Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:801/08.1BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:01/11/2024
Relator:LUÍSA SOARES
Descritores:NULIDADE DA SENTENÇA;
EXCESSO DE PRONÚNCIA
Sumário:I - O excesso de pronúncia ocorre quando o Tribunal aprecia e se pronuncia sobre questões que não deveria conhecer, nomeadamente porque não foram levantadas pelas partes e não eram de conhecimento oficioso.
II - E questões, para efeito do disposto no n.º 2 do art.º 608.º do CPC, são apenas as questões de fundo, isto é, as que integram matéria decisória, os pontos de facto ou de direito relevantes no âmbito do litígio referentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais: Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I – RELATÓRIO

Vem a Autoridade Tributária e Aduaneira, interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida por G..... – C......., S.A., (actualmente G........, S.A) com referência à liquidação de IRC do ano de 2005 no montante de € 16.041,47.

A Recorrente, nas suas alegações, formulou conclusões nos seguintes termos:

“A. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a Impugnação Judicial deduzida por G..... – C......., S.A., e em consequência, anulou a liquidação de IRC do exercício de 2005 n.º ..........04 de 27/12/2007, com excepção dos montantes referentes ao adiantamento das remunerações das trabalhadoras em licença de maternidade.

B. Conforme decorre dos autos, a AT em sede de ação inspetiva procedeu a uma correção à matéria tributável da Recorrida, no valor de €44.734,91, efetuada nos termos do artigo 17.º do EBF, conjugado com o n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC (cf. facto 1 do probatório – ver ainda os pontos III.1.1.3 e III.2.5 – criação de Emprego para Jovens do Relatório da Inspeção).

C. Da sentença resulta a pronúncia do Tribunal quanto às matérias:
a. Pagamento do prémio ao trabalhador no ano de 2005 com referencial ao ano de 2004;
b. Pagamento do subsídio de alimentação;
c. Pagamento de outros encargos – indemnização relativa a férias não gozadas e aquisições de viaturas pelo trabalhador;
d. Pagamento do proporcional do vencimento do trabalhador.

D. Sucede que, quanto às matérias descritas nas alíneas a), c) e d), do ponto anterior, as mesmas não foram objeto de análise no Relatório da Inspeção. Assim, o presente recurso versará, exclusivamente, sobre essas matérias.

E. Tendo presente a fundamentação aduzida pelo Tribunal a quo na Sentença agora parcialmente recorrida, entende a Recorrente deixar desde já bem claro que não pode, minimamente, concordar, com a decisão em apreço (na parte objeto do presente recurso), pois entende que nos termos do artigo 125º, nº 1 do CPPT, “Constituem causas de nulidade da sentença (…) a pronúncia sobre questões que não deva conhecer” e que de igual modo dispõe o artigo 615º, nº1, al. d) do CPC, segundo o qual “ É nula a sentença quando o juiz (…) conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

F. Esta nulidade está conexionada com a segunda parte do n.º 2 do art. 608.º do CPC, em que se estabelece que o juiz não pode ocupar-se senão de questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.

G. Com efeito, e atendendo à fundamentação apresentada no RIT, na parte objeto do presente recurso [cfr. facto 1) do probatório, onde consta a reprodução do RIT], retira-se que os SIT colocam no âmbito da análise realizada, a tónica nos encargos referentes ao subsídio de alimentação e no adiantamento da remuneração das trabalhadoras que se encontravam em licença de maternidade e nada mais. H. Porém da leitura da P.I., vem a Recorrida referir-se aos encargos referentes:
a. Pagamento do prémio ao trabalhador no ano de 2005 com referencial ao ano de 2004;
b. Pagamento do subsídio de alimentação;
c. Pagamento de outros encargos – indemnização relativa a férias não gozadas e aquisições de viaturas pelo trabalhador;
d. Pagamento do proporcional do vencimento do trabalhador.

I. Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artigo 608.º, nº.2, CPC, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, excetuadas aquelas cujas decisões esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente).

J. Ora, como se infere do que já deixámos expresso através da reprodução do RIT [ponto 9 das presentes alegações e ponto 1) do probatório], o Tribunal a quo, pronuncia-se sobre um conjunto de matérias que não foram objeto de análise no RIT.

K. O excesso de pronúncia pressupõe que o julgador vai além do conhecimento que lhe foi pedido pelas partes. Por outras palavras, haverá excesso de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de "ultra petita", a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido).

L. Ora, salvo melhor opinião, não se vislumbrando que tais questões sejam de conhecimento oficioso, considera a Recorrente que excedeu o douto Tribunal a quo os seus poderes de cognição, e nesta medida a sentença recorrida só pode ser considerada nula.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao recurso e consequentemente, revogada a douta sentença na parte recorrida, como é de Direito e Justiça.”.

* *
A Recorrida apresentou contra-alegações tendo formulado as seguintes conclusões:

“1.ª A G..... – C......., S.A. (NIPC ..........11) foi incorporada por fusão pela COMPANHIA DE SEGUROS A.........., S.A. (NIPC ..........48), que alterou a sua firma para A.......... SEGUROS, S.A., e que posteriormente foi incorporada por fusão na COMPANHIA DE SEGUROS T.........., S.A. (NIPC …….31), a qual, por sua vez, alterou a sua firma para SEGURADORAS U……., S.A. e mais tarde para G........, S.A., pelo que se afigura que é esta última que tem legitimidade como Recorrida (cf. artigo 112.º do CSC; acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 13.10.2017, proc. n.º 09525/16);

2.ª A douta sentença recorrida julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida contra o ato tributário consubstanciado na liquidação de IRC n.º ..........04, de 27.12.2007, na nota de compensação n.º ……26, de 04.01.2008 e na nota de cobrança n.º ……17, relativo ao exercício de 2005;

3.ª O Tribunal a quo julgou a impugnação judicial procedente quanto às questões suscitas pela ora Recorrida de (i) pagamento do prémio ao trabalhador no ano de 2005 com referência ao ano de 2004; (ii) pagamento de outros encargos – indemnização relativa a férias não gozadas e à aquisição de viaturas pelo trabalhador e (iii) pagamento do proporcional do vencimento do trabalhador, e improcedente quanto à correção do (iv) pagamento do subsídio de alimentação;

4.ª A Recorrente deduz o presente recurso arguindo que o Tribunal a quo incorre em excesso de pronúncia por se ter pronunciado sobre os pontos (i), (ii) e (iii) do artigo anterior, os quais não foram objeto de pronúncia no relatório de inspeção tributária, pelo que a sentença padece de nulidade, ex vi artigos 125.º, n.º 1 do CPPT e 608.º, n.º 2 do CPC;

5.ª Salvo o devido respeito, a tese sufragada pela Recorrente não pode prosseguir porquanto a mesma assenta na errada interpretação da matéria de facto e de Direito;

6.ª Decorre dos artigos 125.º, n.º 1 do CPPT e 608.º, n.º 2 e 615.º do CPC que o juiz se deve pronunciar sobre as questões que as partes suscitem nos autos e abster-se de se pronunciar sobre as questões que as mesmas não levem ao seu conhecimento, salvo se estas forem de conhecimento oficioso (cf. neste sentido vide os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte, de 02.03.2017 (proc. n.º 00302/10.8BEPRT) e do Supremo Tribunal Administrativo, de 09.06.2010 (proc. n.º 0618/09));

7.ª A própria administração tributária, na informação junta à douta contestação da Fazenda Pública, elaborada pela Divisão de Justiça Contenciosa da Direção de Finanças de Lisboa se pronunciou sobre os encargos com as indemnizações concedidas pelas férias não gozadas e aquisição de viatura pelo trabalhador abaixo do valor de mercado e com o pagamento do proporcional do vencimento do trabalhador (cf. artigos 20.º, 23.º, 24.º, 26.º e 27.º da informação anexa à contestação da ora Recorrida a fls. dos autos);

8.ª Não se verifica excesso de pronúncia por parte do Tribunal a quo uma vez que as questões pelo mesmo apreciadas foram suscitadas pela ora Recorrida e foram abordadas pela administração tributária, na informação constante da contestação deduzida nos autos de impugnação judicial;

9.ª Não sendo imputados outros vícios à sentença, senão o da nulidade por excesso de pronúncia, o qual não se verifica, deverá a sentença recorrida manter-se porquanto é legal e, por conseguinte, ser negado provimento ao recurso da Recorrente.

Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado improcedente, por não provado, e, nessa medida, manter-se a sentença recorrida, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!”.
* *
O Exmº. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu douto parecer defendendo seja negado provimento ao recurso.
* *
Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, importa decidir se a sentença enferma de nulidade por excesso de pronúncia.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“Para conhecimento do presente litígio torna-se necessário fixar a seguinte matéria de facto:
1. A liquidação em apreço ocorreu na sequência de uma inspecção tributária, sendo que, do Relatório de Inspecção da mencionada inspecção consta designadamente o seguinte:


(…)




( cfr. documento nº1 junto com a petição inicial)

2. A Impugnante efectuou o pagamento da liquidação impugnada a 6 de Fevereiro
de 2008 ( cfr. prova documental documento nº5 junto com a petição inicial).
3. A presente impugnação judicial deu entrada no Tribunal a 12 de Maio de 2008 (
cfr. prova documental fls 2 dos autos em suporte de papel).

B) Dos Factos Não Provados:
Não se detecta a alegação de factos essenciais relevantes para a decisão da causa que devam ser considerados como não provados.
C) Da Motivação:
Para convicção do Tribunal, na delimitação da matéria de facto supra provada, foi decisivo o conjunto da prova produzida, analisada individualmente e no seu conjunto.
Designadamente nos documentos não impugnados juntos aos autos, referidos nos factos provados, com remissão para as folhas do processo onde se encontram, bem como à posição das partes sobre a matéria alegada.”.

* *
IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

O Tribunal Tributário de Lisboa julgou parcialmente procedente a impugnação judicial do IRC de 2005 tendo determinado a anulação da liquidação, com excepção da correcção efectuada pela administração tributária (AT) relativa aos adiantamentos das remunerações dos trabalhadores em licença de maternidade.

Dissente do assim decidido veio a AT interpor o presente recurso alegando para o efeito e em síntese que a sentença padece de nulidade por excesso de pronúncia porquanto o tribunal recorrido emitiu pronúncia quanto ao “Pagamento do prémio ao trabalhador no ano de 2005 com referencial ao ano de 2004”, “Pagamento de outros encargos – indeminização relativa a férias não gozadas e aquisições de viaturas pelo trabalhador” e ao “Pagamento do proporcional do vencimento do trabalhador”, não tendo tais questões sido objecto de análise no relatório de inspecção.

A Recorrida em sede de contra-alegações defende que a nulidade da sentença não ocorre porquanto tais questões foram por si invocadas na petição inicial, tendo a AT emitido pronúncia sobre as mesmas na respectiva contestação.

Vejamos então.

Nos termos do nº 1 do art. 125º do CPPT “Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.”.

Nos mesmos termos o art. 615º, nº 1, alínea d) do CPC consagra a nulidade da sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

E o nº 2 do art. 608º do CPC determina que “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”.

Feito o enquadramento jurídico, importa analisar o caso em apreço.

Na impugnação judicial e em síntese, foi invocada a ilegalidade da liquidação de IRC do ano de 2005 decorrente da acção de inspecção efectuada pelos serviços da administração tributária em sede de IRC e de IVA, por errónea interpretação do disposto no art. 17º do EBF.

Para o efeito a impugnante alega que:

A AT procedeu a correcções em sede de IRC e ao exercício de 2005 quanto ao montante deduzido pela ora Impugnante com referência à criação de emprego para jovens, tendo a administração tributária considerado que foram indevidamente deduzidos como encargos “(...) os subsídios de refeição não sujeitos a IRS e remunerações referentes a licença de maternidade, calculando encargos sociais (Taxa Social Única)”
A AT entendeu que o subsídio de refeição, por não se encontrar sujeito a IRS, nos termos do disposto no n.° 2, da alínea b), do n.° 3, do artigo 2.° do Código do IRS (CIRS), não poderia ser considerado remuneração e, por essa razão, não se encontrava contemplado no conceito de “encargos” previsto no n.° 1, do artigo 17.°, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF).

Para além disso, no entendimento da administração tributária, atendendo a que o pagamento de remunerações efectuado durante o período de licença de maternidade não é mais do que o adiantamento ao funcionário, por opção da sua entidade patronal, do subsídio atribuído pela Segurança Social, sendo a entidade patronal reembolsada do adiantamento aquando do pagamento efectivo do subsídio ao funcionário por parte daqueloutra, não estamos, também neste caso, perante qualquer “encargo” para efeitos da aplicação do referido n.° 1, do artigo°, do EBF (cf. doc. n.° 1).

Em face do aludido entendimento, a administração tributária procedeu ao reajustamento do benefício fiscal em causa, daí resultando uma correcção a seu favor no montante de € 44.734,91 e, em consequência, a emissão do acto tributário impugnado, no montante de € 16.041,47,

Os referidos encargos referem-se, atendendo à sua natureza, ao pagamento dos seguintes montantes:

a) pagamento no ano de 2005 do prémio anual de produtividade relativo ao ano de 2004

b) pagamento do subsídio de alimentação

c) pagamento de outros encargos - indemnização relativa a férias não gozadas e à aquisição de viaturas pelo trabalhador

d) pagamento do proporcional do vencimento do trabalhador .

Pelo que deverão ser aceites, na totalidade, como custos do exercício os encargos suportados pela Impugnante a este título no exercício de 2005, no montante total de €24.808,12”

Mais invocou não ter qualquer dúvida “(…) que a relevação, para efeitos daquele benefício previsto no art. 17º do EBF, de todos os montantes suportados, quer a título de retribuição, como sejam os casos, designadamente dos salários, subsídios de refeição, subsídio de caixa, quer a título de outros encargos, como seja o caso, das contribuições mensais para a Segurança Social, foi efectuada no estrito cumprimento da legislação e instruções de natureza fiscal, nomeadamente, do art. 17º do EBF, do art. 2º do CIRS e do Despacho Ministerial de 5 de Março de 1999”.(fim de citação)

E na contestação a AT pronunciou-se sobre a matéria impugnada aderindo à informação prestada pela Secção de Justiça Contenciosa da Direcção de Finanças de Lisboa constante do processo administrativo, e que de seguida se transcreve na parte que aqui releva:

Vem, no entanto, a impugnante contestar a correcção efectuada alegando que os encargos em causa consubstanciam despesas que integram o conceito de “encargos” consagrado no art. 17° do EBF, visto reportarem-se ao pagamento do prémio anual de produtividade relativo ao ano anterior, do subsídio de alimentação, da indemnização relativa a férias não gozadas e à aquisição de viaturas pelo trabalhador, bem como do proporcional do vencimento do trabalhador.


13°
Importa, por conseguinte, definir, desde logo, o conceito de encargos com a criação líquida de postos de trabalho, porquanto,

14°
Em conformidade com o disposto no art. 17°, n.° 1 do EBF, “Para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC), os encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho para trabalhadores admitidos por contrato sem termo com idade não superior a 30 anos são levados a custo em valor correspondente a 150%’’.

15°
Todavia, a redacção do art. 17° do EBF, em vigor à data dos factos (ano de 2005), nada esclarecia.
16°
Assim, para dar resposta às questões e dúvidas suscitadas com referência ao conceito de “encargos”, foram emitidos diversos pareceres pela Direcção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento que convergiam no sentido de o mesmo abranger todos os encargos que se enquadrem no conceito de remuneração previsto no art. 2o do GIRS e que simultaneamente constituam um custo para a empresa fiscalmente aceite, de acordo com o disposto no art. 23°, n.° 1, al. d) do CIRC.

16°
No conceito de “encargos” cabem, assim, todas as importâncias que legalmente a entidade patronal esteja obrigada a suportar com a manutenção do posto de trabalho.

17°
Por outro lado, de acordo com o art. 2o, n.° 2 do Código do IRS, integram a noção de remunerações, designadamente, os ordenados, salários, vencimentos, gratificações, percentagens, comissões, participações, subsídios ou prémios, senhas de presença, emolumentos, participações em multas e outras remunerações acessórias, ainda que periódicas, fixas ou variáveis, de natureza contratual ou não.

18°
Note-se, contudo, que para efeito do cálculo dos encargos sociais só poderá ser considerada a remuneração base de incidência para efeitos de cálculo das contribuições para a segurança social.

19°
Ficam, desde logo, excluídos o subsídio de alimentação na parte que não exceda o valor correspondente a uma vez e meia o montante estabelecido para o subsídio de alimentação dos funcionários e agentes do Estado (ou seja, a parte do subsídio de alimentação não sujeita a IRS), bem como o valor das prestações pagas no decurso da licença de maternidade, por configurarem um mero adiantamento do qual a empresa será ressarcida, no momento em que à beneficiária da segurança social for atribuído o subsídio de maternidade a que tem direito.

20°
Por não serem igualmente consideradas base de incidência para o cálculo das contribuições para a segurança social, ficam também excluídos do conceito de “encargos" previsto no art. 17° do EBF as indemnizações concedidas pelas férias não gozadas e aquisição de viatura pelo trabalhador abaixo do valor de mercado.

21°
Já no que respeita ao aludido “Pagamento do prémio ao trabalhador no ano de 2005 com referência ao ano de 2004”, cabe apenas referir que não decorre da análise do relatório de inspecção que tal facto tenha estado subjacente à correcção efectuada pela Inspecção Tributária ao valor do benefício fiscal relativo à criação de emprego para jovens, nem tão-pouco a impugnante faz prova disso.
22°
Com efeito, na origem da referida correcção estiveram somente os subsídios de alimentação não sujeitos a tributação em sede de IRS e as remunerações pagas no decurso das licenças de maternidade.

23°
Já no que concerne ao “Pagamento do proporcional do vencimento do trabalhador”, importa antes de mais salientar que de harmonia com o art. 17°, n.° 3 do EBF (na redacção em vigor à data dos factos em apreço), “A majoração referida no n.° 1 tem lugar durante um período de cinco anos a contar do início da vigência do contrato de trabalho”, por conseguinte,

24°
Para que não se verifique o usufruto ilícito do beneficio fiscal consagrado no citado normativo legal, por um período superior ao previsto - cinco anos - necessariamente a ora impugnante terá de proceder à sua quantificação anual na proporção do período de trabalho efectívo de cada um dos trabalhadores cuja contratação preencha os requisitos do art. 17° do EBF.

25°
Isto é, o período de cinco anos de vigência do benefício fiscal inicia-se na data do início efectivo do contrato, pelo que se, por hipótese o mesmo ocorrer em Agosto de 2000, a entidade empregadora poderá usufruir do benefício em questão até Julho de 2005, efectuando o cálculo da majoração na proporção do período de trabalho efectivo.

26°
Acresce referir que com a entrada em vigor das alterações previstas na Lei n.° 53-A/2006, de 29/12, aplicáveis aos períodos de tributação futuros, foi introduzida a definição de encargos com a criação de postos de trabalho: “...montantes suportados pela entidade empregadora com o trabalhador a título de remuneração fixa e das contribuições para a segurança social a cargo da mesma entidade...” (art. 17°, n.° 2, al. c) do EBF).

27°
Esta alteração, em nosso entender, veio confirmar a clara intenção do legislador de restringir os encargos a considerar para efeito do cálculo do benefício fiscal consagrado no art. 17° do EBF, somente aos que integrem o conceito de remuneração definido no art. 2o, n.° 2 do CIRS, excluindo tudo o que não seja considerado remuneração fixa e aceite nos termos do art. 23°, n.° 1, al. d) do CIRC como custo fiscal.”. (fim de citação)

O tribunal a quo proferiu sentença na qual analisou a alegada errónea interpretação do art. 17º do EBF tendo por referência as situações invocadas pela impugnante e fundamentando a decisão nos termos que de seguida se transcrevem:
“1. Enquadramento jurídico dos autos:
(…)
2. Pagamento do prémio ao trabalhador no ano de 2005 com referência ao ano de 2004:
Os encargos em apreço reportam-se ao pagamento, no ano de 2005, do prémio de produtividade anual, relativo ao ano de 2004, a 8 trabalhadores cuja vigência do respetivo contrato de trabalho teve início no ano de 2000, os quais, no entendimento da Administração Tributária já não poderiam, de acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 17.º do EBF, ser aceites como custo.
Ora, a Impugnante não poderia proceder ao pagamento do prémio de 2004 no próprio considerando que este depende da verificação de determinados resultados, os quais apenas se apuram no final do mesmo.
Assim, não obstante o diferimento temporal da entrega dos montantes, estes respeitam, inteiramente, ao exercício de 2004 e, por conseguinte, devem ser relevados nos termos do n.º 3 do artigo 17.º do EBF.
Isto é, consubstanciando os montantes sob apreciação encargos referentes ao quinto ano após o início da vigência do contrato de trabalho dos oito trabalhadores em questão, a dedução da totalidade dos mesmos, no valor de 8.921,11€.
3. Pagamento do subsídio de alimentação:
A Administração Tributária considerou que para efeitos de cálculo do benefício previsto no artigo 17.º do EBF devem-se considerar somente as remunerações ilíquidas constantes do Anexo J correspondentes à remuneração, tal como surge definida no artigo 2.º do CIRS.
A Impugnante considera que devem também ser consideradas as remunerações referentes ao subsídio de alimentação por se englobarem no conceito de encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho‖ estipulado na norma em apreço.
E, assiste-lhe razão.
Isto porque, a interpretação efectuada pela Administração Tributária não encontra suporte legal.
Sendo que, está vedado ao interprete uma interpretação que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (cfr. artigo 9º nº2 do Código Civil).
Na verdade, conforme acima se referiu, dispunha o n.º 1, do artigo 17.º, do EBF, na redação vigente à data dos factos, que ¯Para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), os encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho para trabalhadores admitidos por contrato sem termo.
Tratam-se de conceitos distintos, o de remuneração previsto no artigo 2.º do CIRS e o dos encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho a que alude o artigo 17.º do EBF. Nestes termos, por encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho deve entender-se tudo aquilo que constitui remuneração nos termos do artigo 2.º do CIRS e, bem assim, o IRS suportado pelo trabalhador mas pago pela entidade patronal e ainda os encargos sociais obrigatórios.
Aliás, é esta a posição da jurisprudência dos Tribunais Superiores e era a posição da Entidade Demandada como se infere do despacho ministerial de 5 de Março de 1999.
Como foi explicitado no Acórdão proferido em 29.06.2016, no processo n.º 08785/15 do Tribunal Central Administrativo Sul:
“(…) lido aquele artigo 17º do EBF, resulta claro que o legislador não densificou, restringindo, o conceito de encargos, de modo que se possa dizer, como pretende a Recorrente, que por encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho (para efeitos do preceito em análise) só se possam considerar aqueles que constituem rendimentos do trabalho dependente sujeitos a IRS.
Na verdade, se esse fosse o propósito da lei facilmente isso poderia ter sido dito através da equiparação dos apontados encargos aos rendimentos do trabalho dependente, até porque o legislador fiscal não desconhece que, para além de certos
limites previstos no artigo 2º do CIRS, os valores auferidos a título de subsídio de refeição são considerandos rendimentos do trabalho dependente e custos dedutíveis ao nível da entidade pagadora. Ou seja, o facto de uma empresa pagar ao seu funcionário um valor de subsídio de refeição que exceda os limites previstos no artigo 2º, nº3, alínea b), 2, do CIRS (passando esse montante a ser considerado um rendimento do trabalho dependente), isso não afasta, na esfera da empresa, a sua consideração como encargo com o trabalho e, como tal, a sua aceitação como custo fiscal, nos termos que decorrem do artigo 23º do CIRC.”
Pelo que, procede o alegado e a liquidação nesta parte padece do vício invocado o que acarretará a que seja determinada a sua anulação (cfr. artigo 135º do CPA).
Todavia, a parcela da correcção efectuada pelo adiantamento da remuneração das trabalhadoras que se encontravam em licença de maternidade encontra-se correcta uma vez que a Impugnante é ressarcida do montante pelo Instituto de Segurança Social IP.
Isto é, tais montantes não são encargos suportados pela Impugnante.
4. Pagamento de outros encargos- indemnização relativa a férias não gozadas e aquisições de viaturas pelo trabalhador:
Relativamente a estas correções entendeu a Administração Tributária que, à semelhança do que sucede com o pagamento do subsídio de alimentação, para efeitos da aplicação do benefício fiscal previsto no artigo 17.º do EBF, apenas poderiam ser considerados ganhos sujeitos a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS).
Ora, conforme supra exposto, tal viola o disposto no artigo 17º do EBF, o que acarretará a anulação desta parte da liquidação (cfr. artigo 135º do CPA).
5. Pagamento do proporcional do vencimento do trabalhador:
Os montantes em causa referem-se ao pagamento do vencimento dos trabalhadores cuja vigência do respetivo contrato de trabalho teve início no ano de 2005 (independentemente do mês em que esse início ocorreu) e relativamente aos quais a administração tributária entendeu que apenas poderia ser relevado, para efeitos da aplicação do benefício fiscal previsto no artigo 17.º do EBF, o montante correspondente ao proporcional do limite dos ¯14 salários mínimos nacionais.
Vejamos.
Antes da entrada em vigor da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, o artigo 17º do EBF tinha a seguinte redacção:
Artigo 17.º
Criação de empregos para jovens
1 — Para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC), os encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho para trabalhadores admitidos por contrato sem termo com idade não superior a 30 anos são levados a custo em valor correspondente a 150%.
2 — Para efeitos do disposto no número anterior, o montante máximo dos encargos mensais, por posto de trabalho, é de 14 vezes o salário mínimo nacional mais elevado.
3 — A majoração referida no n.º 1 terá lugar durante um período de cinco anos a contar do início da vigência do contrato de trabalho.
A Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro deu nova redacção ao n.º 2 do artigo 17.º, pelo que, à data em que ocorreram os factos objecto dos presentes autos, era a seguinte:
Artigo 17.º
Criação de empregos para jovens
1 — Para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC), os encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho para trabalhadores admitidos por contrato sem termo com idade não superior a 30 anos são levados a custo em valor correspondente a 150%.
2 — Para efeitos do disposto no número anterior, o montante máximo da majoração anual, por posto de trabalho, é de 14 vezes o salário mínimo nacional mais elevado.
3 — A majoração referida no n.º 1 terá lugar durante um período de cinco anos a contar do início da vigência do contrato de trabalho.
Ora, na interpretação de uma norma, parte-se sempre da interpretação do enunciado linguístico da mesma, de acordo com o que é denominado pela letra da lei, o elemento literal da hermenêutica jurídica.
Sendo que, não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (cfr. artigo 9º nº2 do Código Civil).
O elemento literal da hermenêutica jurídica compreende o sentido dos termos e a sua correlação e é o ponto de partida e o ponto de chegada de toda a interpretação jurídica.
Mas, a interpretação não se esgota no elemento literal.
Pois, a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (cfr. artigo 9º nº1 do Código Civil).
Isto porque, o elemento gramatical (letra da lei) e o elemento lógico (espírito da lei) têm sempre que ser utilizados conjuntamente. Não pode haver, pois uma modalidade de interpretação gramatical e uma outra lógica: pois é evidente que o enunciado linguístico que é a letra da lei é apenas um significante, portador de um sentido (espírito) para que nos remete.
Denota-se desde logo que através do elemento literal que a tese sustentada pela Administração Tributária não encontra suporte legal.
Acresce, ainda, que o regime legal que foi várias vezes revisto e em que, por isso, se materializaram várias possibilidades de o legislador ter reformulado a expressão do seu pensamento, se tivesse constatado que tinha dito mais ou menos do que o que pretendia.
Ora, constata-se que, já depois da Lei n.º 32-B/2002, o artigo 17.º do EBF foi completamente revisto pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, e, no novo n.º 3, refere-se que «o montante máximo da majoração anual, por posto de trabalho, é o correspondente a 14 vezes a retribuição mínima mensal garantida», o que corresponde, com actualização terminológica, à redacção anterior.
Acresce, que do elemento hermenêutico teleológico extrai-se que não se não se deve restringir o âmbito do benefício fiscal, na medida em que o legislador visou aumentar o número de postos de trabalho para jovens e considerou que tal era mais favorável à sociedade do que a obtenção de receitas.
Aliás, esta é a posição do Supremo Tribunal Administrativo sustentado no Acórdão proferido pelo Pleno no Processo nº 054/17.6BALSB a 8 de Maio de 2019.
Assim, a liquidação em apreço, nesta parte, padece do vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito na interpretação do artigo 17.º, n.º 2, do EBF, que justifica a sua anulação, nos termos do artigo 135.º do Código do Procedimento Administrativo.”. (fim de citação)

Perante o enquadramento jurídico-fáctico acima exposto, concluímos desde já que não se verifica a alegada nulidade da sentença por excesso de pronúncia como alegou a Recorrente.

Na verdade, não se verifica qualquer inobservância dos limites de cognição por parte do tribunal a quo, na medida em que a decisão proferida não foi além do thema decidendum ao qual o tribunal estava adstrito.
Como é consensual na jurisprudência dos tribunais superiores, a nulidade da sentença ou acórdão por excesso de pronúncia ocorre quando o tribunal conhece de questões que, não tendo sido colocadas pelas partes, também não são de conhecimento oficioso.

E como também se refere no acórdão do STJ, de 11/29/2005, proc.º 05S2137, “Questões, para efeito do disposto no n.º 2 do art. 660.º do CPC [corresponde ao actual 608/2], não são aqueles argumentos e razões, mas sim e apenas as questões de fundo, isto é, as que integram matéria decisória, os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções.”.

Importa ainda destacar o entendimento vertido no Acórdão do STA de 10/03/2021 – Proc. 0492/16.6BESNT “(…) o excesso de pronúncia pressupõe que o julgador vai além do conhecimento que lhe foi pedido pelas partes. Por outras palavras, haverá excesso de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de "ultra petita", a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido).”.

No caso em apreço a pronúncia do tribunal incidiu sobre a causa de pedir e o pedido formulado pela impugnante, tendo a AT exercido o seu direito ao contraditório na respectiva contestação.

Em sede de recurso a Fazenda Pública assenta a alegação de excesso de pronúncia da sentença no argumento de que o relatório de inspecção não mencionou algumas das situações apreciadas pelo tribunal, contudo, importa salientar que a pronúncia do tribunal afere-se pela causa de pedir e pelo pedido e não pelo teor do relatório de inspecção.

Recordamos que a causa de pedir nos autos assentava na errónea interpretação por parte da AT do disposto no art. 17º do EBF, mais concretamente, no conceito de “encargos” correspondentes à criação de empregos para jovens, sendo pedido a anulação do acto de liquidação e o reembolso do valor pago a título de imposto acrescido de juros indemnizatórios.

Ora do teor da sentença proferida concluímos que a mesma não padece de excesso de pronúncia tendo decidido sobre a causa de pedir que foi invocada e sobre o pedido formulado.

Perante o exposto entendemos ser de negar provimento ao recurso mantendo-se a sentença recorrida.

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V- DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Tributária Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.
Lisboa, 11 de Janeiro de 2024
Luisa Soares
Patrícia Manuel Pires
Jorge Alexandre Trindade Cardoso Cortês