Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:09156/15
Secção:CT
Data do Acordão:06/09/2016
Relator:LURDES TOSCANO
Descritores:DECISÃO ARBITRAL – COMPETÊNCIA MATERIAL – PRONÚNCIA INDEVIDA
Sumário:I - No conceito de “pronúncia indevida”, para além do excesso de pronúncia, incluem-se as situações em que o tribunal arbitral funcionou de modo irregular ou em que excedeu a sua competência.
II - A invocação de que está em causa nos autos questão relativa ao reconhecimento de uma isenção fiscal não preclude a competência do tribunal arbitral para dirimir o litígio em referência, porquanto a pretensão in judicio tem em vista a anulação da liquidação de IMT em causa, com base na sua ilegalidade, integrando a causa de pedir a invocação da existência de isenção fiscal (isenção de IMT), associado à transmissão de bens imóveis no âmbito de plano de insolvência.
III - A lei não restringe os fundamentos na base dos quais é formulado o pedido de anulação das liquidações em causa, com vista à delimitação da competência material do tribunal arbitral. Donde resulta que a asserção contida na decisão em apreço da vigência de isenção fiscal que obsta à tributação em causa corresponde à aplicação do parâmetro de legalidade, tarefa que foi atribuída por lei (artigo 2.º, nº 2, do RJAT) aos tribunais arbitrais.
IV - Não existe, pois, pronúncia indevida por parte da decisão arbitral impugnada (artigo 28.º, nº1, al.c), do RJAT).
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:A Autoridade Tributária e Aduaneira, veio, ao abrigo do preceituado nos artigos 26º e 27º, do Decreto-Lei nº10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Voluntária, doravante apenas designado por RJAT), impugnar a decisão arbitral proferida no processo nº99/2015-T, intentado por Miguel…, que julgou procedente o pedido de pronúncia arbitral e consequentemente anulou o indeferimento da reclamação graciosa nº , bem como a liquidação de IMT impugnada, condenando, ainda, a ATA “a reembolsar a quantia paga pelo Requerente acrescida de juros, à taxa legal, desde a data do pagamento até o reembolso da quantia paga”.
Nas suas alegações de recurso formula as seguintes conclusões:

1.ª A sentença proferida pelo Tribunal Arbitral Singular constituído no CAAD que julgou procedente o pedido de anulação da liquidação de IMT corporizada no documento n°, de 2014-07-17, no valor de € 15.640,68, padece de nulidade pelo facto de se ter pronunciado sobre questão sobre a qual não se deveria pronunciar [artigo 28°/1-c), 1ª parte, do RJAT];

2.ª A questão da incompetência material do tribunal arbitral subsume-se no fundamento de impugnação de pronúncia indevida previsto no aludido artigo 28° do RJAT, como, aliás, assim também o têm vindo a entender a Jurisprudência e Doutrina produzidas sobre a matéria;

3.ª O thema decidendum na presente impugnação prende-se com a questão de saber o tribunal arbitral possui, ou não, competência para apreciar o reconhecimento de uma isenção fiscal relacionada com a transmissão de bens imóveis integradas em processo de insolvência, questão esta suscitada pela Impugnante, a título de defesa por exceção, em sede de Resposta ao pedido de pronúncia arbitral:

4.ª No entendimento da Impugnante o reconhecimento de uma isenção fiscal relacionada com a transmissão de bens imóveis integradas em processo de insolvência constitui uma questão sujeita à jurisdição judicial e, portanto, fora da esfera do tribunal arbitral na medida em que este último não detém os elementos mínimos para aferir da verificação dos pressupostos legais exigidos no artigo 270°/2 do CIRE em suma, para decidir de acordo com a Lei e a verdade dos factos,

5.ª Diferentemente assim entendeu o Tribunal Arbitral Singular na sua sentença (ao estribar-se única e acriticamente na decisão arbitral proferida no processo n°123/2015-T), tendo julgado improcedente, por não verificada, a exceção da incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria, porquanto: (i) O CIRE não contém qualquer norma especial que atribua competência aos tribunais judiciais para reconhecerem isenções fiscais e o regime geral dos benefícios fiscais contraria essa hipótese; (ii) no caso vertente estamos perante uma isenção de reconhecimento automático, competindo a sua verificação ao serviço local de finanças, (iii) O direito a benefícios fiscais constitui direito em matéria tributária, pelo que o seu reconhecimento está reservado aos tribunais tributários, através de ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária; (iv) Pelo que não há suporte legal para afirmar a competência dos tribunais judiciais para o reconhecimento da isenção aqui em causa;

6.ª Na ótica da Impugnante a verificação dos dois pressupostos em que assenta a isenção fiscal prevista no artigo 270°/2 do CIRE recai exclusivamente sobre o órgão judicial onde correu o processo de insolvência, uma vez que apenas o juiz titular do processo de insolvência está em condições de proceder à sua verificação;

7.ª Tal está em total sintonia com o funcionamento da similar isenção prevista no artigo 8º do Código do IMI, a qual é feita exclusivamente feita pelo juiz titular do processo judicial (executivo, falimentar ou de insolvência), conforme resulta claro da Jurisprudência emanada dos tribunais superiores, jurisprudência esta que desmente, assim, o entendimento propugnado pelo Tribunal Arbitral Singular (ao estribar-se acriticamente, como se disse, na decisão proferida no processo nº123/2015-T);

8.ª O entendimento veiculado pelo tribunal a quo (ao estribar-se acriticamente, como se disse, na decisão arbitral proferida no processo nº123/2015-T) acaba por redundar num apontar da incompetência dos magistrados judiciais, contrariando o artigo 3º/1 do Estatuto dos Magistrados Judiciais;

9.ª O atestado de incompetência passado pelo tribunal a quo (ao estribar-se acriticamente, como se disse, na decisão arbitral proferida no processo nº123/2015-T) à jurisdição comum nem sequer tem razão de ser na medida em que os conceitos de “venda”, “permuta”, “cessão”, “empresa”, “estabelecimento”, “plano de insolvência”, “liquidação” e “ massa insolvente” não são conceitos estritamente fiscais, pelo contrário, são conceitos de fontes de direito não tributário, logo ao alcance do mediano juiz titular do processo de insolvência;

10.ª O argumento segundo o qual o CIRE não contém qualquer norma especial que atribua competência aos tribunais para reconhecerem isenções fiscais padece de falta de lógica, pois que, constituindo o processo de insolvência um processo típico da jurisdição comum, então anormal seria que o CIRE contivesse uma norma especial a atribuir competência àquelas mesmos tribunais judiciais;

11.ª Em decorrência directa do afirmado, necessariamente que também padece de falta de lógica o argumento do tribunal a quo (ao estribar-se acriticamente, como se disse, na decisão arbitral proferida no processo nº123/2015-T) segundo o qual não há suporte legal para afirmar a competência dos tribunais judiciais para o reconhecimento da isenção aqui em causa, pois quem prevendo e regulando o CIRE o processo de insolvência o correndo este em tribunais judiciais por juízes não tributários, obviamente que o CIRE nunca teria de consagrar norma legal a reafirmar a competência para o reconhecimento de uma isenção imanente da insolvência aos tribunais judiciais, sob pena de total redundância, sendo de presumir que o legislador consagrou a solução mais acertada (artigo 9°/3 do Código Civil);

12.ª Perante uma "isenção automática" - como aparentemente defende o tribunal a quo -aquilo que se impõe - como nos ensina MUNO SÁ GOMES - é uma "simples" tarefa de verificação dos seus pressupostos legais, talqualmente eles resultam da norma legal, e não uma qualquer tarefa de apreciação tendente ao seu reconhecimento;

13.ª Apenas se exige, assim, ao aplicador da lei que interprete a norma legal atinente ao benefício em causa, subsumindo os factos concretos aos pressupostos ali existentes;

14.ª A verificação da isenção aqui em causa não compete ao serviço local de finanças, mas sim ao juiz titular do processo de insolvência, pois que só os autos de insolvência (que o magistrado judicial dirige e conhece) é que contêm os elementos necessários para aferir aquela verificação e está em condições de realizar a operação de subsunção dos factos à norma legal;

15.ª Dado que o Tribunal Arbitral Singular não foi o órgão judicial onde correu o processo de insolvência e não tendo por ele corrido tal processo de insolvência, então naturalmente que o tribunal a quo nunca poderia deter sequer os elementos mínimos para aferir da verificação dos pressupostos legais exigidos no artigo 270°/2 de CIRE;

16.ª Para mais quando os processos de insolvência têm vindo a ser utilizados como veículos de planeamento fiscal (mediante insolvências simuladas), em alternativa ao contrato de compra e venda, subtraindo-se, assim, os pretensos credores ao pagamento do IMT que seria devido pelo verdadeiro negócio jurídico que deveria ter lugar;

17.ª O mero carreamento ao processo de algumas (poucas) peças processuais do processo de insolvência não habilita o tribunal arbitral a decidir, uma vez que tal carreamento redunda numa versão muito parcelar e diminuída do processo de insolvência, subtraindo assim ao que depende a aplicação da isenção fiscal, em suma, a prolação de uma decisão de acordo com a Lei e com a verdade dos factos;

18.ª O carreamento de algumas (poucas) peças processuais por banda do requerente do pedido de pronúncia arbitral não é uma circunstância perfeitamente ultrapassável pela requerida (aqui impugnante) por via da obtenção de uma certidão do processo de insolvência, uma vez que a pública existência de milhares de processos de insolvência em curso nos tribunais portugueses, aliada a pública falta de funcionários judiciais e meios técnicos, nunca permitiria à Impugnante obter em tempo útil (i.e., dentro dos 30 dias para deduzir Resposta) uma certidão integral de todo um processo de insolvência sempre que uma questão, como a presente, fosse suscitada no CAAD;

19.ª De igual forma e pelas mesmas razões, o prazo de 6 meses de que dispõe o tribunal arbitral para proferir urna decisão também seria insuficiente para o mesmo obter uma cópia integral de um processo de insolvência e de o analisar;

20.ª Motivos pelos quais não deve ser mantida na ordem jurídica a sentença arbitral ora colocada em crise, devendo antes ser aquela declarada nula.

Termos em que, por todo o exposto supra e sempre com o douto suprimento de V.Exas., deve a presente Impugnação ser julgada procedente e, consequentemente, ser declarada nula a decisão arbitral, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.

*

Respondeu o recorrido, Miguel…, pugnando pela improcedência da impugnação e pela manutenção da decisão arbitral, nos seguintes termos conclusivos:

I. O benefício fiscal em causa é de reconhecimento automático, conforme resulta do artigo 5°, n°1 do Estatuto dos Benefícios Fiscais, não existindo qualquer norma no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas que atribua aos tribunais judiciais competência para verificação dos requisitos materiais para a aplicação da isenção em causa. Compete, pois, à Administração tributária a verificação dos requisitos materiais que determinam a aplicação da isenção – cf. artigo 10°, n°8, alínea d) do Código do IMT.

//. É entendimento firme e pacífico da própria Autoridade tributária que é a ela que lhe compete verificar os pressupostos de facto para a aplicação da isenção em causa, conforme resulta da Informação Vinculativa e da Instrução Administrativa referidas.

III. Em qualquer caso, sempre a matéria relativa ao reconhecimento de benefícios fiscais está reservada aos tribunais tributários, de acordo com o disposto nos artigos 212°, n°3 da Constituição da República Portuguesa, 144°, n°1 da LOSJ, 29º, nº1, alínea c) do ETAF, 101º, alínea b) da LGT e 97°, n°1, alínea h) e 145° do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

IV. A Administração tributária, no caso concreto, no contexto da reclamação graciosa considerou ser competente para decidir da aplicação do benefício fiscal em causa, tendo igualmente considerado que dispunha de todos os elementos necessários à emissão de uma decisão, o que se verifica pela análise da fundamentação do indeferimento da reclamação graciosa.

V. Está em causa um expediente puramente dilatório que visa impedir a cristalização na ordem jurídica de uma decisão arbitral, prejudicando-se, de modo inadmissível, os direitos do Impugnado.

Termos em que devem as presentes contra-alegações ser admitidas, devendo a impugnação apresentada ser julgada inteiramente improcedente, determinando-se a manutenção da decisão arbitral impugnada na ordem jurídica, com todas as consequências legais.


*

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto, junto deste Tribunal, notificado nos termos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (aplicável “ex vi” artigo 27.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro), nada disse.

*
Colhidos os «Vistos» dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

*

II - FUNDAMENTAÇÃO

II.1. De Facto

A decisão recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

21. No âmbito do processo de insolvência n°/12.3TYLSB, que correu termos no Segundo Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa, o Requerente adquiriu o prédio urbano, destinado a habitação, sito na , inscrito na matriz sob o número 261 e descrito na competente Conservatória do Registo Predial sob o número /19911010 (Doc. 3).

22. O Prédio fazia parte do ativo da sociedade insolvente Eu, Lda, ("Eu"), representada no ato de venda pelo Administrador de Insolvência, Senhor Fernando.

23. Embora o Prédio tenha sido adquirido no âmbito do processo de liquidação da massa insolvente (Docs. 4 e 5), foi liquidado Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis ao Requerente, no valor de € 15.640,68.

24. Discordando de tal liquidação, o Requerente apresentou reclamação graciosa (Doc. 6), tendo sido notificado, a 7 de janeiro de 2015, do seu indeferimento (Doc. 1).

25. Em 17 de julho de 2014 foi feito o pagamento do imposto liquidado, no montante de €15.640,68 (Doc. 3).


*
A título de factualidade não provada exarou-se na sentença recorrida que: «26. Com relevo para a decisão, não existem factos essenciais não provados».

Em sede de fundamentação da matéria de facto consignou-se que: «27.Os factos foram dados como provados com base na prova documental».

*

II.2. De Direito

O regime da arbitragem voluntária em direito tributário foi introduzido pelo RJAT, sendo que os Tribunais arbitrais têm competência para apreciar um conjunto vasto de pretensões, as quais vêm taxativamente elencadas na enumeração constante do artº.2, nº.1, do citado diploma. Mais se dirá que o Tribunal arbitral tem a obrigação de decidir em conformidade com o direito constituído e não com recurso à equidade (cfr.artº.2, nº.2, do RJAT).

Os princípios processuais inerentes ao processo arbitral vêm referidos e elencados no artº.16, do RJAT, e, genericamente, são os mesmos princípios que se aplicam a um processo de partes, de que é exemplo o processo civil.

No que toca à possibilidade de recorrer de uma decisão proferida por um Tribunal arbitral pode, desde logo, referir-se que esta é muito limitada.

Assim, quando se tiver em vista controlar o mérito da decisão arbitral, isto é, o seu conteúdo decisório, o meio mais adequado para colocar em crise a decisão arbitral será o recurso.

Com efeito, em conformidade com o que se dispõe no artº.25, nº.1, do RJAT, é possível recorrer directamente para o Tribunal Constitucional da parte da decisão arbitral que ponha termo ao processo e que recuse a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade, bem como nos casos em que aplique uma qualquer norma jurídica cuja inconstitucionalidade seja levantada no decurso do processo.

Por outro lado, admite-se ainda a possibilidade de recurso com fundamento em oposição de acórdãos, isto nos termos do que determinam os nºs.2 e 3, do artigo em apreço. Este recurso é endereçado à Secção Tributária do Supremo Tribunal Administrativo, sempre que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida estiver em oposição, relativamente à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido ou pelo Tribunal Central Administrativo ou Supremo Tribunal Administrativo. Neste caso, os trâmites do recurso a observar são os do regime dos recursos para uniformização de jurisprudência, aplicando-se o disposto no artº.152, do C.P.T.A.

Note-se que, em termos práticos, só há uma via de recurso: ou directamente para o Tribunal Constitucional, com fundamento em (in)constitucionalidade, ou directamente para o Supremo Tribunal Administrativo, em caso de oposição de acórdãos.

Pelo contrário, quando se pretenda controlar a decisão arbitral em si, nos seus aspectos de competência, procedimentais e formais, o meio adequado será já a impugnação da decisão arbitral (cfr.artºs.27 e 28, do RJAT).

Nos termos da lei, a regra é que é possível que a decisão do Tribunal arbitral seja anulada pelo Tribunal Central Administrativo competente. Esta impugnação - que em bom rigor se trata de um recurso - deve ser deduzida, sob pena de não admissão por intempestividade, no prazo de quinze dias contados da notificação da decisão arbitral, ou da notificação referida no artº.23, do diploma em apreço. Porém, neste último caso, a decisão arbitral terá que ter sido proferida por Tribunal colectivo, cuja constituição tenha sido requerida nos termos do artº.6, nº.2, al.b), do RJAT.

Já no que toca aos fundamentos da impugnação da decisão arbitral, vêm estes elencados no texto do artº.28, nº.1, do RJAT. São eles, taxativamente, os seguintes:

1-Não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

2-Oposição dos fundamentos com a decisão;

3-Pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia;

4-Violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artº.16, do diploma.

Ou seja, os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reacção da decisão dos Tribunais arbitrais para os T. C. Administrativos, consistem na impugnação de tal decisão, consagrada no artº.27, com os fundamentos que se ancorem nos vícios de forma expressamente tipificados no artº.28, nº.1, e atrás elencados, correspondendo os três primeiros aos vícios das sentenças dos Tribunais tributários, nos termos do plasmado no artº.125, nº.1, do C.P.P.T., com correspondência ao estatuído nas alíneas b), c) e d), do artº.615, nº.1, do CPCivil.

E se algumas dúvidas pudessem subsistir sobre o que se vem de afirmar, elas dissipar-se-iam por força dos elementos sistemático, teleológico e histórico, considerando, por um lado, o regime jurídico dos vícios em causa, tal como disciplinado pelo C.P.P.T., e, por outro, a intenção do legislador expressamente manifestada na parte preambular do diploma em causa, quando e ao que aqui releva, refere que “(…) A decisão arbitral poderá ainda ser anulada pelo Tribunal Central Administrativo com fundamento na não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, na oposição dos fundamentos com a decisão, na pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia ou na violação dos princípios do contraditório e da igualdade de partes (…)”. Assim manifestando o legislador, de forma inequívoca, uma enumeração taxativa dos fundamentos de impugnação das decisões arbitrais para os T. C. Administrativos (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/2/2013, proc.5203/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 21/5/2013, proc.5922/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/9/2013, proc.6258/12; Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág.234 e seg.).


Em sede de aplicação do direito, o Tribunal Arbitral julgou procedente o pedido de pronúncia arbitral e consequentemente anulou o indeferimento da reclamação graciosa nº , bem como a liquidação de IMT impugnada, condenando, ainda, a ATA “a reembolsar a quantia paga pelo Requerente acrescida de juros, à taxa legal, desde a data do pagamento até o reembolso da quantia paga”.


A impugnante dissente do julgado veio invocar que a sentença proferida pelo Tribunal Arbitral Singular constituído no CAAD que julgou procedente o pedido de anulação da liquidação de IMT corporizada no documento n°, de 2014-07-17, no valor de € 15.640,68, padece de nulidade pelo facto de se ter pronunciado sobre questão sobre a qual não se deveria pronunciar [artigo 28°/1-c), 1ª parte, do RJAT]. A questão da incompetência material do tribunal arbitral subsume-se no fundamento de impugnação de pronúncia indevida previsto no aludido artigo 28° do RJAT, como, aliás, assim também o têm vindo a entender a Jurisprudência e Doutrina produzidas sobre a matéria. O thema decidendum na presente impugnação prende-se com a questão de saber o tribunal arbitral possui, ou não, competência para apreciar o reconhecimento de uma isenção fiscal relacionada com a transmissão de bens imóveis integradas em processo de insolvência, questão esta suscitada pela Impugnante, a título de defesa por exceção, em sede de Resposta ao pedido de pronúncia arbitral. No entendimento da Impugnante o reconhecimento de uma isenção fiscal relacionada com a transmissão de bens imóveis integradas em processo de insolvência constitui uma questão sujeita à jurisdição judicial e, portanto, fora da esfera do tribunal arbitral na medida em que este último não detém os elementos mínimos para aferir da verificação dos pressupostos legais exigidos no artigo 270°/2 do CIRE em suma, para decidir de acordo com a Lei e a verdade dos factos. Diferentemente assim entendeu o Tribunal Arbitral Singular na sua sentença (ao estribar-se única e acriticamente na decisão arbitral proferida no processo n°123/2015-T), tendo julgado improcedente, por não verificada, a exceção da incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria, porquanto: (i) O CIRE não contém qualquer norma especial que atribua competência aos tribunais judiciais para reconhecerem isenções fiscais e o regime geral dos benefícios fiscais contraria essa hipótese; (ii) no caso vertente estamos perante uma isenção de reconhecimento automático, competindo a sua verificação ao serviço local de finanças, (iii) O direito a benefícios fiscais constitui direito em matéria tributária, pelo que o seu reconhecimento está reservado aos tribunais tributários, através de ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária; (iv) Pelo que não há suporte legal para afirmar a competência dos tribunais judiciais para o reconhecimento da isenção aqui em causa. Na ótica da Impugnante a verificação dos dois pressupostos em que assenta a isenção fiscal prevista no artigo 270°/2 do CIRE recai exclusivamente sobre o órgão judicial onde correu o processo de insolvência, uma vez que apenas o juiz titular do processo de insolvência está em condições de proceder à sua verificação. Tal está em total sintonia com o funcionamento da similar isenção prevista no artigo 8º do Código do IMI, a qual é feita exclusivamente feita pelo juiz titular do processo judicial (executivo, falimentar ou de insolvência), conforme resulta claro da Jurisprudência emanada dos tribunais superiores, jurisprudência esta que desmente, assim, o entendimento propugnado pelo Tribunal Arbitral Singular (ao estribar-se acriticamente, como se disse, na decisão proferida no processo nº123/2015-T) [cfr. conclusões nºs 1 a 7].

Vejamos a impugnação em concreto.


A impugnante entende que a decisão arbitral padece de nulidade pelo facto de se ter pronunciado sobre questão sobre a qual não se deveria pronunciar [artigo 28°/1-c), 1ª parte, do RJAT]. E que a questão da incompetência material do tribunal arbitral subsume-se no fundamento de impugnação de pronúncia indevida previsto no aludido artigo 28° do RJAT, como, aliás, assim também o têm vindo a entender a Jurisprudência e Doutrina produzidas sobre a matéria.


O thema decidendum na presente impugnação prende-se em saber se o tribunal arbitral tinha competência para decidir como decidiu ou, se ao contrário, se pronunciou indevidamente nos termos previstos no art. 28º, nº 1, alínea c) do RJAT.


Como já referimos supra, a decisão arbitral poderá ser anulada pelo Tribunal Central Administrativo com fundamento na pronúncia indevida.


Ora, no conceito de “pronúncia indevida”, para além do excesso de pronúncia, incluem-se as situações em que o tribunal arbitral funcionou de modo irregular ou em que excedeu a sua competência.


Vejamos, pois, se o tribunal arbitral funcionou de modo irregular ou excedeu a sua competência.

No que respeita ao vício da incompetência material do tribunal arbitral, recorde-se o que dispõe o artigo 2º do RJAT:

Artigo 2.º
Competência dos tribunais arbitrais e direito aplicável
1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:
a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais; (Redacção da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)
c) (Revogada) (Redacção da Lei n.º 64-B/2002, de 30 de Dezembro)
2 - Os tribunais arbitrais decidem de acordo com o direito constituído, sendo vedado o recurso à equidade.

De acordo com o artigo 2.º da Portaria de vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira (Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março):

«Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (…)».

Na tese da impugnante, o reconhecimento de uma isenção fiscal relacionada com a transmissão de bens imóveis integradas em processo de insolvência constitui uma questão sujeita à jurisdição judicial e, portanto, fora da esfera do tribunal arbitral.

Vejamos.

A invocação de que está em causa nos autos questão relativa ao reconhecimento de uma isenção fiscal não preclude a competência do tribunal arbitral para dirimir o litígio em referência, porquanto a pretensão in judicio tem em vista a anulação da liquidação de IMT em causa, com base na sua ilegalidade, integrando a causa de pedir a invocação da existência de isenção fiscal (isenção de IMT), associado à transmissão de bens imóveis no âmbito de plano de insolvência.

A lei não restringe os fundamentos na base dos quais é formulado o pedido de anulação das liquidações em causa, com vista à delimitação da competência material do tribunal arbitral. Donde resulta que a asserção contida na decisão em apreço da vigência de isenção fiscal que obsta à tributação em causa corresponde à aplicação do parâmetro de legalidade, tarefa que foi atribuída por lei (artigo 2.º, nº 2, do RJAT) aos tribunais arbitrais.

Não existe, pois, pronúncia indevida por parte da decisão arbitral impugnada (artigo 28.º, nº1, al.c), do RJAT).


Atento o que se vem de referir tem que improceder a impugnação da decisão arbitral, ora sindicada.



III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em julgar improcedente a presente impugnação da decisão arbitral.

Custas pela Impugnante.

Registe e Notifique.



Lisboa, 9 de Junho de 2016





--------------------------------


[Lurdes Toscano]





-------------------------------


[Ana Pinhol]





--------------------------------


[Jorge Cortês]