Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:7491/14.0BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:05/08/2019
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:EXAME E DECISÃO DE DOIS RECURSOS.
CRITÉRIO MERAMENTE CRONOLÓGICO COMO FUNDAMENTO PARA O EXAME DE UM DELES.
INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA HIERARQUIA. INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DO TRIBUNAL.
MATÉRIA DE FACTO. MATÉRIA DE DIREITO.
CRITÉRIO JURÍDICO PARA DESTRINÇAR SE ESTAMOS PERANTE UMA QUESTÃO DE DIREITO OU UMA QUESTÃO DE FACTO.
I.R.C.
NOÇÃO DE CUSTOS.
REQUISITO DA INDISPENSABILIDADE DE UM CUSTO.
MEIOS DE PROVA DO CUSTO EM SEDE DE I.R.C.
FUNDAMENTAÇÃO DO ACTO ADMINISTRATIVO/TRIBUTÁRIO. REQUISITOS.
FUNDAMENTAÇÃO FORMAL E SUBSTANCIAL DO ACTO ADMINISTRATIVO.
PROVISÕES.
NOÇÃO E REQUISITOS DO RELEVO CONTABILÍSTICO/FISCAL ENQUANTO CUSTOS.
ARTº.100, DA L. G. TRIBUTÁRIA.
TEORIA DA RECONSTITUIÇÃO DA SITUAÇÃO ACTUAL HIPOTÉTICA.
JUROS INDEMNIZATÓRIOS.
ARTº.24, Nº.1, DO C.P.TRIBUTÁRIO. ARTº.43, Nº.1, DA L.G.TRIBUTÁRIA.
ERRO IMPUTÁVEL AOS SERVIÇOS.
INSUFICIENTE FUNDAMENTAÇÃO SUBSTANCIAL DO ACTO RECONDUZ-SE A UM ERRO IMPUTÁVEL AOS SERVIÇOS.
Sumário:1. Visando os recursos deduzidos o despacho identificado no probatório e que indeferiu, com base no mesmo fundamento, as reclamações da conta deduzidas por ambos os recorrentes, entende este Tribunal apreciar os mesmos com base num critério meramente cronológico, assim se começando por examinar e decidir a apelação apresentada pela Fazenda Pública (cfr.artº.124, do C.P.P.Tributário).
2. Nos termos do artº.280, nº.1, C. P. P. Tributário, das decisões dos Tribunais Tributários de 1.ª Instância cabe recurso a interpor, em primeira linha, para os Tribunais Centrais Administrativos, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que tal recurso tem de ser interposto para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo. A violação desta regra de competência, em razão da hierarquia, determina, por previsão explícita do artº.16, nº.1, do C. P. P. Tributário, a incompetência absoluta do tribunal, ao qual é, indevidamente, dirigido o recurso.
3. A competência do tribunal afere-se face à pretensão formulada pelo autor na petição inicial, traduzida no binómio pedido/causa de pedir, ou seja, face ao “quid disputatum” e não em função do “quid decisum”, isto é, a competência determina-se pelo pedido do autor, irrelevando qualquer tipo de indagação acerca do mérito do mesmo.
4. Nos termos do artº.26, al.b), do E.T.A.F., atribui-se competência à Secção do Contencioso Tributário do S.T.A. para conhecer dos recursos interpostos das decisões dos Tribunais Tributários, com exclusivo fundamento em matéria de direito. Por sua vez, o artº.38, al.a), do E.T.A.F., atribui competência à Secção de Contencioso Tributário de cada Tribunal Central Administrativo para conhecer dos recursos de decisões dos Tribunais Tributários, ressalvando-se o disposto no citado artº.26, al.b), do mesmo diploma.
5. O recurso não versa exclusivamente matéria de direito, se nas suas conclusões se questionar matéria factual, manifestando-se divergência, por insuficiência, excesso ou erro, quanto à factualidade provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, quer porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, quer, ainda, porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos.
6. São factos não só os acontecimentos externos, como os internos ou psíquicos, e tanto os reais, como os simplesmente hipotéticos. São ainda de equiparar aos factos os juízos que contenham subsunção a um conceito jurídico geralmente conhecido e que sejam de uso corrente (v.g.”pagar”; “vender”; “arrendar”). Existe matéria de facto quando o apuramento das realidades se faz todo à margem da aplicação directa da lei, isto é, quando se trata de averiguar factualidade cuja existência, ou não existência, não depende da interpretação a dar a nenhuma norma jurídica. Por sua vez, existe matéria de direito sempre que, para se chegar a uma solução, se torna necessário recorrer a uma disposição legal, ainda que se trate unicamente de fixar a interpretação duma simples palavra constante de uma norma legal concreta, seja de direito substancial, seja de direito processual.
7. O critério jurídico para destrinçar se estamos perante uma questão de direito ou uma questão de facto, passa por saber se o recorrente faz apelo, nos fundamentos do recurso substanciados nas conclusões, apenas a normas ou princípios jurídicos que tenham sido na sentença recorrida supostamente violados na sua determinação, interpretação ou aplicação, ou se, por outro lado, também apela à consideração de quaisquer factos materiais ou ocorrências da vida real (fenómenos da natureza ou manifestações concretas da vida mesmo que do foro espiritual ou volitivo), independentemente da sua pertinência, merecimento ou acerto para a solução do recurso.
8. No caso “sub judice”, conforme se retira das conclusões 2 e 3 da apelação da recorrente Fazenda Pública, esta apela à consideração de factos materiais ou ocorrências da vida real, os quais estão para além da mera interpretação de normas ou princípios jurídicos que tenham sido na decisão recorrida, supostamente, violados na sua determinação, destas premissas retirando a procedência da presente apelação.
9. Concluindo, os fundamentos do presente recurso não versam, exclusivamente, matéria de direito, pelo que a competência para o seu conhecimento pertence a este Tribunal, por força do artº.38, al.a), do E.T.A.F., e não ao S.T.A.-2ª.Secção, atento o disposto nos artºs.12, nº.5, e 26, al.b), do E.T.A.F.
10. A base de incidência do I.R.C. encontra-se consagrada no artº.3, do C.I.R.C., sendo, nos termos do seu nº.2, definido o lucro tributável como o resultante da “diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas neste Código”. Por outro lado, é no artº.17 e seg. do mesmo diploma que se consagram as regras gerais de determinação do lucro tributável, especificando-se no artº.23 quais os custos que, como tal, devem ser considerados pela lei.
11. Para o conceito fiscal de custo vale a definição constante do aludido artº.23, do C.I.R.C., a qual, depois de nos transmitir, de uma forma ampla, a noção de custos ou perdas como englobando todas as despesas efectuadas pela empresa que, comprovadamente, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva, procede a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo. Estamos perante um conceito de custo que se pode considerar comum ao balanço fiscal e ao balanço comercial. A definição fiscal de custo, como conceito mais amplo do que sejam os custos de produção e de aquisição, parte de uma perspectiva ampla de actividade e de necessidade da empresa, assim estabelecendo uma conexão objectiva entre a actividade desta e as despesas que, inevitavelmente, daqui decorrerão. E fá-lo com uma finalidade claramente fiscal, a qual consiste em distinguir entre custos que podem ser aceites para fins fiscais e que, por isso, vão influenciar o cálculo do lucro tributável e os que não podem ser aceites para tal efeito. Os custos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico.
12. A prova do custo pode ser efectuada através de documento interno (emitido pelo próprio sujeito passivo), desde que coadjuvado por qualquer outro meio de prova (testemunhas, documentos auxiliares, explanação da sua contabilidade), competindo ao Tribunal aquilatar sobre o preenchimento do respectivo ónus probatório. Deste modo, um custo não documentado externamente, pode assumir relevo fiscal se o contribuinte provar, por quaisquer meios ao seu dispor, a efectividade da operação e o montante do gasto. Por outras palavras, um documento de origem interna pode substituir um documento de origem externa quando sejam reunidas provas adicionais que confirmem a autenticidade dos movimentos nele reflectidos.
13. Tem sido entendimento constante da jurisprudência e da doutrina que determinado acto (no caso acto administrativo-tributário) se encontra devidamente fundamentado sempre que é possível, através do mesmo, descobrir qual o percurso cognitivo utilizado pelo seu autor para chegar à decisão final.
14. Para apurar se um acto administrativo-tributário está, ou não, fundamentado impõe-se, antes de mais, que se faça a distinção entre fundamentação formal e fundamentação material ou substancial: uma coisa é saber se a Administração deu a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, as razões em que fundou a sua actuação, questão que se situa no âmbito da validade formal do acto; outra, bem diversa e situada já no âmbito da validade substancial do acto, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa.
15. Estamos perante uma provisão sempre que se considera necessário utilizar, como reserva, uma determinada quantia, a qual é assim retirada do lucro tributável do exercício, para prever uma certa despesa, provável mas ainda não comprovada, a ter lugar no futuro, sendo criada ao abrigo do princípio da prudência, princípio contabilístico previsto no P.O.C. As provisões prendem-se com factos futuros, sobre os quais existe uma séria e previsível probabilidade de virem a acontecer, muito embora possa existir um certo grau de incerteza quanto aos montantes dos encargos advindos da ocorrência efectiva desses mesmos factos.
16. Mais se deve referir que as provisões que não devam subsistir por não se terem verificado os eventos a que se reportam e, bem assim, as que forem utilizadas para fins diversos dos expressamente previstos na lei fiscal, considerar-se-ão proveitos ou ganhos do respectivo exercício, visto que o artº.33, nº.1, do C.I.R.C., em vigor em 1990, revestia natureza taxativa (cfr.artº.33, §2, do antigo C.C.I.; artº.33, nº.2, do C.I.R.C., na versão em vigor em 1990).
17. Nos termos do artº.100, da L.G.Tributária, em virtude da procedência total ou parcial de impugnação a favor do sujeito passivo, a A. Fiscal está obrigada à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto objecto do litígio, tal dever compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, computados a partir do termo do prazo da execução da decisão. Em face de tal postulado, a anulação judicial do acto tributário implica o desaparecimento de todos os seus efeitos “ex tunc”, tudo se passando como se o acto anulado não tivesse sido praticado, mais devendo a reintegração completa da ordem jurídica violada ser efectuada de acordo com a teoria da reconstituição da situação actual hipotética.
18. A reconstituição da situação hipotética actual justifica a obrigação de restituição do imposto que houver sido pago, tal como do pagamento de juros indemnizatórios, cuja atribuição ao sujeito passivo, nos termos da lei, não está dependente da formulação de pedido nesse sentido, posição esta que está de acordo com os efeitos consequentes que decorrem da anulação do acto tributário, tal como do facto do pagamento de juros não estar dependente de pedido (cfr.artº.100, da L.G.Tributária; artº.61, nº.3, do C.P.P. Tributário).
19. Os juros indemnizatórios correspondem à concretização de um direito de indemnização que tem raiz constitucional. Com efeito, no artº.22, da C.R.Portuguesa, estabelece-se que o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte a violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.
20. A obrigação de pagamento de juros indemnizatórios tem o seu fundamento no instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado, constituindo a contra face dos juros compensatórios a favor da Administração Fiscal e sendo tal matéria regulada pela lei em vigor à data do facto gerador da responsabilidade (cfr.artº.12, do C.Civil). Assim, a natureza dos juros indemnizatórios é substancialmente idêntica à dos juros compensatórios, sendo, como estes, uma indemnização atribuída com base em responsabilidade civil extracontratual. Os juros indemnizatórios vencem-se a favor do contribuinte, destinando-se a compensá-lo do prejuízo provocado por um pagamento indevido de uma prestação tributária (cfr.artº.24, nº.1, do anterior C.P.Tributário; artº.43, da L.G.T.).
21. A utilização da expressão “erro” e não “vício” ou “ilegalidade” para aludir aos factos que podem servir de base à atribuição de juros indemnizatórios, revela que se teve em mente apenas os vícios do acto anulado a que é adequada essa designação, que são o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito. Com efeito, há vícios dos actos administrativos e tributários a que não é adequada tal designação, nomeadamente os vícios de forma e a incompetência, pelo que a utilização daquela expressão “erro” têm um âmbito mais restrito do que a expressão “vício”. Na verdade, a existência de vícios de forma ou incompetência significa que houve uma violação de direitos procedimentais dos administrados e, por isso, justifica-se a anulação do acto por estar afectado de ilegalidade. Mas o reconhecimento judicial de um vício de forma ou incompetência não implica a existência de qualquer pecha na relação jurídica tributária, isto é, qualquer juízo sobre o carácter indevido da prestação pecuniária cobrada pela administração tributária com base no acto anulado, limitando-se a exprimir a desconformidade com a lei do procedimento adoptado para a declarar ou cobrar ou a falta de competência da autoridade que a exigiu.
22. Contrariamente ao decidido pelo Tribunal “a quo”, a pecha de que padece o acto tributário cuja anulação é decretada neste processo não se reconduz a um vício de forma. Pelo contrário, a insuficiente fundamentação substancial do acto reconduz-se a um erro sobre os pressupostos de facto e de direito, no caso, consubstanciando-se na aplicação da norma constante do aludido artº.33, do C.I.R.C., à situação dos autos. Sendo tal erro imputável aos serviços da A. Fiscal, desde logo, porque nos encontramos perante liquidação adicional da sua lavra, mais se reconduzindo a um vício de violação de lei por falta de verificação dos pressupostos factuais e jurídicos necessários à correcção da matéria colectável originadora do mesmo acto tributário.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
1-O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.126 a 137 do presente processo, através da qual julgou parcialmente procedente a presente acção, pela sociedade impugnante, "A... S.A.", intentada, visando acto de liquidação adicional de I.R.C., relativo ao ano de 1990 e no montante total de 10.749.729$00/€ 53.619,40.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.180 a 184 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-Nos termos do art. 82º do CPT, então aplicável, a fundamentação dos actos tributários deveria conter, ainda que de forma sucinta, as disposições legais aplicadas, bem como a qualificação e quantificação dos factos e as operações de apuramento da matéria tributável e do imposto, estabelecendo, por sua vez, o nº 1 do art. 125º do CPA que a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respectivo acto;
2-No caso em apreço, estando em causa a legalidade da correcção relativa ao acréscimo do valor de 16.875.000$00 ao lucro tributável de IRC referente ao ano de 1990, considerou a decisão proferida no processo em referência que o discurso fundamentador das correcções não é suficiente nem adequado para qualificar os valores declarados pela impugnante como provisões não aceites fiscalmente e consequentemente não aceitar o custo fiscal;
3-Com efeito, resulta do teor das conclusões do relatório relativo ao exame à escrita mencionado no nº.1 dos factos provados que os montantes corrigidos de 11 250 000$00 em 1989 e 16 875 000$00 em 1990 e 1991 são acrescidos ao lucro tributável dos respectivos exercícios, dado que se trata de Provisões não aceites fiscalmente, pelo que os referidos valores não são considerados custos nos termos do art. 33°do CIRC;
4-Assim, no caso vertente e não obstante a forma sucinta adoptada, pode considerar­ se que a fundamentação respeitante à questionada correcção se revela compatível com os requisitos constantes dos preceitos legais supratranscritos, na medida em que foi enunciada a razão essencial que determinou a não aceitação do montante em causa como custo do exercício, sendo que, na circunstância, tal conclusão decorre, tão-só, da aplicação do regime estabelecido, ao tempo, no art. 33º do CIRC relativamente à dedutibilidade fiscal das provisões;
5-Aliás, a questionada correcção figura entre o tipo de actos que, por razões atinentes à sua própria natureza, não se mostra susceptível de requerer uma fundamentação longa e solene, sendo notório que a forma concisa utilizada não terá obstado ao conhecimento, por parte da interessada, do iter lógico e jurídico do procedimento em causa, o que equivale a dizer que, tal como se reconhece no Ac. do STA de 11/12/2002, rec. 01466, o dever de fundamentação tem uma bitola não mensurável por um parâmetro único, antes variando em função do tipo legal do acto;
6-Por outro lado, verifica-se que, tal como decorre, desde logo, do teor da própria petição inicial e não obstante a forma concisa utilizada na fundamentação da correcção em causa, tal não obstou a que a ora impugnante, ao questionar a legalidade da mesma, tenha evidenciado um conhecimento adequado das razões subjacentes à efectivação da aludida correcção;
7-Assim, prevalecendo a este respeito o entendimento jurisprudencial de que a fundamentação não carece de ser exaustiva, bastando ser sucinta (Ac. do TCAS, de 5/12/2006, proc. 01386/06), só poderá concluir-se que, tendo a ora impugnante tomado conhecimento do essencial das razões respeitantes às correcções em causa, terá ficado seguramente satisfeito, de forma suficiente, clara e congruente, o dever de fundamentação legalmente imposto à AF;
8-Decorre do exposto que, no que respeita ao juízo formulado a propósito da fundamentação da correcção em causa, a sentença recorrida fez uma aplicação inadequada do estabelecido nos preceitos legais supratranscritos, razão pela qual deverá a mesma ser revogada, na parte que constitui o objecto do presente recurso, com as legais consequências.
X
A sociedade impugnante produziu contra-alegações no âmbito da instância deste primeiro recurso deduzido (cfr.fls.208 a 226 dos autos), as quais remata com o sequente quadro Conclusivo:
1-O presente recurso foi deduzido pelo Ilustre Representante da Fazenda Pública contra a sentença que julgou parcialmente improcedente a impugnação judicial deduzida contra o ato tributário consubstanciado na liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas (IRC) n.º 831……, respeitante ao exercício de 1990, no valor de 10.749.729$00 (€ 53.619,40);
2-É manifesta a improcedência do presente recurso;
3-Com efeito, e desde logo, o Ilustre Representante da Fazenda Pública imputa à sentença recorrida erro de julgamento em matéria de direito, por alegada violação do disposto no artigo 82.º do CPT e no artigo 125.º do CPA, não resultando das conclusões das alegações, que delimitam o âmbito e o objeto do recurso, qualquer discordância relativamente à matéria de facto, nem sendo invocado qualquer erro ou omissão quanto à factualidade dada como provada e não provada e quanto ao julgamento emitido em face da mesma;
4-Ora, neste contexto em que a matéria de facto controvertida no processo está estabilizada e apenas o direito se mantém em discussão, o recurso tem por exclusivo fundamento matéria de direito, sendo o Tribunal Central Administrativo Sul incompetente para o seu conhecimento e competente o Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 280.º do CPPT;
5-Assim, requer-se que seja declarada a incompetência do Tribunal Central Administrativo Sul para a apreciação do presente recurso, com as demais consequências legais;
6-Sem prejuízo do exposto, constatando-se que o Ilustre Representante da Fazenda Pública invoca que estão cumpridos os requisitos formais de fundamentação que aquelas disposições legais exigem para que uma correção efetuada pela administração tributária se considere fundamentada, motivo pelo qual imputa à sentença recorrida o supra mencionado erro de julgamento, só pode concluir-se pela insusceptibilidade do mesmo conduzir à sua revogação;
7-É que, contrariamente ao que o Ilustre Representante da Fazenda Pública alega, a sentença recorrida não colocou em causa que aqueles requisitos estivessem cumpridos;
8-De facto, o Tribunal recorrido não anulou a correção impugnada com fundamento em vício de forma por falta de fundamentação, mas com fundamento em falta de fundamentação substancial ou fundamentação insuficiente, vício bem diferente que tem natureza de vício de violação de lei;
9-Ora, a falta absoluta de fundamentação e a fundamentação insuficiente não são, no que ora releva, juridicamente valoradas da mesma forma, já que, onde há falta absoluta de fundamentação há um vício de forma que afeta a validade formal do ato, enquanto que, na fundamentação insuficiente - igualmente designada de falta de fundamentação substancial há um vício de violação de lei que encerra um erro sobre pressupostos de facto e de direito e que, como tal, afeta a relação jurídico-tributária, como bem determinou o Tribunal Central Administrativo Sul, no acórdão de 11.06.2013, proferido no âmbito do processo n.º 6739/13;
10-Esta distinção não é alheia ao Tribunal recorrido, que não só identificou os fundamentos em que a administração tributária suportou a sua correção, julgando-os insuficientes, como utilizou para suportar a sua posição jurisprudência que identifica o vício em causa como falta de fundamentação substancial ou fundamentação insuficiente e o qualifica como vício de violação de lei;
11-De facto, o Tribunal recorrido aderiu ao entendimento do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28.09.2011, proferido no processo n.º 0494/11, segundo o qual "O facto de, porventura, a valia substancial dos fundamentos aduzidos no discurso fundamentador ser insuficiente ou inapta, do ponto de vista legal, para suportar a correcção efectuada, é matéria que não contende com a «fundamentação formal» do acto, mas sim com a sua «fundamentação substancial», reconduzida a vício de violação de lei por falta de verificação dos pressupostos factuais e jurídicos necessários àquela correcção" (cf. página 9 da sentença recorrida);
12-Resultando por demais evidente que o Tribunal recorrido anulou a correção com fundamento em falta de fundamentação substancial ou fundamentação insuficiente qualificada como vício de violação de lei, caem por terra os argumentos que o Ilustre Representante da Fazenda Pública invocou para colocar em causa a sentença recorrida;
13-Razão pela qual, deve improceder o recurso do Ilustre Representante da Fazenda Pública, mantendo-se a sentença recorrida;
14-Sem prejuízo do exposto, e ainda que não procedesse o acima invocado, por se entender que, contrariamente ao que acima se aduziu, a sentença recorrida julgou que a correção efetuada padecia de falta de fundamentação formal, o que apenas por dever de patrocínio se admite, sem conceder, ainda assim se impõe que o presente recurso seja julgado improcedente;
15-É que, independentemente do vício com base no qual a sentença recorrida tenha determinado a anulação da correção efetuada, o que é certo é que o Ilustre Representante da Fazenda Pública não demonstrou nas suas alegações de recurso que, contrariamente ao que se determinou na sentença recorrida, a fundamentação apresentada pela administração tributária era suficiente para qualificar os montantes corrigidos como provisões não aceites para efeitos fiscais, limitando-se a arguir que a fundamentação da correção pode ser sucinta e que a recorrida alcançou os fundamentos invocados, sem contudo evidenciar, como se lhe era exigível, de que modo os fundamentos aduzidos pela administração tributária eram suficientes para permitir desconsiderar um custo declarado pela recorrida e qualificá-los como provisões não aceites para efeitos fiscais;
16-Pelo que, também com este fundamento, se impõe a improcedência do presente recurso;
17-Na eventualidade de proceder o recurso interposto pelo Ilustre Representante da Fazenda Pública, e de esse Ilustre Tribunal considerar que, contrariamente ao que resulta da sentença recorrida, a administração tributária cumpriu o ónus probatório que sobre si impendia para efetuar a correção sub judice, o que a recorrida apenas admite por mero dever de patrocínio, sem conceder, deve esse Ilustre Tribunal apreciar das demais ilegalidades imputadas ao ato tributário sub judice e cuja apreciação ficou prejudicada face à decisão recorrida;
18-De facto, conforme se invocou na impugnação judicial e resulta evidente dos autos, a recorrida não constituiu qualquer provisão, nem os montantes que foram desconsiderados pela administração tributária têm qualquer natureza de provisão;
19-Com efeito, estando demonstrado que a recorrida não constituiu qualquer provisão no montante de 16.875.000$00 (€ 84.172,10) com referência ao exercício de 1990 e que registou os valores sob análise numa conta de amortizações e não numa conta de provisões [cf. nº.7 da factualidade dada como provada na sentença recorrida], nunca poderia a administração tributária ter fundamentado a correção do lucro tributável na violação do disposto no artigo 33.º do Código do IRC, então em vigor, devendo pois ser julgado improcedente o fundamento vertido nas conclusões do relatório de inspeção e a liquidação subjudice anulada por manifesta ilegalidade;
20-Acresce ainda que, não só não foi constituída qualquer provisão, como as quantias em apreço não têm natureza de provisão, o que facilmente se atesta atendendo-se ao conceito de provisão;
21-De facto, estando subjacente ao conceito de provisão uma eventualidade de verificação incerta, resulta que na situação sub judice, o incentivo de implementação não se consubstancia numa mera eventualidade de verificação incerta, mas, ao invés, num incremento remuneratório cuja obrigação a recorrida assumiu no âmbito de uma deliberação societária [cf. nº.5 da factualidade dada como provada na sentença recorrida];
22-Nesta medida, contrariamente ao que sucede com as provisões, em que o princípio ou o evento de que derivarão os encargos antecipados é provável, mas incerto, no caso do incentivo de implementação sub judice, como conclui ANTÓNIO DA GAMA LOBO XAVIER, "(...) no momento do encerramento de cada exercício, o facto de que depende a obrigação de entregar as acções aos trabalhadores já se produziu (já foi prestado o trabalho)(..) em cada ano, o valor contabilizado a este título tem “uma vocação irresistível para se transformar em encargo efectivo - uma vocação tão irresistível quanto é certo que não está na disponibilidade da empresa qualquer acto que conduza à redução, modificação ou extinção das obrigações em causa. Ao fim ao cabo, o valor contabilizado anualmente correspondia a uma dívida certa (...) " (cf. págs. 17 e 18 do parecer junto com a petição inicial);
23-Atendendo ao exposto, é pois evidente que o montante de 16.875.000$00 (€ 84.172,10) não possui a natureza de provisão, pelo que, também com este fundamento, improcede o invocado pela administração tributária, devendo, por conseguinte, a liquidação sub judice ser anulada por manifesta ilegalidade;
24-Por fim, e conforme se demonstrou na impugnação judicial, o ato tributário é também ilegal por violação do disposto no artigo 18.º do Código do IRC;
25-Com efeito, tratando-se de um custo com reflexão plurianual, com referência aos exercícios de 1989, 1990 e 1991, é manifesto que a sua contabilização deve efetuar-se de forma repartida por aqueles exercícios;
26-Afigura-se assim que, ao proceder à imputação, ao exercício de 1990, do valor de 16.875.000$00 correspondente ao incentivo de implementação, a recorrida mais não fez do que aplicar de forma criteriosa e consciente o citado princípio contabilístico e fiscal da especialização dos exercícios;
27-Nestes termos, atento ao que vem exposto, é por demais evidente a ilegalidade da presente correção ao lucro tributável e, consequentemente, deverá ser também anulada a liquidação subjudice;
28-Razão pela qual, em face de todo o exposto, deve ser julgado improcedente o presente recurso, mantendo-se a sentença recorrida na parte ora recorrida;
29-Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Ilustre Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a douta sentença recorrida, na parte recorrida, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA.
X
A Fazenda Pública foi notificada de todo o conteúdo das contra-alegações, fixando-se em dez dias o prazo para se pronunciar sobre a excepção de incompetência hierárquica suscitada, embora nada tendo exposto (cfr.fls.241 e 242 dos autos).
X
2-"A….. S.A.", com os demais sinais dos autos, também deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto a sentença proferida pelo Mmº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.126 a 137 do presente processo, através da qual julgou parcialmente procedente a presente impugnação, na parte em que não obteve ganho de causa.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.186 a 202 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-A sentença recorrida julgou parcialmente improcedente a impugnação judicial deduzida contra o ato tributário consubstanciado na liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas (IRC) n.º 83…., respeitante ao exercício de 1990, no valor de 10.749.729$00 (€ 53.619,40);
2-Circunscreve-se o presente recurso ao segmento da sentença recorrida que julgou a impugnação judicial improcedente quanto ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios calculados sobre o montante de imposto anulado;
3-Com efeito, e salvo o devido respeito, não assiste razão ao Tribunal recorrido quando propugna que, no caso sub judice, não há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios por o ato tributário impugnado ter sido anulado com fundamento em vício de forma;
4-É que, efetivamente, o Tribunal recorrido não anulou a correção impugnada com fundamento em vício de forma por falta de fundamentação, único vício do qual a jurisprudência citada na sentença recorrida afasta o direito a juros indemnizatórios, mas com fundamento em falta de fundamentação substancial ou fundamentação insuficiente, vício bem diferente que tem natureza de vício de violação de lei;
5-Ora, a falta absoluta de fundamentação e a fundamentação insuficiente não são, no que ora releva, juridicamente valoradas da mesma forma, já que, onde há falta absoluta de fundamentação há um vício de forma que afeta a validade formal do ato, enquanto que, na fundamentação insuficiente - igualmente designada de falta de fundamentação substancial - há um vício de violação de lei que encerra um erro sobre pressupostos de facto e de direito e que, como tal, afeta a relação jurídico-tributária, como bem determinou o Tribunal Central Administrativo Sul, no acórdão de 11.06.2013, proferido no âmbito do processo n.º 6739/13;
6-Esta distinção não é alheia ao Tribunal recorrido, que não só identificou os fundamentos em que a administração tributária suportou a sua correção, julgando-os insuficientes, como utilizou para suportar a sua posição jurisprudência que identifica o vício em causa como falta de fundamentação substancial ou fundamentação insuficiente e o qualifica como vício de violação de lei;
7-De facto, o Tribunal recorrido aderiu ao entendimento do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28.09.2011, proferido no processo n.º 0494/11, segundo o qual "O facto de, porventura, a valia substancial dos fundamentos aduzidos no discurso fundamentador ser insuficiente ou inapta, do ponto de vista legal, para suportar a correcção efectuada, é matéria que não contende com a «fundamentação formal» do acto, mas sim com a sua «fundamentação substancial», reconduzida a vício de violação de lei por falta de verificação dos pressupostos factuais e jurídicos necessários àquela correcção" (cf. página 9 da sentença recorrida);
8-Resultando por demais evidente que o Tribunal recorrido anulou a correção com fundamento em falta de fundamentação substancial ou fundamentação insuficiente qualificada como vício de violação de lei, caem por terra os argumentos que o Tribunal invocou para negar o direito a juros indemnizatórios;
9-Com efeito, não se estando perante um vício formal, mas um vício de violação de lei, não subsistem dúvidas de que se está perante uma situação em que o direito ao pagamento de juros indemnizatórios é inequívoco face ao disposto no artigo 24.º do CPT;
10-Razão pela qual, em face de todo o exposto, é evidente o erro em que incorreu a sentença recorrida, a qual deve ser anulada, na parte ora objeto de recurso, reconhecendo-se o direito ao pagamento de juros indemnizatórios nos termos peticionados pela recorrente;
11-Sem prejuízo do exposto, e ainda que não procedesse o acima invocado, quer por se considerar que a falta de fundamentação substancial do ato ou fundamentação insuficiente se reconduz a um vício formal, quer por se entender que na verdade há uma absoluta falta de fundamentação, o que apenas por dever de patrocínio se admite, sem conceder, ainda assim se impõe a anulação da decisão recorrida, na parte em que julgou improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios;
12-Com efeito, não há qualquer fundamento legal que permita negar o direito a juros indemnizatórios no caso sub judice, suportado na alegada necessidade de efetuar uma interpretação restritiva do conceito de "erro imputável aos serviços" para efeitos do disposto no artigo 24.º do CPT (atual artigo 43.º da LGT), no sentido de o mesmo excluir vícios de forma, e de reconhecer o direito ao contribuinte ser indemnizado pelos prejuízos que sofreu com o pagamento indevido do imposto apenas em situações em que os atos tributários impugnados não são anulados com fundamento em vícios de forma;
13-De facto, não há nada naquela disposição legal que permita concluir que da mesma se pretendeu excluir vícios de forma e cingir-se apenas a erros nos pressupostos de facto e de direito;
14-Efetivamente, se o legislador não distinguiu, o intérprete também não deverá distinguir, pelo que basta que esse erro exista (em matéria procedimental ou substantiva) e os restantes pressupostos se verifiquem para que o contribuinte deva ver reconhecido o seu direito a juros indemnizatórios;
15-Assim, uma interpretação restritiva do conceito de erro, tal como a que foi realizada no âmbito da decisão recorrida, não pode deixar de ser considerada ilegal, na medida em que é manifesto que a mesma não tem qualquer acolhimento legal;
16-Acresce ainda, para além do acima exposto, que não existe sequer qualquer motivo para fazer uma interpretação restritiva daquela norma, como se propugna na sentença recorrida;
17-Com efeito, e se se atentar nas regras gerais de interpretação das normas, a interpretação restritiva deve efetuar-se, apenas, quando se constate que o legislador pretendeu prever menos do que previu, face aos elementos sistemático, histórico e teleológico da norma;
18-Ora, não há qualquer evidência no CPT (nem na LGT), nem para isso os elementos sistemático, histórico e teleológico apontam, de que o legislador tenha pretendido restringir o conceito de "erro" a erros de pressupostos de facto e de direito;
19-De facto, não se vislumbra qual o fundamento para o legislador pretender excluir do direito ao pagamento de juros indemnizatórios situações em que se conclui pela existência de um vício de forma, já que, em qualquer caso, há um pagamento indevido de imposto ao Estado e o contribuinte sofreu certamente prejuízos por não ter disposto dessa quantia desde a data em que o pagamento do imposto foi efetuado, até à data em que o mesmo foi ressarcido;
20-Efetivamente, e mesmo perante a anulação de um ato tributário com fundamento em vícios formais, é indubitável que o contribuinte se viu privado de uma quantia indevidamente e é a privação dessa quantia sem o cumprimento das normas procedimentais aplicáveis que constitui a ilegalidade ou o erro que suporta o direito a juros indemnizatórios;
21-Razão pela qual, em face de todo o exposto, não deve negar-se, em qualquer circunstância, o direito a juros indemnizatórios quando os atos tributários são anulados com fundamento em vícios formais;
22-Trata-se, com efeito, de entendimento a que adere RUI DUARTE MORAIS (cf. Manual de Procedimento e Processo Tributário, Almedina, 2012, páginas 369 a 372);
23-Por último, e em sustentação de todo o acima exposto, sempre se dirá que a solução propugnada pelo Tribunal recorrido de negar o direito a juros indemnizatórios perante a anulação de atos tributários com fundamento em vícios formais é tanto mais ilegal quando se constata que tais vícios são, precisamente, mais graves do que os que atingem os pressupostos de facto e de direito para a emissão dos atos;
24-Com efeito, privilegia-se com este entendimento os serviços da administração tributária que não aduzem qualquer tipo de fundamentação, ou que emitem um ato tributário com preterição manifesta do direito de audição prévia, face àqueloutros serviços que suportam a emissão do ato tributário, ainda que erroneamente, em determinados pressupostos de facto e de direito !;
25-É por não se compaginar que o legislador tenha pretendido uma diferença de tratamento deste tipo que só se pode concluir pelo direito ao pagamento de juros indemnizatórios em qualquer circunstância, quer os atos tributários controvertidos tenham sido anulados com fundamento na verificação de vícios formais, quer com fundamento na verificação de vícios materiais;
26-Pelo que, em face de todo o exposto, resulta evidente o erro em que incorreu o Tribunal recorrido neste segmento, impondo-se, por conseguinte, a anulação da sentença recorrida na parte ora objeto de recurso, reconhecendo-se o direito ao pagamento de juros indemnizatórios nos termos peticionados pela recorrente;
27-Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com a consequente revogação da sentença na parte recorrida e, nessa medida deverá ser reconhecido o direito da recorrente a receber juros indemnizatórios pela anulação do ato tributário sub judice, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!
X
Não foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância deste segundo recurso apresentado.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento de ambos os recursos deduzidos (cfr.fls.245 e 246 dos autos).
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Corridos os vistos legais (cfr.fls.248 e verso do processo), vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.128 a 130 dos autos - numeração nossa):
"Considero provados os seguintes factos, com relevância para a decisão, atendendo ao teor dos documentos juntos aos autos e identificados nos números do probatório:
1-Na sequência de exame à escrita, ao IRC da sociedade impugnante, "G… - Companhia….. S.A.", os Serviços de Inspecção procederam às seguintes correcções:
"Os montantes corrigidos de 11 250 000$00 em 1989 e 16 875 000$00 em 1990 e 1991 são acrescidos ao lucro tributável dos respectivos exercícios, dado que se trata de provisões não aceites fiscalmente, pelo que os referidos valores não são considerados custos nos termos do art. 33.º do CIRC.
Relativamente ao valor atribuído em 1991 aos funcionários da empresa e referente ao Benefício de Acções, no montante de 42 821 822$00 é considerado custo do exercício nos termos do art. 23.º do CIRC, pois assume o carácter de um encargo de natureza administrativa, equiparado a uma remuneração.
Assim as correcções efectuadas são as seguintes:



(cfr.relatório inspectivo cuja cópia se encontra junta a fls.82 e 83 dos presentes autos);
2-Na sequência das correcções referidas no nº.1, foi emitida a liquidação adicional de IRC n.º831….., relativa ao exercício de 1990, no montante a pagar de Esc.10.749. 729$00/€ 53.619,40, com data limite de pagamento fixada em 21/04/1995 (cfr. documentos juntos a fls.54 e 55 dos presentes autos);
3-Em 20/07/1995, foram apresentados os presentes autos de impugnação junto do 10º. Serviço de Finanças de Lisboa (cfr.data de entrada aposta a fls.2 dos presentes autos);
4-A impugnante e a "G….., S.A.", estabeleceram um benefício remuneratório destinado aos respectivos administradores e colaboradores-fundadores, traduzido na atribuição, sem qualquer contrapartida específica, de determinado número de acções das citadas sociedades (cfr.documento junto a fls.9 a 12 dos presentes autos);
5-Na "5.ª reunião dos Accionistas - Fundadores", de 30/08/1988, "…deliberou-se que os beneficiários eleitos receberiam as acções no final dos primeiros quatro anos civis de actividade social - posteriormente, este prazo seria encurtado para três anos - ou em data anterior, se ocorresse cessação de funções determinada por qualquer razão diferente de acto voluntário expresso dos beneficiários membros do Conselho de Administração salvo o caso de condenação por ilícito profissional transitada em julgado…" (cfr.documento junto a fls.9 a 12 dos presentes autos);
6-Este benefício passou a ser designado como "Incentivo de Implementação" (cfr. documento junto a fls.9 a 12 dos presentes autos);
7-Na sequência destas deliberações, cada uma das sociedades mencionadas adquiriu a necessária quantidade de acções da outra, inscrevendo o valor correspondente em contas de terceiros - CR Outros Credores / Incentivo de Implementação, e numa conta a amortizar debitou o mesmo valor - DB Contas a Amortizar/ Incentivo de Implementação (cfr.documento junto a fls.9 a 12 dos presentes autos);
8-As mesmas sociedades passaram a amortizar anualmente uma parte do valor global do "Incentivo de Implementação", no quantitativo de Esc.16.875.000$00 em 1990, repartindo-o ao longo dos três anos que compunham o 1.º mandato dos órgãos sociais (cfr.documento junto a fls.9 a 12 dos presentes autos);
9-Em 1991, a impugnante procedeu à distribuição do benefício acordado pelos quadros, tendo entregue aos trabalhadores acções no valor de 42.821.822$00, sobre o qual foram efectuadas retenções na fonte de IRS, categoria A - trabalho dependente (cfr.documento junto a fls.9 a 12 dos presentes autos; informação exarada a fls.57 a 59 dos presentes autos).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Inexistem outros factos não provados com relevância para a decisão da causa…”.
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Levando em consideração que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou, além do mais, em prova documental constante dos presentes autos, este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa igualmente relevante para a decisão do recurso e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.662, nº.1, do C.P.Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário):
10-Em 21/04/1995, a sociedade impugnante efectuou o pagamento da liquidação identificada no nº.2 supra, no montante de Esc.10.749.729$00/€ 53.619,40 (cfr. documento junto a fls.55 dos presentes autos);
11-Em 13/12/2010, a empresa "A...S.A." incorporou, através de fusão, a sociedade impugnante "G….., S.A." (cfr.cópia de certidão junta a fls.149 a 151 dos presentes autos).
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Alicerçou-se a convicção deste Tribunal, no que diz respeito à matéria de facto aditada, no teor dos documentos referidos em cada uma dos números do probatório.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida decidiu, em síntese, julgar parcialmente procedente a impugnação, mais determinando, em consequência:
1-A anulação da liquidação objecto do presente processo (cfr.nº.2 do probatório), visto padecer do vício de falta de fundamentação, quanto à necessária qualificação dos valores declarados pelo sujeito passivo como provisões não aceites fiscalmente;
2-A improcedência do pedido de pagamento de juros indemnizatórios, dado que a anulação do acto tributário impugnado se baseou em vício de fundamentação insuficiente.
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Em primeiro lugar, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
Visando os recursos deduzidos parcelas distintas da sentença recorrida, entende este Tribunal apreciar os mesmos com base num critério meramente cronológico, assim se começando por examinar e decidir a apelação apresentada pela Fazenda Pública (cfr. artº.124, do C.P.P.Tributário).
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Antes, porém, deve resolver-se a questão da competência em razão da hierarquia, por força do disposto no artº.13, do C. P. T. Administrativos, aplicável “ex vi” artº.2, al.c), do C. P. P. Tributário, excepção esta aduzida pela sociedade recorrida (cfr.conclusões 3 a 5 das contra-alegações), no âmbito da instância da apelação apresentada pela Fazenda Pública.
Nos termos do artº.280, nº.1, C.P.P.Tributário, das decisões dos Tribunais Tributários de 1.ª Instância cabe recurso a interpor, em primeira linha, para os Tribunais Centrais Administrativos, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que tal recurso tem de ser interposto para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
A violação desta regra de competência, em razão da hierarquia, determina, por previsão explícita do artº.16, nº.1, do C.P.P.Tributário, a incompetência absoluta do Tribunal, ao qual é, indevidamente, dirigido o recurso.
Como decorre do artº.641, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6 (aplicável “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.T.), o despacho que admitiu o recurso não vincula o Tribunal Superior, pelo que nada obsta a que se aprecie e decida a questão prévia suscitada pela entidade recorrida junto deste Tribunal e, igualmente, de conhecimento oficioso, a qual se consubstancia na incompetência do T.C.A.Sul em razão da hierarquia.
A competência do Tribunal deve aferir-se pelo “quid disputatum” ou “quid decidendum”, em antítese com aquilo que será mais tarde o “quid decisum”. Por outras palavras, a competência do Tribunal afere-se face à pretensão formulada pelo autor na petição inicial, traduzida no binómio pedido/causa de pedir, ou seja, face ao “quid disputatum” e não ao “quid decisum”, isto é, a competência determina-se pelo pedido do Autor, irrelevando qualquer tipo de indagação acerca do mérito do mesmo (cfr.Manuel A. Domingues de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág.91; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.223 e seg.).
Nos termos do artº.26, al.b), do E.T.A.F., atribui-se competência à Secção do Contencioso Tributário do S.T.A. para conhecer dos recursos interpostos das decisões dos Tribunais Tributários, com exclusivo fundamento em matéria de direito.
Por sua vez, o artº.38, al.a), do E.T.A.F., atribui competência à Secção de Contencioso Tributário de cada Tribunal Central Administrativo para conhecer dos recursos de decisões dos Tribunais Tributários, ressalvando-se o disposto no citado artº.26, al.b), do mesmo diploma.
Da concatenação das aludidas normas do E.T.A.F. deve concluir-se que, para o conhecimento dos recursos jurisdicionais interpostos de decisões dos Tribunais Tributários de 1ª. Instância, é competente o S.T.A. quando o recurso tiver por fundamento exclusivamente matéria de direito e, pelo contrário, é competente a secção de contencioso tributário de um dos Tribunais Centrais Administrativos se o fundamento não for exclusivamente de direito.
Na delimitação da competência do S.T.A. em relação à dos Tribunais Centrais Administrativos, a efectuar com base nos fundamentos do recurso, deve entender-se que o recurso não tem por fundamento exclusivamente matéria de direito sempre que nas conclusões das respectivas alegações, as quais fixam o objecto do recurso (cfr.artº.684, nº.3, do C.P.Civil), o recorrente pede a alteração da matéria fáctica fixada na decisão recorrida ou invoca, como fundamento da sua pretensão, factos que não têm suporte na decisão recorrida, independentemente da atendibilidade ou relevo desses factos para o julgamento da causa. Por outras palavras, o recurso não versa exclusivamente matéria de direito, se nas suas conclusões se questionar matéria factual, manifestando-se divergência, por insuficiência, excesso ou erro, quanto à factualidade provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, quer porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, quer, ainda, porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos factos provados (cfr.ac.S.T.A.-2ª. Secção, 29/9/2010, rec.446/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/3/2013, proc.5971/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 4/6/2013, proc.6465/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.7746/14; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.223 e seg.).
São factos não só os acontecimentos externos, como os internos ou psíquicos, e tanto os reais, como os simplesmente hipotéticos. São ainda de equiparar aos factos os juízos que contenham subsunção a um conceito jurídico geralmente conhecido e que sejam de uso corrente (v.g.”pagar”; “vender”; “arrendar”). Existe matéria de facto quando o apuramento das realidades se faz todo à margem da aplicação directa da lei, isto é, quando se trata de averiguar factualidade cuja existência, ou não existência, não depende da interpretação a dar a nenhuma norma jurídica. Por sua vez, existe matéria de direito sempre que, para se chegar a uma solução, se torna necessário recorrer a uma disposição legal, ainda que se trate unicamente de fixar a interpretação duma simples palavra constante de uma norma legal concreta, seja de direito substancial, seja de direito processual (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 4/6/2013, proc.6465/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.7746/14; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, III, Coimbra Editora, 1985, pág.206 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.406 e seg.; Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, III, Almedina, 1982, pág.268 e seg.; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.264 e seg.).
O critério jurídico para destrinçar se estamos perante uma questão de direito ou uma questão de facto, passa por saber se o recorrente faz apelo, nos fundamentos do recurso substanciados nas conclusões, apenas a normas ou princípios jurídicos que tenham sido na sentença recorrida supostamente violados na sua determinação, interpretação ou aplicação, ou se, por outro lado, também apela à consideração de quaisquer factos materiais ou ocorrências da vida real (fenómenos da natureza ou manifestações concretas da vida mesmo que do foro espiritual ou volitivo), independentemente da sua pertinência, merecimento ou acerto para a solução do recurso. Nessa óptica, o que é verdadeiramente determinante é o efeito que o recorrente pretenda retirar de tais asserções cujo conhecimento envolva a elaboração de um dado juízo probatório que não se resolva por meio de uma simples constatação sobre se existiu ofensa de uma disposição legal expressa que implique uma dada espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força probatória de certo meio de prova, caso em que a competência já não caberá ao Tribunal de revista (cfr.artº.12, nº.5, do E.T.A.F.), mas ao Tribunal Central Administrativo por força do artº.38, al.a), do E.T.A.F., o mesmo se devendo referir sempre que, em fase de recurso, for pedida a apreciação da necessidade de realização de diligências de prova ou da sua determinação (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 4/6/2013, proc.6465/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.7746/14).
Ora, a identificação dos fundamentos do recurso colhe-se nas conclusões das alegações, conforme se alude supra, porque é nelas que o recorrente tem de condensar as causas de pedir que tenham susceptibilidade jurídica para, segundo o seu prisma, justificar a censura da decisão recorrida.
No caso “sub judice”, conforme se retira do exame das conclusões do recurso explanadas supra, nomeadamente, nas conclusões 2 e 3, a recorrente Fazenda Pública apela à consideração de factos materiais ou ocorrências da vida real, os quais estão para além da mera interpretação de normas ou princípios jurídicos que tenham sido na decisão recorrida, supostamente, violados na sua determinação. Concluindo, os fundamentos do presente recurso não versam, exclusivamente, matéria de direito, pelo que a competência para o seu conhecimento pertence a este Tribunal, por força do artº.38, al.a), do E.T.A.F., e não ao S.T.A.-2ª.Secção, atento o disposto nos artºs.12, nº.5, e 26, al.b), do E.T.A.F.
Sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente a excepção de incompetência absoluta deste Tribunal (em razão da hierarquia), aduzida pela entidade recorrida.
X
1-Aduz a recorrente Fazenda Pública, em síntese, que estando em causa a legalidade da correcção relativa ao acréscimo do valor de Esc.16.875.000$00 ao lucro tributável de I.R.C. da sociedade impugnante, referente ao ano de 1990, considerou a decisão do Tribunal “a quo” que o discurso fundamentador da mesma correcção não é suficiente nem adequado para qualificar os valores declarados pelo sujeito passivo como provisões não aceites fiscalmente e, consequentemente, não aceitar o custo fiscal. Que a não aceitação do montante em causa como custo do exercício decorre da aplicação do regime estabelecido, ao tempo, no artº.33, do C.I.R.C., relativamente à dedutibilidade fiscal das provisões. Que a decisão recorrida padece de erro de julgamento, tendo a actuação da A. Fiscal sido conforme à lei (cfr.conclusões 1 a 7 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar, supomos, um erro de julgamento de direito da sentença recorrida.
Dissequemos se a decisão do Tribunal "a quo" padece de tal vício.
No exame do presente recurso, desde logo, se deve recordar que o apelante não impugna a factualidade provada constante da sentença recorrida no âmbito do salvatério que deduz para este Tribunal (cfr.artº.640, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.685-B, do C.P.Civil, na versão anterior), nos termos previstos na lei.
Avancemos.
A base de incidência do I.R.C. encontra-se consagrada no artº.3, do C.I.R.C., sendo, nos termos do seu nº.2, definido o lucro tributável como o resultante da “diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas neste Código”.
Por outro lado, é no artº.17 e seg. do mesmo diploma que se consagram as regras gerais de determinação do lucro tributável, especificando-se no artº.23 quais os custos que, como tal, devem ser considerados pela lei.
Para o conceito fiscal de custo vale a definição constante do aludido artº.23, do C.I.R.C., a qual, depois de nos transmitir, de uma forma ampla, a noção de custos ou perdas como englobando todas as despesas efectuadas pela empresa que, comprovadamente, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva, procede a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo. Estamos perante um conceito de custo que se pode considerar comum ao balanço fiscal e ao balanço comercial. A definição fiscal de custo, como conceito mais amplo do que sejam os custos de produção e de aquisição, parte de uma perspectiva ampla de actividade e de necessidade da empresa, assim estabelecendo uma conexão objectiva entre a actividade desta e as despesas que, inevitavelmente, daqui decorrerão. E fá-lo com uma finalidade claramente fiscal, a qual consiste em distinguir entre custos que podem ser aceites para fins fiscais e que, por isso, vão influenciar o cálculo do lucro tributável e os que não podem ser aceites para tal efeito (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/2/2012, proc.4690/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.5721/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/5/2014, proc.7524/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/05/2016, proc.7245/13; J. L. Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, Lex Lisboa 2000, 2ª. Edição, pág.237 e seg.; António Moura Portugal, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, pág.101 e seg.).
Os custos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/2/2012, proc.4690/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc. 5721/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/5/2014, proc.7524/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/05/2016, proc.7245/13; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 28/03/2019, proc.69/17.9BCLSB; F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, anotado e comentado, Rei dos Livros, 5ª.edição, 1996, pag.206 e seg.).
O requisito da indispensabilidade de um custo tem sido jurisprudencialmente interpretado como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspectiva económica-empresarial, na percepção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um encargo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objecto societário do ente comercial em causa, sendo vedadas à A. Fiscal actuações que coloquem em crise o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo. Não obstante, se a A. Fiscal duvidar fundadamente da inserção no interesse societário de determinada despesa, impende sobre o contribuinte o ónus de prova de que tal operação se insere no respectivo escopo societário (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 29/3/2006, rec.1236/05; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 17/7/2007, proc.1107/06; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc. 5721/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/7/2015, proc.8473/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/05/2016, proc.7245/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/03/2019, proc.69/17.9BCLSB).
Refira-se, igualmente, que as empresas são obrigadas a dispor de contabilidade organizada nos termos da lei comercial e fiscal, a qual permita o controlo do lucro tributável (cfr.artº.98, do C.I.R.C., na versão em vigor em 1990; artºs.29 e 31, do C.Comercial).
Mais se deve vincar que, não obstante os custos incorridos deverem estar suportados pelos documentos externos respectivos, na medida em que adequados a conferirem-lhes credibilidade e a compor uma contabilidade legalmente organizada, à luz do direito (comercial, fiscal e contabilístico), sendo criadores de uma presunção de verdade, a circunstância de o não estarem não tem, necessária e vinculadamente, por consequência, a respectiva desconsideração no apuramento do lucro tributável, tudo em consonância com o princípio da prevalência da substância sobre a forma, no sentido de que, nuclearmente, o que releva, para o direito fiscal, é o apuramento da efectiva realidade, relevante para efeitos de tributação (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/03/2019, proc. 69/17.9BCLSB; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª. Edição, Coimbra Editora, 2007, pág.154 e seg.).
E recorde-se que a prova do custo pode ser efectuada através de documento interno (emitido pelo próprio sujeito passivo), desde que coadjuvado por qualquer outro meio de prova (testemunhas, documentos auxiliares, explanação da sua contabilidade), competindo ao Tribunal aquilatar sobre o preenchimento do respectivo ónus probatório. Deste modo, um custo não documentado externamente, pode assumir relevo fiscal se o contribuinte provar, por quaisquer meios ao seu dispor, a efectividade da operação e o montante do gasto. Por outras palavras, um documento de origem interna pode substituir um documento de origem externa quando sejam reunidas provas adicionais que confirmem a autenticidade dos movimentos nele reflectidos (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/01/2017, proc.9894/16; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/03/2019, proc.69/17.9BCLSB; Joaquim Manuel Charneca Condesso, "Operações simuladas em sede de I.V.A. e de I.R.C. Perspectiva da Jurisprudência Tributária", in Cadernos de Justiça Tributária, edição do CEJUR-Centro de Estudos Jurídicos do Minho, nº.12, Abril/Junho 2016, pág.21 e seg.).
É que se a contabilidade organizada goza da presunção de veracidade e, por isso, cabe à A. Fiscal o ónus de ilidir essa presunção, demonstrando que os factos contabilizados não são verdadeiros, já no que respeita à qualificação das verbas contabilizadas como custos dedutíveis, cabe ao contribuinte o ónus da prova da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da força produtora, se a Fazenda Pública questionar essa indispensabilidade (cfr.artºs.78 e 82, do anterior C.P.T.; artºs.74, nº.1, e 75, nº.1, da L.G.T.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/03/2019, proc.69/17.9BCLSB).
Revertendo ao caso dos autos, defende a Fazenda Pública que a correcção identificada no nº.1 do probatório supra se encontra devidamente fundamentada nos termos do artº.33, do C.I.R.C., em vigor no ano de 1990.
Por seu lado, a decisão recorrida, imputa a tal correcção o vício de falta de fundamentação, quanto à necessária qualificação dos valores declarados pelo sujeito passivo como provisões não aceites fiscalmente, tudo conforme supra expendido.
Com base nestes pressupostos decide anular a correcção em causa.
Vejamos quem tem razão.
A justificação da correcção sob exame encontra-se no nº.1 do probatório, para onde se remete.
A fundamentação é um conceito relativo que pode variar em função do tipo legal de acto administrativo que estamos a examinar.
Para apurar se um acto administrativo-tributário está, ou não, fundamentado impõe-se, antes de mais, que se faça a distinção entre fundamentação formal e fundamentação material ou substancial: uma coisa é saber se a Administração deu a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, as razões em que fundou a sua actuação, questão que se situa no âmbito da validade formal do acto; outra, bem diversa e situada já no âmbito da validade substancial do acto, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 13/7/2011, rec.656/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/6/2012, proc.3096/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/11/2013, proc.2887/09; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 19/12/2018, proc.236/17.5BEFUN).
No caso “sub judice”, a correcção sob exame remete para a noção de provisão a enquadrar no artº.33, do C.I.R.C., em vigor em 1990.
Estamos perante uma provisão sempre que se considera necessário utilizar, como reserva, uma determinada quantia, a qual é assim retirada do lucro tributável do exercício, para prever uma certa despesa, provável mas ainda não comprovada, a ter lugar no futuro, sendo criada ao abrigo do princípio da prudência, princípio contabilístico previsto no P.O.C. As provisões prendem-se com factos futuros, sobre os quais existe uma séria e previsível probabilidade de virem a acontecer, muito embora possa existir um certo grau de incerteza quanto aos montantes dos encargos advindos da ocorrência efectiva desses mesmos factos (cfr.J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª. Edição, Coimbra Editora, 2007, pág.402; Correia dos Santos, Imposto Único sobre o Rendimento, II volume, IRC, Código Anotado e Comentado, Coimbra Editora, 1989, pág.101; António Borges e Martins Ferrão, A Contabilidade e a Prestação de Contas, Editora Rei dos Livros, 8ª. Edição, 2000, pág.341).
Ao abrigo do citado princípio contabilístico da prudência, os agentes económicos devem adoptar uma postura de cepticismo perante todos os proveitos não realizados e, bem assim, incluir nas respectivas demonstrações financeiras os efeitos que traduzam a compensação das possíveis perdas daqueles montantes. Nestes termos, aos activos que traduzam créditos sobre terceiros devem ser associados os efeitos das incertezas que sobre eles venham a recair. A estas componentes negativas do rédito, reflectidas nas demonstrações financeiras para compensação de prováveis perdas no valor dos activos, era dada a designação de provisões, realidades que actualmente se designam por imparidades.
Atento o anteriormente expendido, a relevância das provisões, adentro cálculos inerentes ao lucro tributável, no duplo aspecto (positivo e negativo) da dotação e reposição, sempre mereceu por parte do legislador fiscal prescrições que visam o seu correcto tratamento.
As contas de provisões são aquelas onde se inscrevem as verbas destinadas a contrabalançar encargos ou prejuízos estimados e actuais de provável processamento futuro ou apenas de montante actualmente incerto. A provisão cria-se com um fim imediato em vista, nomeadamente, o de fazer face a um ou mais créditos que se julgam mal parados (cfr.J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª. Edição, Coimbra Editora, 2007, pág.401 e seg.; António Borges e Martins Ferrão, A Contabilidade e a Prestação de Contas, Editora Rei dos Livros, 8ª. Edição, 2000, pág.341 e seg.; ac.S.T.A.-Pleno, 27/2/85, Ap. D.R. de 12/1/87, pág.125 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 21/11/2001, rec.26080; ac.T.C.A.-2ª.Secção, 2/10/2001, proc.4668/00; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/02/2012, proc.4690/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/2/2015, proc.8137/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/05/2016, proc.7245/13).
Mais se deve referir que as provisões que não devam subsistir por não se terem verificado os eventos a que se reportam e, bem assim, as que forem utilizadas para fins diversos dos expressamente previstos na lei fiscal, considerar-se-ão proveitos ou ganhos do respectivo exercício, visto que o artº.33, nº.1, do C.I.R.C., em vigor em 1990, revestia natureza taxativa (cfr.artº.33, §2, do antigo C.C.I.; artº.33, nº.2, do C.I.R.C., na versão em vigor em 1990; Correia dos Santos, Imposto Único sobre o Rendimento, II volume, IRC, Código Anotado e Comentado, Coimbra Editora, 1989, pág.102).
Revertendo ao caso dos autos, a A. Fiscal qualificou o montante corrigido como provisões não aceites fiscalmente, por não estar previsto no artº.33, do C.I.R.C. (cfr.nº.1 do probatório). Porém, o sujeito passivo não o declarou, nem considerou como provisões, antes o designando como "Incentivo de Implementação", com um tratamento contabilístico que consistiu na inscrição do valor correspondente (em 1990 - Esc. 16.875.000$00) em contas de terceiros - CR Outros Credores / Incentivo de Implementação, e numa conta a amortizar debitou o mesmo valor - DB Contas a Amortizar/ Incentivo de Implementação (cfr.nºs.7 e 8 do probatório).
Ora, neste "Incentivo de Implementação" existe uma certeza de encargos futuros, durante os mencionados três anos, neles se incluindo o ano de 1990. Pelo que, não estamos perante provisões na acepção contabilística e fiscal supra delineada (factos futuros com grau de incerteza quanto ao montante dos encargos deles derivados), com expressão no citado artº.33, do C.I.R.C.
Em suma, as razões utilizadas pela Fazenda Pública, para fundamentar (fundamentação substancial) a sua correcção não são suficientes, nem adequadas para convencer o Tribunal da legalidade da sua actuação, ao descaracterizar alegadas provisões que não foram contabilizadas como tal pelo sujeito passivo. Pelo que, padece o acto de liquidação impugnado de erro sobre os pressupostos de direito, no caso, da norma constante do aludido artº.33, do C.I.R.C.
Arrematando, nega-se provimento ao recurso deduzido pela Fazenda Pública, mais se mantendo a sentença do Tribunal "a quo" neste segmento, ao que se provirá na parte dispositiva do presente acórdão.
X
2-A recorrente "A...S.A." alega, em primeiro lugar e em síntese, que não assiste razão ao Tribunal recorrido quando propugna que, no caso "sub judice", não há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios por o acto tributário impugnado ter sido anulado com fundamento em vício de forma. Que o Tribunal recorrido anulou a correcção em causa em virtude da falta de fundamentação substancial da mesma, a qual é qualificada como vício de violação de lei. Que não se estando perante um vício formal, mas um vício de violação de lei, não subsistem dúvidas de que, em tal situação, o direito ao pagamento de juros indemnizatórios é inequívoco face ao disposto no anterior artº.24, do C.P.T. (actual artº.43, da L.G.T.). Que é evidente o erro em que incorreu a sentença recorrida, a qual deve ser anulada, na parte ora objecto de recurso, reconhecendo-se o direito ao pagamento de juros indemnizatórios nos termos peticionados pelo recorrente (cfr.conclusões 1 a 10 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar um erro de julgamento de direito da sentença recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
Nos termos do artº.100, da L.G.Tributária, em virtude da procedência total ou parcial de impugnação a favor do sujeito passivo, a A. Fiscal está obrigada à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto objecto do litígio, tal dever compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios ou moratórios, se for caso disso, computados a partir do termo do prazo da execução espontânea da decisão (cfr.artº.43, da L.G.T.).
Em face de tal postulado, a anulação judicial do acto tributário implica o desaparecimento de todos os seus efeitos “ex tunc”, tudo se passando como se o acto anulado não tivesse sido praticado, mais devendo a reintegração completa da ordem jurídica violada ser efectuada de acordo com a teoria da reconstituição da situação actual hipotética (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/1/2012, proc.5110/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/9/2013, proc.6718/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/10/2013, proc.6608/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 30/10/2014, proc.7714/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 21/5/2015, proc.8379/15; Diogo Freitas do Amaral, A execução das sentenças dos Tribunais Administrativos, 2ª. edição, Almedina, 1997, pág.70; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª.edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.868 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, 6ª. edição, 2011, pág.526 e seg.).
A A. Fiscal está, assim, obrigada a reconstituir a situação legal que hipoteticamente existiria se não houvera sido objecto de um acto lesivo ou de uma ofensa por si cometida contra os direitos e interesses protegidos dos administrados. Tal constitui uma simples explicitação do princípio geral de direito que nos diz que devem ser apagados todos os efeitos jurídico-práticos consequentes de um acto ilícito (cfr.artº.562, do C.Civil).
A reconstituição da situação hipotética actual justifica a obrigação de restituição do imposto que houver sido pago, tal como do pagamento de juros indemnizatórios, cuja atribuição ao sujeito passivo, nos termos da lei, não está dependente da formulação de pedido nesse sentido, posição esta que está de acordo com os efeitos consequentes que decorrem da anulação do acto tributário, tal como do facto do pagamento de juros não estar dependente de pedido (cfr.artº.100, da L.G.Tributária; artº.61, nº.3, do C.P.P.T.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/2/2009, rec.1003/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/7/2006, proc. 1258/06; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/1/2007, proc.205/04; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/10/2013, proc.6608/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 30/10/2014, proc.7714/14; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 21/5/2015, proc.8379/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/9/2015, proc. 8862/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/11/2017, proc.1388/15.4BELRS; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª.edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.869).
Os juros indemnizatórios correspondem à concretização de um direito de indemnização que tem raiz constitucional. Com efeito, no artº.22, da C.R.Portuguesa, estabelece-se que o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte a violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.
A norma constitucional remete para o instituto da responsabilidade civil, pelo que serão aplicáveis as respectivas regras.
A obrigação de pagamento de juros indemnizatórios tem o seu fundamento no instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado, constituindo a contra face dos juros compensatórios a favor da Administração Fiscal e sendo tal matéria regulada pela lei em vigor à data do facto gerador da responsabilidade (cfr.artº.12, do C.Civil). Assim, a natureza dos juros indemnizatórios é substancialmente idêntica à dos juros compensatórios, sendo, como estes, uma indemnização atribuída com base em responsabilidade civil extracontratual (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/09/2015, proc. 8862/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/11/2017, proc.1388/15.4BELRS; Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Responsabilidade Civil da Administração Tributária por Actos llegais, Áreas Editora, 2010, pág.37 e seg.).
Especificamente, quanto à aplicação da exposta teoria ao regime previsto no anterior artº.24, nº.1, do C.P.Tributário, norma em que igualmente se consagra a expressão “erro imputável aos serviços”, mais se enquadrando na matéria de responsabilidade civil extracontratual e tendo guarida constitucional no artº.22, da C.R.P., também se pode citar a jurisprudência mais recente dos Tribunais Superiores (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 17/11/2004, rec.772/04; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 21/1/2009, rec.945/08; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 4/2/2009, rec.766/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/10/2012, proc.5791/12).
Relativamente ao regime de garantias dos contribuintes em sede de I.R.C., deve igualmente levar-se em consideração o disposto no artº.111, nº.6, do C.I.R.C., então em vigor.
A utilização da expressão “erro” e não “vício” ou “ilegalidade” para aludir aos factos que podem servir de base à atribuição de juros indemnizatórios, em qualquer dos citados normativos, revela que se teve em mente apenas os vícios do acto anulado a que é adequada essa designação, que são o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito. Com efeito, há vícios dos actos administrativos e tributários a que não é adequada tal designação, nomeadamente os vícios de forma e a incompetência, pelo que a utilização daquela expressão “erro” têm um âmbito mais restrito do que a expressão “vício”.
Na verdade, a existência de vícios de forma ou incompetência significa que houve uma violação de direitos procedimentais dos administrados e, por isso, justifica-se a anulação do acto por estar afectado de ilegalidade. Mas o reconhecimento judicial de um vício de forma ou incompetência não implica a existência de qualquer pecha na relação jurídica tributária, isto é, qualquer juízo sobre o carácter indevido da prestação pecuniária cobrada pela administração tributária com base no acto anulado, limitando-se a exprimir a desconformidade com a lei do procedimento adoptado para a declarar ou cobrar ou a falta de competência da autoridade que a exigiu.
Trata-se de uma solução equilibrada, inclusivamente no domínio processual. Na verdade, perante o simples reconhecimento judicial de um vício de forma ou de incompetência fica-se na dúvida sobre se estavam reunidos os pressupostos de facto e de direito de que a lei faz depender o pagamento de uma prestação tributária. Se essa dúvida é um motivo suficiente para não exigir uma deslocação patrimonial do contribuinte para a Fazenda Pública (justificando a restituição da quantia paga) também, por identidade de razão, será suporte bastante para não impor uma deslocação patrimonial efectiva em sentido inverso - pagamento de uma indemnização (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/10/2013, proc.6608/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/09/2015, proc.8862/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/11/2017, proc.138/17.5BCLSB; Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Responsabilidade Civil da Administração Tributária por Actos llegais, Áreas Editora, 2010, pág.42 e seg.).
Por outras palavras, a referência aos casos de erro imputável aos serviços tem manifesto alcance restritivo, limitando o dever de pagamento de juros indemnizatórios aos casos em que não se verificam os pressupostos factuais ou jurídicos em que o acto assentou (acto tributário em causa padece de erro de facto ou de direito que é imputável aos serviços da A. Fiscal). Fora dos casos em que é o contribuinte a determinar o montante do imposto a pagar (v.g.autoliquidação), a liquidação é feita pelos serviços e, por isso, os erros de direito, consubstanciados na aplicação da lei a determinados factos, serão, normalmente, imputáveis à Fazenda Pública (v.g.liquidação adicional). Esta imputabilidade dos erros à A. Fiscal é independente da prova da existência de culpa concreta de qualquer dos seus órgãos, funcionários ou agentes, ou mesmo da prova da culpa global dos serviços. Trata-se de uma responsabilidade objectiva (cfr.artº.173, nº.1, do C.P.T.A.; Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Responsabilidade Civil da Administração Tributária por Actos llegais, Áreas Editora, 2010, pág.49 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, contrariamente ao decidido pelo Tribunal “a quo”, a pecha de que padece o acto tributário cuja anulação é decretada neste processo não se reconduz a um vício de forma. Pelo contrário, conforme mencionado supra, a insuficiente fundamentação substancial do acto reconduz-se a um erro sobre os pressupostos de facto e de direito, no caso, consubstanciando-se na aplicação da norma constante do aludido artº.33, do C.I.R.C., à situação factual descrita nos autos. Sendo tal erro imputável aos serviços da A. Fiscal, desde logo, porque nos encontramos perante liquidação adicional da sua lavra, mais se reconduzindo a um vício de violação de lei por falta de verificação dos pressupostos factuais e jurídicos necessários à correcção da matéria colectável originadora do mesmo acto tributário, tudo conforme jurisprudência do S.T.A.-2ª.Secção a que aderimos (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 14/09/2011, rec.433/11; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 28/09/2011, rec.494/11; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/03/2015, rec.537/14).
Face ao exposto, desnecessário se torna o exame do restante esteio do recurso deduzido pela sociedade "A...S.A." (cfr.conclusões 11 e seg. da apelação).
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se procedente o presente recurso e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida neste segmento, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
1-NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELA FAZENDA PÚBLICA, em consequência do que se confirma a decisão recorrida neste segmento;
2-CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO DEDUZIDO PELA SOCIEDADE "A….., S.A.", em consequência do que se julga totalmente procedente a presente impugnação.
X
Sem custas, dado das mesmas estar isento a recorrente Fazenda Pública (cfr.nº.3 do probatório).
X
Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 8 de Maio de 2019



(Joaquim Condesso - Relator)



(Vital Lopes - 1º. Adjunto)



(Anabela Russo - 2º. Adjunto)