir que com o distrate do negócio inexistiu a referida capacidade contributiva.” (destaques e sublinhados nossos).

Assim, tudo visto e ponderado, conclui-se que com o distrate do negócio deixou de existir a manifestação de capacidade contributiva que justificava a incidência em termos de IRS, e legitimava a tributação enquanto rendimento de mais valias, donde inexiste facto tributário. Destarte, a sentença que assim o decidiu deve ser confirmada, mantendo-se, por isso, na ordem jurídica.

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IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

-NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.

Custas pela Recorrente.

Registe. Notifique.

Lisboa, 08 de maio de 2019

(Patrícia Manuel Pires)

(Vital Lopes)

(Joaquim Condesso)