Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:09895/16
Secção:CT
Data do Acordão:11/24/2016
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:“ACOLHIMENTO FAMILIAR”. ISENÇÃO DE IVA.
Sumário:1) A actividade do recorrente de acolhimento de jovens alemães em risco, por indicação do I... – Instituto... -, Instituição Particular de Solidariedade Social, reconhecida pela Segurança Social portuguesa, integra-se na noção de “acolhimento familiar”.
2) A actividade em causa consiste na prestação de cuidados de assistência social, a jovens em risco, por conta do sistema de segurança social, dado que é efectuada por conta de uma Instituição Particular de Solidariedade Social, reconhecida como tal pela entidade competente do Estado português, a qual integra o sistema de protecção da Segurança Social.
3) Como tal enquadra-se na norma de isenção do artigo 9.º do CIVA, n.ºs 7 e 8.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
I- Relatório
D... interpõe o presente recurso jurisdicional contra a sentença proferida a fls. 152/170, que julgou improcedente a impugnação judicial que deduziu contra as liquidações oficiosas de IVA e juros compensatórios, relativas aos períodos dos exercícios de 2007, 2008 e 2009, no valor de €14.262,74.
Nas alegações de recurso (fls. 189/192), o recorrente formula as conclusões seguintes:
1) Decorrendo, como decorre da douta sentença, ser reconhecida o I... – Instituto... - com estatuto de IPSS, como tal à data dos impostos das liquidações impugnadas, e decorrendo como decorre em matéria de facto dada como provada e do sentido em geral da prova como é referido a fls. 15 da douta sentença quanto aos serviços prestados de assistência social a adolescentes pelo impugnante enquanto família de acolhimento, decorreram no seio da respectiva habitação e agregado doméstico, fora das instalações da I..., a adolescentes por esta indicados mediante pagamento feito por esta, fez a douta sentença errada integração dos factos no disposto no artigo 1.º e 60.º, n.º 4, do CIVA.
2) Ipso facto, fez errado julgamento a não integração no disposto no regime de isenção do IVA relativamente à factualidade descrita na douta sentença, quanto ao regime aplicável ao impugnante, assim violando o disposto no artigo 9.º, n.º 6, do CIVA, aplicável aquela relação tributável.
3) Decidindo erradamente a douta sentença em não dar provimento à impugnação apresentada às liquidações.
4) O tribunal a quo em contrário do dito a fls. 15 da douta sentença não deu como provado, como a contrario aliás decorre da douta fundamentação de facto, a prestação de assistência a adolescentes no seu agregado doméstico, não obstante ter sido dado como provado em j) que a I... angariava famílias de nacionalidade alemãs residentes em Portugal para acolherem em suas casas crianças e jovens alemães em programas individualizados.
5) A douta decisão que em preterição jurídico-legal do enquadramento no disposto no artigo 9.º, n.º 7, do CIVA e que enquadra o impugnante no regime de IVA, nos termos do artigo 7.º e 60.º, n.º 4, do CIVA, pelo facto dos serviços de acolhimento terem sido prestados fora das instalações do I..., carece de prova desse facto.
6) O texto do n.º 7 do artigo 9.º do CIVA, que estabeleceu o texto final: “ainda que os serviços sejam prestados fora das suas instalações”, versão da Lei 89-C/2012, aconteceu para colmatar uma lacuna da Lei, cujo espírito já antes o determinava e decorria sensatamente do anterior texto.
X
Não há registo de contra-alegações.
X
Corridos os vistos legais, vêm os autos à conferência para decisão.
X
II- Fundamentação.
2.1.De Facto.
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:
A. A coberto da ordem de serviço n.º … o Impugnante foi alvo de uma ação de inspeção interna, de âmbito parcial (IVA), abrangendo os exercícios de 2007, 2008 e 2009 – cfr. fls. 47 a 56 do processo instrutor apenso.
B. Por ofício n.º 5225, de 31.05.2011, foi remetido, sob registo, para o endereço postal do Impugnante, o projeto de relatório para efeitos de audição prévia – cfr. fls. 63 do processo instrutor apenso.
C. A notificação que antecede não foi recebida pelo Impugnante, tendo sido devolvida à Direção de Finanças de ..., com a menção de “Objecto não Reclamado” – cfr. fls. 64 a 67 do processo instrutor apenso e prova testemunhal.
D. Em 21.06.2011 foi elaborado o Relatório Final da Inspeção, que aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual resultaram correções em sede de IVA para os anos de 2007, 2008 e 2009, apurando imposto em falta no valor total de € 12.652,57 e de cujo teor se retira, em síntese, o seguinte:
«I. CONCLUSÕES DA ACÇÃO INSPECTIVA
O contribuinte D..., NIF …, tendo obtido nos anos de 2007, 2008 e 2009 rendimentos pela prestação de serviços de acção social e encontrando-se enquadrado, em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), no regime de isenção – artigo 9.º do Código do IVA, no procedimento de inspecção constatou-se que tais serviços estão sujeitos a IVA não se enquadrando na norma de isenção prevista no n.º 6 do artigo 9° do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA).
No presente relatório propõem-se correcções em sede de IVA para os anos de 2007, 2008 e 2009, nomeadamente imposto em falta, nos montantes de € 6 615,73, de € 3 854,34 e de € 2 182,50.
[…]
III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
O sujeito passivo (s.p.) D..., NIF …, esteve inscrito pelo exercício da actividade de “Assistente Social - CIRS 1315” no período compreendido entre 2007/01/02 e 2009/10/01, enquadrado no regime de isenção de IVA - artigo 9.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA).
Através da análise do anexo B – “Rendimentos da Categoria B” da declaração de rendimentos modelo 3 de IRS, apresentada para os anos de 2007, 2008 e de 2009, verifica-se que o s.p. obteve rendimentos no âmbito da sua actividade profissional nos montantes de € 31.503,52, € 18.700,62 e € 10.912,58, respectivamente.
A actividade exercida pelo s.p. traduz-se em serviços de acolhimento familiar prestados ao “I... ...”, NIPC …, recebendo, a título de honorários, uma contra prestação do destinatário dos serviços. […]
[…] o n.º 6 do artigo 9.º do CIVA isenta de IVA “As transmissões de bens e as prestações de serviços ligadas à segurança e assistência sociais e as transmissões de bens com elas conexas, efectuadas pelo sistema de segurança social, incluindo as instituições particulares de solidariedade social. Da mesma isenção beneficiam as pessoas físicas ou jurídicas que efectuem prestações de segurança ou assistência social por conta do respectivo sistema nacional, desde que não recebam em troca das mesmas qualquer contraprestação dos adquirentes dos bens ou destinatários dos serviços”. No caso em apreço, verifica-se que a entidade “I... - ...” carece de reconhecimento pelas entidades competentes, nomeadamente a inexistência de qualquer acordo com a Segurança Social.
Deste modo, não se verificando os pressupostos referidos no n.º 6 do artigo 9º do CIVA para a associação, as prestações de serviços efectuadas pelo s.p. não poderão beneficiar da referida isenção, pelo que as operações activas realizadas encontram-se sujeitas e não isentas de IVA nos termos do Código do IVA.
[…]
Com base nos elementos disponíveis, nomeadamente as declarações de rendimentos Modelo 3 IRS dos anos de 2007, 2008 e 2009, e fotocópias dos recibos emitidos pelo s.p., foram apurados os seguintes montantes de IVA liquidado, repartidos pelos trimestres correspondentes, por aplicação da taxa prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do CIVA.
[…]

[…]

[…]

[…] propõe-se a elaboração de um Boletim de Alteração Oficiosa, alterando o enquadramento de IVA para o Regime Normal Trimestral desde 2007/01/02 procedendo-se à liquidação oficiosa do imposto […][…]

IX. DIREITO DE AUDIÇÃO

O sujeito passivo não exerceu o direito de audição.» - fr. fls. 47 a 56 do processo instrutor apenso.
E. Em 21.06.2011 foi elaborado o Boletim de Alteração Oficiosa do enquadramento do Impugnante em sede de IVA, nos termos propostos no Relatório Final de Inspeção – cfr. fls. 59 a 62 do processo instrutor apenso.
F. Até à data que antecede, e desde o respetivo início de atividade em 02.01.2007, o Impugnante encontrava-se enquadrado, em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado, no regime de isenção – artigo 9.º do Código do IVA – por acordo e cfr. fls. 44 do processo instrutor apenso.
G. Em 05.07.2011 o Impugnante foi notificado das correções resultantes da ação de inspeção – cfr. fls. 57/58 do processo instrutor apenso.
H. Atos impugnados: Em 23.07.2011, na sequência da ação de inspeção referida em D) foram emitidas as seguintes liquidações de IVA e juros compensatórios, com data limite de pagamento em 30.09.2011:
“Quadro no original”

cfr. fls. 3 a 7 do processo instrutor apenso e art.º 1.º da p.i.

I. A I... – INSTITUTO... acolhe jovens de nacionalidade alemã no âmbito de medidas de reabilitação em programa individualizado – prova testemunhal e fls. 114.

J. Para concretizar a sua atividade a I... angariava famílias de nacionalidade alemã residentes em Portugal, para acolherem em suas casas crianças e jovens alemães no âmbito de medidas de reabilitação em programa individualizado definido pelo Tribunal Alemão que determina o acolhimento do jovem – prova testemunhal.

K. A I... estabelecia com as famílias (ditas de acolhimento) um acordo denominado “Contrato de Prestação de Serviços”, conforme o que se encontra junto com a petição inicial sob doc. 1, que aqui se dá por integralmente reproduzido, de cuja cláusula sexta, relativa a “Retribuição”, resulta o seguinte:
«Como contrapartida dos serviços prestados, a primeira outorgante paga ao segundo outorgante o seguinte:
a) Mediante a apresentação de um recibo que cumpra as exigências e pressupostos legais dos profissionais liberais é-lhe pago um vencimento mensal de 1895,43 €, (incluindo o Imposto sobre o Valor Acrescentado – IVA)
b) O pagamento das despesas de alojamento do/da Jovem no valor de 149,64 € (incluindo o Imposto sobre Valor Acrescentado IVA), contra recibo, desde que tenha sido acordado previamente entre as partes.
c) Os honorários incluem o acompanhamento escolar, as medidas orientadoras quanto às profissões e as medidas pedagógico-emocionais tomadas pelo acompanhante e todas as restantes funções previstas ao longo deste contrato. Em medidas externas é disponibilizada, ao projecto, uma importância que poderá ascender aos 250 €.

d) O pagamento de honorários efectua-se no final do mês a que disser respeito […]» – cfr. doc. 1 junto com a petição inicial.

L. Foi no âmbito da atividade identificada na alínea I) que o Impugnante recebeu as quantias relativamente às quais emitiu os recibos verdes que estão na origem das liquidações oficiosas de IVA de 2007, 2008 e 2009 – prova testemunhal.
M. Foi por indicação da I... que o Impugnante se coletou no regime de isenção de IVA, ao abrigo do art.º 9.º do CIVA – prova testemunhal.
N. Em 02.02.2004 a I... requereu ao Centro Regional de Segurança Social de ... o seu registo nos “termos e de acordo com o disposto no Regulamento do Registo de Instituições Particulares de Solidariedade Social” – cfr. fls. 129 a 131, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos.
O. Por ofício de 27.02.2004, e na sequência do requerimento que antecede, o Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de ... (CDSSSF) notificou a I... para efeitos de alteração dos Estatutos “por forma a que… possam estar de acordo com o preceituado no Estatuto das IPSS”, referindo as alterações a serem efetuadas – cfr. fls. 114 a 127, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos.
P. Em 16.06.2004, na sequência da notificação que antecede, a I... remeteu ao CDSSSF cópias das escrituras de constituição e de retificação; da publicação em DR; da Ata da reunião de Assembleia Geral em que foram aprovadas as alterações aos Estatutos; do certificado de admissibilidade e do cartão de pessoa coletiva – cfr. fls. 128, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos.
Q. Em 10.08.2004 o CDSSSF remeteu a documentação que antecede à Direção Geral da Solidariedade e Segurança Social “a fim de proceder ao acto de registo como Instituição Particular de Solidariedade Social” – cfr. fls. 144, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos.
R. Em 03.06.2006, 18.08.2006, 29.06.2007 e 14.05.2010 a I... solicitou aos Serviços da Segurança Social informação sobre o processo de registo, tendo também pedido uma reunião para obter a mesma informação – cfr. fls. 132 a 144.
S. Em 18.05.2011 foi efetuado o registo provisório da I... no Livro n.º 13 das Associações de Solidariedade Social, sob o n.º …/11, a fls. 100 e 100 verso – cfr. fls. 145 a 148.
T. Em 02.11.2011 foi a presente Impugnação apresentada no Serviço de Finanças de ... – cfr. fls. 3 dos autos.

X
Em sede de fundamentação da matéria de facto, consignou-se o seguinte:
«Não resultaram provados quaisquer outros factos com relevância para a decisão do mérito da causa.
A decisão da matéria de facto provada efetuou-se com base no exame dos documentos, não impugnados, que constam dos autos e do processo instrutor apenso, referenciados em cada uma das alíneas do probatório e ainda com base na prova testemunhal produzida em audiência de julgamento a qual relevou para dar como provada a atividade a que se dedicavam a I... e o Impugnante, a forma como eram desenvolvidas e como se articulavam. Relativamente ao depoimento dos Senhores Inspetores Tributários, resultou que, ante a devolução da carta enviada para efeitos de audiência prévia, a AT presumiu a notificação e que, tal como consta do relatório, o motivo pelo qual foram emitidas as liquidações impugnadas decorre do facto de, à data da inspeção, não haver resposta da Segurança Social ao requerimento da I... para reconhecimento do estatuto de IPSS. Mais resultou com relevo do depoimento dos Senhores Inspetores, que apenas questionaram a atividade da I... e não a opção da referida instituição no seu relacionamento com as famílias de acolhimento».
X
2.2. De Direito
2.2.1. Nos presentes autos, vem sindicada sentença proferida a fls. 152/170, que julgou improcedente a impugnação judicial que deduziu contra as liquidações oficiosas de IVA e juros compensatórios, relativas aos períodos dos exercícios de 2007, 2008 e 2009, no valor de €14.262,74.
2.2.2. Para julgar improcedente a presente impugnação, a sentença estruturou, entre o mais, a argumentação seguinte:
«(…)conclui-se que, nos exercícios de 2007, 2008 e 2009, beneficiando a I... dos efeitos do registo provisório como IPSS, estava isenta de IVA, ao abrigo do art.º 9.º, alínea 7, do CIVA. // Coisa diferente é saber se também a atividade das ditas famílias de acolhimento, como era o caso do Impugnante, está abrangida pelo mesmo estatuto e, consequentemente, pela isenção prevista no n.º 7 do art.º 9.º do CIVA. // Não se suscitam dúvidas de que a atividade da I..., de acolhimento de jovens de nacionalidade alemã no âmbito de medidas de reabilitação em programa individualizado, conforme decorre do provado em I), era concretizada através de famílias de nacionalidade alemã residentes em Portugal, que eram angariadas, ou “contratadas”, para acolherem em suas casas aqueles jovens, sendo tal acolhimento supervisionado pela instituição, conforme resulta da cláusula terceira do acordo celebrado entre ambos [cfr. a al. K) do probatório na qual se deu por reproduzido o teor do contrato]. // Por outras palavras, a atividade da I... efetivava-se através de serviços prestados fora das suas instalações, precisamente, nas habitações das famílias que acolhiam cada um dos jovens entregue aos cuidados daquela instituição, recebendo, por isso, uma determinada retribuição, como resulta da cláusula sexta do denominado “Contrato de Prestação de Serviços”. // Sucede que, antes da Lei do Orçamento de Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31/12), a isenção prevista no n.º 7 do art.º 9.º do CIVA, acima transcrita, não abrangia os serviços que fossem prestados fora das instalações das entidades ali previstas, o que só viria a acontecer em 2014, altura em que passou a ter a seguinte redação: // As prestações de serviços e as transmissões de bens estreitamente conexas, efetuadas no exercício da sua atividade habitual por […] estabelecimentos para crianças e jovens desprovidos de meio familiar normal, […] ou outros equipamentos sociais pertencentes a pessoas coletivas de direito público ou instituições particulares de solidariedade social ou cuja utilidade social seja, em qualquer caso, reconhecida pelas autoridades competentes, ainda que os serv iços sejam prestados f ora das suas instalações (sublinhado nosso). // Consequentemente, em 2007, 2008 e 2009, os serviços prestados pelas famílias de acolhimento, decorrendo no seio das mesmas, nas respetivas habitações, ocorria fora das instalações da I..., não ficando, por isso, abrangidos pela isenção prevista no n.º 7 do art.º 9.º do CIVA, não obstante a conclusão a que se chegou sobre o estatuto de IPSS da I... // Quer isto dizer que, é outra a razão de direito, que não a vertida no Relatório de Inspeção, relativa à falta de reconhecimento do estatuto de IPSS à I..., que leva a concluir pela sujeição a IVA da atividade desenvolvida pelo ora Impugnante».
2.2.3. O recorrente censura o veredicto que fez vencimento na instância por alegado erro de direito. Concretamente, sustenta que a sentença errou na interpretação que fez do disposto no artigo 9.º, n.º 7, do CIVA, pelo que a sua actividade está isenta de IVA.
Está em causa a interpretação e aplicação do caso concreto da norma do artigo 9.º do CIVA (“Isenções”), n.ºs 7 e 8.
A norma determinava que «[estavam] isentas do imposto: // 7 - As transmissões de bens e as prestações de serviços ligadas à segurança e assistência sociais e as transmissões de bens com elas conexas, efectuadas pelo sistema de segurança social, incluindo as instituições particulares de solidariedade social. Da mesma isenção beneficiam as pessoas físicas ou jurídicas que efectuem prestações de segurança ou assistência social por conta do respectivo sistema nacional, desde que não recebam em troca das mesmas qualquer contraprestação dos adquirentes».
Actualmente, a norma do artigo 9.º/7, citado, tem a redacção seguinte: «As prestações de serviços e as transmissões de bens estreitamente conexas, efetuadas no exercício da sua atividade habitual por creches, jardins-de-infância, centros de atividade de tempos livres, estabelecimentos para crianças e jovens desprovidos de meio familiar normal, lares residenciais, casas de trabalho, estabelecimentos para crianças e jovens deficientes, centros de reabilitação de inválidos, lares de idosos, centros de dia e centros de convívio para idosos, colónias de férias, albergues de juventude ou outros equipamentos sociais pertencentes a pessoas coletivas de direito público ou instituições particulares de solidariedade social ou cuja utilidade social seja, em qualquer caso, reconhecida pelas autoridades competentes, ainda que os serviços sejam prestados fora das suas instalações» (Redacção da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro).
À data dos factos, a norma possuía a redacção seguinte:
«6) As transmissões de bens e as prestações de serviços ligadas à segurança e assistência sociais e as transmissões de bens com elas conexas, efectuadas pelo sistema de segurança social, incluindo as instituições particulares de solidariedade social. Da mesma isenção beneficiam as pessoas físicas ou jurídicas que efectuem prestações de segurança ou assistência social por conta do respectivo sistema nacional, desde que não recebam em troca das mesmas qualquer contraprestação dos adquirentes dos bens ou destinatários dos serviços;
7) As prestações de serviços e as transmissões de bens estreitamente conexas, efectuadas no exercício da sua actividade habitual por creches, jardins-de-infância, centros de actividade de tempos livres, estabelecimentos para crianças e jovens desprovidos de meio familiar normal, lares residenciais, casas de trabalho, estabelecimentos para crianças e jovens deficientes, centros de reabilitação de inválidos, lares de idosos, centros de dia e centros de convívio para idosos, colónias de férias, albergues de juventude ou outros equipamentos sociais pertencentes a pessoas colectivas de direito público ou instituições particulares de solidariedade social ou cuja utilidade social seja, em qualquer caso, reconhecida pelas autoridades competentes».
O recorrente considera que está abrangido pela norma em apreço, pelo que não teria de liquidar IVA pelas prestações de serviços efectuadas. Em sentido oposto, depõem, quer a posição da AT, consubstanciada no acto tributário impugnado, quer a sentença recorrida.
A este propósito, afirma-se o seguinte(1):
«O número 7) isenta os serviços prestados por pessoas coletivas de direito público, por IPSS e por outras entidades cuja utilidade social seja reconhecida pelas autoridades competentes, ligados à exploração dos seguintes locais: creches, jardins-de-infância e centros de atividades de tempos livres; estabelecimentos destinados a crianças e jovens desprovidos de meio familiar normal ou para crianças e jovens deficientes; centros de reabilitação de inválidos; casas de trabalho; lares residenciais; lares de idosos, centros de dia e centros de convívio para idosos; colónias de férias e albergues de juventude; e outros equipamentos sociais.
A isenção também se aplica às transmissões de bens que estejam estreitamente conexas com os referidos serviços.
A isenção pode abranger, quer pessoas singulares, quer pessoas coletivas, independentemente de prosseguirem ou não uma finalidade lucrativa, desde que satisfaçam as condições exigidas».
No plano do Direito europeu cumpre referir o disposto no artigo 132.º/1/g) e h) da Directiva IVA (Directiva 112/2006/CE do Conselho de 28.11.2006(2)), de acordo com o qual «[o]s Estados-membros isentam as seguintes operações: (…) // g) As prestações de serviços e as entregas de bens estreitamente relacionadas com a assistência social e com a segurança social, incluindo as realizadas por centros de terceira idade, por organismos de direito público ou por outros organismos de carácter social reconhecidos como tal pelo Estado-Membro em causa;
h) As prestações de serviços e as entregas de bens estreitamente relacionadas com a protecção da infância e da juventude, efectuadas por organismos de direito público ou por outros organismos de carácter social reconhecidos como tal pelo Estado-Membro em causa».
Por seu turno, o artigo 134.º da Directiva IVA estabelece: // «As entregas de bens e as prestações de serviços ficam excluídas do benefício da isenção prevista nas alíneas b), g), h), i), l), m) e n) do n.º 1 do artigo 132.º, nos seguintes casos: // a) Quando não forem indispensáveis à realização de operações isentas; // b) Quando se destinarem, essencialmente, a proporcionar ao organismo receitas suplementares mediante a realização de operações efectuadas em concorrência directa com as empresas comerciais sujeitas ao IVA».
A este propósito, o Tribunal de Justiça da União Europeia/TJUE afirma que «já declarou, relativamente ao conceito de «organismos reconhecidos de caráter social pelo Estado-Membro em causa» à luz do artigo 13.°, A, n.° 1, alínea g), da Sexta Diretiva, que este é, em princípio, suficientemente amplo para incluir igualmente pessoas singulares e entidades privadas que prosseguem fins lucrativos(3).
O TJUE considera que «[r]esulta da redação do artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva 2006/112 que a isenção prevista nesta disposição se aplica às prestações de serviços e às entregas de bens que estejam, por um lado, estreitamente relacionadas com a assistência social e com a segurança social e, por outro, sejam realizadas por organismos de direito público ou por outros organismos de caráter social reconhecidos como tal pelo Estado-Membro em causa. (…)
Resulta, no entanto, de jurisprudência constante que compete às autoridades nacionais, em conformidade com o direito da União e sob a fiscalização dos órgãos jurisdicionais nacionais, tomar em consideração diversos elementos para determinar os organismos cujo «caráter social», na aceção do artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Sexta Diretiva, deve ser reconhecido para efeitos desta disposição. Entre esses elementos podem figurar a existência de disposições específicas, quer sejam nacionais ou regionais, legislativas ou de caráter administrativo, fiscais ou de segurança social, o caráter de interesse geral do organismo em causa, o facto de outros organismos com as mesmas atividades beneficiarem já de um reconhecimento semelhante, bem como o facto de o custo das prestações em questão ser eventualmente assumido, em grande parte, por caixas de seguro de doença ou por outros organismos de segurança social (…)»(4).
Da jurisprudência do TJUE colhem-se também as asserções seguintes:
«No tocante ao objetivo prosseguido pela isenção prevista no artigo 13.°, A, n.° 1, alínea g), da Sexta Diretiva, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que esta disposição não exclui da aplicação do IVA todas as atividades de interesse geral, mas unicamente as que nela são enumeradas e descritas de forma detalhada (…). Ao garantirem um tratamento mais favorável, em matéria de IVA, de determinadas prestações de serviços de interesse geral efetuadas no setor social, destinam-se a reduzir o custo desses serviços e, assim, a torná-los mais acessíveis aos particulares que deles possam beneficiar (acórdão Kingscrest Associates e Montecello, C-498/03, EU:C:2005:322, n.º 30)»(5).
Os argumentos aduzidos contra a aplicação da isenção à actividade de prestação de serviço de família de acolhimento exercida pelo recorrente são os seguintes:
i) «Os serviços prestados pelas famílias de acolhimento, decorrendo no seio das mesmas, nas respetivas habitações, ocorria fora das instalações da I..., não ficando, por isso, abrangidos pela isenção prevista no n.º 7 do art.º 9.º do CIVA».
ii) «Não se enquadrando na 1.ª parte do preceito, uma vez que não se está em presença de prestações de serviços efectuados pelo sistema de segurança social ou instituições particulares de solidariedade social»(6);
iii) «também não parece que a situação mereça enquadramento na 2.ª parte do preceito visto que, no caso, como resultou provado, o impugnante recebeu do respectivo destinatário (a I...) determinadas quantias como contrapartida dos serviços que prestou»(7).
iv) «Em Portugal, [a actividade de acolhimento de jovens em risco] enquadra-se na figura do “acolhimento familiar”, sendo certo que as famílias de acolhimento estão sujeitas à prévia selecção pelas instituições de enquadramento previstas no art.º 10.º, n.º 1, e do DL 11/2008, de 17/01. // Não logrou o impugnante demonstrar que foi objecto de selecção a fim de efectuar prestações de segurança social ou assistência social; ou até, que tenha sido licenciado, reconhecido o possua acordo de cooperação com a Segurança Social»(8).
Salvo o devido respeito, a argumentação oferecida no sentido da recusa do enquadramento da actividade do impugnante no âmbito previsivo da norma de isenção em causa (artigo 9.º/6, do CIVA), interpretado à luz do Direito Europeu, não se oferece procedente.
A actividade do recorrente de acolhimento de jovens alemães em risco, por indicação do I..., Instituição Particular de Solidariedade Social, reconhecida pela Segurança Social portuguesa, integra-se na noção de “acolhimento familiar”, o qual consiste «na atribuição da confiança da criança ou do jovem a uma pessoa singular ou a uma família, habilitadas para o efeito, e visa a integração da criança ou do jovem em meio familiar e a prestação de cuidados adequados às suas necessidades e bem-estar e a educação necessária ao seu desenvolvimento integral» (artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 11/2008, de 17 de Janeiro, que aprova o regime de execução do acolhimento familiar).
A actividade em causa consiste na prestação de cuidados de assistência social, a jovens em risco, por conta do sistema de segurança social, dado que é efectuada por conta de uma Instituição Particular de Solidariedade Social - I... – Instituto... -, reconhecida como tal pela entidade competente do Estado português, a qual integra o sistema de protecção da Segurança Social. Como se reconhece na sentença recorrida, «a atividade da I... efetivava-se através de serviços prestados fora das suas instalações, precisamente, nas habitações das famílias que acolhiam cada um dos jovens entregue aos cuidados daquela instituição, recebendo, por isso, uma determinada retribuição»; pelo que o cerne da actividade da Instituição Particular de Solidariedade Social, I..., exerce-se através de famílias de acolhimento, como a encabeçada pelo ora recorrente.
Mais se refere que o argumento do local da prestação do serviço em causa não é relevante, como também não é relevante, a forma de financiamento da actividade em apreço. Como afirma o TJUE, relativamente ao conceito de «organismos reconhecidos de caráter social pelo Estado-Membro em causa» à luz do artigo 13.°, A, n.° 1, alínea g), da Sexta Diretiva, que este é, em princípio, suficientemente amplo para incluir igualmente pessoas singulares e entidades privadas que prosseguem fins lucrativos (…). // Nestas circunstâncias, a regulamentação nacional não pode prever, no quadro da aplicação da isenção prevista no artigo 13.°, A, n.° 1, alínea g), da Sexta Diretiva, condições materialmente diferentes para, por um lado, as entidades que prosseguem fins lucrativos e, por outro, para as pessoas coletivas sem fins lucrativos»(9).
No que respeita ao argumento da falta de reconhecimento da entidade em causa como entidade prestadora de serviço de interesse geral, é certo que o recorrente não foi objecto de um processo de recrutamento, como o previsto nos artigos 14.º a 19.º do Decreto-Lei n.º 11/2008, de 17 de Janeiro. Todavia daí não se extrai a descaracterização da sua actividade como prestação de cuidados a pessoas carenciadas por conta do sistema de segurança social, nem o Estado português, no exercício das suas competências de fiscalização, atribuídas no quadro do regime de execução do acolhimento familiar (artigos 41.º e 42.º do Decreto-Lei n.º 11/2008, de 17 de Janeiro), fez cessar o contrato de prestação de cuidados como família de acolhimento, encabeçado pelo recorrente, em nome da Instituição Particular de Solidariedade Social (I... – Instituto...), reconhecida como tal pela entidade competente do Estado português. Donde se impõe concluir pela ilegalidade das liquidações oficiosas de IVA em causa nos autos.
Ao julgar em sentido discrepante, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, pelo que não se pode manter na ordem jurídica. A mesma deve ser substituída por decisão que julgue a impugnação procedente.
Termos em que se impõe julgar procedentes as presentes conclusões de recurso.
DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a impugnação.
Custas pela recorrida, em ambas as instâncias.
Registe.
Notifique.



(Jorge Cortês - Relator)


(Cristina Flora - 1º. Adjunto)



(Ana Pinhol - 2º. Adjunto)

(1) Código do IVA e RITI anotados, organização: Clotilde Celorico Palma e António Carlos dos Santos, Almedina, 2014, pp. 128/129.

(2) Versão consolidada, publicada no JOUE, n.º 112, de 01.01.2011.

(3) Acórdão de 15.11.2012, P. C-174/11, §§53 e 57.

(4) Acórdão do TJUE, de 12.03.2015, P. C-594/13, §§18 a 20.

(5) Acórdão do TJUE, de 21.01.2016, P. C-335/14, §41.

(6) Parecer do ilustre Magistrado do MP, junto do STA.

(7) Parecer do ilustre Magistrado do MP, junto do STA.

(8) Parecer do ilustre Magistrado do MP, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé.

(9) Acórdão de 15.11.2012, P. C-174/11, §§57 e 58.