Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1718/23.5BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:03/19/2024
Relator:MARCELO MENDONÇA
Descritores:INTIMAÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES
ACES
INSTITUTO PÚBLICO
ARTIGOS 33.º E 35.º DO ESTATUTO DO SNS
LEGITIMIDADE PASSIVA
Sumário:I - A consideração da natureza jurídica do ACES como instituto público, preconizada no n.º 1 do artigo 33.º do novo Estatuto do SNS, aprovado pelo DL n.º 52/2022, de 04/08, depende da subsequente intermediação que é conferida pela aprovação e entrada em vigor do diploma próprio que proceda à sua criação, nos termos do previsto no n.º 1 do artigo 35.º do mesmo Estatuto, em consonância, aliás, com o imperativamente estipulado nos artigos 1.º, n.º 2, e 9.º, n.º 1, da Lei-Quadro dos Institutos Públicos.
II - Na falta de tal diploma próprio, ao ACES Sintra não pode ainda ser concedida essa nova natureza jurídica de instituto público, que se mantém, por enquanto, como uma unidade integrada na ARSLVT, a esta última competindo, por ora, como pessoa colectiva de direito público que é, a legitimidade passiva no processo de intimação para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, enquanto pressuposto processual vertido no n.º 1 do artigo 105.º do CPTA.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção COMUM
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Subsecção Comum da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - Relatório.

Administração Regional de Saúde de L…., I.P., doravante Recorrente, no âmbito do processo de intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões que lhe foi deduzido pela Ordem dos Enfermeiros, doravante Recorrida, em que esta pediu informação sobre a identificação dos sistemas de informação na saúde que suportam a actividade diária dos profissionais de saúde na “Unidade de Cuidados na Comunidade de Sintra Salutem”, bem como a indicação do número mecanográfico de uma profissional de enfermagem, com o qual a mesma acede aos sistemas de informação da referida unidade, mostra-se inconformada com a sentença de 21/07/2023 do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que decidiu, por um lado, julgar improcedente a excepção dilatória de ilegitimidade passiva da ora Recorrente, e, por outro lado, ajuizar procedente o pedido de intimação.

A Recorrente vem agora interpor recurso ordinário de apelação contra a sentença do Tribunal a quo, limitando-o, todavia, ao segmento decisório que incidiu sobre a matéria de excepção, pois a Recorrente considera que é parte ilegítima e, como tal, deve ser absolvida da instância.

Para tanto, a Recorrente apresenta alegações de recurso, nas quais formula as seguintes conclusões:

IV – CONCLUSÕES

A – A A./Recorrida instaurou no Tribunal a quo ação de intimação contra a R./Recorrente com vista a obter a sua condenação a fornecer-lhe informação que se encontra no domínio do Agrupamento de Centros de Saúde (ACES) Sintra, e fundamentou a respetiva pretensão no facto de ter previamente solicitado tal informação ao Diretor Executivo do dito ACES e não ter obtido resposta no prazo legal.
B - Não obstante ter dirigido o referido pedido de informação ao Diretor Executivo do ACES Sintra a A./Recorrida instaurou a ação de intimação contra a R./Recorrente ARSLVT, por entender que o ACES Sintra continua a ser um órgão dependente da R./Recorrente ARSLVT, conforme disposto no artigo 2.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 28/2008, de 22 de fevereiro.
C - A R./Recorrente arguiu a respetiva ilegitimidade passiva, sustentando que, com a revogação do DL 28/2008, de 22/02, operada pelo Novo Estatuto do SNS e pelo DL 61/2022, e pela nova regulação dos ACES constantes do referido Novo Estatuto, os ACES deixaram de ser seus serviços desconcentrados, passando a assumir a natureza de institutos públicos de regime especial.
D – A Meritíssima Juiz a quo julgou improcedente a referida exceção, por entender que, não obstante a revogação do DL 28/2008, ainda não foi criado o diploma a que se refere o artigo 35.º, n.º 1 do Novo Estatuto do SNS, o que significa que não foi criado o ACES Sintra dotado de capacidade judiciária, pelo que neste momento, é ainda um órgão que depende da ARSLVT, I.P, encontrando-se nela integrado, motivo pelo qual a aqui R./Recorrente é a parte legítima na ação de intimação, entendimento com o qual a Recorrente não se conforma pelas razões seguidamente indicadas.
E - O DL 28/2008 criou os ACES e estabeleceu o seu regime de organização e funcionamento, dispondo no seu art.º 2.º/3 que os ACES são serviços desconcentrados das ARS, I.P., sujeitos ao seu poder de direção. Ou seja, à luz deste diploma, dúvidas não existem de que as ARS, I.P. são as pessoas coletivas de direito público a que pertencem os ACES (seus serviços desconcentrados), e como tal as entidades a demandar judicialmente sempre que estejam em causa atos imputáveis aos órgãos dos ACES.

F - Sucede que, o DL 28/2008 foi revogado pelo DL n.º 52/2022, de 4 de agosto, que aprovou o Novo Estatuto do Serviço Nacional de Saúde, com efeitos a partir de 01.01.2023 (cfr. arts. 105.º e 106.º do Novo Estatuto do SNS e Lei n.º 24-D/2022, de 30 de dezembro).

G – Concomitantemente, o Novo Estatuto do SNS (DL 52/2022) veio introduzir alterações significativas no regime jurídico dos ACES, constantes do respetivo Capítulo III, desde logo a alteração da respetiva natureza jurídica, referindo o seu art.º 33.º/1 que: “1 - Os ACES são institutos públicos de regime especial integrados na administração indireta do Estado, dotados de autonomia administrativa e podendo deter património próprio, constituídos por centros de saúde.”

H - Paralelamente, com a publicação do DL 61/2022, de 23/09, que aprovou a orgânica da Direção Executiva do SNS, procedeu-se a uma reformulação da missão das ARS, IP, - que deixaram de abarcar a prestação de cuidados para se focarem no planeamento regional de recursos – assim como da respetiva estrutura orgânica - uma vez que os ACES deixaram de ser seus serviços desconcentrados, sujeitos ao seu poder de direção (Arts.º 8.º e 16.º do DL 61/2022).

I - Com efeito, o art.º 8.º alterou o disposto no artigo 3.º do DL 22/2012, de 30/01, que aprovou a orgânica das ARS, IP, retirando a estas entidades as competências no âmbito da prestação de cuidados de saúde, e o art.º 16.º revogou o disposto no art.º 2.º/3 do DL 22/2012, segundo o qual: “3 - As ARS, I. P., dispõem de serviços desconcentrados designados por agrupamentos de centros de saúde do Serviço Nacional de Saúde (ACES), nos termos do Decreto-Lei n.º 28/2008, de 22 de Fevereiro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 102/2009, de 11 de Maio.”, com efeitos a partir da data de entrada em vigor da LOE 2023, ou seja, 01.01.2023.

J - Nestes termos, com a publicação e entrada em vigor do Novo Estatuto do SNS e do DL 61/2022, a 01.01.2023, os ACES deixaram de ser serviços desconcentrados das ARS, IP, passando a assumir a natureza de institutos públicos de regime especial, dotados de autonomia administrativa e património próprio, passando, por isso, a dispor de personalidade e capacidade jurídica, sendo, como tal, representados, em juízo ou na prática de atos jurídicos, pelos seus próprios órgãos, no caso, pelo respetivo Diretor Executivo (art.º 43.º, al. a) e 45.º, n.º 1, al. i) do Novo Estatuto do SNS).

K - A douta sentença recorrida, assentando na revogação do DL 28/2008, concluiu que o referido ACES continua a ser um órgão dependente da ARSLVT, estribando esta conclusão no disposto no art.º 35.º/1 do Novo Estatuto do SNS, segundo o qual “A criação e a delimitação da área geográfica dos ACES são estabelecidas por diploma próprio, ouvidos os municípios da área abrangida, sob proposta fundamentada da ARSLVT”., e no facto de ainda não ter sido publicado novo diploma a criar o ACES Sintra, julgamento com o qual a aqui Recorrente não se pode conformar.

L - Em primeiro lugar porque, o diploma próprio a que alude o citado art.º 35.º não consubstancia uma alteração legislativa necessária à execução do Novo Estatuto do SNS, conforme resulta do disposto no seu art.º 103.º/1, com a epígrafe “Alterações legislativas e regulamentares”, que não prevê nesse elenco “a criação e a delimitação da área geográfica dos ACES”.

M – Por outro lado, nos termos do art.º 103.º/2 do Novo Estatuto do SNS até à aprovação das referidas alterações legislativas e regulamentares “mantém-se os diplomas atualmente em vigor em tudo o que não contrarie o presente decreto-lei”. Ou seja, mesmo que se admitisse, ainda que teoricamente, que o diploma relativo à criação e delimitação da área geográfica dos ACES era necessário à execução do Novo Estatuto do SNS, o que só por cautela de patrocínio se admite, uma vez que tal não resulta da lei (art.º 103.º, n.º 1), o DL 28/2008, apenas se manteria em vigor (até sobrevir o referido diploma sobre a criação dos ACES) em tudo o que não contrariasse o Novo Estatuto do SNS (art.º 103.º, n.º 2).

N - O que significa que, as disposições do citado DL 28/2008 que configuram os ACES como serviços desconcentrados das ARS, I.P., sujeitos ao seu poder de direção, nunca se poderiam manter em vigor, por contrariarem expressamente o disposto no Novo Estatuto do SNS, concretamente, no artigo 33.º, n.º 1, relativo à natureza jurídica dos ACES, e nos arts. 34.º e seguintes do referido diploma.

O - Em segundo lugar ainda, do disposto nos arts. 104.º (com a epígrafe Norma transitória) e 105.º (com a epígrafe Norma Revogatória) do Novo Estatuto do SNS resulta que, apenas se poderão considerar como não revogadas as disposições do DL 28/2008 relativas ao regime de exercício de funções dos Diretores Executivos e membros do conselho clínico dos ACES (respeitantes designadamente às matérias relativas à duração do mandato, possibilidade de renovação, faltas e impedimentos, remuneração e suplementos remuneratórios). E apenas quanto aos Diretores Executivos e membros do Conselho Clínico designados à luz da legislação anterior, e enquanto se mantiverem os respetivos mandatos.

P - Pelo que, e em suma, com exceção da matéria relativa ao regime de exercício de funções dos Diretores Executivos e dos membros dos conselhos clínicos dos ACES, o DL 28/2008, de 22/02, encontra-se revogado, assim como o n.º 3 do art.º 2.º do DL 22/2012 (orgânica das ARS) e as disposições do Novo Estatuto do SNS são imediatamente aplicáveis aos ACES já constituídos, entre os quais, o ACES Sintra, desde a data da sua entrada em vigor.
Q - Quer porque (i) o Novo Estatuto do SNS e o DL 61/2022 revogaram o DL 28/2008 e o n.º 3 do art.º 2.º do DL 22/2012, e alteraram o artigo 3.º do citado DL 22/2022, com efeitos a 01.01.2023, deixando, assim, os ACES de ser serviços desconcentrados das ARS, quer ainda porque (ii) não está previsto neste novo Estatuto do SNS a criação de novos ACES em substituição dos atualmente existentes, nem tão pouco foi prevista, em sede de disposições transitórias, a aplicação do revogado DL 28/2008 até à criação desses novos ACES.
R - Em rigor, o artigo 35.º do Estatuto do Novo SNS não prevê a criação de novos ACES, limitando-se a estabelecer a necessidade de emitir um diploma próprio que irá regular a criação de eventuais futuros ACES e a respetiva área geográfica e, porventura, regular a área geográfica dos ACES atualmente existentes.
S - Tendo o Novo Estatuto do SNS aprovado o regime de criação, organização e funcionamento dos ACES, é natural que consagre normas a disciplinar a criação dos ACES, porque no futuro poderão vir a ser criados novos ACES em substituição dos atualmente existentes ou criados novos ACES para além dos que já existem.
T - Mas, em rigor, tendo o Novo Estatuto do SNS revogado expressa e integralmente o DL 28/2008, que previa que os ACES eram serviços desconcentrados das ARS, IP, e tendo ainda o DL 61/2022 revogado expressamente a norma incluída na lei orgânica das ARS, IP que previa que os ACES eram serviços desconcentrados destas entidades, sem prever normas de aplicação transitória para os ACES existentes até à criação dos novos ACES, é cristalino que o que o legislador pretendeu foi aplicar imediatamente aos ACES já existentes o novo regime jurídico aprovado no Novo Estatuto do SNS para estes ACES.
U - Tanto mais que, o regime criado pelo Novo Estatuto do SNS manteve inalterados os órgãos dos ACES (cfr. art.º 43.º do Novo Estatuto e art.º 18.º do revogado DL 28/2008) assim como manteve inalterada a tipologia de unidades funcionais que integram os ACES (cfr. art.º 38.º do Novo Estatuto do SNS e art.º 7.º do DL 28/2008).
V - Mais, se o legislador pretendesse continuar a aplicar o diploma revogado (DL 28/2008) aos ACES existentes até serem criados novos ACES, de acordo com diploma ainda a emitir, teria seguramente disciplinado tal matéria em sede de disposições transitórias, o que não fez. Bem pelo contrário, o Novo Estatuto do SNS nada disse a esse respeito, pelo que o DL 28/2008, assim como o n.º 3 do art.º 2.º do DL 22/2012, têm-se por expressamente revogados, com efeitos desde 01.01.2023, por efeito do disposto nos respetivos arts. 105.º e 106.º e ainda no arts. 8.º e 16.º do DL 61/2022.
X - E tendo deixado tal diploma e disposição legal de vigorar na ordem jurídica, é forçoso concluir que, desde 01.01.2023, os ACES deixaram de ser órgãos/serviços desconcentrados das ARS, sujeitos ao seu poder de direção, passando a ser pessoas coletivas autónomas, sujeitas à regulação do capítulo III do Novo Estatuto do SNS.
Y - Em conformidade, aliás, com o disposto no artigo 9.º do Código Civil em matéria de interpretação da lei, segundo o qual (i) não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (n.º 2), e (ii) na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete deve presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Z - Acresce que, o disposto nos arts.º 1.º e 2.º/1- e) da Portaria n.º 394-B/2012, de 29/11, não pode servir de fundamento para o entendimento contrário.
AA - Em primeiro lugar porque a integração do ACES Sintra na R./Recorrente ARSLVT não resultou do disposto na referida Portaria (desde logo do respetivo art.º 1.º), mas, sim do DL 28/2008 e do n.º 3 do art.º 2.º do DL 22/2012, normativos revogados pelo Novo Estatuto do SNS e pelo DL 61/2022.
AB - Em segundo lugar porque o artigo 1.º da Portaria em causa (na parte que refere - integrados na ARSLVT) sempre se terá que ter por revogado por manifestamente incompatível com as disposições em vigor do Novo Estatuto do SNS e do DL 61/2022 e/ou porque estes novos diplomas regularam toda a matéria relativa à natureza jurídica dos ACES (art.º 7.º, n.º 2 do CCivil)

AC – E em terceiro lugar porque, a referida Portaria apenas criou os ACES atualmente existentes, ao abrigo do disposto no art.º 4.º do revogado DL 28/2008, estabelecendo a respetiva identificação, sede, área geográfica de atuação, centros de saúde abrangidos e respetiva população, e recursos humanos afetos, identificados por grupo profissional.

AD - E esta portaria não foi revogada precisamente porque o que o legislador pretendeu foi a aplicação imediata das novas disposições do Estatuto do SNS aos ACES atualmente existentes, criados através da dita Portaria.

AD - O que, de resto, se está a verificar com efetividade, como resulta, a título meramente enunciativo, do Despacho n.º 1737/2023, do Ministro da Saúde, publicado no DR, II Série, n.º 25, de 3 de fevereiro de 2023.

AE - Através deste Despacho foi nomeado o Diretor Executivo do ACES de Lisboa Central, criado pela referida Portaria 394-B/2012 (que aliás é mencionada no despacho) tendo a referida designação obedecido ao disposto no artigo 44.º do Novo Estatuto do SNS, por ter sido feita pelo membro do governo responsável pela área da saúde, sob proposta fundamentada da Direção Executiva do SNS.

AF - E não, conforme plasmado no art.º 19.º, n.º 1 do revogado DL 28/2008, pelo membro do governo responsável pela área da saúde sob proposta fundamentada do Conselho Diretivo da ARS respetiva.

AG – Acresce que, e contrariamente ao decidido, o ACES Sintra já não é um órgão dependente da ARSLVT, encontrando-se já inscrito no Registo Nacional de Pessoas Coletivas enquanto pessoa coletiva de direito público, tendo-lhe sido atribuído o NIPC 517 615 720 (cfr. DOC. 1).

AG - Nestes termos, ao julgar improcedente a exceção dilatória de ilegitimidade passiva, a douta sentença recorrida incorreu em erro de julgamento por traduzir interpretação e aplicação erróneas do disposto no Novo Estatuto do SNS, concretamente nos artigos 33.º, 35.º, 105.º e 106.º assim como do disposto nos artigos 8.º e 16.º do DL 61/2022, e nos arts. 1.º e 2.º da Portaria n.º º 394-B/2012, e ainda do disposto nos artigos 7.º e 9.º do Código Civil e, por arrastamento, do disposto nos artigos 10.º, n.º 1 e 2, e 105.º, n.º 1 ambos do CPTA. Motivo pelo qual deverá ser revogada por douto Acórdão que declare a ilegitimidade passiva da R./Recorrente nos presentes autos e, em consequência, a absolva da instância, em conformidade com o disposto no n.º 2 e da alínea e), do n.º 4, do artigo 89.º do CPTA.

A Recorrida apresentou contra-alegações, expressando as seguintes conclusões:

“…

A. No dia 21 de julho de 2023, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa julgou a Intimação para a prestação de informação e consulta de documentos apresentada pela aqui Recorrida procedente e, em consequência, intimou a ARSLVT a disponibilizar à aqui Recorrida, a identificação dos Sistemas de Informação na Saúde que suportam a atividade diária dos profissionais de Saúde, na Unidade de Cuidados na Comunidade Sintra Salutem, bem como o número mecanográfico da Enfermeira V..., com o qual a mesma acede aos sistemas de informação na Unidade de Cuidados na Comunidade Sintra Salutem, entendendo, no essencial, que:
a. Resulta, pois, da conjugação dos artigos 33.º, n.º 1, e 35.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 52/2022, de 4 de agosto, que os ACES são institutos públicos de regime especial integrados na administração indireta do Estado, cuja criação, com esta nova configuração, e a delimitação da área geográfica terão de ser estabelecidas por diploma próprio (…)”;
b. “(...) face à ausência do diploma próprio a que se refere o artigo 35.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 52/2022, de 4 de agosto, não se poderá concluir que o ACES Sintra é, atualmente, um instituto público dotado de personalidade jurídica, nem, tão pouco, que deixou de estar organicamente integrado na ARSLVT, I.P.”;
c. “Neste contexto, a pessoa coletiva de direito público, com personalidade e capacidade judiciária, competente para facultar a informação solicitada pela Requerente é a ARSLVT, I.P., que, por isso, é parte legítima na presente intimação
(cfr. artigo 105.º, n.º 1, do CPTA)”;

d. “(...) atendendo que a pretensão informativa dirigida pela Requerente à Administração ainda não se encontra satisfeita, a obrigação legal de facultar o acesso à informação solicitada deverá ser cumprida pela Entidade Requerida, de acordo com o estabelecido nos artigos 3.º, n.º 1, 5.º, n.º 1, 13.º, n.º 1, e 15, n.º 1, da LADA”.

B. A ARSLVT, inconformada com a decisão, interpôs Recurso de Apelação, alegando que a sentença recorrida se encontra ferida de erro de interpretação e aplicação de normas, designadamente dos artigos 33.º, 35.º, 105.º e 106.º, do Novo Estatuto do SNS, dos artigos 8.º e 16.º, do Decreto-Lei n.º 61/2022, dos artigos 1.º e 2.º, da Portaria n.º 394-B/2012 e dos artigos 10.º, n.º 1 e 2 e 105.º, n.º 1, ambos do CPTA, concluindo não ser parte legítima no processo.

ii. Do pedido de informação no âmbito do processo administrativo

C. Ora, a Recorrente começa por referir que o ACES Sintra tem personalidade jurídica e, consequentemente, judiciária (nos termos do artigo 11.º, do CPC) e corrobora a sua posição no facto de a Requerente, aqui Recorrida, ter notificado o Diretor Executivo do referido ACES, em sede de processo disciplinar, para prestar a informação solicitada no âmbito dos presentes autos.

D. Contudo, o Regulamento Disciplinar da Ordem dos Enfermeiros não exige o envio de notificação e pedidos de informação a pessoas coletivas dotadas de personalidade jurídica e judiciária, sendo, aliás, o Diretor Executivo do ACES Sintra um órgão desprovido de capacidade jurídica e judiciária.

E. Contudo, ainda que a legitimidade de uma entidade como destinatária de pedido de informação em sede de processo disciplinar da Ordem dos Enfermeiros se relacionasse com a legitimidade passiva em sede de processo de intimação para prestação de informações e acesso a documentos – o que se admite, sem conceder, por mera cautela de patrocínio –, nos termos do artigo 10.º, n.º 4, do CPTA, é admissível a proposição de uma ação tanto contra um órgão (que no caso seria o Diretor Executivo do ACES), como contra pessoa coletiva (no caso, a ARSLVT), considerando-se a ação regularmente proposta, assumindo a Recorrente a posição de contraparte na relação controvertida, tal como configurada pela Recorrida.

F. Em face do exposto, é evidente a legitimidade passiva da Recorrente pelo que o recurso interposto deve ser declarado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida.

iii. Da revogação do Decreto-Lei n.º 28/2008, de 22 de fevereiro

G. A Recorrente alega, no seu recurso, que o Novo Estatuto do SNS alterou a natureza jurídica dos ACES, passando o ACES Sintra, a partir de 01 de janeiro de 2023, a ser considerado um instituto público de regime especial, com personalidade e capacidade jurídica e judiciária (cfr. artigos 33.º, n.º 1, 105.º e 106.º, do Decreto-Lei n.º 52/2022, de 04 de agosto e o Decreto-Lei n.º 61/2022, de 23 de setembro).

H. Contudo, tal como entende a sentença recorrida, a aprovação do Novo Estatuto do SNS não efetivou as alterações nele previstas, uma vez que, nos termos do artigo 35.º, do Decreto-Lei n.º 52/2022, de 04 de agosto, “[a] criação e a delimitação da área geográfica dos ACES são estabelecidas por diploma próprio, ouvidos os municípios da área abrangida, sob proposta fundamentada da ARS, I. P.” (destaque nosso).

I. Visto que, após a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 52/2022, de 04 de agosto, não foi ainda proferido novo diploma que crie o ACES Sintra dotado de capacidade judiciária, atualmente, este ainda é um órgão dependente da Recorrente, conforme disposto no
Decreto-Lei n.º 28/2008, de 22 de fevereiro, na versão dada pelo Decreto-Lei n.º 23/2019,

de 30 de janeiro, sendo a Recorrente parte legítima do processo, conforme decidiu o Tribunal a quo.

J. Neste mesmo sentido foi o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no âmbito do processo n.º 576/23.4BELSB, no dia 25/08/2023 (ainda não transitado em julgado), que, numa situação em tudo idêntica à que se discute nos presentes autos, entendeu que com a publicação e entrada em vigor do Novo Estatuto do SNS e do DecretoLei n.º 61/2022, em 01 de janeiro de 2023, os ACES não deixaram de ser serviços desconcentrados das ARS, I.P., nem passaram a assumir efetivamente a natureza de institutos públicos de regime especial, dotados de autonomia administrativa e património próprio, carecendo para tal de regulamentação, como seja a criação dos ACES (artigo 35.º, do Decreto-Lei n.º 52/2022, de 04 de agosto).

K. Assim, dúvidas não restam de que o ACES não é, ao momento, um serviço desconcentrado da ARSLVT, carecendo de regulamentação para a sua criação enquanto instituto público de regime especial, dotado de autonomia administrativa e património próprio.

L. No mesmo sentido, também por aplicação do artigo 10.º, n.º 3, do CPTA, é a Recorrente parte legítima no processo, uma vez que o ACES ainda não se encontra, ainda, instituído de personalidade jurídica por diploma próprio.

M. Em face do exposto, é evidente a legitimidade passiva da Recorrente pelo que o recurso interposto deve ser declarado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida.

iv. Da vigência da Portaria n.º 394-B/2012, de 29 de novembro
N. A Recorrente alega também que a Portaria n.º 394-B/2012, de 29 de novembro, não foi revogada devido ao facto de o legislador pretender a aplicação imediata dos Novos Estatutos do SNS aos ACES anteriormente criados pela Portaria n.º 394-B/2012, de 29 de novembro, contudo tal conclusão nada tem que ver com a questão em crise.
O. De facto, a Portaria n.º 394-B/2012, de 29 de novembro vigorará até à aprovação dos novos diplomas – exigidos pelo artigo 35.º, do Novo Estatuto do SNS – que constituirão os ACES e que acabarão por revogar a referida Portaria.

P. Assim, ainda que seja intenção do legislador a autonomia administrativa e património próprio dos ACES, tornando-os entidades independentes, não se pode afirmar que tal intenção se encontre positivada no nosso ordenamento jurídico.

Q. Em face do exposto, é evidente a legitimidade passiva da Recorrente pelo que o recurso interposto deve ser declarado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida.

v. Da aplicação do n.º 2, do artigo 103.º, do Decreto-Lei n.º 52/2022, de 04 de agosto, ao caso concreto
R. A Recorrente refere, ainda, com base na análise da norma do n.º 2, do artigo 103.º, do Novo Estatuto do SNS, que todos os diplomas que atribuem ao ACES um estatuto diverso de instituto público em regime especial devem considerar-se revogados, uma vez que vão contra o disposto no Novo Estatuto do SNS.

S. Contudo, da análise à redação o n.º 2, do artigo 103.º, compreende-se que a expressão “mantêm-se os diplomas atualmente em vigor em tudo o que não contrarie o presente decreto-lei” refere-se apenas às alterações legislativas e regulamentares previstas no n.º 1, do mesmo artigo.

T. De facto, no n.º 1, do mesmo artigo, não é feita qualquer referência ao estatuto jurídico do ACES, tal como confessa a Recorrente no artigo 38.º, das Alegações de Recurso, pelo que não versando o n.º 1, do artigo 103.º sobre o estatuto jurídico do ACES, então o n.º 2 não se deverá aplicar ao caso concreto, como a Recorrente quer fazer crer nos artigos 37.º a 42.º, das Alegações de Recurso.

U. Não tendo, até ao momento, sido publicado qualquer diploma que permita a execução das alterações quanto aos ACES, a Recorrente continua a ser, à data, parte legítima no processo, tal como decidiu o Tribunal a quo (no mesmo sentido veja-se o já referido Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no âmbito do processo n.º 576/23.4BELSB, no dia 25/08/2023), pelo que não colhe a argumentação da Recorrente, devendo manter-se a decisão recorrida.

vi. Da inscrição no Registo Nacional de Pessoas Coletivas
V. Por fim, a Recorrente alega ainda, no recurso interposto, que o ACES Sintra não configura um órgão desconcentrado da Recorrente, uma vez que já se encontra inscrito no Registo Nacional de Pessoas Coletivas, enquanto pessoa coletiva de direito público, tendo-lhe sido atribuído Número de Identificação de Pessoa Coletiva, não sendo a Recorrente, por esse motivo, parte legítima na presente ação de intimação.

W. Ainda que se admita que com a revogação do Decreto-Lei n.º 28/2008, de 22 de fevereiro, pelo Decreto-Lei n.º 52/2022, de 04 de agosto, se procedeu a uma reformulação da missão da ARS, a uma reformulação da respetiva estrutura orgânica, bem como a uma alteração da natureza jurídica dos ACES, que passaram a ser considerados institutos públicos de regime especial, dotados de autonomia administrativa e de património próprio, sempre seria necessário, conforme vem sendo demonstrado, a criação de um diploma próprio, para além daquele que regula a criação do mesmo.

X. Por outro lado, sempre teria de ser tido em conta o estabelecido Lei-Quadro dos Institutos Públicos, Lei n.º 3/2004, de 15 de janeiro, designadamente no atinente à sua criação, uma vez que os Institutos Públicos são pessoas coletivas de direito público, que se regem pelas disposições aplicáveis às pessoas coletivas públicas em geral (cfr. artigos 1.º, n.º 2, 4.º, 9.º e 12.º, todos da Lei-Quadro). Assim, sempre teria de existir um diploma próprio que criasse o ACES Sintra, que definisse a sua designação, jurisdição territorial, fins ou atribuições, membro do Governo da tutela, órgãos e respetivas competências e os meios patrimoniais e financeiros atribuídos, assim como a elaboração dos respetivos Estatutos.

Y. Certo é que após a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 52/2022, de 04 de agosto, não foi proferido novo diploma que crie o ACES Sintra, dotando-o de personalidade jurídica e judiciária (cfr. artigo 11.º, do CPC), sendo ainda um órgão dependente da Recorrente, pelo
que a atribuição de NIPC ao ACES Sintra não pode ter o sentido pretendido pela Recorrente, não lhe conferindo a capacidade jurídica e judiciária pretendia.

Z. Note-se que no próprio site da ARSLVT (https://www.arslvt.min-saude.pt/ - https://www.arslvt.min-saude.pt/quem-somos/) consta informação referente à organização interna da ARSLVT, I. P., designadamente de que a mesma é constituída por serviços centrais e ainda por serviços desconcentrados designados por Agrupamentos de Centros de Saúde do Serviço Nacional de Saúde (ACES).

AA. Ora, ainda que tenha sido intenção do legislador reconhecer a autonomia administrativa e património próprio dos ACES, tal como refere a Recorrente, a verdade é que não se pode afirmar que tal intenção se encontre positivada no nosso ordenamento jurídico, visto que ainda não foi publicado diploma próprio nos termos dos artigos 9.º e 12.º, da Lei-Quadro, tal como prevê o artigo 35.º, n.º 2, do Novo Estatuto do SNS. Mantém-se, assim, o regime precedente previsto no Decreto-Lei n.º 28/2008, de 22 de fevereiro, designadamente quanto à estrutura orgânica do ACES enquanto serviço desconcentrado da ARSLVT, sujeito ao seu poder de direção.

BB. Assim, dúvidas não restam de que a Recorrente é, ao momento, parte legítima no processo, pelo que o recurso interposto deve ser declarado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida.

CC. Em face do exposto, a sentença recorrida não padece de qualquer erro de julgamento, aplicando e interpretando corretamente o disposto nos artigos 33.º, 35.º, 103.º, 105.º e 106.º, do Novo Estatuto do SNS, nos artigos 8.º e 16.º, do Decreto-Lei n.º 61/2022, de 23 de setembro, nos artigos 1.º e 2.º, da Portaria n.º 394-B/2012, de 29 de novembro e ainda nos artigos 7.º e 9.º, do Código Civil, no artigo 11.º, do CPC e nos artigos 10.º, n.º 1 e 2 e 105.º, n.º 1, ambos do CPTA.

O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para os efeitos do previsto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, não emitiu parecer.
Sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, por se tratar de processo urgente (cf. artigo 36.º, n.º 2, do CPTA), mas com apresentação prévia do projecto de acórdão, o processo vem à conferência da Subsecção Comum da Secção de Contencioso Administrativo deste TCAS para o competente julgamento.

***
II - Delimitação do objecto do recurso.
Considerando que são as conclusões do recurso a delimitar o seu objecto, nos termos conjugados dos artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicáveis “ex vi” do artigo 140.º, n.º 3, do CPTA, cumpre apreciar e decidir no caso vertente, resumidamente, a seguinte questão:
- Saber se a sentença proferida pelo Tribunal a quo, no que respeita ao julgamento de improcedência que fez sobre a excepção dilatória de ilegitimidade passiva da Recorrente, em rigor, a única que foi submetida à sindicância deste TCAS pelo recurso “sub judice”, se encontra eivada, ou não, do erro de direito que lhe vem apontado, mormente, importa dilucidar se a decisão recorrida, relativamente à qualificação da natureza jurídica do “Agrupamento de Centros de Saúde Sintra” (ACES), fez uma correcta interpretação e aplicação conjugada do previsto, nomeadamente, nos artigos 33.º, n.º 1, 35.º, n.º 1, 103.º, 105.º e 106.º do Estatuto do Serviço Nacional de Saúde (doravante apenas o ESNS), aprovado pelo DL n.º 52/2022, de 04/08, assim como, do disposto nos artigos 8.º e 16.º do DL n.º 61/2022, e nos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º º 394-B/2012, e ainda do disposto nos artigos 7.º e 9.º do Código Civil, e, por inerência, do disposto nos artigos 10.º, n.ºs 1 e 2, e 105.º, n.º 1, ambos do CPTA.
***
III - Fundamentação de facto.
A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos:
A) Em 12.07.2022, deu entrada no Conselho Jurisdicional Regional da Secção Regional do Sul da Ordem dos Enfermeiros, uma participação com o seguinte teor:

«(…)

Venho por este meio efectuar uma denúncia/queixa da Enfermeira V... que exerce funções na UCC Sintra Salutem.

Verifiquei que a Enfermeira V... tem consultado várias vezes informação referente à minha área pessoal do SNS 24 (informação clínica), sendo que eu nunca me desloquei a esta unidade de saúde, nunca fiz qualquer tipo de tratamento ou outros nessa unidade.

Desta forma, não compreendo a motivação e intenção desta Enfermeira e o que a leva a consultar por várias vezes informações pessoais e sigilosas.
Considero desta forma, uma invasão de privacidade, abuso no seu exercício de funções no que se refere à Enfermeira que considero que está a demonstrar uma má conduta e também falta de profissionalismo e ética deontológica.
Envio em anexo o comprovativo de acesso à minha área pessoal do SNS24, assim como, dias, hora e local em que a enfermeira acedeu aos meus dados pessoais.
Aguardo informações. (…)» (cfr. documento n.º 1 junto com o requerimento inicial).

B) Em 24.11.2022, na sequência da participação referida na alínea anterior, a 1.ª Secção do Conselho Jurisdicional da Ordem dos Enfermeiros deliberou proceder à abertura de um processo disciplinar (cfr. documento n.º 2 junto com o requerimento inicial).

C) Em 24.01.2023, o Conselho Jurisdicional Regional da Secção Regional do Sul da Ordem dos Enfermeiros emitiu o ofício com a referência «SAI-OE/2023/855», dirigido ao Diretor Executivo do Agrupamento de Centros de Saúde - ACES Sintra, com o seguinte teor:

«(…)

Na sequência de queixa, remetida a 12/07/2022 à Ordem dos Enfermeiros pela , a l.ª Secção do Conselho Jurisdicional da Ordem dos Enfermeiros, em reunião de 24/11/2022, deliberou a instauração de procedimento disciplinar, melhor identificado acima, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 40.º, n.º 3, do Regulamento Disciplinar da Ordem dos Enfermeiros.
Pelo que, encarrega-me o Enfermeiro J…, enquanto instrutor do referido processo, de solicitar a V. Exa., ao abrigo do disposto no artigo 4.º, n.º 4, em conjunto com o artigo 3.º, n.º 3, al. l), ambos do Estatuto da Ordem dos Enfermeiros, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 104/98, de 21 de Abril, alterado e republicado em anexo à Lei n.º 156/2015, de 16 de Setembro, que se digne enviar aos autos a seguinte informação:
a) identificação dos Sistemas de Informação na Saúde que suportam a atividade diária dos profissionais de saúde, na Unidade de Cuidados na Comunidade Sintra Salutem;
b) Número mecanográfico da Exma. Senhora Enfermeira V..., com o qual acede aos sistemas de informação na Unidade de Cuidados na Comunidade Sintra Salutem.
Permitimo-nos sublinhar de que a informação ora solicitada é relevante no apuramento dos factos objeto no presente procedimento disciplinar, pelo que se agradece a V. Exa. a maior brevidade possível na resposta. ()» (cfr. documento n.º 3 junto com o requerimento inicial).

D) Em 14.04.2023, o Conselho Jurisdicional Regional da Secção Regional do Sul da Ordem dos Enfermeiros emitiu o ofício com a referência «SAI-OE/2023/4439», dirigido ao Diretor Executivo do Agrupamento de Centros de Saúde- ACES Sintra, com o seguinte teor: «(…)
Na sequência de queixa, remetida a 12/07/2022 à Ordem dos Enfermeiros, a Secção do Conselho Jurisdicional da Ordem dos Enfermeiros, em reunião de 24/11/2022, deliberou a instauração de procedimento disciplinar, melhor identificado acima, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 40.º, n.º 3, do Regulamento Disciplinar da Ordem dos Enfermeiros.
Pelo que, encarrega-me o Enfermeiro José António Pereira Fortunato, enquanto instrutor do referido processo, de reiterar a V. Exa. o solicitado no n/ofício SAI-OE/2023/855 datado de 24/01/2023, ao abrigo do disposto no artigo 4.º, n.º 4, em conjunto com o artigo 3.º, n.º 3, al. l), ambos do Estatuto da Ordem dos Enfermeiros, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 104/98, de 21 de Abril, alterado e republicado em anexo à Lei n.º 156/2015, de 16 de Setembro, que se digne enviar aos autos a seguinte informação:
a) identificação dos Sistemas de Informação na Saúde que suportam a atividade diária dos profissionais de saúde, na Unidade de Cuidados na Comunidade Sintra Salutem;
b) Número mecanográfico da Exma. Senhora Enfermeira V..., com o qual acede aos sistemas de informação na Unidade de Cuidados na Comunidade Sintra Salutem.
Permitimo-nos sublinhar de que a informação ora solicitada é relevante no apuramento dos factos objeto no presente procedimento disciplinar, pelo que se agradece a V. Exa. a maior brevidade possível na resposta. (…)» (cfr. documento n.º 4 junto com o requerimento inicial).

***
IV - Fundamentação de Direito.
A Recorrida, com vista à instrução de procedimento disciplinar, requereu a intimação da Recorrente para prestar informação sobre a identificação dos sistemas de informação na saúde que suportam a actividade diária dos profissionais de saúde na “Unidade de Cuidados na Comunidade de Sintra Salutem”, bem como a indicação do número mecanográfico de uma profissional de enfermagem, com o qual a mesma acede aos sistemas de informação da referida unidade.
A ora Recorrente, em articulado de resposta ao processo de intimação, suscitou a excepção dilatória da sua ilegitimidade. O Tribunal a quo julgou improcedente a referida excepção de ilegitimidade passiva, decisão contra a qual se mostra inconformada a Recorrente.
Indo já para a apreciação e decisão do presente recurso, importa dizer que a temática fundamental que nos traz o presente dissídio já foi objecto do acórdão anteriormente proferido pela Secção de Contencioso Administrativo deste TCAS, em 25/08/2023, no âmbito do processo sob o n.º 576/23.4BELSB (com trânsito em julgado) - não disponibilizado pelo sítio da internet www.dgsi.pt, mas consultável na plataforma electrónica do SITAF.
A similitude entre os processos de intimação é inquestionável, porquanto, não só as partes são as mesmas (Ordem dos Enfermeiros v. Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, I.P.), como têm ambos os recursos a mesma questão fundamental sujeita à apreciação deste TCAS: a decisão do Tribunal a quo que julgou improcedente a excepção dilatória de ilegitimidade passiva invocada pela ora Recorrente, Administração Regional de Saúde de L…, I.P., e que, no essencial, demanda a sindicância das mesmas normas legais.
Sendo assim, não vemos razões para, neste caso concreto, nos afastarmos do julgamento e da decisão precedentemente tomada por este TCAS no processo sob o n.º 576/23.4BELSB, que neste recurso será, igualmente, mantida, atentas não só razões de consistência e uniformização decisórias, mas também do mérito da fundamentação de direito e da justeza decisória que transparece da posição propugnada pelo acórdão antecedentemente identificado.
Por se revelarem deveras esclarecedores da posição que aqui, do mesmo modo, sufragamos, passamos a transcrever os fundamentos basilares do supra citado acórdão, nos seguintes moldes:
Dúvidas inexistem de que à luz do Decreto-Lei n.º 28/2008, de 22 de Fevereiro, as ARS, I.P. são as pessoas coletivas de direito público a que pertencem os ACES (seus serviços desconcentrados), e como tal as entidades a demandar judicialmente sempre que estejam em causa actos imputáveis aos órgãos dos ACES.
Acontece que o DL 28/2008 foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 52/2022, de 4 de Agosto que aprovou o Novo Estatuto do Serviço Nacional de Saúde (SNS), com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2023, data da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2023 (Lei n.º 24- D/2022, de 30 de Dezembro).
Conforme se refere no preâmbulo do Novo Estatuto do SNS (DL 52/2022):
“(…) Ao elencar as unidades prestadoras de cuidados de saúde que integram o SNS - os agrupamentos de centros de saúde (ACES), os hospitais, os centros hospitalares, os institutos portugueses de oncologia e as unidades locais de saúde (ULS), integrados no setor empresarial do Estado ou no setor público administrativo -, o Estatuto do SNS aproveita para rever os seus regimes de criação, organização e funcionamento e respetivos estatutos, atualizando-os.

Destaca-se a alteração da natureza jurídica dos ACES, que são considerados institutos públicos de regime especial, dotados de autonomia administrativa e património próprio, com responsabilidades de contratualização da prestação de cuidados de saúde primários com a ACSS, I.P., à semelhança do que acontece com as unidades hospitalares. (…)”


Todavia há que atentar nas disposições finais e transitórias (artigos 103º a 106º) do Novo Estatuto do SNS (DL 52/2022), Assim:

Artigo 103.º

Alterações legislativas e regulamentares
1 - São aprovadas, no prazo de 180 dias a contar da data de entrada em vigor do presente decretolei, as alterações legislativas e regulamentares necessárias à sua execução, designadamente quanto a:
a) Definição da natureza jurídica, organização e funcionamento da Direção Executiva do SNS, nos termos previstos no n.º 6 do artigo 9.º, e demais alterações daí decorrentes, nomeadamente as orgânicas do Ministério da Saúde;
b) Estabelecimento do acréscimo do período normal de trabalho semanal e do acréscimo remuneratório correspondentes ao regime de dedicação plena, bem como da carga horária semanal de funções assistenciais realizadas em instituições privadas e do setor social de prestação de cuidados de saúde, pelos diretores de serviço ou de departamento, incompatível com o regime de dedicação plena, nos termos previstos no n.º 9 do artigo 16.º;
c) Fixação do suplemento remuneratório a atribuir ao presidente e aos vogais do conselho clínico e de saúde dos ACES, nos termos previstos no n.º 5 do artigo 48.º.
2 - Até à aprovação das alterações legislativas e regulamentares previstas no número anterior, mantêm-se os diplomas atualmente em vigor em tudo o que não contrarie o presente decreto-lei. (…) (d/n).

Artigo 105.º
Norma revogatória
Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, são revogados:
a) O
Decreto-Lei n.º 11/93, de 15 de janeiro, na sua redação atual;
b) O
Decreto-Lei n.º 156/99, de 10 de maio;
c) O Decreto-Lei n.º 28/2008, de 22 de setembro, na sua redação atual;
d) O
Decreto-Lei n.º 18/2017, de 10 de fevereiro, na sua redação atual.

Artigo 106.ºEntrada em vigor e produção de efeitos

1 - O presente decreto-lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
2 - As disposições constantes do capítulo iii e a alínea c) do artigo anterior produzem efeitos com a entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2023

O Capítulo III do referido Diploma, sob a epígrafe: Regime de criação, organização e funcionamento dos agrupamentos de centros de saúde, consta dos artigos 33º a 62º), destacando-se:

Artigo 33.º

Natureza jurídica

1 - Os ACES são institutos públicos de regime especial integrados na administração indireta do Estado, dotados de autonomia administrativa e podendo deter património próprio, constituídos por centros de saúde.
2 - Os centros de saúde que integram os ACES são conjuntos de unidades funcionais de prestação de cuidados de saúde primários que intervêm nos seguintes âmbitos: a) Comunitário e de base populacional;
b) Personalizado com base na livre escolha pelos utentes;
c) Exercício de funções de autoridade de saúde, quando aplicável;
d) Intervenção nos comportamentos aditivos, quando aplicável.
3 - Os ACES prosseguem as atribuições do Ministério da Saúde, sob superintendência e tutela do respetivo membro do Governo, sem prejuízo das competências da Direção Executiva do SNS. (…)

Artigo 35º
Criação

1 - A criação e a delimitação da área geográfica dos ACES são estabelecidas por diploma próprio, ouvidos os municípios da área abrangida, sob proposta fundamentada da ARS, I. P.
2 - A delimitação geográfica dos ACES pode corresponder ao território das NUTS III, a um agrupamento de concelhos, a um concelho ou a um conjunto de freguesias do mesmo município, em função da combinação mais eficiente dos recursos disponíveis e, nomeadamente, dos seguintes fatores geodemográficos:
a) O número de pessoas residentes;
b) A estrutura de povoamento;
c) O índice de envelhecimento;
d) A acessibilidade da população aos serviços de saúde.
3 - A proposta referida no n.º 1 deve conter, além do previsto no número anterior: a) A identificação dos centros de saúde a integrar no ACES;

b) A área geográfica e a população abrangidas por cada um desses centros de saúde;
c) A identificação, por grupo profissional, dos recursos humanos a afetar a cada ACES;
d) A denominação do ACES;
e) A identificação das instalações onde o ACES tem sede.

Assim, o Novo Estatuto do SNS revogou o diploma que anteriormente regulava o regime jurídico dos ACES – o DL 28/2008 – e criou um novo regime jurídico para os ACES, estipulando que a referida revogação e o referido novo regime jurídico dos ACES produziam efeitos com a entrada em vigor da LOE 2023, ou seja, em 01.01.2023.
Correlativamente, procedeu a uma reformulação da missão das ARS, IP, - que deixaram de abarcar a prestação de cuidados para se focarem no planeamento regional de recursos – assim como da respectiva estrutura orgânica - uma vez que os ACES deixaram de ser seus serviços desconcentrados, sujeitos ao seu poder de direcção (arts. 8.º e 16.º do DL 61/2022). De igual modo o artigo 8.º do DL 61/2022 alterou o disposto no artigo 3.º do Decreto Lei n.º 22/2012, de 30 de Janeiro, que aprovou a orgânica das ARS, IP, retirando a estas entidades as competências no âmbito da prestação de cuidados de saúde.
De harmonia, de resto, com a filosofia do Novo Estatuto do SNS, que retirou as ARS, IP do perímetro dos estabelecimentos e serviços do SNS (artigo 3.º do Novo Estatuto do SNS).
E o artigo 16.º do DL 61/2022 revogou o disposto no n.º 3 do artigo 2.º do DL 22/2012, cujo teor era o seguinte: “3 - As ARS, I. P., dispõem de serviços desconcentrados designados por agrupamentos de centros de saúde do Serviço Nacional de Saúde (ACES), nos termos do Decreto-Lei n.º 28/2008, de 22 de Fevereiro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 102/2009, de 11 de Maio.”
À semelhança do disposto no Estatuto do Novo SNS, a alteração ao art.º 3.º e a revogação do n.º 3 do art.º 2.º, ambos do DL 22/2012, consignadas nos referidos arts. 8.º e 16.º do DL 61/2022, iniciaram a produção dos respetivos efeitos com a entrada em vigor da LOE 2023, ou seja, em 01.01.2023.
Do que antecede, o presente dissídio resulta da divergente interpretação quanto aos efeitos derivados da revogação do DL 28/2008 no que respeita à criação e autonomização dos ACES.
Acompanhando o que refere no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, 29/11/2011 (Processo: 701/10):
“I - Interpretar a lei é atribuir-lhe um significado, determinar o seu sentido a fim de se entender a sua correcta aplicação a um caso concreto.

II - A interpretação jurídica realiza-se através de elementos, meios, factores ou critérios que devem utilizar-se harmónica e não isoladamente. (…)

V - Mas além do elemento literal, o intérprete tem de se socorrer algumas vezes dos elementos lógicos com os quais se tenta determinar o espírito da lei, a sua racionalidade ou a sua lógica. (…)”.

A unidade do sistema jurídico (cfr. art.º 9.º, n.º 1 do CC) deve ser atendida na interpretação e aplicação do direito. Segundo Castro Mendes “A ordem jurídica forma um sistema, de elementos coordenados e homogéneos entre si, não podendo comportar contradições. Daqui resulta que as leis se interpretam umas pelas outras - cada norma e conjunto de normas funciona em relação às outras como elemento sistemático de interpretação" (Introdução ao Estudo do Direito, Lisboa, 1977, pág. 361).
Nesta interpretação sistemática temos que o diploma próprio (DL 52/2022) a que alude o citado art.º 35.º não consubstancia uma alteração legislativa necessária à plena execução do Novo Estatuto do SNS.
Não cremos, pois, que com a publicação e entrada em vigor do Novo Estatuto do SNS e do DL 61/2022, em 01.01.2023, os ACES deixaram de ser serviços desconcentrados das ARS, IP, passando a assumir efectivamente a natureza de institutos públicos de regime especial, dotados de autonomia administrativa e património próprio.
De acordo com o disposto no n.º 1 do art.º 103.º do Novo Estatuto do SNS, as alterações legislativas e regulamentares necessárias não podem ser apenas as que vêm mencionadas nas respetivas alíneas a) a c), uma vez que o legislador usou a expressão designadamente, o que significa que outras situações carecem de regulamentação, como seja a criação das ACES (art. 35º).
Daí que o legislador tenha salvaguardado “Até à aprovação das alterações legislativas e regulamentares previstas no número anterior, mantêm-se os diplomas atualmente em vigor em tudo o que não contrarie o presente decreto-lei – art. 103º, nº 2 do DL 52/2022
Por outro lado, há que ter em conta que de acordo com estipulado no artigo 2º, nº 2, da Lei Quadro dos Institutos Públicos (Lei n.º 3/2004, de 15 de janeiro), “As normas constantes da presente lei são de aplicação imperativa e prevalecem sobre as normas especiais actualmente em vigor, salvo na medida em que o contrário resulte expressamente da presente lei”.
Sendo certo que, aqueles institutos são pessoas coletivas de direito público, que se regem pelas disposições aplicáveis às pessoas coletivas públicas em geral (art. 4º, nº 1). Desde logo, quanto à forma de criação:
Artigo 9º da Lei Quadro:
1 - Os institutos públicos são criados por acto legislativo.
2 - O diploma que proceder à criação de um instituto ou Lei Orgânica define a sua designação, jurisdição territorial, fins ou atribuições, membro do Governo da tutela, órgãos e respectivas competências e os meios patrimoniais e financeiros atribuídos, bem como inclui as disposições legais de carácter especial que se revelem necessárias, em especial sobre matérias não reguladas na presente lei e nos diplomas legais genericamente aplicáveis ao novo instituto.
3 - A sede dos institutos públicos é definida no diploma que procede à sua criação ou nos respectivos estatutos.
4 - Os institutos públicos podem iniciar o seu funcionamento em regime de instalação, nos termos da lei geral.

Artigo 12.º
Estatutos
1 - As disposições relativas à organização interna dos institutos públicos constam dos seus estatutos, aprovados por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da Administração Pública e da tutela, e, em tudo o mais que, face ao disposto na lei, possa assim ser regulado, de regulamentos internos, aprovados pelos órgãos do instituto.
2 - Nos casos de autonomia estatutária, nos termos da Constituição ou de lei especial, os estatutos são elaborados pelo próprio instituto, ainda que sujeitos a aprovação ou homologação governamental, a qual revestirá a forma de despacho normativo.
3 - Os regulamentos internos devem:
a) Regular a organização e disciplina do trabalho;
b) Descrever os postos de trabalho.

Aceitando, que foi intenção do legislador reconhecer a autonomia administrativa e património próprio dos ACES, não se pode afirmar que tal intenção se encontre positivada no nosso ordenamento jurídico, visto que ainda não foi publicado diploma próprio nos termos dos citados artigos 9º e 12º da citada Lei Quadro, tal como prevê o artigo 35º [n.º 1] do novo Estatuto do SNS.
Assim, ter-se-á de manter o regime precedente do DL 2008, designadamente quanto à estrutura orgânica dos ACES. Porquanto, após a entrada em vigor do DL 52/2022, não foi proferido novo diploma que crie o ACES Loures/Odivelas, dotando-o de personalidade jurídica e judiciária (art. 11º do CPC).
Nessa medida, este ainda é dependente da Recorrente, conforme o disposto no Decreto-Lei n.º 28/2008, de 22 de fevereiro, na versão dada pelo Decreto-Lei n.º 23/2019, de 30 de Janeiro. Mantendo-se a Portaria n.º 394-B/2012, de 29 de Novembro, vigorará até à aprovação dos novos diplomas – exigidos pelo artigo 35.º do Novo Estatuto do SNS – que constituirão os ACES e que acabarão por revogar a referida Portaria.

(…)
Do que antecede, resulta que a ACES Loures/Odivelas continua a ser um órgão dependente da R./Recorrente ARSLVT, conforme disposto no artigo 2.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 28/2008, de 22 de fevereiro, na versão dada pelo Decreto-Lei n.º 23/2019, de 30 de janeiro, mantido em vigor por força do art. 103º, nºs 1 e 2 do DL 52/2022.
No que concerne à legitimidade passiva, é o seguinte o teor do nº. 1 do artigo 105º do C.P.T.A.: “(…) 1 - A intimação deve ser requerida contra a pessoa coletiva de direito público, o ministério ou a secretaria regional cujos órgãos sejam competentes para facultar a informação ou a consulta, ou passar a certidão (…)”.
Quer isto significar que, no âmbito da presente intimação, assiste legitimidade processual passiva à (i) pessoa coletiva pública, ou ao (ii) ministério, ou à (iii) secretaria regional a quem o requerente, directa ou indirectamente, dirigiu em fase procedimental o pedido de informação, e que, no prazo cominado na lei, não satisfez integralmente o peticionado.
Pois bem, escrutinado o probatório coligido nos autos, logo se constata que o pedido de informação formulado em sede procedimental foi dirigido ao Director Executivo do dito ACES Loures/Odivelas, por ofício datado de 25.11.2022, posteriormente reiterado por mensagem de correio eletrónico de 17.01.2023, o qual não obteve resposta no prazo legal.
Em face do exposto, é o ARSLVT que que detém legitimidade passiva no âmbito da presente ação de intimação, conforme decidiu o Tribunal a quo. O que conduz à improcedência do recurso e à manutenção da sentença recorrida.
Como o presente recurso se cinge à impugnação do decidido quanto à excepção dilatória de (i)legitimidade passiva, mantém-se, porque não impugnado o decidido quanto ao mérito (art. 635º, nº 5 do CPC).” – (sublinhados nossos).

De igual modo, e em síntese, também aqui entendemos que ao ACES Sintra, criado pela Portaria n.º 394-B/2012, de 29/11, não é ainda possível aplicar directamente a nova natureza jurídica de instituto público que resulta do artigo 33.º, n.º 1, do ESNS, porquanto, tal aplicação está ainda dependente da intermediação resultante de um diploma próprio, que ainda terá de vir à luz do dia, conforme o que se encontra previsto no n.º 1 do artigo 35.º do mesmo ESNS.
Aliás, se o legislador colocou na letra do n.º 1 do artigo 35.º do ESNS a referência a “diploma próprio”, isto significa que, para a qualificação e consideração da natureza jurídica dos ACES como institutos públicos, não basta tal alusão no decreto-lei que aprovou o novo ESNS (o DL n.º 52/2022, de 04/08), sendo necessário, ainda, a produção de um novo diploma que especificamente venha a regular todos os aspectos organizacionais e funcionais dos ACES.
Ademais, a necessidade de um diploma próprio que atribua aos ACES as suas novas vestes de instituto público, e, como tal, a roupagem para uma nova natureza jurídica, impõe-se mesmo de forma imperativa pela Lei-Quadro dos Institutos Públicos, aprovada pela Lei n.º 3/2004, de 15/01, que, por um lado, no n.º 2 do seu artigo 1.º é inequívoca ao prescrever que As normas constantes da presente lei são de aplicação imperativa e prevalecem sobre as normas especiais actualmente em vigor, salvo na medida em que o contrário resulte expressamente da presente lei”, e que, por outro lado, no seu artigo 9.º, n.º 1, determina de forma indubitável que Os institutos públicos são criados por acto legislativo (destaques nossos).
Portanto, tal como considerou o precedente acórdão deste TCAS, que nos serviu de trave-mestra para a presente situação, também aqui se impõe concluir que, sem a aprovação de um novo diploma que crie o predito ACES enquanto instituto público, segundo as prescrições do ESNS e da Lei-Quadro dos Institutos Públicos, outro caminho não nos resta prosseguir que não seja o de arredar tal unidade de saúde da natureza jurídica de instituto público, pois que, por ora, as condições legais para tal qualificação ainda não se mostram verificadas.
No mesmo sentido do citado acórdão deste TCAS, enquanto inexistir tal diploma próprio, o ACES Sintra continua a ser uma unidade dependente da Recorrente, tanto mais que, “in casu”, até nem se coloca à Recorrente/ARSLVT a resolução de uma questão sobre prestação directa de cuidados de saúde, mas sim um assunto de natureza procedimental-administrativa, relacionado com o acesso a informação/documentos administrativos.
E, como tal, estipulando o n.º 1 do artigo 105.º do CPTA que “A intimação deve ser requerida contra a pessoa coletiva de direito público, o ministério ou a secretaria regional cujos órgãos sejam competentes para facultar a informação ou a consulta, ou passar a certidão” (destaques nossos), na falta de diploma próprio que presentemente já atribua a natureza de instituto público ao referido ACES, deve ter-se ainda por parte passiva legítima no processo de intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões a ora Recorrente/ARSLVT, na qualidade em que esta ainda se assume como pessoa colectiva de direito público.
Em reforço desta posição, veja-se a anotação ao artigo 105.º, n.º 1, do CPTA (pressupostos do processo de intimação para a prestação de informações), na obra o “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, de Mário Aroso de Almeida e de Carlos Alberto Fernandes Cadilha, 2022, 5.ª Edição, Almedina, na pág. 920, que expõe o seguinte: “Hoje é claro que, também neste domínio, vigora [o] regime de legitimidade passiva do artigo 10.º, n.º 2, pelo que a intimação deve ser requerida contra a pessoa colectiva de direito público, o ministério ou a secretaria regional sobre cujos órgãos impenda o dever de satisfazer o direito à informação. O n.º 1 do presente artigo 105.º deve, pois, ser interpretado de harmonia com o artigo 10.º, n.º 2, para o efeito de se entender que entidade demandada é, em regra, a pessoa coletiva de direito público (município, instituto público, associação pública, entidade pública empresarial, etc. (…)”.
Assim tendo decidido a sentença recorrida, é a mesma de manter nessa parte, improcedendo, com efeito, o recurso “sub judice”.
Considerando ainda que o recurso incidiu somente sobre a decisão que julgou a matéria exceptiva, mantém-se, porque não impugnado, o julgamento do Tribunal a quo sobre o mérito da causa, nos termos do artigo 635.º, n.º 5, do CPC, “ex vi” do artigo 140.º, n.º 3, do CPTA.

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Custas a cargo da Recorrente – cf. artigos 527.º, n.º 1, do CPC, 1.º e 189.º do CPTA, e 12.º, n.º 1, alínea b), do RCP.
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Em conclusão, é elaborado sumário, nos termos e para os efeitos do estipulado no artigo 663.º, n.º 7, do CPC, aplicável “ex vi” do artigo 140.º, n.º 3, do CPTA, nos seguintes moldes:
I - A consideração da natureza jurídica do ACES como instituto público, preconizada no n.º 1 do artigo 33.º do novo Estatuto do SNS, aprovado pelo DL n.º 52/2022, de 04/08, depende da subsequente intermediação que é conferida pela aprovação e entrada em vigor do diploma próprio que proceda à sua criação, nos termos do previsto no n.º 1 do artigo 35.º do mesmo Estatuto, em consonância, aliás, com o imperativamente estipulado nos artigos 1.º, n.º 2, e 9.º, n.º 1, da Lei-Quadro dos Institutos Públicos.
II - Na falta de tal diploma próprio, ao ACES Sintra não pode ainda ser concedida essa nova natureza jurídica de instituto público, que se mantém, por enquanto, como uma unidade integrada na ARSLVT, a esta última competindo, por ora, como pessoa colectiva de direito público que é, a legitimidade passiva no processo de intimação para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, enquanto pressuposto processual vertido no n.º 1 do artigo 105.º do CPTA.
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V - Decisão.
Ante o exposto, acordam, em conferência, os Juízes-Desembargadores que compõem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso jurisdicional, e, em consequência, manter a sentença na parte recorrida.
Custas pela Recorrente.
Registe e notifique.
Lisboa, 19 de Março de 2024.
Marcelo Mendonça – (Relator)
Lina Costa – (1.ª Adjunta)
Ricardo Ferreira Leite – (2.º Adjunto)