Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:343/11.8BELLE
Secção:CA
Data do Acordão:10/29/2020
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:DENÚNCIA DE CONTRATO DE UTILIZAÇÃO PELA ENTIDADE PÚBLICA;
APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO CC;
NORMAS IMPERATIVAS.
Sumário:I. Impõe-se a correção do julgamento da matéria de facto, perante a impugnação concreta de um ponto da matéria de facto, devidamente identificado, com a indicação do respetivo meio de prova e da indicação da redação a adotar, estando em causa um facto provado exclusivamente por prova documental, por cumprimento dos ónus a cargo do impugnante, previstos no artigo 640.º, n.º 1, a), b) e c), do CPC.

II. A cláusula inserta num “Contrato de Utilização de Espaço”, destinado à utilização de um espaço público, referente a uma loja do Mercado Municipal, outorgado por uma empresa municipal, concessionária do referido mercado e por um Operador privado, em que se consagre a possibilidade de denúncia do contrato pelo Operador, impedindo a sua renovação, não afasta igual possibilidade por parte da entidade pública contratante.

III. Em face do regime estabelecido no contrato, o qual prevê expressamente a possibilidade de denúncia do contrato pelo Operador, mas sendo omisso no respeitante a igual faculdade poder ser exercida pela entidade pública contratante, é de entender pela aplicação subsidiária e prevalecente do regime previsto no artigo 1054.º do CC, o qual confere tal poder a ambas as partes, atenta a sua imperatividade prevista no artigo 1080.º do CC.

IV. Prevendo-se a faculdade de oposição à renovação do contrato no regime legal aplicável aos contratos de arrendamento, sob o regime de direito privado, também ele sujeito a um forte regime vinculístico, mal se compreenderia que no quadro de um contrato sob o regime de direito público, outorgado por uma entidade dotada de poderes públicos, tendo o contrato por objeto a utilização de um espaço público, ficasse a entidade dotada de poderes públicos subtraída de um poder que é conferido a qualquer outorgante privado, mesmo nos contratos de arrendamento sob o direito privado.

V. O ato administrativo não se confunde com a sua notificação, pelo que, existindo alguma deficiência ou irregularidade da notificação, a mesma apenas é suscetível de interferir com a eficácia do ato administrativo e não com a sua validade.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO

A C............., Lda., devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, datada de 24/01/2017, que no âmbito da ação administrativa instaurada contra o M............, EM, julgou a ação improcedente, relativa ao pedido de impugnação da deliberação do Conselho de Administração da Ré, que se opôs à renovação do contrato de utilização do espaço para a loja n.º 2.


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Formula a Autora, aqui Recorrente, nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“1 - Verifica-se um erro grosseiro na matéria de facto dada como provada no ponto D) em oposição ao texto da clausula 2ª ponto 1 do "contrato de utilização do espaço" outorgado por A. e R, que constitui o doc. nº 3 junto com a PI do Processo nº 155/11.9BELLE que a fundamenta.

II - O texto do ponto D) da matéria de facto dada como provada, deve ser alterado, substituindo-se a palavra interessado que nele consta erradamente, pela palavra operador, tal como consta no ponto 1 da clausula 2ª do "contrato de utilização de espaço, outorgado por A e R, passando a ter a seguinte redacção:

D) Na referida cedência foi estipulado o prazo de doze meses contados desde a entrega do identificado espaço, renovando-se automaticamente por iguais períodos de tempo, salvo denuncia a efectuar pelo operador por meio de carta registada com aviso de recepção a enviar com a antecedência mínima de sessenta dias em relação ao termo inicial ou de qualquer duma das suas renovações nos termos da clausula segunda ponto 1 (cfr. doc. nº 3 da PI do processo nº 155/11.9BELLE).

III - Face á matéria provada no ponto D) dos factos provados, rectificada para ficar conforme ao ponto 1 da clausula 2ª do contrato que a fundamenta, a Ré, como locadora estava impedida de denunciar o contrato em causa pois que tal faculdade apenas é conferida ao locatário (operador).

IV - Ao denunciar o contrato em violação do disposto na citada clausula 2ª ponto 1 do contrato de utilização de espaço, na sua deliberação alegadamente de 9-11-2010 a Ré cometeu o vicio de violação de lei que determina a anulação de tal deliberação.

V - A alegada deliberação de 9-11-2010 que terá denunciado o contrato de utilização do espaço em causa, nunca foi do conhecimento concreto da A, que por isso ignora os seus fundamentos ou até se existe.

VI - A carta enviada à A por um advogado referindo que a Ré havia deliberado opor-se à renovação do contrato não substitui a própria deliberação nem tão pouco a sua fundamentação.

VII - Foram violadas entre outras as disposições conjugadas dos arts. 133 nº 1 e 2 al. f) e 135 ambos do CPA na versão vigente à data dos factos.”.

Pede que seja concedido provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida e, em consequência, retificada a matéria de facto impugnada, proferindo-se acórdão que julgue a ação procedente, condenando-se a Ré no pedido.


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A Entidade Demandada, ora Recorrida, notificada apresentou contraalegações, no âmbito das quais formulou as seguintes conclusões:

“A. Atento o conteúdo do recurso de apelação interposto pela Recorrente, e a matéria de facto concretamente objecto de impugnação por parte da mesma, faz-se notar, antes de mais, que, por via do mesmo, dá-se por definitivamente assente toda matéria de facto não impugnada pela Recorrente.

B. Por sua vez, o presente recurso de apelação interposto pela Recorrente tem como trave-mestra um alegado erro do douto Tribunal a quo que, segundo a mesma afirma, "deu como provado que o contrato celebrado por 12 meses se renova automaticamente por iguais períodos de tempo, salvo denúncia a efectuar pelo interessado ...", e que, nas palavras da Recorrente, "muda tudo, altera completamente o sentido da aludida cláusula 2.ª do contrato e tem consequências jurídicas completamente diferentes".

C. Com o devido respeito que a Recorrente nos merece, não é assim.

D. Com efeito, o n.º 1 da cláusula 2ª do contrato celebrado entre as partes, regula tanto a oposição à renovação, como a denúncia, permitindo-a a qualquer dos outorgantes, interessados na redacção da douta sentença.

E. Efectivamente, a primeira parte do citado dispositivo, claramente dispõe sobre a oposição à renovação, permitindo-a.

F. Por isso, estando previsto que o contrato em apreço se renova automaticamente a cada ano, a forma correcta de obstar a essa renovação não é a sua denúncia, mas sim a "oposição à renovação", uma vez que está em causa um prazo certo.

G. É isto que, efetivamente, resulta da interpretação do contrato de utilização em apreço, sendo certo que é este o mecanismo adequado e, de resto, expressamente previsto no artigo 1098.º do Código Civil (ex vi artigo 1110.º do CC) no que toca à renovação do contrato.

H. Assim, dispõe precisamente o n.º 4 do mencionado artigo que "Quando o senhorio impedir a renovação automática do contrato, nos termos do artigo anterior, o arrendatário pode denunciá-lo a todo o tempo, mediante comunicação ao senhorio com uma antecedência não inferior a 30 dias do termo pretendido.".

I. Por outro lado, não deverá causar sequer estranheza que no contrato de utilização em apreço se faça somente referência à possibilidade de denúncia do contrato, uma vez que a distinção que hodiernamente se faz entre a denúncia e a oposição à renovação, consoante estejamos perante um termo incerto ou um termo certo, respectivamente, apenas começou a ser aplicada com a entrada em vigor do NRAU.

J. Concretamente, a oposição à renovação que actualmente se conhece correspondia ao conceito de "denúncia" que era utilização no RAU (Decreto-Lei n.º 321-8/90, de 15 de Outubro), pelo que só com a entrada em vigor do NRAU, em 2006, é que se dá a cisão entre oposição à renovação para os contratos com prazo certo, e a denúncia para os contratos de duração indeterminada.

K. Não obstante, também quanto à "denúncia", não resulta da letra do contrato qualquer proibição de que também o Recorrido possa denunciar o contrato!

L. Até porque não se diz que "só" a Recorrente é que pode denunciar o contrato, o que se diz é que a Recorrente pode fazê-lo, fixando-se para esse as condições de modo e tempo em que deve ocorrer!

M. Em suma, louva-se a sensatez de raciocínio por parte do douto Tribunal a quo, dado que se, por absurdo, se entendesse estarmos perante uma impossibilidade de oposição à renovação por parte do Recorrido, tal significaria que o contrato só caducaria a 11 de dezembro de 2025, isto é, 18 (dezoito) anos após o seu início de vigência!

N. Como bem se compreende, seria manifestamente absurdo e deveras gravoso para o Recorrido vincular-se à vigência de um contrato que - durante uns longos 18 anos - não pudesse fazer cessar, e ainda reservando somente essa faculdade para a Recorrente.

O. Adernais, esta concreta interpretação que a Recorrente defende para o n.º 1 da cláusula Segunda do contrato não é sequer razoável, e menos ainda aquela que resulta da aplicação do artigo 236.º, n.º 1 do CC, segundo o qual “A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”.

P. Assim, não obstante a relevância que se reconhece ao sentido compreendido pela Recorrente do conteúdo do contrato celebrado, o mesmo não é o único elemento a ter em consideração quanto à interpretação a fazer das cláusulas contratuais em apreço - tal como o confirma o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-06-2012 para cujo excerto contido nas alegações se remete.

Q. Por conseguinte, não restam quaisquer dúvidas de que "uma pessoa com razoabilidade, sagacidade, conhecimento e diligência medianos" sempre teria compreendido que o Recorrido naturalmente não pretendia privar-se da prerrogativa de cessação do contrato de utilização celebrado, sobretudo atendendo ao termo para o mesmo fixado de 18 (dezoito) anos, sobretudo estando em causa um espaço cujo principal propósito - e último, diga-se - é o de servir o interesse público e adaptar-se às soluções que melhor cumpram fins de interesse público.

R. Além disso, o comportamento por si levado a cabo - com a convicção de que actuava no exercício de um direito - elimina quaisquer hesitações quanto à declaração negocial do mesmo plasmada naquela cláusula V do contrato de utilização em apreço, não tendo sido prevista - corno não poderia deixar de ser - qualquer disposição que vede ao Recorrido a possibilidade de fazer cessar o contrato por meio de oposição à renovação.

S. Por fim, pela leitura da sentença e do raciocínio nela desenvolvido, percebe-se que não está em causa qualquer erro, nem de raciocínio, e muito menos de escrita, tendo entendido simplesmente o douto Tribunal a quo claramente qual o verdadeiro e único sentido possível do conteúdo do contrato celebrado no que diz respeito à possibilidade de cessação do mesmo antes do respectivo termo.

T. Da parte do Recorrido, não se estranha de forma alguma que o douto Tribunal a quo tenha chegado a tal conclusão, dado que deixou expressas as motivações e circunstâncias que nortearam o conteúdo da cláusula 2ª do contrato em causa, designadamente em sede de contestação (artigos 74.º a 82.º do respectivo articulado).

U. Compreende-se, assim, que nunca foi sequer criada a expectativa de que, caso a Recorrente não procedesse à denúncia do contrato de utilização, o mesmo produziria os seus efeitos até 2025, sem hipótese de que o Recorrido algo pudesse fazer para mudar isso, designadamente, opor à renovação do contrato pelo período de mais um ano.

V. Pelo contrário, sempre foi esclarecida a natureza precária do contrato em causa e a possibilidade de que o mesmo sofresse alterações ao longo do tempo, acabando mesmo por cessar - e daí a previsão de períodos tão curtos de renovação.

W. Em suma, face ao exposto, e perante as estipulações contratuais em apreço - em conformidade com as quais o Recorrido comunicou a sua oposição à renovação do contrato, conclui-se que um declaratário normal, colocado na posição das partes, sempre interpretaria no sentido em que o fez o douto Tribunal de 1.ª instância, pelo que improcede o argumento de que tal oposição à renovação consubstancia um vício de violação de lei por parte do Recorrido.

X. Ainda que assim não se entenda, o que só por mera cautela de patrocínio se concede, sempre seria aplicável o disposto no art.º 237.º do CC, segundo o qual "Em caso de dúvida sobre o sentido da declaração, prevalece, nos negócios gratuitos, o menos gravoso para o disponente, e, nos onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações",

Y. Sendo manifesto que o sentido da interpretação conducente a um maior equilíbrio das prestações corresponde necessariamente à interpretação de que o Recorrido poderá, naturalmente, opor-se à renovação do contrato de utilização em causa, respeitando o prazo de pré-aviso previsto para o efeito.

Z. Para terminar, não se percebe o que pretende a Recorrente quando invoca um "vício de inexistência", não se descortinando o que caberá efectivamente em tal conceito - cuja correspondência na lei e o rigor jurídico seriamente se questiona.

AA. Ademais, andou bem a douta sentença recorrida, bem identificando que, a existir qualquer vício de violação de forma, este prender-se-ia necessariamente com a forma prevista para a comunicação de tal oposição à renovação, ou seja, estaria em causa "a falta de comunicação escrita ao destinatário", uma vez que se prevê contratualmente que tal comunicação far-se-ia "por meio de carta registada com aviso de recepção a enviar com a antecedência mínima de sessenta dias em relação ao termo inicial ou de qualquer das suas renovações",

BB. Pelo que é manifesto que os requisitos legais quanto à forma de operar a cessação do contrato de utilização em causa foram cumpridos, pelo que se reitera a conclusão da douta sentença de que "inexiste violação do n.º 1 e da alínea f) do n.º 2 do art.º 133.º do CPA".”.

Alega ser manifesta a improcedência do recurso de apelação interposto pela Recorrente, mantendo-se a sentença recorrida.


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Notificado o Ministério Público, nos termos e para os efeitos do artigo 146.º do CPTA, o mesmo emitiu parecer, pugnando pela improcedência do recurso.

Entende que a sentença recorrida procedeu a um correto julgamento dos factos e do direito, acompanhando o sentido da resposta da Entidade Demandada.


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Notificada, a Recorrente pronunciou-se sobre o parecer emitido, reiterando a posição anteriormente assumida.

*

O processo vai, com vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

As questões suscitadas pela Recorrente resumem-se em determinar se a decisão recorrida incorre em:

1. Erro de julgamento de facto, em relação à alínea D), a qual deve ser alterada;

2. Erro de julgamento de direito, quanto à interpretação do ponto 1 da cláusula 2.ª do contrato, por a faculdade de denunciar o contrato apenas ser conferida ao locatário (operador);

3. Erro de julgamento de direito, por violação dos artigos 133.º, n.ºs 1, 2, f) e 135.º, do CPA/91.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

A) A Autora dedica-se designadamente exploração de bares, snack-bares, pastelaria, cafetaria e afins (cfr docs nºs 1 e 2 da petição inicial do Processo nº 155/11.9BELLE);

B) A Entidade Demandada é uma entidade concessionária responsável pela gestão e exploração do M............, em Faro, denominado inicialmente por M............, S.A. e actualmente por M............, EM. (cfr doc nº 1 da oposição do Processo nº 155/11.9BELLE);

C) Em 1 de Fevereiro de 2007, a Entidade Demandada, com a denominação de M............, S.A., acordou ceder e garantir a J............, Lda. que aceitou, a utilização do espaço correspondente à Loja 0L02, com a área de 50,30 m2, localizada no M............, nos termos e condições constantes no documento escrito, designado por “Contrato de Utilização de Espaço” (cfr doc nº 3 da petição inicial do Processo nº 155/11.9BELLE);

D) Na referida cedência foi estipulado o prazo de doze meses, contados desde a entrega do identificado espaço, renovando-se automaticamente por iguais períodos de tempo, salvo denúncia a efectuar pelo interessado por meio de carta registada com aviso de recepção a enviar com a antecedência mínima de sessenta dias em relação ao termo inicial ou de qualquer uma das suas renovações nos termos da cláusula SEGUNDA, ponto 1 (cfr doc nº 3 da petição inicial do Processo nº 155/11.9BELLE);

E) Foi acordado entre o M............, SA. e J............, Lda., que a referida cedência caducará no termo do prazo da concessão dada à MMF, em 11 de Dezembro de 2025 nos termos da cláusula SEGUNDA, ponto 2 (cfr doc nº 3 da petição inicial do Processo nº 155/11.9BELLE);

F) A Factura nº 50, de 5 de Janeiro de 2011 emitida pela Entidade Demandada em nome da Autora, inúmera os seguintes item: “Contrato de Utilização de Espaço no MMF”, “Ocupação de Esplanada 30 m2” e “Arrecadações nºs 53 e 55”, tudo no valor total de 202,27 € (cfr doc nº 4 da petição inicial do Processo nº 155/11.9BELLE);

G) Por carta registada com aviso de recepção, de 13 de Novembro de 2010, a Entidade Demandada comunicou à Autora, que o Conselho de Administração do Mercado Municipal, EM., deliberou em 9 de Novembro de 2010 “(…) opor-se à renovação do Contrato de Utilização de espaço para a Loja n° 01, outorgado em 2007-02-01, pelo que a partir de 31 de Janeiro de 2011 cessarão, para todos os efeitos legais, os direitos emergentes do mencionado contrato. (…) Por isso, e no seguimento do ora comunicado, solicita-se a V. Exas. que até à data supra identificada – 2011-01-31 – procedam à entrega do espaço actualmente ocupado, livre e devoluto de pessoas e bens e ainda nas condições em que foi entregue” (cfr doc nº 5 da petição inicial do Processo nº 155/11.9BELLE);

H) Pelo ofício de 1 de Fevereiro de 2011, a Entidade Demandada comunicou à Autora o seguinte: “Tendo sido verificado que após a cessação do contrato de utilização, operada em 31.01.2011. V. Exªs. permanecem nesse espaço, não o tendo desocupado e entregue livre e devoluto de pessoas e bens e ainda nas condições em que foi entregue vimos pela presente solicitar essa entrega, como única forma de evitar a sua desocupação coerciva e evitar a tomada de outras medidas, destinadas a remover deste Mercado Municipal ocupações indevidas e ilegais de lojas e outros espaços comerciais,

Essa desocupação deverá ocorrer no período máximo de 8 (oito) dias a contar da recepção da presente, decorrido o qual, persistindo a actuação ilegal sem mais delongas, com as medidas e intervenções atrás referidas.

Alertamos ainda para o facto de todos os custos, encargos e inconvenientes que essa actuação possa implicar para a V. empresa serão da V. inteira responsabilidade, sendo-vos igualmente imputados todos e quaisquer custos ou prejuízos em que o MMF EM incorra ou venha a incorrer por esse efeito” (cfr doc nº 6 da petição inicial do Processo nº 155/11.9BELLE);

I) Em 2 de Dezembro de 2010, a Autora informou designadamente a Entidade Demandada do seguinte: “Não podemos aceitar a vossa pretendida cessação de contrato, por não encontrarmos suporte legal e solicitamos a reponderação da vossa posição no sentido duma solução justa e razoável” (cfr doc nº 7 da petição inicial do Processo nº 155/11.9BELLE);

J) A Autora pagou a prestação do mês de Fevereiro de 2011 relativa à loja 02 do M............, no valor de 202,27€ (cfr doc nº 8 da petição inicial do Processo nº 155/11.9BELLE);

K) Pelo ofício de 10 de Fevereiro de 2011, a Entidade Demandada comunicou à Autora o seguinte: “Informamos pela presente que de ora em diante não é permitida a colocação de esplanadas interior e exterior” (cfr doc nº 9 da petição inicial do Processo nº 155/11.9BELLE).”.

DE DIREITO

Considerada a factualidade fixada importa entrar na análise das questões colocadas para decisão.

1. Erro de julgamento de facto, em relação à alínea D), a qual deve ser alterada

Vem a Autora a juízo, interpor recurso da sentença recorrida com fundamento no erro grosseiro cometido no julgamento da matéria de facto, no respeitante à alínea D) dos factos assentes.

Sustenta que no ponto 1 da cláusula 2.ª do contrato de utilização do espaço celebrado entre as partes não prevê a palavra “interessado”, mas a palavra “operador”, como consta do seu teor.

Por conseguinte, entende que deve ser alterado o texto do ponto D) do julgamento da matéria de facto.

Vejamos.

A Recorrente vem impugnar a matéria de facto constante da alínea D) do elenco dos factos provados na sentença, pedindo que a sua redação seja alterada, de acordo com o texto do clausulado do contrato.

Por isso, pretende a Recorrente que este Tribunal de recurso altere a matéria de facto provada, procedendo à indicação do concreto ponto de facto impugnado, indicando o meio probatório em que assenta a prova do facto, o documento n.º 3 junto ao processo cautelar e ainda, indicando a exata redação que pretende que seja considerada.

Neste sentido, logra a Recorrente dar pontual cumprimento às exigências emanadas do disposto no artigo 640.º, n.º 1, a), b) e c), do CPC, no que respeita aos ónus a cumprir pelo impugnante da decisão relativa à matéria de facto.

Está em causa a alteração do julgamento de um facto cuja prova assenta exclusivamente na prova documental produzida em juízo.

O documento n.º 3 a que se refere a Recorrente, consta igualmente dos autos, a fls. 185 do processo físico.

Extrai-se do teor do n.º 1 da cláusula “Segunda”, relativa ao “Prazo do Contrato”, o seguinte, que ora se transcreve, por relevante para a decisão sobre o fundamento do recurso:

1. Sem prejuízo do disposto no número dois desta cláusula, o presente Contrato de Utilização do ESPAÇO é celebrado pelo prazo de doze meses, contados desde a data de entrega do mesmo, renovando-se automaticamente por iguais períodos de tempo, salvo denúncia a efectuar pelo OPERADOR, por meio de carta registada com aviso de recepção a enviar com a antecedência mínima de sessenta dias em relação ao termo inicial ou de qualquer das suas renovações.”.

Mais decorre do teor do contrato, na parte referente à identificação das partes, que consta como primeiro outorgante, o M............, SA, designado como “MMF” e como segundo outorgante, J............, Lda, designado como “Operador”.

Nestes termos, em face do teor do contrato, quer quanto ao teor do n.º 1 da cláusula 2.ª, quer quanto à identificação das partes, não podem existir dúvidas de que, tal como sustentado pela Recorrente, a citada cláusula não indica a palavra “interessado”, como consta da alínea D) do julgamento da matéria de facto da sentença, mas antes à palavra “Operador”.

O que implica que assista razão à ora Recorrente ao invocar o erro de julgamento de facto da sentença recorrida e ao pedir a sua alteração, pois da prova documental produzida é possível extrair que o contrato se refere ao Operador.

Pelo que, deve a redação da alínea D) da matéria de facto assente ser alterada, passando a adotar a seguinte redação:

D) Na referida cedência foi estipulado o prazo de doze meses, contados desde a entrega do identificado espaço, renovando-se automaticamente por iguais períodos de tempo, salvo denúncia a efectuar pelo operador, por meio de carta registada com aviso de recepção, a enviar com a antecedência mínima de sessenta dias em relação ao termo inicial ou de qualquer uma das suas renovações nos termos da cláusula Segunda, ponto 1 (cfr. doc. nº 3 da petição inicial do processo nº 155/11.9BELLE, a fls. 185 e segs. do processo físico)”.

Donde, ser de conceder provimento ao fundamento do recurso, por provado, incorrendo a sentença recorrida em erro de julgamento de facto.

2. Erro de julgamento de direito, quanto à interpretação do ponto 1 da cláusula 2.ª do contrato, por a faculdade de denunciar o contrato apenas ser conferida ao locatário (operador)

No demais, vem a Recorrente assacar o erro de julgamento de direito à sentença recorrida, pois considerando a correta redação da alínea D) do julgamento de facto, a Entidade Demandada, ora Recorrida, estava impedida de denunciar o contrato, por essa faculdade ser apenas do locatário, o Operador.

Em consequência, defende a Recorrente que a Demandada ao tomar a deliberação impugnada, de denúncia do contrato incorreu na violação do n.º 1 da cláusula 2.ª do contrato, o que determina a sua anulação.

Vejamos.

Compulsando a sentença recorrida dela decorre que a ação de impugnação da deliberação de denúncia o contrato outorgado entre as partes por parte da ora Recorrida foi julgada improcedente, tendo sido julgado pelo Tribunal a quo que a Entidade Demandada denunciou o contrato ao abrigo da cláusula 2.ª, respeitando o prazo de 60 dias que dispunha para o efeito e decorrido o prazo contratual de 12 meses, pelo que não se verifica a violação da cláusula 2.ª.

É contra este julgamento que se insurge a Autora e ora Recorrente, por entender que a possibilidade de denúncia do contrato estava prevista na cláusula 2.ª apenas como uma faculdade outorgada ao locatário, identificado como Operador.

Defende, pois, a Recorrente, que a Entidade Demandada não podia denunciar o contrato, o que acarreta que a deliberação impugnada enferme de violação da citada cláusula 2.ª.

Ora, nos termos que se extraem da alínea D) do julgamento de facto, nos termos alterados por este Tribunal de recurso, a possibilidade de denúncia do contrato, tal como prevista no n.º 1 da cláusula 2.ª do contrato outorgado entre as partes está apenas prevista para o Operador, o qual consiste na locatária.

Não se prevê na citada cláusula que a possibilidade de denúncia do contrato, findo o seu prazo acordado, seja atribuída à entidade pública contratante, que figura no contrato como locadora.

Neste sentido, não se pode manter o julgamento efetuado na sentença recorrida, de que a citada cláusula 2.ª do contrato confere à Recorrida a faculdade de denunciar o contrato.

Porém, se assim é, não se pode, de imediato, concluir que esteja subtraída essa possibilidade à Recorrida, antes se impondo perscrutar o demais quadro legal e contratual aplicável.

Analisando o teor do contrato outorgado entre as partes, dele decorre ter sido celebrado um “Contrato de Utilização de Espaço / Lojas – Operadores Actuais” entre a ora Recorrida, enquanto concessionária responsável pela gestão e exploração do M............ e a ora Recorrente, o Operador económico, sendo expressamente qualificado como um “contrato atípico” (vide alínea G) dos Considerandos do contrato).

Através da celebração do contrato a Recorrida cede e garante a utilização ao Operador, o qual aceita a cedência de utilização, da loja n.º 0L02.

Nos termos do n.º 1 da cláusula 2.ª do contrato, foi acordado que sem prejuízo do disposto no n.º 2 da referida cláusula, o contrato é celebrado pelo prazo de 12 meses, contados desde a entrega do locado, renovando-se automaticamente, por iguais períodos de tempo, salvo denúncia a efetuar pelo Operador, por meio de carta registada com aviso de receção e a enviar com a antecedência mínima de 60 dias em relação ao termo inicial ou de qualquer das suas renovações.

De acordo com o n.º 2 da cláusula 2.ª foi estipulado que o contrato de utilização caducará no termo do prazo da concessão dada à Recorrida, em 11/12/2025.

Decorre do citado regime, por isso, quanto ao prazo do contrato, o seguinte:

(i) o contrato tem a duração de 12 meses;

(ii) pode ser renovado, por iguais períodos;

(iii) até ao limite de 11/12/2025.

No que se refere à possibilidade da sua denúncia, prevê-se que o Operador a possa exercitar, pelo meio e forma descritos.

Constitui questão decidenda se o primeiro outorgante dispõe do poder de denúncia do contrato, fazendo cessar os seus efeitos e impedindo a sua renovação automática.

Decorre ainda do n.º 8 da cláusula 8.ª do contrato em análise a referência à “denúncia, rescisão ou caducidade deste contrato”.

No entanto, não se encontram tais figuras reguladas no contrato em causa.

Além disso, foi acordado na cláusula 14.ª que em tudo quanto for omisso no contrato se aplicarão as disposições do Regulamento Interno do Mercado.

Em face do que foi estipulado pelas partes, não podem existir dúvidas de que, por um lado, o contrato em causa não consiste num contrato de arrendamento, in casu, para uso comercial, mas antes um contrato atípico, denominado de “utilização de espaço” público, para exercício de atividade comercial.

Sem prejuízo, importa indagar, nos aspetos não expressamente regulados, se ao mesmo têm aplicação subsidiária as disposições aplicáveis à locação, neste caso, por se referir a bem imóvel, ao arrendamento para fim comercial.

A circunstância de o contrato conferir expressamente ao Operador a possibilidade de denúncia, não pode conduzir, à imediata conclusão, de que igual faculdade não se confere à Recorrida.

A omissão dessa regulação não pode, sem mais, conduzir à interpretação de que as partes quiseram subtrair tal possibilidade à entidade pública contratante.

O contrato em questão foi celebrado em 16/12/2009, importando o regime legal à data em vigor, mas também as alterações que foram sendo introduzidas.

Para o efeito, releva o disposto no artigo 1054.º do CC, o qual prevê para o regime da locação, na redação originária, dada pelo D.L. n.º 47344/66, de 25/11, o seguinte:

Artigo 1054.º

(Renovação do contrato)

1. Findo o prazo do arrendamento, o contrato renova-se por períodos sucessivos, se nenhuma das partes o tiver denunciado no tempo e pela forma convencionados ou designados na lei.

2. O prazo da renovação é igual ao do contrato; mas é apenas de um ano, se o prazo do contrato for mais longo.” (sublinhado nosso).

O que significa que a lei previa a denúncia do contrato no âmbito do regime da renovação do contrato, tal como previsto na cláusula 2.ª do contrato outorgado entre as partes, e como uma possibilidade conferida a ambas as partes.

O citado regime do artigo 1054.º do CC sofreu alterações com a Lei n.º 6/2006, de 27/02:

“Artigo 1054.º

Renovação do contrato

1 - Findo o prazo do arrendamento, o contrato renova-se por períodos sucessivos se nenhuma das partes se tiver oposto à renovação no tempo e pela forma convencionados ou designados na lei.

2 - O prazo da renovação é igual ao do contrato; mas é apenas de um ano, se o prazo do contrato for mais longo.”.

Com a alteração legal introduzida, mantém-se a possibilidade de qualquer das partes impedir a renovação do contrato, mas desaparece a referência à denúncia, para existir a referência à oposição à renovação.

O que se mantém, na atual redação.

Acresce regular o Código Civil as formas de cessação do contrato, prevendo que o arrendamento urbano cesse por acordo das partes, resolução, caducidade, denúncia ou outras causas previstas na lei (artigo 1079.º).

Mais se estipula no artigo 1080.º do CC a “Imperatividade” das normas sobre a cessação do contrato, nos seguintes termos:

As normas sobre a resolução, a caducidade e a denúncia do arrendamento urbano têm natureza imperativa, salvo disposição legal em contrário.”.

Em face do regime estabelecido no contrato, o qual prevê expressamente a possibilidade de denúncia do contrato pelo Operador, mas sendo omisso no respeitante a igual faculdade poder ser exercida pela entidade pública contratante, é de entender pela aplicação subsidiária e prevalecente do regime previsto no artigo 1054.º do CC, o qual confere tal poder a ambas as partes, atenta a sua imperatividade prevista no artigo 1080.º do CC.

Regime paralelo se encontra previsto especificamente para o arrendamento habitacional com prazo certo, nos artigos 1097.º e 1098.º, do CC, em que se prevê, a faculdade de ambos os contratantes se oporem à renovação do contrato.

Sendo este o regime legal aplicável aos contratos de arrendamento, por isso, não obstante sob o regime de direito privado, sujeito a um forte regime vinculístico, mal se compreenderia que no quadro de um contrato sob o regime de direito público, outorgado por uma entidade dotada de poderes públicos, como é a ora Recorrida, uma empresa municipal que é a concessionária da gestão e exploração do M............, tendo o contrato celebrado entre as partes por objeto a utilização de um espaço público, ficasse a entidade dotada de poderes públicos subtraída de um poder que é conferido a qualquer outorgante privado, mesmo nos contratos de arrendamento sob o direito privado.

Não obstante o contrato de utilização de espaço público celebrado entre as partes não o prever expressamente, não se encontra subtraído o poder à entidade pública contratante, ora Recorrida, enquanto parte nesse contrato, de se opor à renovação do contrato, nos mesmos termos em que o pode fazer o Operador.

Tal é o que emana do regime vinculístico aplicável ao regime da cessação do contrato, o qual é imperativo e por isso, apenas cede por regulação expressa da lei, não sendo a vontade das partes suficiente para a sua derrogação.

Além de que não se pode retirar do contrato de utilização outorgado entre as partes uma regulação contrária a este regime, mas antes uma omissão de regulação, que carece de ser devidamente interpretada e preenchida.

Donde, mesmo que existisse essa expressa regulação contrária à lei, teria tal parte do clausulado do contrato de se considerar como não escrito, não podendo ter aplicação.

O que acarreta que, não obstante o n.º 1 da cláusula 2.ª do contrato outorgado pelas partes não prever a possibilidade de denúncia do contrato ou de oposição à renovação do contrato, impedindo a sua renovação, por parte do M............, SA, enquanto primeiro outorgante, a mesma encontra-se prevista nos termos do artigo 1054.º do CC, aplicável subsidiariamente.

Tal determina que, embora com diferente fundamentação de direito, não incorra a sentença no erro de julgamento de direito que se mostra invocado pela Recorrente como fundamento do presente recurso, o qual, por isso, é de julgar improcedente, por não provado.

Termos em que será de julgar não provado o fundamento do recurso.

3. Erro de julgamento de direito, por violação dos artigos 133.º, n.ºs 1, 2, f) e 135.º, do CPA/91

Por último, sustenta a Recorrente como fundamento do recurso o erro de julgamento de direito da sentença recorrida no tocante à violação dos artigos 133.º, n.ºs 1, 2, f) e 135.º, do CPA/91.

Invoca que a deliberação impugnada, de 09/11/2010, que terá denunciado o contrato de utilização do espaço nunca foi do conhecimento concreto da Autora, a qual, por isso, ignora os seus fundamentos e até se a mesma existe.

Entende que a carta enviada por um advogado referindo que a Ré havia deliberado opor-se à renovação do contrato não substitui a própria deliberação, nem tão pouco a sua fundamentação.

Vejamos.

A Recorrente vem invocar a ilegalidade da deliberação impugnada, com base nas deficiências da sua notificação e, invocando o desconhecimento do seu exato teor, a sua falta de fundamentação.

Sem razão.

O ato administrativo não se confunde com a sua notificação, pelo que, existindo alguma deficiência ou irregularidade da notificação, a mesma apenas é suscetível de interferir com a eficácia do ato administrativo e não com a sua validade.

A Autora, ora Recorrente, instaurou a presente ação, o que implica que tenha reconhecido a sua eficácia, considerando ser a deliberação impugnado um ato plenamente produtor de efeitos jurídicos.

Além de que, não invoca nem a ineficácia da deliberação impugnada (artigo 127.º e seguintes do CPA/91), nem tão pouco a violação dos preceitos relativos à notificação dos atos administrativos (artigo 66.º e seguintes do CPA/91), em especial, os artigos 68.º e 70.º do CPA/91.

Qualquer deficiência que ocorra na notificação não tem, pois, qualquer virtualidade de afetar a validade da deliberação impugnada.

Acresce que estabelece a lei os mecanismos legais para que o destinatário direto dos atos administrativos conheça o seu teor e seja deles notificado, o que não se mostra alegado pela Autora, a qual, por isso, não se socorreu dos mecanismos legais previstos para o efeito, nos termos dos artigos 59.º e 60.º do CPTA.

As questões invocadas pela Autora, ora Recorrente, no presente recurso não se subsumem a qualquer caso de inexistência jurídica da deliberação impugnado, da sua nulidade ou sequer da sua anulabilidade, segundo os artigos 133.º e 135.º, do CPA/91, por não se circunscrevem no regime da invalidade dos atos administrativos, mas como referido, eventualmente, no campo da eficácia.

A qual teria relevância para efeito do prazo da instauração da ação em juízo, não relevando em termos de efeitos da validade do ato impugnado, como pretende a Recorrente.

Por conseguinte, não dirigindo a Recorrente qualquer questão concreta acerca da invalidade da deliberação impugnada, limitando-se a invocar a sua eventual falta de fundamentação em decorrência de alegar desconhecer o seu teor, não pode proceder o fundamento do recurso.

Além de que, tendo a questão da fundamentação do ato impugnado sido expressamente decidida na sentença recorrida, a ora Recorrente não impugna tal questão, limitando-se no presente recurso a invocar o desconhecimento da deliberação impugnada e em consequência, se a mesma se encontra devidamente fundamentada.

Por isso, a Recorrente não invoca como fundamento do presente recurso, a violação dos artigos 123.º e 124.º e seguintes, do CPA/91, nos que se refere às menções obrigatórias e ao dever de fundamentação.

Considerando desconhecer o exato teor da deliberação impugnada, cabia à interessada, ora Recorrente, requerer a sua integral notificação, nos termos do artigo 60.º, n.º 2 do CPTA, o que não consta do probatório assente apurado nos presentes autos.

Assim, em face do que se encontra provado na alínea G) do julgamento da matéria de facto, de que a Entidade Demandada comunicou à Autora, por carta registada com aviso de receção, que o Conselho de Administração do M............, SA deliberou em 09/11/2010 opor-se à renovação do contrato de utilização de espaço outorgado, não assiste razão à Recorrente quanto ao fundamento do recurso.

Em consequência, será de negar provimento ao fundamento do recurso, por não provado.


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Nestes termos, em face de todo o exposto, não obstante com fundamentação algo distinta da vertida na sentença sob recurso, será de manter o decidido, mantendo-se a decisão que julgou a ação improcedente, por não provada, com a consequente absolvição da Entidade Demandada do pedido.


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Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. Impõe-se a correção do julgamento da matéria de facto, perante a impugnação concreta de um ponto da matéria de facto, devidamente identificado, com a indicação do respetivo meio de prova e da indicação da redação a adotar, estando em causa um facto provado exclusivamente por prova documental, por cumprimento dos ónus a cargo do impugnante, previstos no artigo 640.º, n.º 1, a), b) e c), do CPC.

II. A cláusula inserta num “Contrato de Utilização de Espaço”, destinado à utilização de um espaço público, referente a uma loja do Mercado Municipal, outorgado por uma empresa municipal, concessionária do referido mercado e por um Operador privado, em que se consagre a possibilidade de denúncia do contrato pelo Operador, impedindo a sua renovação, não afasta igual possibilidade por parte da entidade pública contratante.

III. Em face do regime estabelecido no contrato, o qual prevê expressamente a possibilidade de denúncia do contrato pelo Operador, mas sendo omisso no respeitante a igual faculdade poder ser exercida pela entidade pública contratante, é de entender pela aplicação subsidiária e prevalecente do regime previsto no artigo 1054.º do CC, o qual confere tal poder a ambas as partes, atenta a sua imperatividade prevista no artigo 1080.º do CC.

IV. Prevendo-se a faculdade de oposição à renovação do contrato no regime legal aplicável aos contratos de arrendamento, sob o regime de direito privado, também ele sujeito a um forte regime vinculístico, mal se compreenderia que no quadro de um contrato sob o regime de direito público, outorgado por uma entidade dotada de poderes públicos, tendo o contrato por objeto a utilização de um espaço público, ficasse a entidade dotada de poderes públicos subtraída de um poder que é conferido a qualquer outorgante privado, mesmo nos contratos de arrendamento sob o direito privado.

V. O ato administrativo não se confunde com a sua notificação, pelo que, existindo alguma deficiência ou irregularidade da notificação, a mesma apenas é suscetível de interferir com a eficácia do ato administrativo e não com a sua validade.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida, com a presente fundamentação.

Custas pela Recorrente.

Registe e Notifique.

A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores, Pedro Marques e Alda Nunes.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)