Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1097/20.2BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:04/15/2021
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:GARANTIA
INSUFICIÊNCIA DE BENS
ÓNUS DA PROVA
PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO
PRINCÍPIO DA TUTELA JURISDICIONAL/PROPORCIONALIDADE
Sumário:I-O deferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia está sujeito à verificação de três requisitos, sendo dois deles de verificação alternativa e um terceiro de verificação cumulativa. Alternativamente, importa provar que: i) a prestação de garantia causa prejuízo irreparável ou ii) a manifesta falta de meios económicos a qual é revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido; Cumulativamente, cumpre demonstrar: iii) a inexistência de fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado (artigo 52.º, nº4 da LGT);
II-Quer a dispensa de prestação da garantia assente na ocorrência de prejuízo irreparável, quer na manifesta falta de meios económicos do executado, é sobre o Requerente, que recai o ónus de alegar e provar os pressupostos para tal dispensa.
III-Se os Recorrentes omitem a apresentação de meios de prova no momento legalmente assinalado, não pode considerar-se que o órgão decisor se encontre obrigado a investigar os factos alegados ou endereçar convite para apresentar a prova omitida. Ademais, não estando na disponibilidade da AT, elementos inerentes a saldos bancários e investimentos financeiros não é exigível que a mesma tenha de diligenciar na sua obtenção, notificando os Recorrentes para efeitos de prova dessa realidade fática.
IV-Inexiste uma violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, nem uma restrição de direitos e garantias, em ordem ao consignado, designadamente, no artigo 18.º da CRP, porquanto na sequência do indeferimento de pedido de dispensa de prestação de garantia foi facultada a reação e a sindicância judicial desse ato, em nada desvirtuando a concretização de um processo justo e equitativo.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:

ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO



P....., e O....., vieram interpor recurso jurisdicional dirigido a este Tribunal tendo por objeto sentença proferida pela Mmª. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, através da qual julgou improcedente a reclamação de atos do órgão da execução fiscal deduzida contra a decisão de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia, proferida pelo Diretor de Finanças Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa, no âmbito do processo de execução fiscal nº ......

A Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

I. Vem o presente Recurso apresentado contra a Sentença proferida no dia 22 de janeiro de 2021, nos termos da qual se julgou improcedente a Reclamação Judicial apresentada 7 de dezembro de 2020 apresentada pelos ora Recorrentes contra o Despacho proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 2, contido no Ofício n.º do Serviço de Finanças de Lisboa 2, contido no Ofício n.º ....., de 2 de julho de 2020, no âmbito do processo de execução fiscal n.º ....., que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia apresentado;

II. A Sentença ora impugnada sustenta a referida improcedência da Reclamação Judicial na alegada não demonstração a falta de meios económicos, revelada pela insuficiência de bens penhoráveis, para pagamento da dívida exequenda e acrescidos nos termos previstos no artigo 52.º, n.º 4, da LGT;

III. Com efeito, no entender da Meritíssima Juíza do Tribunal a quo “Pelo exposto, não se verifica que tenha existido qualquer erro nos pressupostos de facto ou de direito na decisão em causa. Considerando o ónus da prova que impendia sobre os Reclamantes, ou seja, que teriam estes que provar a manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para pagamento da dívida exequenda e acrescido, verifica-se que apenas resulta provado que os mesmos são proprietários de um imóvel de valor patrimonial de € 240.084,63, e que auferiram o valor de € 15.031,00 em rendimento de pensões no ano de 2018. Porém, a manifesta falta de meios económicos não pode ser apreciada apenas e só perante bens imóveis e rendimentos de um ano em concreto. A avaliação que faz do referido pressuposto tem que ter necessariamente um carácter mais abrangente, sob pena de pela simples omissão de informação, se pudesse vir a concluir pela manifesta falta de meios económicos, o que poderia não corresponder à realidade”.

IV. Concluindo, por fim, que “Com efeito, os Reclamantes não lograram demonstrar que estão impedidos de aceder a crédito bancário, ou a que lhes seja prestada uma garantia bancária. Por outro lado, não demonstram também que o seu eventual saldo bancário não lhes permita suportar o valor da garantia em causa. Assim, a mera demonstração de que no ano de 2018 auferiram rendimentos no valor de € 15.031,00 e detêm um imóvel em valor inferior ao da garantia bancária exigida pela Administração Tributária, não se mostra suficiente para que se encontre preenchido o pressuposto da manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis, uma vez que a prova apresentada pelos Reclamantes assume um carácter selectivo, não demonstrativo na íntegra da realidade económica dos mesmos”. (cfr. p. 11 da Sentença proferida pelo Tribunal a quo);

V. Por fim, a decisão sub judice decidiu que “(…) tem forçosamente que se concluir pela não demonstração por parte dos Reclamantes, conforme ónus que sobre os mesmos impendia, de manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis, pelo que tem a presente reclamação que improceder” (cfr. p. 11 da Sentença proferida pelo Tribunal a quo);

VI. Em face do que antecede, a douta Sentença determinou a manutenção da decisão da Autoridade Tributária e Aduaneira, ora Recorrida, na ordem jurídica e, bem assim, condenou os ora Recorrentes ao pagamento das custas do processo;

VII. Acontece, porém, que a Sentença proferida nos presentes autos padece de ilegalidade por violação dos princípios do inquisitório, da proporcionalidade e da tutela jurisdicional efetiva, todos com previsão constitucional, conforme adiante melhor se circunstanciará, devendo, por conseguinte, ser anulada e, consequentemente, ser invertido o seu entendimento e substituída por uma decisão que dê cumprimento aos mencionados princípios;

VIII. A execução fiscal visa a cobrança coerciva das dívidas elencadas no artigo 148.º do CPPT. É um processo de natureza judicial, como decorre expressamente do n.º 1 do artigo 103.º da LGT, sem prejuízo de ser instaurada e se desenvolver perante órgãos da Autoridade Tributária e Aduaneira, que nela praticam os atos de natureza não jurisdicional que couberem, tudo nos termos dos artigos 10.º, n.º 1, alínea f), 149.º, 150.º e 151.º do CPPT;

IX. Entre tais atos incluem-se os concernentes à prestação de garantia, quando a ela houver lugar, e às respetivas vicissitudes: apreciação da suficiência, dispensa, reforço, redução, levantamento.

É o que se extrai das disposições dos artigos 169.º, 170.º, 183.º, 195.º, 199.º n.ºs 8, 9 e 10 do CPPT. Em síntese, tudo quanto respeite à garantia prestada no âmbito da execução fiscal, quer tenha em vista a sua suspensão, quer o pagamento em prestações da dívida exequenda, é da competência do órgão da execução fiscal;

X. O pedido de dispensa de garantia deve, pois, ser apresentado ao órgão da execução fiscal, nos termos do n.º 1 do artigo 170.º do CPPT – que regulamenta o pedido de dispensa de prestação de garantia previsto no n.º 4 do artigo 52.º da LGT –, pois é a esse órgão que está legalmente atribuída a competência exclusiva para decidir sobre esse pedido;

XI. No caso, o Recorrente pediu a dispensa da prestação de garantia com fundamento na manifesta falta de meios económicos por não possuir bens suficientes para garantir a dívida exequenda e o acrescido, alegando, em síntese, a inexistência de bens que possa oferecer em garantia. Nesse pedido o ora Recorrente carreou para os autos toda a prova documental suscetível de comprovar a sua situação económica;

XII. Com efeito, tanto no pedido apresentado pelos Recorrentes como na Reclamação Judicial apresentada posteriormente, os ora Recorrentes demonstraram que:

i) a declaração Modelo 3 de IRS apresentada pelos ora Recorrentes referente ao ano de 2018, os Reclamantes não obtiveram, em 2018, qualquer tipo de rendimento (cfr. Documento n.º 5 junto com o Requerimento);

ii) Que os Recorrentes, atualmente, apenas dispõem de um imóvel sito em .....Quarteira, cujo valor patrimonial tributário ascende a € 240.084,63 (cfr. Documento n.º 6 junto com o Requerimento).

XIII. Perante estes dados, e tendo presente que o valor constante da citação para garantir o valor da dívida exequenda e acrescido era de € 375.549,33 (cfr. Documento n.º 1 junto com o Requerimento), e dando como certo que € 375.549,33 é superior a € 240.084,63, era de palmar evidência que se devia concluir como os ora Recorrentes fizeram, i.e., dizendo que o “(...) o património atual dos Reclamantes não é suficiente para garantir o valor da dívida exequenda e acrescidos, a qual ascende a € 375.549,33 (cfr. Documento n.º 1)”;

XIV. O n.º 4, do artigo 52.º da Lei Geral Tributária dispõe que: “A administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado”;

XV. Foi precisamente isto que os Recorrentes fizeram durante este caminho todo, ou seja, demonstraram a “manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido“;

XVI. Para tanto, não ignoram os ora Recorrentes que, tal como concluiu a Meritíssima Juíza do Tribunal a quo, que tal ónus de demonstração da “manifesta falta de meios económicos” e da “insuficiência de bens penhoráveis” impende sobre os contribuintes ora Recorrentes. Dir-se-á, porém, que a prova carreada para os autos não foi suficiente para o demonstrar, mas aí, refira-se, estaremos perante uma questão de suficiência de prova, e já não de uma violação do ónus da prova;

XVII. Importa, contudo, recordar como a Meritíssima Juíza do Tribunal a quo concluiu. Com efeito, entendeu que “Considerando o ónus da prova que impendia sobre os Reclamantes, ou seja, que teriam estes que provar a manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para pagamento da dívida exequenda e acrescido, verifica-se que apenas resulta provado que os mesmos são proprietários de um imóvel de valor patrimonial de €240.084,63, e que auferiram o valor de € 15.031,00 em rendimento de pensões no ano de 2018.

Porém, a manifesta falta de meios económicos não pode ser apreciada apenas e só perante bens imóveis e rendimentos de um ano em concreto. A avaliação que faz do referido pressuposto tem que ter necessariamente um carácter mais abrangente, sob pena de pela simples omissão de informação, se pudesse vir a concluir pela manifesta falta de meios económicos, o que poderia não corresponder à realidade. Com efeito, os Reclamantes não lograram demonstrar que estão impedidos de aceder a crédito bancário, ou a que lhes seja prestada uma garantia bancária.

Por outro lado, não demonstram também que o seu eventual saldo bancário não lhes permita suportar o valor da garantia em causa”);

XVIII. Resumindo: tanto a Meritíssima Juíza do Tribunal a quo como a Autoridade Tributária parecem concluir que podiam ter sido apresentados outros elementos de prova, designadamente, “demonstrar que estão impedidos de aceder a crédito bancário, ou a que lhes seja prestada uma garantia bancária. Por outro lado, não demonstram também que o seu eventual saldo bancário não lhes permita suportar o valor da garantia em causa”.

XIX. Ora, perante o exposto caberá perguntar: pode esta insuficiência de prova ser imputável aos Recorrentes? É este conhecimento exigível a um contribuinte de boa fé, ou seja, o conhecimento de quais os elementos de prova em concreto suscetíveis de comprovar a insuficiência patrimonial num determinado caso? É exigível aos Recorrentes saber que podem oferecer o imóvel como garantia parcial da dívida e solicitarem a dispensa do remanescente? Ora, as perguntas afiguram-se retórica e a resposta de palmar evidência: não!;

XX. Tal exigência de densificação da prova apresentada, em especial tratando-se de factos negativos, não está em linha com a prova requerida aos contribuintes em situações semelhantes e se traduz numa aplicação arbitrária dos pressupostos constantes da lei, exigindo-se ao ora Recorrente a produção excessiva de prova de factos negativos de difícil obtenção, revelando-se, por conseguinte, a Sentença objeto do presente Recurso manifestamente desproporcional;

XXI. Mais: para além do ónus de alegação e de demonstração, vigoram, também, no ordenamento jurídico-tributário o princípio do inquisitório, o princípio da descoberta da verdade material e o próprio princípio da colaboração a que a Autoridade Tributária e Aduaneira está vinculada nas relações com os contribuintes.

XXII. De facto, a decisão de imediato indeferimento com base na falta de junção de prova, em especial tratando-se de factos negativos, sempre se revela, no caso, uma decisão desproporcionada (neste sentido, vide o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15 de maio de 2013, proferido no Recurso n.º 0519/13, relatado pela Ilustre Conselheira Fernanda Maçãs).

XXIII. Tanto mais que quanto às exigências do requerimento de dispensa de prestação de garantia o art. 170.º, n.º 3, do CPPT limita-se a referir de forma vaga que o pedido deve conter a “fundamentação de facto e de direito” e ser “instruído com a prova documental necessária (neste sentido, vide, ainda Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15 de maio de 2013, proferido no Recurso n.º 0519/13). Acresce que, não se vislumbra quais os interesses que possam justificar a inexistência sequer de um convite para os executados juntarem meios de prova adicionais;

XXIV. Sendo que a justiça material deve prevalecer sobre a justiça formal, caberia à Autoridade Tributária e Aduaneira convidarem os Recorrentes a suprir a omissão da prova dos factos alegados, e assim se obviaria a que uma omissão de natureza meramente procedimental conduzisse de imediato ao que veio a constituir uma denegação quase automática e cega do requerimento dos Recorrentes, obrigando-os a recorrer ao Tribunal, o que poderia ser evitado;

XXV. Para além de que, no mesmo sentido milita o dever de colaboração que deve mediar as relações entre os sujeitos do procedimento, sendo que a desproporção entre a irregularidade cometida pela recorrida (não juntar os documentos sobre os factos alegados) e a consequência que lhe é associada pela Autoridade Tributária e Aduaneira é manifesta, não se revelando adequada nem proporcional, (neste sentido, vide, ainda, o Acórdão Supremo Tribunal Administrativo de 15 de maio de 2013, proferido no Recurso n.º 0519/13).

XXVI. De facto, o que na verdade se impõe responder é se a falta de instrução do incidente de dispensa da prestação de garantia, para efeitos de suspensão da execução fiscal, tem como efeito imediato o indeferimento do pedido por falta de prova dos pressupostos previstos no n.º 4 do artigo 52.º da LGT. Sendo que, atenta a redacção do n.º 3 do artigo 170.º do CPPT, de onde não resulta quais as consequências do incumprimento ou cumprimento defeituoso do ónus de instrução desse incidente, tal resposta só pode ser negativa (neste sentido, vide, o voto de vencido do Conselheiro Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro, proferido no Acórdão Supremo Tribunal Administrativo de 26 de setembro de 2012, proferido no Recurso n.º 0708/12);

XXVII. Antes se impondo ao órgão de execução, diligências no sentido do suprimento da irregularidade, “convidando” o requerente a instruir o pedido ou, caso disponha dos elementos sobre a situação económica do executado, juntá-los ao incidente e decidir em função deles (neste sentido, vide, o mencionado voto de vencido);

XXVIII. A tal obriga a constatação de que, na compatibilidade entre o princípio da auto-responsabilidade das partes, concretizado no ónus de instrução do requerimento, com o princípio da colaboração, tem preponderância este último, dada a dificuldade que o executado pode ter em apresentar prova de factos negativos em tão pouco tempo, (neste sentido, vide, ainda, o voto de vencido do Conselheiro Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro, o mencionado voto de vencido);

XXIX. Mais: aplicando supletivamente as regras do processo civil, chega-se à conclusão que o órgão de execução fiscal não pode ficar indiferente à ausência de instrução do incidente e avançar logo para a aplicação das regras do ónus da prova, impondo-se, antes, uma atitude “pro actione” que possibilite, na medida do possível, a prova dos factos alegados, (neste sentido, vide, ainda, o mencionado voto de vencido);

XXX. Atendendo ao anteriormente exposto, torna-se evidente concluir se encontram preenchidos os requisitos legais de que dependia o deferimento do pedido de suspensão do processo de execução fiscal acima identificado com a dispensa de prestação de garantia. Contudo, assim não sucedeu na Sentença ora impugnada;

XXXI. Não obstante a Meritíssima Juíza do Tribunal a quo falar em violação do ónus da prova, o que está em causa é o facto de o ora Recorrente não ter, alegadamente, junto com o requerimento os documentos necessários a demonstrar o alegado, caindo-se na questão de saber se no caso se impunha convidá-lo a juntar os documentos em falta;

XXXII. A verdade é que não se vislumbra que argumentos razoáveis e objetivamente fundados possam justificar a dispensa sequer do convite para correção de um requerimento deficientemente instruído;

XXXIII. Como ficou sublinhado no voto de vencido proferido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 26 de Setembro de 2012, “A decisão de imediato indeferimento com base na falta de junção de prova, em especial tratando-se de factos negativos, sempre se revela, portanto, no caso, uma decisão desproporcionada (…) É que uma coisa é concluir-se que a urgência do procedimento não é compatível com o exercício do direito de audiência, mas não se vislumbra quais os interesses que possam justificar a inexistência sequer de um convite para o executado juntar meios de prova em dois ou três dias. Considerando que a justiça material deve prevalecer sobre a justiça formal, caberia à Administração Fiscal convidar o recorrente a suprir a omissão da prova dos factos alegados, e assim se obviaria a que uma omissão de natureza meramente procedimental conduzisse de imediato ao que veio a constituir uma denegação quase automática e cega do requerimento do recorrente, obrigando-o a recorrer ao tribunal o que poderia ser evitado. No mesmo sentido milita o dever de colaboração que deve mediar as relações entre os sujeitos do procedimento. A desproporção entre a irregularidade cometida pelo recorrente (não juntar os documentos sobre os factos alegados) e a consequência que lhe é associada pela Administração Fiscal é manifesta, não se revelando adequada nem proporcional”;

XXXIV. Ora, para quem aceite, como defendido no Acórdão atrás referido, que a isenção de prestação de garantia para suspender a execução tem a natureza de acto administrativo em matéria tributária, dispõe, por exemplo, o artigo 117.º do Código de Procedimento Administrativo (“CPA”) que o órgão que dirige a instrução pode determinar aos interessados designadamente a apresentação de documentos ou coisas e a colaboração noutros meios de prova;

XXXV. De igual modo, ainda que porventura se concebesse a tramitação em causa como tendo natureza processual, sempre impenderia sobre o órgão de execução fiscal notificar o então requerente para suprir as deficiências, juntando os documentos julgados necessários, segundo os princípios do inquisitório e da cooperação das partes, consagrados, respectivamente, nos arts. 265º, nº 3, e 266º, nº 4, do CPC. Segundo o primeiro, “[i]ncumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer” (princípio do inquisitório)”;

XXXVI. A acrescer ao exposto, importa ainda relembrar a jurisprudência dos tribunais superiores, segundo a qual “Saber se existem fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado é, depois da redação introduzida ao n.º 4 do art. 52.º LGT pela Lei n.º 42/2016, de 28712, matéria que deve ser averiguada e provada pela Autoridade Tributária e não pelo Requerente da pretensão.” (cfr. Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, em 17 de setembro de 2019, no processo n.º 254/19.9 BELRS);

XXXVII. Conforme resulta do artigo 18.º, n.º 2 da CRP “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”;

XXXVIII. Com efeito, e como se disse, por exemplo, no Acórdão n.º 634/93 (referido também no Acórdão n.º 187/2001), a ideia de proporção ou proibição do excesso - que, em Estado de direito, vincula as ações de todos os poderes públicos - refere-se fundamentalmente à necessidade de uma relação equilibrada entre meios e fins: as ações estaduais não devem, para realizar os seus fins, empregar meios que se cifrem, pelo seu peso, em encargos excessivos (e, portanto, não equilibrados) para as pessoas a quem se destinem;

XXXIX. Não restam, pois, quaisquer dúvidas de que a Sentença em apreço violou o princípio da tutela jurisdicional efetiva expressamente consagrado na CRP, em geral, no artigo 20.º, e no n.º 4 e n.º 5 do artigo 268.º, no âmbito dos direitos e garantias dos administrados. O artigo 20.º da CRP consagra o direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva;

XL. Trata-se de um direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, que constitui uma garantia imprescindível da proteção de direitos fundamentais, pelo que é inerente à ideia de Estado de Direito. Visa-se não apenas garantir o acesso aos tribunais, mas sim, e principalmente, possibilitar aos cidadãos a defesa de direitos e interesses legalmente protegidos;

XLI. O direito do acesso aos tribunais reconduz-se fundamentalmente ao direito a uma solução jurídica de atos e relações jurídicas controvertidas, num prazo razoável e com garantias de imparcialidade e de independência possibilitando-se, designadamente, um correto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada uma das partes poder deduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e resultado de causas e outras;

XLII. Significa isto dizer que o direito à tutela jurisdicional efetiva se concretiza fundamentalmente através de um processo justo e equitativo (due process). Contudo, este princípio não se esgota no direito ao acesso aos tribunais. Para além das dimensões de celeridade, da garantia de um processo justo e equitativo, o princípio em causa exige um meio processual adequado a cada pretensão do contribuinte, motivo pelo qual, a inexistência de previsão expressa do meio necessário para garantir o direito ao contribuinte não pode obstar à sua satisfação;

XLIII. Por fim, cabe ainda fazer referência ao princípio da capacidade contributiva, o qual também foi violado na Sentença que ora se impugna. O dito princípio da capacidade contributiva (não obstante o silêncio da atual Constituição, é entendimento generalizado da doutrina que a “capacidade contributiva” continua a ser um critério básico da nossa “Constituição fiscal”, sendo que a ele se pode, ou deve, chegar a partir dos princípios estruturantes do sistema fiscal formulados nos artigos 103.º e 104.º do diploma fundamental) exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou Tributária. Isto porque se o princípio da igualdade tributária pressupõe o tratamento igual de situações iguais e o tratamento desigual de situações desiguais, a capacidade contributiva é o “tertium genus” - leia-se, o critério que há-de servir de base à comparação;

XLIV. Neste sentido, o princípio da capacidade contributiva opera tanto como condição, ou pressuposto, quanto como critério ou parâmetro da tributação. Opera como pressuposto ou condição visto que impede que a tributação atinja uma riqueza ou um rendimento que não existe; vale como critério ou parâmetro porque determina que a exacção do património dos contribuintes se faça de acordo com a sua “capacidade de gastar” (ability to spend).;

XLV. Ora, ao exigir a prestação de uma garantia, bancária ou de outro tipo, quando o Recorrente não dispõe de meios económicos para o efeito, a Autoridade Tributária e Aduaneira e a Sentença proferida pelo Tribunal a quo incorrem numa violação do princípio da capacidade contributiva do ora Recorrente, a qual inquina a Sentença ora impugnada;

XLVI. Deverá, pois, ser julgado totalmente procedente o presente Recurso interposto pela Recorrente, anulando-se, por conseguinte, a Sentença recorrida, por ser manifestamente ilegal, que julgou totalmente improcedente a Reclamação Judicial apresentada pelos ora Recorrentes contra o Despacho proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 2, contido no Ofício n.º ....., de 2 de julho de 2020, no âmbito do processo de execução fiscal n.º ....., que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia apresentado.

NESTES TERMOS, E NOS MAIS DE DIREITO APLICÁVEIS, SEMPRE COM O DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVERÁ O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE, POR PROVADO E FUNDADO, ANULANDO-SE INTEGRALMENTE A DECISÃO RECORRIDA.”


***

Não foram produzidas contra-alegações.

***

O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao presente recurso.

***

Com dispensa de vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, vêm os autos à conferência para decisão.

***

II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

De acordo com a prova documental constante dos autos, com interesse para a decisão da causa, consideram-se provados, os seguintes factos:

A) Em 9 de Fevereiro de 2020, a Administração Tributária remeteu ao 1.º Reclamante “citação pessoal”, comunicando a instauração do processo de execução fiscal n.º ....., com a quantia exequenda no valor de € 295.513,99 e o valor para efeitos de garantia no montante de € 375.549,33. (Cfr. documento n.º 3 junto com a Petição Inicial)

B) Em 8 de Maio de 2020, no âmbito do processo de execução fiscal n.º ....., os Reclamantes dirigiram ao Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 2, requerimento, peticionando, a dispensa de prestação de garantia. (Cfr. documento n.º 7 junto com a Petição Inicial)

C) Em 25 de Junho de 2020 foi emitida pela Divisão de Gestão da Dívida Executiva informação n.º ....., que concluiu pelo indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia, da mesma constando, nomeadamente o seguinte teor:

(…)

(…)” (Cfr. documento n.º 1 junto com a Petição Inicial)

D) Em 25 de Junho de 2020, o Director de Finanças Adjunto da Direcção de Finanças de Lisboa proferiu despacho de concordância com o teor da informação constante da alínea anterior, indeferindo o pedido de dispensa de prestação de garantia constante a alínea B) supra. (Cfr. documento n.º 1 junto com a Petição Inicial)

E) Em 22 de Julho de 2020 foi emitida pela Divisão de Gestão da Dívida Executiva a informação n.º ....., que concluiu pelo indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia, da mesma constando, nomeadamente o seguinte teor:

“(…)

No que se refere à existência de bens na esfera jurídico-patrimonial dos executados, verifica-se que:

• São ambos proprietários do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana n.º ....., da freguesia de Quarteira, concelho de Loulé, distrito de Faro, que corresponde a um prédio em propriedade total sem andares nem divisões suscetíveis de utilização independente, cujo valor patrimonial tributário ascende a € 240.084,63.

• Não se encontram em nome dos executados quaisquer bens móveis sujeitos a registo.

Verificamos ainda, mediante consulta à declaração de rendimentos mais recente dos executados, referente ao ano de 2019, cujo momento de apresentação ocorreu em 2020.06.30, dentro do respetivo prazo legal, mas posteriormente ao despacho reclamado, que os executados obtiveram rendimentos nesse ano. Foram declarados rendimentos obtidos no estrangeiro (Anexo J), como segue:

• O sujeito passivo A - P..... - auferiu rendimentos de pensões (Cat. H) no montante de € 13.455,83 e obteve rendimentos de capitais (Categoria E) no valor de € 187.727,26.

• O sujeito passivo B - O..... - auferiu rendimentos de pensões (Cat. H) no montante de € 3.315,83.

Desta forma,

Verifica-se que os executados não apresentaram prova nos presentes autos, por exemplo, quanto à não obtenção de garantia bancária, ou ainda, que não dispõem de outros meios, designadamente saldos de contas bancárias, de ativos financeiros e/ou instrumentos financeiros, bem como de meios financeiros líquidos que possam servir de garantia, tendo ainda auferido os rendimentos no ano de 2019 supra referidos.

Ainda assim, seria de admitir, não obstante o seu valor líquido (valor patrimonial tributário deduzido do valor de eventuais ónus e/ou encargos que impendam sobre o bem imóvel), a hipoteca do supra identificado bem imóvel, avaliado nos termos do art.º 199.º-A do CPPT, podendo equacionar-se um eventual pedido subsequente de dispensa de prestação de garantia pelo valor remanescente – ao valor da garantia/hipoteca – se entretanto a mesma fosse prestada e caso se verificasse, nessa data, a manifesta falta de bens e meios económicos para esse efeito, nos termos dos artigos 52.º n.ºs 1, 2, 3 e 4 da LGT, 170.º e 199.º, ambos do CPPT.

Desta forma, tendo em conta os factos alegados pelos executados e os elementos probatórios juntos aos autos, tanto os carreados pelos executados como os resultantes do sistema informático, somos de parecer de que não resulta provada, a manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, nos termos do n.º 4 do artigo 52.º da LGT, fundamento alegado pelos contribuintes para a peticionada concessão de dispensa de prestação de garantia.

Pelos motivos supra expostos, somos de opinião que se mantenha na ordem jurídica o despacho proferido em 2020.06.25 pelo Sr. Diretor de Finanças Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa, de indeferimento do pedido de dispensa de garantia, por não se mostrarem reunidos os requisitos legais para tal.

Conclusão

Tendo em conta o acima exposto, propõe-se:

a) A manutenção do despacho proferido em 2020.06.25 pelo Sr. Diretor de Finanças Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa, exarado na informação n.º ....., de indeferimento do pedido de dispensa de garantia, por não se encontrarem reunidos os requisitos legais, ao abrigo do n.º 4 do artigo 52.º da LGT;

b) A remessa da presente informação ao SF de Lisboa 2, no sentido de ser promovida a subida imediata da reclamação a tribunal.

À consideração superior.” (Cfr. documento junto com a contestação)

F) Em 24 de Julho de 2020 o Director de Finanças Adjunto proferiu despacho de concordância sobre a informação constante na alínea anterior, mantendo o acto reclamado. (Cfr. documento junto com a contestação)

G) A declaração de rendimentos do 1.º Reclamante – Modelo 3 Anexo J, referente ao ano de 2018 indica como rendimento de pensões o rendimento bruto de € 11.755,00. (Cfr. documento n.º 10 junto com a Petição Inicial)

H) A declaração de rendimentos da 2.ª Reclamante – Modelo 3 Anexo J, referente ao ano de 2018 indica como rendimento de pensões o rendimento bruto de € 3.276,00. (Cfr. documento n.º 10 junto com a Petição Inicial)

I) Os Reclamantes são proprietários de um imóvel sito na ....., em Vilamoura, com o valor patrimonial determinado em 2019 de € 240.084,63. (Cfr. Caderneta Predial Urbana obtida em 19.02.2020, junta como documento n.º 11 com a Petição Inicial)


***

A decisão recorrida consignou como factualidade não provada:

“Não existem factos não provados com interesse para a decisão da presente decisão.”


***

A motivação da matéria de facto “[r]ealizou-se com base na análise do teor dos documentos constantes nos autos, conforme referido a propósito de cada alínea do probatório.”

***

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, os Recorrentes não se conformam com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a reclamação deduzida contra o despacho que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia concretizado no âmbito do processo de execução fiscal nº ......

Cumpre, desde já, relevar em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, que as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre analisar se a sentença padece de erro de julgamento de facto e de direito, por ter erroneamente valorado os elementos constantes dos autos, violando, dessa forma, o disposto nos artigos 52.º, nº4 da LGT e 170.º, nº3 do CPPT e princípios constitucionais basilares.

Apreciando.

Os Recorrentes defendem que a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento, porquanto a dispensa de prestação de garantia foi requerida convocando a inexistência de bens penhoráveis, tendo carreado aos autos toda a prova documental suscetível de comprovar a sua situação económica, concretamente, comprovação de que no ano de 2018, não obtiveram quaisquer rendimentos, e que apenas dispõem de um bem imóvel com o valor patrimonial tributário (VPT) de €240.084,63, ou seja, em montante inferior à quantia exequenda.

Defendendo, assim, que tal prova é suficiente para considerar demonstrada a insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido.

De resto, aduzem que se encontrando perante a prova de factos negativos, a exigência da aludida densificação da prova apresentada revela-se, manifestamente, desproporcional. Sendo certo que, no limite, a falta de solicitação de elementos adicionais determina a violação do princípio do inquisitório, da descoberta da verdade material e bem assim da colaboração.

Concluindo, in fine, que a decisão recorrida violou o princípio da tutela jurisdicional efetiva expressamente consagrado na CRP, em geral, no artigo 20.º, e no n.º 4 e n.º 5 do artigo 268.º, no âmbito dos direitos e garantias dos administrados e bem assim o princípio da capacidade contributiva.

O Tribunal a quo fundamentou a improcedência da presente reclamação com base no seguinte discurso jurídico:

 (…)
Considerando o ónus da prova que impendia sobre os Reclamantes ou seja, que teriam estes que provar a manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para pagamento da dívida exequenda e acrescido, verifica-se que apenas resulta provado que os mesmos são proprietários de um imóvel de valor patrimonial de €240.084,63, e que auferiram o valor de €15.031,00, em rendimentos de pensões no ano de 2018.
Porém, a manifesta falta de meios económicos não pode ser apreciada apenas e só perante bens imóveis e rendimentos de um ano em concreto.
A avaliação que se faz do referido pressuposto tem que ter necessariamente um carácter mais abrangente, sob pena de pela simples omissão de informação, se pudesse vir a concluir pela manifesta falta de meios económicos, o que poderia não corresponder à realidade.
Com efeito, os Reclamantes não lograram demonstrar que estão impedidos de aceder a crédito bancário, ou a que lhes seja prestada uma garantia bancária.
Por outro lado, não demonstram também que o seu eventual saldo bancário não lhes permita suportar o valor da garantia em causa.
Assim, a mera demostração de que no ano de 2018 auferiram rendimentos no valor de € 15.031,00 e detêm um imóvel em valor inferior ao da garantia bancária exigida pela Administração Tributária, não se mostra suficiente para que se encontre preenchido o pressuposto da manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis, uma vez que a prova apresentada pelos Reclamantes assume um carácter selectivo, não demonstrativo na íntegra da realidade económica dos mesmos.
Ademais, refira-se que os dados que a Administração Tributária faz constar na informação vertida na alínea C) do probatório, apontam para que no ano de 2019, os Reclamantes tenham auferido rendimentos que lhes permitiriam suportar o valor da garantia imposta, deixando por isso de se verificar o requisito da manifesta falta de meios económicos.”

Vejamos, então, se assiste razão aos Recorrentes, começando por convocar o quadro jurídico que releva para a presente lide.

A suspensão da execução fiscal depende da prestação de garantia idónea nos termos do n.º 1 e 2 do art.º 52.º da LGT. Contudo, a Autoridade Tributária (AT) pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia, nos termos do n.º 4 do mesmo preceito legal, segundo o qual:

 “4 - A administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado.[1]

Da letra do n.º 4 do artigo 52.º da LGT, resulta que o deferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia está sujeito à verificação de três requisitos, sendo dois deles de verificação alternativa e um terceiro de verificação cumulativa, a saber:

Alternativamente, importa provar que: i) a prestação de garantia causa prejuízo irreparável ou ii) a manifesta falta de meios económicos a qual é revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido;

Cumulativamente, cumpre demonstrar: iii) a inexistência de fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado.

Em termos de ónus probatório, cumpre relevar que quer a dispensa de prestação da garantia assente na ocorrência de prejuízo irreparável, quer na manifesta falta de meios económicos do executado, é sobre o Requerente, in casu os Recorrentes, que recai o ónus de alegar e provar os pressupostos para tal dispensa[2].

Por seu turno, compete à AT a demonstração da existência de fortes indícios de que a insuficiência de bens se deveu a atuação dolosa dos Reclamantes. A ratio legis coaduna-se com a circunstância de não se justificar a isenção de prestação de garantia quando o executado tenha previamente sonegado ou dissipado os bens com o intuito de diminuir as garantias dos credores ou que tenha colocado dolosamente a sociedade em situação de manifesta insuficiência económica para a prestação da garantia.

Note-se que com a nova redação do n.º 4, do artigo 52.º, da LGT o legislador tributário procedeu à inversão do ónus da prova no que concerne ao preenchimento do terceiro pressuposto (cumulativo) passando a constar uma atuação dolosa invés da prova do afastamento de uma atuação culposa por parte do executado[3].

De convocar, outrossim, o teor do artigo 170.º, nº3, do CPPT, o qual a propósito da instrução do requerimento dispõe que: “O pedido a dirigir ao órgão da execução fiscal deve ser fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária.”

Visto o direito que releva para a apreciação da questão, e atentando na matéria de facto devidamente estabilizada e no discurso jurídico que fundamentou a decisão recorrida não se vislumbra que a mesma mereça qualquer censura, visto que interpretou adequada e corretamente a lei vigente aos pressupostos factuais constantes dos autos.

Mas explicitemos, com pormenor, por que assim o entendemos.

Contrariamente ao defendido pelos Recorrentes e no sentido propugnado pelo Tribunal a quo, os mesmos não lograram provar os pressupostos legais para que lhe seja concedida a isenção de prestação de garantia.

Senão vejamos.

Os Recorrentes no seu requerimento de dispensa de prestação de garantia alegam -conforme os mesmos expressamente reconhecem, sendo não controvertido- a manifesta insuficiência de meios económicos revelada pela ausência de bens suscetíveis de penhora, tendo apresentado como suporte documental da aludida insuficiência, cópia da declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS, respeitante ao ano de 2018, e bem assim caderneta predial de um bem imóvel cujo Valor Patrimonial Tributário (VPT) ascende a €240.084,63.

A AT no seu despacho de indeferimento conclui pela “não verificação do requisito da manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido”, começando por sustentar que, no concernente à existência de bens na esfera jurídico-patrimonial dos executados “face ao alegado pelos contribuintes, aos documentos anexos ao seu petitório e ao resultado da pesquisa ao sistema informático ao dispor da AT”, e norteada pelo inquisitório e pela boa fé, constatou o seguinte:

“No que concerne à existência de bens verificamos:

-Prédio urbano inscrito na matriz predial urbana nº ....., da freguesia de Quarteira, concelho de Loulé, distrito de Faro, que corresponde a um prédio em propriedade total sem andares nem divisões suscetíveis de utilização independente, cujo valor patrimonial tributário ascende a €240.084,63, propriedade dos dois executados.

-Não se encontram em nome dos executados quaisquer bens móveis sujeitos a registo.”

Mais relevando que:

Não provaram nos autos a insusceptibilidade de “[o]btenção de garantia bancária, ou ainda, que não dispõem de outros meios, designadamente saldos de contas bancárias, de ativos financeiros e/ou instrumentos financeiros, bem como de meios financeiros líquidos que possam servir de garantia.”

Sublinhando, ainda neste particular, que “[n]ão obstante o seu valor líquido (valor patrimonial tributário deduzido do valor de eventuais ónus e/ou encargos que impendam sobre o imóvel), a hipoteca do supra identificado bem imóvel, avaliado nos termos do artº 199.º-A do CPPT, equacionando-se um eventual pedido subsequente de dispensa de prestação de garantia pelo valor remanescente-ao valor da garantia/hipoteca-se entretanto a mesma for prestada e caso se verifique, nessa data, a manifesta falta de bens e meios económicos para esse efeito, nos termos dos artigos 52.º nºs 1,2,3 e 4 da LGT, 170.º e 199.º ambos do CPPT”.

Ora, face ao supra expendido constata-se que a AT concluiu que não foi feita prova da insuficiência de meios económicos, conclusão essa asseverada pelo Tribunal a quo, e que este Tribunal valida, porquanto contrariamente ao evidenciado pelos Recorrentes a aludida inferência não se pode retirar tendo por base uma prova meramente alocada a bens imóveis, e rendimentos declarados de pensões, e isto porque os ativos penhoráveis integram, naturalmente, um acervo bastante mais abrangente e que importa fazer prova junto da AT, e cujo ónus se circunscreve na esfera jurídica dos Recorrentes.

Ademais, não estando na disponibilidade da AT, elementos inerentes a saldos bancários e investimentos financeiros não é exigível que a AT tenha de diligenciar na sua obtenção, notificando os Recorrentes para efeitos de prova dessa realidade fática. O mesmo sucedendo quanto à prova da insusceptibilidade de prestação de garantia idónea, designadamente garantia bancária.

De ressalvar, neste particular, que nos encontramos perante uma ausência de prova e não uma mera insuficiência probatória conforme os Recorrentes alvitram, porquanto, por um lado, não foi junta prova documental quanto a saldos bancários, ativos e instrumentos financeiros, como, por outro lado, nada foi carreado quanto à demonstração da insusceptibilidade de obtenção de garantia idónea, mormente, garantia bancária, prova essa cabal que permita atestar nesse e para esse efeito.

Acresce que a AT -conforme resulta expressamente da alínea C) não impugnada-, diligenciou na análise de elementos que se encontram disponíveis nas suas bases de dados, tendo validado a existência do bem imóvel indicado pelos Recorrentes, e atestado pela inexistência de qualquer bem móvel sujeito a registo na sua esfera jurídica.

Com efeito, a letra da lei é clara na exigência que formula de que o pedido de dispensa de prestação de garantia seja instruído com a prova documental necessária, norma que obriga a que, salvo casos excecionais e devidamente justificados, os documentos indicados pelos Requerentes para prova dos factos constitutivos do direito que invoca sejam juntos logo com o requerimento em que se solicita essa dispensa.

Note-se, ademais, que é, outrossim, indicado como suporte fundamentador da falta de prova por parte dos executados de uma situação de insuficiência de bens, reveladora de manifesta falta de meios económicos que lhe permitam garantir a dívida exequenda e o acrescido, nos termos do n.º 4 do artigo 52.º da LGT, a própria existência do bem imóvel, o qual pode ser objeto de hipoteca.

Em sentido consonante com o evidenciado pela AT, e também adensado pelo Tribunal a quo, o facto do aludido bem imóvel ter um VPT inferior à quantia exequenda não acarreta, per se, que o mesmo não possa ser oferecido como garantia, e no remanescente, sendo caso disso, seja decretada a isenção de prestação de garantia.

Sem embargo do exposto, importa relevar que conforme resulta da alínea E) da factualidade assente, -não impugnada- no ano de 2019, os Recorrentes declararam a existência de rendimentos no valor global de €204.498,92 e sobre essa realidade, ou seja, sobre a modificação da sua situação económica, os mesmos nada referem, nem contraditam.

Logo, nenhuma censura merece a decisão recorrida que validou a falta de demonstração de insuficiência de bens penhoráveis, sendo certo que a atuação da AT em nada determinou a violação do princípio do inquisitório e da colaboração, e isto porque, ainda que a AT deve contribuir e colaborar para a descoberta da verdade material tal não pode acarretar um dever de substituição da mesma à parte, como visto, o ónus de alegação e demonstração é da parte.

In casu, se os Recorrentes omitem a apresentação de meios de prova no momento legalmente assinalado, não pode considerar-se que o órgão decisor se encontra obrigado a ir investigar os factos alegados ou endereçar convite para apresentar a prova que eles omitiram. Reitere-se que os elementos reputados em falta não se encontram na posse da AT.

Como doutrinado em Acórdão proferido pelo STA no processo nº 1298/12, datado de 19 de dezembro de 2012, “No que aos pressupostos da dispensa de prestação de garantia respeita, entendemos que a lei é clara na exigência que formula de que o pedido de dispensa, a dirigir ao órgão de execução fiscal, seja instruído com a prova documental necessária (cfr. o nº 3 do artigo 170º do CPPT), norma esta que, não devendo ser interpretada, sob pena de inconstitucionalidade, como uma restrição probatória (…), obriga a que, salvo casos excepcionais e devidamente justificados, os documentos indicados pelos requerentes para prova dos factos constitutivos do direito à dispensa da prestação de garantia sejam desde logo juntos ao requerimento em que é solicitada a dispensa.”

Encontramo-nos, inexoravelmente, perante um “[p]rincípio de preclusão procedimental dirigido ao executado que pretende obter a aplicação do benefício da dispensa de prestação de garantia para alcançar suspensão da execução fiscal, na medida em que define a fase ou o momento procedimental em que ele deve alegar os factos e apresentar os respectivos meios de prova, colaborando com a administração no sentido de evidenciar que se encontram preenchidos relativamente a si os pressupostos que a lei exige para a aplicação desse regime, sob pena de os mesmos não ficaram demonstrados e de ele perder, assim, a oportunidade de obter o benefício” [como claramente enuncia o Aresto do STA, proferido no processo nº 0718/14, datado de 03 de setembro de 2014] (destaques e sublinhados nossos).

O qual, naturalmente, “[a]colhe interesses de eficiência, celeridade e economia procedimental, prevenindo o arrastamento de um procedimento que é da estrita iniciativa do interessado e que assume carácter célere e urgente, em que ao requerimento se segue imediatamente a decisão (no prazo de dez dias), não prevendo a lei, sequer, actividade instrutória a desenvolver pelo órgão decisor, que decidirá de imediato em face das razões de facto e de direito invocadas no requerimento e da prova que nele tiver sido oferecida, como se de um deferimento ou indeferimento liminar se tratasse. Na verdade, o curtíssimo prazo concedido ao órgão administrativo para a decisão do pedido, conjugado com a obrigatoriedade de o executado apresentar imediatamente toda a prova no requerimento onde formula a pretensão, denuncia objectivamente o carácter urgente deste procedimento, onde o tempo constitui um elemento determinante na finalidade pública que se visa prosseguir, de obviar ao sumiço de bens que possam garantir o pagamento integral da dívida exequenda e do acrescido. O que traduz uma opção legislativa perfeitamente razoável de valorar negativamente a total inércia probatória do interessado e que não comporta, a nosso ver, um ónus desproporcionado, atenta a natureza e finalidade deste procedimento. O indeferimento imediato do pedido por total ausência de requerimento probatório representa, no fundo, um sibi imputet que não se nos afigura excessivo, na medida em que o requerente não pode deixar de estar ciente, perante a claríssima letra da lei, do seu dever de iniciativa e de instrução, e na medida em que é ele quem está em melhores condições para apresentar os meios de prova da factualidade por si alegada[4]”(destaques e sublinhados nossos).

É certo que o artigo 59.º da LGT, e como os Recorrentes aduzem, enuncia como princípio norteador do procedimento tributário, o princípio de colaboração, mas a verdade é que o mesmo assume uma dimensão e um caráter recíproco, ou seja, não se poderá exigir da AT que cumpra o ónus que incumbe, em primeira linha, à parte.

Com efeito, e continuando a acompanhar o aludido Aresto “[n]ão pode esquecer-se a reciprocidade do dever de colaboração que Lei Geral Tributária estabelece (art. 59º) e que exige também ao contribuinte que coopere activamente com a administração no sentido da descoberta da verdade, dever que não pode deixar de ser lido em conjugação com o princípio geral relativo ao ónus da prova: cabendo-lhe o ónus de invocar e demonstrar que se encontram reunidos os pressupostos para ser dispensado da prestação de garantia, cabe-lhe o dever de apresentar os meios de prova que permitam dar por verificados esses requisitos, sob pena de a sua inércia probatória e de o non liquet que daí resulta ter de ser resolvido contra si.” (destaques e sublinhados nossos).

Note-se que com isto não se está a dizer que a AT não deva, sendo caso disso, ao abrigo do princípio do inquisitório e do dever de colaboração e cooperação recíprocas, solicitar esclarecimentos e requerer dados adicionais, em casos pontuais e devidamente justificados, mormente, requisição de elementos contabilísticos em caso de dúvida sobre a situação financeira retratada. Com efeito, o que se preconiza é que não se pode enveredar –como regra, quando a mesma é exceção- pela vinculação do órgão decisor a requerer diligências e esclarecimentos adicionais quando a parte não procede à apresentação de meios de prova no momento legalmente assinalado.

Aliás, uma outra interpretação acarretaria perda de sentido útil da  “[o]brigação de apresentação da prova num momento procedimental determinado, ficando a parte interessada negligentemente à espera do convite que a administração estaria obrigada fazer-lhe ou à espera do resultado das diligências probatórias que ela estaria obrigada a encetar oficiosamente e que, no âmbito de pedidos de dispensa de garantia, contendem até com factos pessoais que estão fora do alcance da actividade inquisitória da administração.[5]” (destaques e sublinhados nossos).

No mesmo sentido, aponta o recente Aresto do STA, proferido no processo nº 0289/20, datado de 04 de abril de 2020, do qual se extrata na parte que para os autos releva:

“[i]mpor à AT que, em sede do procedimento de dispensa de prestação de garantia, diligencie oficiosamente no sentido de apurar o real valor de bens que a Executada não se propôs oferecer em garantia e, alguns, de cuja existência nem sequer lhe deu conta, é fazer tábua rasa da obrigação de alegação e prova que o legislador pôs a cargo do executado que, em ordem à suspensão da execução fiscal, pretenda ser dispensado da prestação de garantia mediante a invocação de falta de condições económicas para a prestar.

Note-se ainda que o procedimento de dispensa de prestação de garantia tem regras próprias de alegação e prova dos factos (cf. art. 52.º, n.º 4, da LGT e art. 170.º, n.º 1, do CPPT), não podendo, sem mais, aplicar-se-lhe as regras do procedimento tributário de liquidação, tanto mais que não é possível estabelecer paralelismo entre ambos: enquanto naquele está em causa a pretensão do executado a obter um efeito que se há-de ter como excepcional em sede de execução fiscal – a norma é a prestação da garantia em ordem a obter a suspensão da execução fiscal – e, portanto, o procedimento tem início a pedido do interessado e a decisão fica sujeita ao que foi pedido (cf. art. 56.º da LGT), neste estamos perante um procedimento tributário que pode ser iniciado oficiosamente (cf. art. 57.º, n.ºs 1 e 7, da LGT) e em que a AT não vê a sua decisão limitada senão pela prossecução do interesse público e pelos princípios enunciados no art. 54.º da LGT; enquanto naquele o interessado pretende obter um efeito constitutivo de direitos, neste o efeito será a declaração (concretização) de uma obrigação tributária.” (destaques e sublinhados nossos).

De relevar, outrossim, que não procede a alegação de que a atuação da AT e interpretação sufragada pela decisão recorrida, determinam uma inequívoca violação do princípio da proporcionalidade, sendo, aliás, exigível -na linha da sua argumentação-que um contribuinte-apelando, desde logo, à figura do homem médio-, saiba que deve comprovar a insuficiência de bens penhoráveis, e que nessa extensão e densificação de prova se enquadrem todos os ativos penhoráveis, sendo, outrossim, de reputar que um homem médio saiba que um bem imóvel é suscetível de hipoteca, e que em caso de insuficiência por confronto com o valor da execução possa ser requerida e deferida uma subsequente e remanescente isenção.

O princípio da proporcionalidade ou princípio da proibição do excesso desdobra-se em três subprincípios, concretamente, o princípio da adequação, princípio da exigibilidade e o princípio da proporcionalidade em sentido restrito.

Enquanto princípio da adequação significa que as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se como meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei.

Quanto ao princípio da exigibilidade este deve ser equacionado no sentido em que as medidas restritivas previstas na lei devem revelar-se necessárias, porque os fins visados pela lei não podiam ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias.

E, por fim, o princípio da proporcionalidade em sentido restrito, significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa “justa medida”, impedindo-se a adoção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins obtidos[6].

De referir, neste âmbito, que o artigo 266.º, nº 2, da CRP consagra enquanto princípio material informador e conformador da atividade administrativa, implicando a juridicidade de toda a atividade da Administração (cfr. artigo 5.º, nº.2, do CPA).

Ao nível tributário, o princípio da proporcionalidade está regulado no artigo 55.º da LGT e no artigo 46.º do CPPT, resultando, assim, da interpretação conjugada de tais normativos que a AT deve abster-se da imposição aos contribuintes de obrigações que comportem e traduzem injustiças, que sejam desnecessárias ou inadequadas à satisfação dos fins que aquela visa prosseguir ou que vão além do que seja necessário e adequado impor aos mesmos contribuintes.

Ora, face ao supra expendido, é por demais evidente que a atuação da AT e do Tribunal a quo, em nada configuram violação do aludido princípio, limitando-se a cumprir os requisitos consignados na lei para efeitos de concessão da dispensa de prestação de garantia e inerente ónus probatório.

O mesmo se diga quanto a qualquer denegação de justiça e tutela.

Com efeito, o princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva encontra-se consagrado no artigo 20.º, nº 1, da CRP, consubstanciando, ele próprio um direito fundamental e uma garantia imprescindível da proteção de direitos fundamentais inerente, naturalmente, ao Estado de Direito.

Consagrando-se, outrossim, no artigo 268.º, nº4 da CRP, a tutela jurisdicional efetiva aos administrados dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer atos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, e a determinação da prática de atos administrativos legalmente devidos.

In casu, a decisão da AT e validada pelo Tribunal a quo, em nada comporta uma violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, nem uma restrição de direitos e garantias, em ordem ao consignado, designadamente, no artigo 18.º da CRP, porquanto na sequência do indeferimento de pedido de dispensa de prestação de garantia foi facultada a reação e a sindicância judicial desse ato, em nada desvirtuando a concretização de um processo justo e equitativo. Dir-se-á, portanto, que aos Recorrentes foi conferida a possibilidade de indicarem as razões da sua discordância e os argumentos de facto ou de direito que frontalmente afastam a fundamentação aventada pela AT e que são diretamente atinentes com os pressupostos da sua pretensão.

In fine, importa relevar que, igualmente, não procede a arguida violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto expressão e concretização do princípio da igualdade tributária e que, segundo a argumentação dos Recorrentes se materializa com a exigência da prestação de uma garantia bancária ou outra idónea quando os mesmos não dispõem de meios económicos para o efeito.

Neste particular, importa atentar no que a este propósito se escreve no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 197/2016, segundo o qual:

 “[o] princípio da capacidade contributiva, apesar de se não encontrar expressamente consagrado na Constituição, mais não será do que "a expressão (qualificada) do princípio da igualdade, entendido em sentido material, no domínio dos impostos, ou seja, a igualdade no imposto". E, nesse sentido, constitui o corolário tributário dos princípios da igualdade e da justiça fiscal e do qual decorre um comando para o legislador ordinário no sentido de arquitetar o sistema fiscal tendo em vista as capacidades contributivas de cada um (cf. o Acórdão n.º 187/2013 e a jurisprudência aí citada).»

Como explica José Casalta Nabais, «[configurando-se o princípio geral da igualdade como uma igualdade material, o princípio da capacidade contributiva enquanto tertium comparationis da igualdade no domínio dos impostos, não carece dum específico e direto preceito constitucional. O seu fundamento constitucional é, pois, o princípio da igualdade articulado com os demais princípios e preceitos da respetiva "constituição fiscal" e não qualquer outro.» (Manual de Direito Fiscal, cit., p. 153). Constitui, assim, o pressuposto, o limite e o critério da tributação (assim, Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, cit., p. 296).”

Ora, tendo presente os aludidos considerandos não se vislumbra que tenha existido qualquer tratamento desigual -em nada relevando a genérica e não substanciada alegação de a exigência probatória aqui requerida “não está em linha com a prova requerida aos contribuintes em situações semelhantes”- que comporte a violação da capacidade contributiva, sendo certo que a conclusão do silogismo dos Recorrentes assenta numa premissa que não resultou demonstrada, ou seja, da insusceptibilidade de prestação de garantia por não disporem de meios económicos para o efeito.

Destarte, e em resposta ao thema decidendum, conclui-se que a interpretação conferida pela AT, e confirmada pelo Tribunal a quo, em nada implica uma ofensa do princípio da capacidade contributiva e demais princípios constitucionais basilares convocados.

E por assim ser, a decisão recorrida que manteve o ato reclamado não padece dos erros de julgamento que lhe são assacados, devendo, por isso, manter-se na ordem jurídica.


***

Uma nota final, relativamente à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, nº 7 do RCP, requerida pela Recorrente.

No Aresto do STA, proferido no processo nº 01953/13, de 07 de maio de 2014[7]: resulta claramente que: “A norma constante do nº7 do art. 6º do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz, ser lícito, mesmo a título oficioso, dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de €275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade”.

No caso sub judice, considera-se que o valor de taxa de justiça devida a final, calculado nos termos do tabela I.B., do RCP, é excessivo. Porquanto, ponderadas as circunstâncias do caso vertente à luz dos critérios escolhidos pelo legislador, em especial, o comportamento processual das partes litigantes, sem qualquer reparo negativo a apontar, a complexidade do processo – atendendo a que as questões decidendas não exigiram do julgador especiais e diversos conhecimentos técnicos e jurídicos, antes se mantiveram dentro de parâmetros normais e comuns, encontra-se preenchido o circunstancialismo do n.º 7, do artigo 6.º do RCP, decretando-se a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em :

-NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO e manter a decisão recorrida.

Custas a cargo dos Recorrentes, com a dispensa do remanescente da taxa de justiça, na parte em que excede os €275.000,00.

Registe. Notifique.


Lisboa, 15 de Abril de 2021


[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Susana Barreto e Vital Lopes]

Patrícia Manuel Pires

_______________________
[1] Redação atribuída com a Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro
[2] Vide, designadamente, Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, proferido em 05-07-2012, no âmbito do processo n.º 0286/12.
[3] Neste particular, cumpre chamar à colação o Acórdão de TCA Sul, proferido no processo nº 321/17.3 BEBJA, com data de 08-03-2018
[4] Conforme explicita o já citado Aresto do STA, proferido no processo nº 0718/14.
[5] In Aresto citado processo nº 0718/14.
[6] Vide .J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 1º. Volume, Coimbra Editora, 2007, pág.392 e seg.
[7] integralmente disponível para consulta em www.dgsi.pt.