Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1907/08.2 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:01/24/2024
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:ADUANEIRO
CONTROLO ADUANEIRO
AMOSTRAS
REPRESENTATIVIDADE
PAUTA ADUANEIRA
Sumário:I - Não sendo, no momento oportuno, colocada em causa a representatividade da amostra recolhida pela autoridade aduaneira (que não dispunha de elementos para concluir nesse sentido), não pode ser, de forma extemporânea e não consubstanciada, invocada uma falta de representatividade dessa amostra, quando não é alegada nem provada a possibilidade de se obter uma amostra representativa, ainda que a mercadoria já tenha sido desalfandegada.
II - Tendo sido realizadas quer análises pelos laboratórios da então DGAIEC, quer por laboratório independente indicado pela Impugnante, que, de acordo com o método de referência definido em legislação comunitária, foram no sentido de a percentagem de proteína leite não ser superior a 85%, a mercadoria classifica-se na posição pautal 0404 90.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais: Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

V…., Lda (doravante Recorrente ou Impugnante) veio recorrer da sentença proferida a 31.05.2012, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada improcedente a impugnação por si apresentada, que teve por objeto a liquidação aduaneira no valor de 22.173,93 Eur., emitida em 25.o9.2008.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito suspensivo.

Nas suas alegações, a Recorrente concluiu nos seguintes termos:

“1. A douta sentença considerou errada a classificação pautal de três lotes distintos de proteína de leite concentrada, declarada com a designação outras substâncias proteicas, código 350400 00 90, onerada com a taxa de 3,4% de direitos aduaneiros, o que deu azo a que a classificação da mercadoria se fizesse pelo código pautal 040490 2100, à taxa de € 100,40, por 100Kgs,;

2. O que determina a classificação é o facto de a mercadoria ser um concentrado de proteína de leite contendo, em peso, calculado sobre a matéria seca, mais de 85%.

3. Da documentação presente à Alfândega, quando da chegada da mercadoria, processada na Austrália, pelo fabricante e pelo Ministério da Agricultura australiano, faziam parte o certificado sanitário e outra documentação segundo a qual a mercadoria era constituída por três lotes diferentes com o teor de proteína de 86,52%, no lote 6114. e 85.70% nos lotes 6177 e 6180.

4. Esta composição proteica foi posta em causa pelo conferente, que, sem a participação do despachante interveniente mandou recolher um saco de mercadoria e mandou analisá-lo como se se tratasse de alimentos para animais, pelo método Kjedahl, identificado como sendo método de rotina, tendo apurado um teor proteico de apenas 83,2%.

5. Esta análise incidiu sobre amostra, constituída por um só saco, colhida sem a presença de representante da ITE, sem entrega de duplicado da amostra aos despachante oficial ou de conservação no próprio Laboratório. (Reg (CE) n° 213/2001 da Comissão de 9 de Janeiro de 2001, artigo 7o e Anexo VIII; Dec Lei n° 39279 de 17/JUL/1953)

6. A Alfândega reconheceu a inadequação do método analítico seguido nesta primeira análise.

7. Efetuada segunda colheita da mercadoria, voltou a não ser entregue ao despachante ou à Rte qualquer duplicado da amostra, o que cerceou o direito de recurso.

8. Esta amostra voltou a ser realizada pelo método Kjedahl, agora identificado como método de referência tendo o teor de proteína subido para 84,26%.

9. A douta sentença deixa sem censura a ausência de um verdadeiro relatório na primeira e na segunda análises.«O relatório laboratorial de análise deve incluir elementos suficientes para permitir a avaliação dos resultados em conformidade com os anexos IV e VIII» do Reg (CE) n° 213/2001 (art. 5o, 3).

10. A Rte recorreu desta segunda análise propondo que a análise de recurso se fizesse no Laboratório da Agroleico. Porém, logo se verificou que não havia duplicado de amostra para analisar, o que liminarmente invalida a segunda análise de que foi interposto recurso.

11. Com intervenção da analista da Agroleico e na presença da analista representante da Alfândega, foi colhida uma amostra, com várias tomas diferenciadas.

12. Ao tomar conhecimento do relatório da análise, a Rte constatou que apenas havia sido analisado 1 dos 3 lotes da mercadoria, que têm com composição distinta. Consequentemente a análise só é válida para 1 lote e inexistente para 2 lotes.

13. Na colheita das amostras e na análise não esteve presente nenhum analista em representação da Rte, pelo que a douta sentença não faz boa pronúncia quando incompreensivelmente censura a Rte por esta omissão.

14. O Laboratório da Agroleico procedeu «análise efectuada com o analisador LECO — FP528» tendo apurado que o teor de proteína bruta em base seca era de 86,7% ou seja acima do legalmente exigido para a classificação da mercadoria pelo capítulo 35° da Pauta, como pretende a RTE;
15. Perante este resultado, que confirmava o teor proteico apurado na Austrália, segundo o relatório da A……, «por exigência do laboratório da Alfândega de Lisboa pelo método FIL 20 B 1993 que se baseia no método Kjedahl» tendo agora sido apurado um teor proteico de 84,9%, próximo do limiar de 85%, bem superior aos apurados nas duas anteriores análises em que o mesmo método apresentava valores teores de proteína de 83,2% e 84,26%.

16. A douta sentença secunda o entendimento da Alfândega, sem explicitar as razões, o que muito se estranha porquanto os resultados analíticos devem ser aferidos com base em critérios científicos, objetivos, não sendo tolerável que sejam adotados os resultados que convêm ou que são decretados pela Alfândega ou que são aceites na condição de serem convenientes.

17. A douta sentença erra a pronúncia quando menospreza os efeitos da exposição do contentor no cais, ao ar livre e à invernia, durante 5 meses, e menospreza o depoimento do Prof Boudier. Este reputado académico, autoridade respeitada em França e nas instâncias comunitárias ligadas ao setor do leite e da produção alimentar, depôs no sentido de o resultado da análise pode ter sido afetado já que um dos elementos analisados foi o teor de humidade. A douta sentença, aliás, não faz a menor referência sobre o depoimento desta credenciada testemunha, o mesmo sucedendo sobre depoimento do Eng L...18. Segundo o relatório da A…, esta laboratório adoptou «o método tradicionalmente executado em rotina, método validado e acreditado. que se baseia na utilização do analisador elementar de azoto “LECO” — FP-528»

19. E o relatório da A... diz ainda: «2- O produto foi submetido a análise segundo o método interno desenvolvido para o analisador de Azoto Total LECO — FP-528, que conforme foi dito é método acreditado pelo IPAC».

20. Este método é mais rigoroso que o método Kjedahl porque «A quase total automatização no método, reduzindo a intervenção do analista à pesagem da toma para ensaio e rigoroso controlo da calibração e condições operatórias tornam o método preciso como on tratamento do número de réplicas efectuadas permite evidenciar».

21.- Como o boletim de análise deixa transparecer a análise segundo os dois métodos apresenta disparidade acentuada nos resultados obtidos.22. Segundo o método de combustão lenta o resultado é substancial superior.

23. A justificação para o sucedido e tendo sido tomadas para os dois protocolos analíticos todos os procedimentos de controlo de qualidade parece residir nalguma inadequação do método Kieldahl utilizado dada a natureza altamente proteica do produto em análise», (transcrito do relatório com sublinhado da Rte)

24. A douta sentença não atentou que as autoridades aduaneiras fixaram um objetivo e ajustaram a análise à sua obtenção. Os resultados analíticos não se encomendam, verificam-se com independência pelos processos técnicos mais fiáveis e nos termos da lei.

25. O «Reg (CE) n° 213/2001 da Comissão de 9 de Janeiro de 2001, ... estabelece as normas de execução do Regulamento (CE) n° 1255/1999, no que respeita aos métodos a utilizar para a análise e avaliação da qualidade do leite e dos produtos lácteos», não estabelece a obrigação da adoção do método Kjedahl, ou outro método nominalmente identificado. Pelo contrário prevê dois tipos métodos: métodos de rotina e métodos de referência.

26. Os métodos de referência constam do Anexo I ao Reg (CE) n° 213/2001 e para ser validados têm de estar conforme «a critérios de precisão pré-estabelecidos, relativos aos limites de repetibilidade e de reprodutibilidade» ( cfr art 4o, 1 do Reg (CE) n° 213/2001).

27. Tanto o método Kjedahl como o método LECO- FP- 528 são métodos validados e considerados de referência, por terem sido validados e acreditados junto da LHE, pelas entidades identificadas no «Anexo I (artigo 2o) LISTA DOS MÉTODOS DE REFERÊNCIA, índice» são mencionados os métodos de referência por remissão para a acreditação pelas entidades internacionais cujos métodos analíticos são reconhecidos pela União Europeia, entre elas a IUPAC (LECO FP-528) e a ISO.
28. Do ponto de vista estritamente técnico-analítico, face às oscilações do método Kjedahl, que apresentou valores de 82,3%. 84,26% e 84,9% , o método LECO - FP-528 deve prevalecer por ser mais fiável e menos susceptível de erro humano por ser feito num aparelho próprio para o efeito, por quase não exigir intervenção do analista e porque o alto teor proteico da mercadoria desaconselha o uso do método Kjedahl. como expressamente refere o relatório do Laboratório da análise da A....

29. Se todas as análises tivessem sido efetuadas de acordo com a lei, em caso de contradição de resultados obtidos por métodos distintos, ambos acreditados, deve tirar-se a média de acordo com a fórmula expressa no Anexo VIII do Reg

31. Pela aplicação da fórmula, no único lote analisado validamente, o teor proteico situa-se em 85.75%.

32. A douta sentença é omissa quanto à falta de idoneidade técnica do Laboratório da Alfândega. A mera inclusão do Laboratório na rede comunitária de laboratórios das Alfândegas não dispensa a prova dos requisitos de repetibilidade ou de reprodutibilidade.

33. O Reg (CE) n° 213/2001, art 5.º dispõe que «as análises são efectuadas em laboratórios que aplicam um método interno de qualidade conforme descrito na alínea a) do anexo V, ou um método comparável». «.Deve encontrar-se disponível no laboratório uma descrição pormenorizada do método aplicável».

34. Incumbia à FP ou à DGÀIEC o ónus da prova de satisfação dos requisitos técnicos exigíveis à luz do artigo 5.º do Reg (CE) n° 213/2001 da Comissão, A conduta errática daquele laboratório é a prova acabada do não preenchimento de requisitos mínimos de fiabilidade. A douta sentença nada diz sobre esta matéria.

35. Não tendo sido realizadas análise válidas, com excepção da que foi feita na A... para 1 lote, não existem quaisquer fundamentos para não revogar a liquidação que deveria ser efetuada em conformidade com a classificação da mercadoria pelo código pautal 350400 00 90. onerada com a taxa de 3,4% de direitos aduaneiros e IVA à taxa reduzida aplicada aos produtos lácteos.

Preceitos violados:

Dec Lei n° 39279 de 17/JUL/1953Reg (CE) n° 213/2001 da Comissão de 9 de Janeiro de 2001

O Regulamento (CE) n.° 178/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho (JQ L-31 01/02/2002) (CELEX 32002R0178 Segurança Alimentar

Termos em que deve ser provido o presente recurso, revogando-se, em consequência a douta sentença por estar eivada de omissão e de erro de pronúncia, assim se fazendo JUSTIÇA”.

A Fazenda Pública (doravante Recorrida ou FP) apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:

“a) Na douta sentença recorrida foi feita a adequada interpretação da lei e a respectiva imputação à matéria controvertida nos autos, tendo sido decididas todas as questões submetidas pelas partes que competia decidir ao douto Tribunal.

b) A matéria impugnada respeita a um diferendo sobre a classificação pautal da mercadoria “PROMILK 852 A 2”, originária da Austrália, importada através do Documento Administrativo Único (DAU) n° 208713.4, de 2006/10/24, processado na então Delegação Aduaneira de Xabregas, tendo como importadora a ora recorrente V…., Lda.

c) A mercadoria foi declarada e classificada pela posição pautal 3504000090, “outras substâncias proteicas", tributada em direitos aduaneiros pela taxa de 3,4% (e IVA 5 ou 21%).

d) A Administração Aduaneira entendeu que as mercadorias devem ser classificadas pela posição pautal 0404902100, “produtos constituídos por componentes naturais do leite”, tributada em direitos aduaneiros à taxa de 100,4 €/100 Kgs (IVA 21%).

e) A convicção da Administração em classificar a mercadoria pela posição pautal referida no ponto anterior tomou-se definitiva com a decisão n° 14/2008 de 20/06 do Conselho Técnico Aduaneiro (CTA), criado pelo Decreto-Lei n° 281/91 de 09/03, que não foi objecto de recurso judicial (acção administrativa especial), e teve por base exames laboratoriais da mercadoria importada realizados no Laboratório da então DGAIEC e da A... de acordo com o disposto no Regulamento (CE) nº 213/2001 da Comissão de 09/01 que estabelece as normas de execução do Regulamento (CE) n° 1255/1999, no que respeita aos métodos a utilizar para a análise e a avaliação da qualidade do leite e dos produtos lácteos, bem como na legislação em vigor sobre a matéria, nomeadamente no art 20° do Código Aduaneiro Comunitário (CAC), instituído pelo Regulamento (CEE) n° 2913/92 do Conselho de 12/10.

38) Sobre matéria idêntica á destes autos veja-se o decidido no Acórdão do TCA SUL de 01/06/2011, proferido no Processo n° 04024/10 de 01/06/2011, no sentido de que,

"1. (...)

2. Perante desacordo relativo à classificação pautal de mercadorias, impõe-se ao proprietário destas, primeiramente, provocar, requerer, a organização, por parte das autoridades aduaneiras, de processo técnico de contestação, de competência do CTA e, em segundo lugar, quando lhe seja desfavorável o veredicto deste, propor acção administrativa especial tendente a anular o acto administrativo em cauae, sob pena de o mesmo persistir válido, com a inerente subsistência dos respectivos efeitos, que, por não terem sido especificamente visados, se tomam Imunes a críticas, a contestações, ainda que avançadas em outros processos Judiciais.

3. Não podendo ser discutidos, no âmbito deste Impugnação judicial, os fundamentos coligidos, pela impugnante, no sentido de, em conclusão, se vir a decidir pela correcção de classificação pautal que mencionou aquando do desalfandegamento das mercadorias em apreço, a respectiva apresentação resulta manifestamente ilegal, por ausência de objecto válido e adequado, pelo que, consequentemente, sem escapatória, se tem de julgar improcedente a impugnação dos actos de liquidação, porque estes dependem umbilicalmente, no sentido da classificação pautal nos moldes corrigidos pelas autoridades aduaneiras”.

Nestes termos e nos demais de direito doutamente supridas por V. Exas., deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida nos precisos termos em que foi proferida, com o que se fará justiça”.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do então art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) Há erro na decisão proferida sobre a matéria de facto?

b) Há erro de julgamento, em virtude de os requisitos atinentes à realização das análises não terem sido respeitados e não ter sido afastado o declarado pela Recorrente?

c) Deve ser efetuado reenvio prejudicial?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“1. Em 24.10.2006 foi processado na Delegação Aduaneira de Xabregas o Documento Administrativo Único (DAU) n.° 208713.4, através do qual foi declarada para "introdução em livre prática e no consumo" a mercadoria designada na factura n.° 264091, de 16.8.2006, como "PROMILK 852 A 2, originária da Austrália, com o valor aduaneiro de EUR 110.660,00 e peso liquido de 22.000,00 Kgs (cf. cópia da DAU a fls. 2 e 3 do Processo administrativo Tributário de ora em diante designado de PAT).2. A mercadoria descrita no ponto anterior foi transportada no contentor FSCU-962648/8, apresentando-se acondicionada em 1100 sacos de 20 Kg cada (cf. cópia da Guia de transporte marítimo a fls. 4 e 5 do PAT e cópia de reprodução fotográfica a fis. 62 do PAT).

3. Em cada um dos sacos de mercadoria descritos no ponto anterior constavam as seguintes inscrições" Milk Protein Isolate Protein/DRY Matter 85%" (cf. fis. 63 dos autos).

4. A mercadoria descrita nos pontos anteriores tinha como destinatário a ora impugnante, V…, Lda. (cf. cópia da DAU a fls. 2 e 3 e cópia da Guia de transporte marítimo a fls. 4 e 5, todas do PAT).

5. A mercadoria foi declarada nos serviços da Alfandega de Xabregas pelo Despachante Oficial J… M… C… H…, nos seguintes termos:

matéria seca, mais de 85% de proteínas, tendo-lhe atribuído a "classificação pautal 3504 0000 90 — "Outras substâncias proteicas" (cf. cópia da folha de declarações a fls. 7 e 8 do PAT).

6. Em 26.10.2006, no acto de conferência documental o funcionário conferente nomeado, José Rosário, suscitou por escrito, duvidas da posição pautal da mercadoria no código 1500, sujeita enquanto tal a uma taxa de IVA reduzida de 5% e da sua inclusão da mercadoria na lista 2 da Parte 6 da Pauta de Serviço e (cf. cópia da folha de declarações a fls.7 e 8 do PAT).

7. Em 26.10.2006, o chefe dos serviços da Delegação Aduaneira de Xabregas enviou à divisão do imposto sobre o valor acrescentado (DIVA) o oficio n.° 863/04, com o assunto "Taxa IVA — PROMILK 852 A 2", cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido e no qual consta o seguinte (cf. cópia do oficio a fls. 20, 21 e 22 do PAT):

(…)

Tendo em conta o descritivo da verba 2.4, da lista 1, anexa ao CIVA, bem como da lista 2, Parte 6 (código adicional 1500), da pauta de serviço, solicito a V. Exa. esclarecimento sobre a taxa do IVA a aplicar ao produto designado na factura de PROMILK 852 A "Isolat de proteines de lait".

A mercadoria foi classificada no código 3504000090, e destina-se, segundo informação prestada pelo Declarante, a ser adicionada ao leite.

Anexo duas análises de produtos com a mesma designação, onde constam graus de pureza de 85.8% e 86,52%.

8. Em 21.11.2006, foi enviado pelo director de serviços em resposta ao oficio descrito no ponto anterior, comunicação electrónica, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido e no qual consta o seguinte (cf. cópia a fls. 23 do PAT):

Em resposta ao pedido de informação solicitado através do V/fax n.° 863, do passado dia 26 de Outubro, cumpre-me informar V. Ex.a, tendo por base a comunicação efectuada pela INFARMED, de que não existem medicamentos com Autorização de Introdução no Mercado com a designação "PROMILK" ou semelhante, pelo que o produto identificado na factura, apresentada pelo importador, será passível da taxa do IVA normal, 21%.

Aquele Instituto referiu, ainda, que face à designação do produto e sua composição poderá tratar-se de um Género alimentício destinado a uma alimentação especial, ou de um produto enquadrável na definição de suplemento alimentar, cujas entidades competentes para a sua definição são a Direcção-Geral da Saúde e a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica respectivamente.

9. Em 15.12.2006 o despachante e declarante da mercadoria identificado no ponto n.° 4 contestou a informação descrita no ponto anterior e requereu que fosse organizado processo técnico de contestação (cf. folha de declarações a fls. 9 do PAT).

10. Em 15.12.2006 foi ordenada a recolha de amostras à mercadoria (cf. folha de declarações a fls. 9 do PAT).

11. Em 28.12.2006 foi realizada a seguinte informação pelos serviços da DGAIE, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido (cf. folha de declarações a fls. 9 do PAT):

Informo v. Exa., que até à presente data, o reclamante não promoveu os procedimentos necessários à verificação física da mercadoria e ao procedimento de extracção de amostras. Deste modo julgo que deve ser fixado um prazo para o efeito."

12. Em 3.1.2007 foi fixado ao declarante, o prazo de cinco dias para providenciar a verificação das mercadorias (cf. folha de declarações a fls. 9 do PAT).

13. Em 4.1.2007, foi aberto um saco de 20Kg onde a mercadoria descrita nos pontos anteriores vinha acondicionada, do qual foram retiradas três amostras, tendo duas sido entregues no dia seguinte, no laboratório da Direcção Geral das Alfandegas e dos Impostos Especiais sobre o consumo (DGAIEC), com pedido de análise urgente sobre "a percentagem em peso de proteínas, calculado sobre a matéria seca (azoto x 6,38)" (cf. folha de declarações a fls. 9 e oficio de fls. 25 do PAT).

14. A terceira amostra foi entregue ao declarante, para efeitos de eventual recurso do resultado das análises (cf. cópia do auto a fis. 9 do PAT).

15. Em 5.1.2007 foi elaborada a análise laboratorial descrita em 9, pelo laboratório da DGAIEC, através do método "Kjeldahl", na qual foi determinado uma "percentagem de proteína total (factor 6,38) sobre matéria seca de 83.5%," (cf. cópia do boletim de análise a fis. 26 e 27 do PAT).

16. Em 18.1.2007 o declarante identificado no ponto 4, perante o resultado da análise descrito no ponto anterior, solicitou aos serviços da DGAIEC que fossem extraídas novas amostras, mas retiradas de 4 sacos diferentes, de modo a que fosse constituída uma amostra representativa da mercadoria (cf. cópia da folha de declarações a fls. 11 do PAT).

17. Em 23.1.2007 foram enviadas as amostras de acordo com o pedido descrito no ponto anterior ao Laboratório da DGAIEC juntamente com o ofício com o n.° 169, com o assunto "Amostras para análise DAU 2087713.4/2006, no qual consta o seguinte (cf. cópia do oficio a fls. 28 do PAT):

"Referenciando-Se o Boletim de Análise n.° 9, Proc. LAB 1.2/07, de 09.01.2007, informo a v.a Ex.a que o Declarante solicitou nova extracção de amostras, a efectuar inopinadamente de 4 sacos, para que seja uma amostra mais representativa da remessa.

Nesse sentido, anexo uma amostra de um concentrado de proteínas do leite, designado de PROMILK 852 A 2.

Pretende-se saber a percentagem em peso de proteínas do leite, calculado sobre a matéria seca, conforme dispõe a Nota complementar 1, do capitulo 35, da Pauta de Serviço.

Na eventualidade da mercadoria ser classificada pela posição 04.04, pretende-se ainda o teor de matérias gordas e de açúcar.

18. Em 31.1.2007 foi emitido pelo laboratório da DGAIEC o Boletim de Análise com o n.° de saída 101, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido e no qual consta os seguintes resultados (cf. cópia do boletim de análise a fls. 29 do PAT):19. Em 1.2.2007 o funcionário conferente dos serviços da DGAIEC elaborou na "folha de declarações e pedidos informação" e atribuiu à mercadoria a classificação pautal 04049021 00 e correspondente aplicação de uma taxa de direitos aduaneiros TPT de EUR 100,4/100 Kg e de 21% de IVA (cf. cópia da folha de declarações a fls. 11 do PA).

20. Em 5.2.2007 a ora impugnante apresentou requerimento ao Director Geral da DGAIEC, de admissão do recurso da análise descrita no ponto 18, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido e no qual consta o seguinte (cf. fls. 76 e 77 do PAT):

V... Lda, nipc 502..., com sede na Rua ….Algés (fax 21…), tendo sido notificada do resultado da análise laboratorial, a que foi sujeita a mercadoria declarada a coberto do DU 2087134/2006 da Delegação Aduaneira de Xabregas, em que interveio como declarante o despachante oficial J… M… C… H, vem requerer, ao abrigo do DL n.° 39279 de 17/JUL/1953, a admissão de recurso da mesma.

A motivação do recurso assenta no facto de na realização da análise ter sido adoptado o «método 2 do Anexo 1, da Directiva 71/393/CEE» conforme consta expressamente do relatório do Boletim de Análise, emitido pelo Laboratório da DGAIEC.

Aquela directiva versa sobre a análise de alimentos para animais.

Ora a mercadoria declarada é um «concentrado de proteínas do leite» ou seja um produto lácteo.

O Laboratório ignorou o «Reg (CE) n.° 213/2001 da Comissão de 9 de Janeiro de 2001, que estabelece as normas de execução do Regulamento (CE) n.° 12555/1999, no que respeita aos métodos a utilizar para a análise e avaliação da qualidade do leite e dos produtos lácteos».

Não se está apenas perante uma questão de forma. A análise por ter sido realizada por processos e métodos impróprios deu um resultado erróneo, com reflexos na classificação pautal.

Há conhecimento de que recentemente foi cometido idêntico erro na Polónia. Da sua correcção resultou a adopção da classificação pautal adoptada em França, Espanha, Inglaterra, estados-membros que importam a mesma mercadoria, fornecida pelo mesmo produtor.

Acresce que o Laboratório da DGAIEC não está, aparentemente habilitado para realizar este tipo de análise, à semelhança de vários outros laboratórios.

O laboratório mais apto, na região de Lisboa, consta ser o da A... sugerindo-se que a análise de recurso se processe neste laboratório.O importador nomeia como seu perito o Eng. J…B…, a notificar por correio electrónico j…@..com OU POR VIA POSTAL OU FAX PARA A SEDE DO requerente.

21. Em 7.2.2007 o Laboratório da DGAIEC emitiu a informação n.° 121, com o assunto: " Análise de recurso solicitada pela Firma V..., Lda. a uma mercadoria declarada como concentrado de proteínas de leite, referente ao DU n.° 208713.4/06, da Delegação Aduaneira de Xabregas" cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido e na qual consta o seguinte (cf. cópia da informação a fls. 33 do PAT):

(…)

1-A Firma V..., Lda. solicitou recurso á análise efectuada pelo Laboratório da DGAIEC, a uma amostra de concentrado de proteínas de leite, no que concerne ao "teor em proteínas totais sobre a matéria seca", cujo resultado foi de 83,2% e não superior a 85%, como declarado.

2- A motivação do recurso assenta no facto de que o método adoptado — método 2 do Anexo 1, da Directiva 71/393/CEE — é utilizado para a análise de alimentos para animais e não para produtos lácteos e que o laboratório ignorou o Reg. (CE) n.° 213/2001, que estabelece as normas de execução do Reg (CE) n°12555/1999, no que respeita aos métodos a utilizar para a análise e avaliação da qualidade do leite e dos produtos lácteos, o que pode ter conduzido a um resultado erróneo, com reflexos na classificação pautal.

3- Segundo o estipulado no n.°4 a) do Reg (CCE) n.° 4154/87 o teor de proteinas de leite é calculado multiplicando o teor de nitrogénio (determinado pelo método de Kieldahl) pelo factor 38.

O método de rotina por nós utilizado foi exactamente o de Klieldahl, não obstante a Directiva que o incluiu como anexo, diga respeito aos alimentos para animais.

4- O Reg. (CE) n.° 213/2001 estabelece, no seu Anexo 1, a lista dos métodos de referência aplicáveis às análises do leite e dos produtos lácteos no âmbito dos regimes previstos pela Organização Comum do Mercado neste sector, mas também estipula, no seu 4.° considerando, que não deve excluir-se a aplicação de métodos de rotina, devendo especificar-se as suas condições de utilização.Foi este o caso presente em que se utilizou um método de rotina idêntico ao método de referência FIL 20B11993, constante do referido Anexo 1, para este tipo de produtos.

5- Contrariamente ao afirmado pela Firma no seu requerimento, o Laboratório da DGAIEC está habilitado para realizar este tipo de análises, à semelhança de vários outros laboratórios e, assim sendo, proponho a V. EX.a se digne autorizar a repetição destas análises, adoptando agora os métodos de referência (FIL 20B/1993 (parte 2) e FIL 26 para a determinação do nitrogénio e da humidade respectivamente) a fim de se constatar se o resultado divergente resultou de um técnica analítica imprópria, conforme argumento apresentado pela Firma, ou se de uma mercadoria mal declarada pela mesma.

22. Em 8.2.2007 o Subdirector Geral dos serviços da DGAIEC exarou o seguinte despacho na informação identificada no ponto anterior: "Concordo com os fundamentos e pelos motivos invocados" (cf. cópia da informação a fis. 33 do PAT).

23. Em 12.2.2007 foi emitido pelo laboratório da DGAIEC boletim de análise n.° 126, com o assunto "em substituição do boletim de análise n.° 101 de 7.1.31" e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido (cf. cópia do boletim a fis. 35 e 36 do PAT):24. Em 7.3.2007 foi realizada nova extracção de amostras à mercadoria, na qual estiveram presentes R…, Técnico Verificador da 2.a classe da DGAIEC; C…, Técnica-adjunta especialista do laboratório da DGAIEC, Eng. C…, do laboratório A... e o declarante da mercadoria J….C… (cf. auto a fls. 14 do PAT).25. A respectiva extracção foi realizada pela representante da A... de 4 sacos com o lote 6180, dos quais foram retiradas quatro amostras com 150 gramas aproximadamente (cf. auto a fls. 14 do PAT).

26. Em 7.3.2007 conforme requerimento pelo impugnante (identificado no ponto n.° 20), foi realizada contra-análise pelo laboratório A... e emitido o relatório de análise n.° 2007_3522 com data de conclusão de 19.3.2007, onde refere o lote de mercadoria n.° 6180, e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido e do qual consta o seguinte (cf. cópia do relatório a fls. 40 e 41 do PAT):27. Em 3.5.2007 a impugnante dirigiu ao director geral das Alfandegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, requerimento, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido (cf. cópia do requerimento a fls. 48 e 49 do PAT).

28. Em 9.5.2007 foi emitida pelo Laboratório da DGAIEC a informação n.° 488, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido e na qual se conclui o seguinte (cf. fls. cópia da informação a 45 a 47 do PAT):

“(…)

Por todo o exposto é bem patente a inexactidão de toda a argumentação apresentada pela Firma V..., pelo que será de rejeitar completamente a sua pretensão em que seja considerado o valor de 86,7%, para o teor em proteinas sobre a matéria seca, determinado pelo analisador LECO — FP 528 não indicado como método de referência para este tipo de produtos, mas sim o de 84,9%, obtido pelo constante do Req. CE 213/2001 (FIL 20B/1993) e já transmitido à Alfandega Marítima de Lisboa.

29. Em 10.5.2007 a Estância Aduaneira de Xabregas emitiu à liquidação n.° 5800 no valor de EUR 18.351,51, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido (cf. cópia da liquidação a fls. 55 do PAT).

30. Em 10/5/2007 foi dada autorização de saída da mercadoria, após ter sido pago o diferencial de IVA de 5% para 21% e prestado garantia dos direitos aduaneiros e demais imposições resultantes da diferença entre a taxa de direitos TPT efectivamente paga e a corresponde à posição pautal atribuida à mercadoria (cf. carimbo de saída a fls. 2 do PAT, cópias das liquidações a fls. 55 e 56 do PAT).

31. Em 14.5.2007 foi elaborado pelo verificador especialista da DGAIEC, colocado na Alfandega Marítima de Lisboa e pelo despachante oficial em representação da impugnante o "Auto Inicial de Processo Técnico de Contestação" cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido (cf. cópia do auto a fis. 58 do PAT).

32. Em 23 de Maio de 2007 foi elaborada pelo verificador especialista da DGAIEC uma "nota justificativa" no processo de contestação sobre classificação pautal, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido (cf. fls. 59 a 61 do PAT).32. Em 23 de Maio de 2007 foi elaborada pelo verificador especialista da DGAIEC uma "nota justificativa" no processo de contestação sobre classificação pautal, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido (cf. fls. 59 a 61 do PAT).

33. A mercadoria apresentava um prazo de validade para consumo até Junho de 2007 (cf. depoimento da testemunha J.. R…).

34. Em 12.6.2007 o despachante oficial J… M… C… H… da ora impugnante deu entrada nos serviços da Alfandega Marítima de Lisboa da fundamentação da sua contestação, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido (cf. cópia a fls. 78 e 79 do PAT).

35. Em 20 de Junho de 2008, o Conselho Técnico Aduaneiro proferiu a decisão n.° 14/2008, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido e na qual consta o seguinte (cf. cópia da decisão a fis. 83 a 87 do PAT):

“Visto o processo de contestação n.° 15/2007, do Conselho Técnico Aduaneiro, relativo à mercadoria submetida a despacho por V…., LDA, com o n.° 502… de Identificação Fiscal e sede na Rua C …. Algés, representada pelo despachante oficial J… M… C… H… , titular da cédula n.° 0220R0, através da declaração de importação n.° 208713.4 de 24/10/2006, da Delegação Aduaneira de Xabregas, é originária da Austrália e vem designada, tal como exarado na factura n.° 26…, emitida em 16/8/2006, por I…, SA, com domicilio em AV… — A.. — FRANÇA, por "P… 852 A 2";

(...)

Mostra-se que o verificador classificou a mercadoria pelo código pautal 0404 90 21 00, como produtos constituídos por componentes naturais do leite, que, mais especificadamente, o referido funcionário fundamenta a sua posição:

- Na circunstância, das análises efectuadas à mercadoria indicarem que a proteína total sobre a matéria seca é de 84,9%, o que impossibilita a sua classificação pautal pelo capitulo 35, dado que nos termos da Nota Complementar 1 ao referido capitulo; «incluem-se designadamente na posição 3504 os concentrados de proteínas do leite contendo, em peso, calculado sobre a matéria seca. Mais de 85% de proteínas»;- No facto da referida classificação pautal encontrar, igualmente, apoio nas Notas Explicativas da Nomenclatura Combinada — NENC, quando relativamente à posição 3504 00 00 referem que os «concentrados de proteínas do leite, contendo, em peso, calculado sobre a matéria seca, 85% ou menos de proteínas, incluem-se na posição 0404 90»;

- Por fim, considera também, e por um lado, que ".. o descritivo da Notas explicativas do Sistema Harmonizado relativo à posição 0404, permite enquadrar a mercadoria em causa, na sob posição pautal 0404 90", invocando, por outro lado, as Regras Gerais 1 e 6 para a interpretação da Nomenclatura combinada.

Mostra-se que o declarante entendeu proceder à classificação das mercadorias pelo código pautal 3504 00 00 90, com outras substâncias proteicas que, mais especificamente, o declarante fundamenta a sua posição:

- Na circunstância da mercadoria submetida a desalfandegamento ter um teor de proteína de 86,6%, o que resulta da aplicação do "método analítico previsto no Reg. (CE) n.° 213/2001 da Comissão de 9 de Janeiro de 2001, que estabelece as normas de execução do Regulamento (CE) n.° 12555/1999, no que respeita aos métodos a utilizar para análise e avaliação da qualidade do leite e dos produtos lácteos";

- No facto de considerar que o teor proteico de 84,9% resulta da errada aplicação de um outro método de análise, qual seja o previsto na "...Directiva 71/393/CEE da Comissão de 18 de Novembro de 1971 (Segunda Directiva) que fixa os métodos a utilizar para análise comunitários para o controlo oficial dos alimentos para animais".

Considerando que estando, como estamos, perante concentrados de proteínas do leite, a questão que, desde logo, importa conhecer é a de saber qual, afinal, a percentagem de proteínas sobre a matéria seca corporizada na mercadoria em causa, o que se mostra decisivo para a respectiva classificação pautal, e que a metodologia analítica que deveria ter sido utilizada, em ordem ao conhecimento da percentagem de proteínas mencionada, é a prevista no Regulamento (CE) n.° 213/2001 da Comissão de 9 de Janeiro, que estabelece as normas de execução do Regulamento (CE) n.° 1255/1999, no que respeita aos métodos a utilizar para a análise da qualidade do leite e dos produtos lácteos;

Considerando que, conforme se estatui no artigo 2.° do referido Regulamento, os métodos de referência aplicáveis às análises químicas, físicas ou microbiológicas do leite e dos produtos lácteos são os estabelecidos no anexo 1 do citado instrumento legal, e que tratando-se de produtos constituídos por componentes naturais do leite, como é o caso, e se o parâmetro a considerar for a proteína, como também é o caso, o método de referência a aplicar é o que, na citada legislação, vem designado por norma FIL 20B:1993; Considerando que as análises realizadas, seja, a primeira, efectuada pelo Laboratório da DGAIEC, seja a análise de recurso efectuada pela A… — Laboratório de Análises Químicas …, tiveram em conta e resultaram da efectiva aplicação do método de referência atrás citado, indicando os seus resultados que o teor de proteínas sobre a matéria seca se situa, respectivamente, em 84,32% e 84,9%;

Considerando que, face ao que se deixa referido, resulta estarmos perante produtos constituidos por componentes naturais do leite, destinados, designadamente, como, aliás foi declarado, a melhorar certas qualidades / propriedades do queijo, constituído por um concentrado de proteínas do leite, que em peso sobre a matéria seca, não ultrapassa os 85% de proteínas, o que está, de resto, em sintonia com a inscrição "POTEIN/DRY MATTER 85%, exarada nas respectivas embalagens;

Considerando que, como ensinam, as x (NENC da posição 3504 00 00, os "concentrados de proteínas do leite, contendo, em peso, calculado sobre a matéria seca, 85% ou menos de proteínas, incluem-se na posição 0404 90", e que, por outro lado, tais ensinamentos, estão em sintonia com o estabelecido Nota Complementar n.° 1 ao capitulo 35, quando aí se diz que se incluem "(...) designadamente na posição 3504 os concentrados de proteínas do leite contendo, em peso, calculado sobre a matéria seca, mais de 85% de proteínas";

Considerando que, por um lado, nestas circunstâncias a mercadoria em litígio deve ser subsumível no capítulo 4 e na posição 0404, que compreende os produtos constituídos por componentes naturais do leite, e, tendo em conta, por outro, que o texto da referida posição é composto, por duas partes distintas, na medida em que uma delas, a primeira, se refere ao "soro do leite, mesmo concentrado ou adicionado de açúcar ou de outros edulcorantes", enquanto a segunda respeita aos 'produtos constituídos por componentes naturais do leite, mesmo adicionados de açúcar ou de edulcorantes, não especificados nem compreendidos em outras posições", sendo a primeira parte do referido texto enquadrada pela subposição 0404 10, e a segunda pela subposição 0404 90, teremos a referida mercadoria, necessariamente, inscrita nesta subposição;

Considerando, por fim, que não tendo havido lugar à adição de açúcar ou de edulcorantes, como decorre do resultado das análises laboratoriais efectuadas à mercadoria, e situando-se a sua percentagem de matéria gorda, nos termos dessas análises, em níveis inferiores a 1,5%, a classificação pautal da mercadoria há-de ser a correspondente ao código 04049021.

Delibera atribuir às mercadorias em litígio o código pautal 0404 90 21 00, como produtos constituídos por componentes naturais do leite, não especificados nem compreendidos em outras posições, com fundamento nas Regras Gerais 1 e 6 para a interpretação da Nomenclatura Combinada e nos dizeres dos códigos NC 0404: 0404 90 e 0404 90 21 00.

Sala das Sessões do Conselho Técnico Aduaneiro, 20 de Junho de 2008

(...)"

36. Em 14.8.2008 o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais proferiu o despacho de homologação do parecer identificado no ponto anterior (cf. cópia do despacho de homologação a fls. 88 do PAT).

37. Em 11.9.2008 foi enviado por carta postal registada ao impugnante e ao despachante oficial, os ofícios n.° 7402 e 7403 de comunicação da decisão descrita nos pontos 35 e 36 (cf. cópia dos ofícios a fis. 80 e 90 do PAT).

38. Em data que não foi possível apurar, durante o procedimento de contestação técnico, foi apresentado pelo declarante da mercadoria um declaração da "T…." U … A…. I…, na qual consta a seguinte identificação de lotes (cf. declaração a fls. 13 dos autos):39. Desde a entrada da mercadoria do Porto de Lisboa até a sua saída 10.5.2007 a mercadoria esteve fechada num contentor selado de ferro ou aço (cf. Depoimentos convergentes das testemunhas J… M… M… R… e L… M… V… B… G…).

40. Em 21.11.2008 a PI da presente impugnação de entrada no Tribunal Tributário de Lisboa (cf. carimbo aposto a fls. 1 dos autos)”.

II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:

“Consideram-se não provados os seguintes factos com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir:

A — Ao longo do procedimento de extracção de amostras e realização da análise de recurso foi suscitada pelo declarante das mercadorias ou pelo importador a necessidade de se testarem três lotes de mercadoria de diferente composição (inexistência de prova documental no PAT, cf. auto a fls. 14 e depoimento de Rui Pedro Rodrigues)”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:“A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, e especificados nos vários pontos da matéria de facto provada, tendo os depoimentos prestados pelas testemunhas sido valorados apenas quanto a factos e sobre os quais demonstraram possuir conhecimento directo”.


II.D. Atento o disposto no art.º 712.º, n.º 1, al. a) do CPC/1961, ex vi art.º 281.º do CPPT, acorda-se alterar a redação de parte da factualidade mencionada em II.A., em virtude de resultarem dos autos elementos documentais que exigem tal alteração (1) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 286.. Nesse seguimento, passa a ser a seguinte a redação do facto 24, transcrito em II.A:

24. Em 7.3.2007 foi realizada nova extracção de amostras à mercadoria, na qual estiveram presentes R… P… R…, Técnico Verificador da 2.a classe da DGAIEC; C…. V…, Técnica-adjunta especialista do laboratório da DGAIEC, Eng. C… R…, do laboratório A…., o declarante da mercadoria J… C… e o Importador (cf. auto a fls. 14 do PAT).

II.E. Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto

Da leitura integral das alegações apresentadas, resulta que a Recorrente se insurge quanto à decisão proferida sobre a matéria de facto.

Assim, refere que:

a) Não é caraterizado suficientemente o facto 1.;

b) O facto 14 é inexistente, sustentando-se em prova testemunhal, que não carateriza;a) Nada é dito sobre o Laboratório da DGAIEC não ser certificado nem certificável;

b) Os depoimentos do prof. B…. e do Eng L… não foram valorados.
Considerando o disposto no art.º 685.º-B do CPC/1961 (a atentar para efeitos de análise das alegações de recurso, considerando a data de apresentação das mesmas, correspondendo, em grande medida, ao disposto no art.º 640.º do CPC/2013), a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão (2) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 169..Assim, o regime vigente atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [cfr. art.º 685.º-B, n.º 1, al. a), do CPC/1961, equivalente ao art.º 640.º, n.º 1, al. a), do CPC/2013];

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. art.º 685.º-B, n.º 1, al. b), do CPC/1961, equivalente ao art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC/2013], sendo de atentar nas exigências constantes dos n.ºs 2 e 4 do mesmo art.º 685.º-B, do CPC/1961.

Especificamente quanto à prova testemunhal, dispunham os n.ºs 2 e 4 do art.º 685.º-B do CPC:
“2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522.º-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição.

(…) 4 - Quando a gravação da audiência for efetuada através de meio que não permita a identificação precisa e separada dos depoimentos, as partes devem proceder às transcrições previstas nos números anteriores”.

Ora, perscrutando as alegações de recurso integralmente, o que se verifica é que a Recorrente não impugnou tal decisão nos termos legalmente previstos.

Com efeito, e quanto à situação mencionada sob a alínea a), não são indicados os concretos meios probatórios, que demonstrem que, com o DAU, foram juntos os elementos documentais complementares referidos pela Recorrente, não sendo tal evidente da consulta aos autos, designadamente dos documentos juntos ao DAU no processo administrativo – o que, aliás, vai de encontro com o decidido no ponto 38. dos factos provados, não impugnado.

No tocante à situação referida em b), em relação à qual o Tribunal a quo se sustentou em auto junto ao processo administrativo, esta sustentação não é posta em causa, remetendo-se para prova testemunhal, sem que se cumpram as exigências legais supramencionadas.

Quanto ao referido supra em c), apesar de a Recorrente designar como omissão de pronúncia, não estamos perante esta nulidade, prevista no então art.º 668.º, n.º 1, al. d), do CPC/1961, relativa à falta de conhecimento de questões por parte do julgador, mas perante um eventual erro de julgamento de facto, por não terem sido dados como provados factos relevantes para a decisão da causa. Sucede que, também aqui, o que temos é uma mera conclusão, não se indicando qualquer elemento probatório que a ateste.Finalmente, quando aos depoimentos do prof. B… e do Eng L…, os mesmos são mencionados globalmente e sem quaisquer referências nos termos legalmente exigidos, sem se alcançar que concreto facto a Recorrente entende ter ficado provado pelos mesmos, sendo que o Tribunal a quo referiu que apenas valorou os depoimentos que revelassem conhecimento direto de factos alegados – o que permite concluir que entendeu que tais depoimentos não evidenciavam tal conhecimento direto.

Como tal, rejeita-se o recurso nesta parte.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento

Considera, por outro lado, a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, porquanto nenhuma das análises efetuadas consegue reunir todos os requisitos legal e tecnicamente exigidos e não afastam o por si declarado.

Vejamos.

In casu, estamos perante impugnação de liquidação aduaneira, que teve a sua origem em mercadoria declarada com a classificação pautal 3504 00 00 90 e que veio a ser classificada pela então direção geral das alfândegas e dos impostos especiais sobre o consumo (DGAEIC) pelo código pautal 040490 21 00.

Em matéria aduaneira, e considerando o período temporal em causa, há que atentar, desde logo, no Código Aduaneiro Comunitário (CAC), estabelecido pelo Regulamento (CEE) n.º 2913/92 do Conselho de 12 de outubro de 1992.

Os direitos aduaneiros devidos são calculados atenta a classificação pautal da mercadoria em causa, constante da Pauta Aduaneira das Comunidades Europeias (cfr. art.º 20.º do CAC) – cfr. ainda o Regulamento (CEE) n.º 2658/87 do Conselho de 23 de julho de 1987, relativo à nomenclatura pautal e estatística e à pauta aduaneira comum.

Num primeiro momento, há uma obrigação declarativa a cumprir, na qual devem ser cabalmente identificadas as mercadorias e a respetiva classificação pautal, com liquidação dos direitos respetivos, se houver direitos a liquidar. O art.º 4.º, n.º 17, do CAC define declaração aduaneira como “o ato pelo qual uma pessoa manifesta, na forma e segundo as modalidades prescritas, a vontade de atribuir a uma mercadoria determinado regime aduaneiro”.

No caso dos autos, o regime aduaneiro aplicável foi o de introdução em livre prática e no consumo [cfr. art.º 4.º, n.º 16, e art.ºs 79.º a 83.º, todos do CAC, e art.ºs 290.º a 300.º das Disposições de Aplicação do CAC (DACAC) – Regulamento (CEE) n.º 2454/93 da Comissão, de 2 de julho de 1993].

Os elementos declarativos podem ser objeto de controlo por parte dos serviços aduaneiros, como resulta do art.º 37.º, n.º 1, do CAC.

Por outro lado, é ainda de considerar que o DL n.º 281/91, de 9 de agosto, criou o Conselho Técnico-Aduaneiro (CTA), órgão que veio substituir os antigos Tribunais Técnico-Aduaneiros.

Ao CTA competia, nos termos do art.º 6.º do referido diploma, “decidir sobre as contestações de carácter técnico suscitadas no ato da verificação das mercadorias ou posteriormente ao seu desalfandegamento, relacionadas com a classificação pautal, origem ou valor das mercadorias”.

Tais decisões, a partir da data da homologação, aplicavam-se a todos os casos idênticos, como decorria do art.º 21.º do diploma em causa.

Nos termos do art.º 10.º deste diploma:

“1 - Quando, no momento da verificação das mercadorias, os serviços das alfândegas discordem dos elementos da declaração relativos à classificação pautal, origem ou valor das mesmas e o declarante com tal atitude se não conforme, será organizado, por despacho do chefe da estância aduaneira, processo técnico de contestação.

2 - A contestação pode ser igualmente suscitada após o desalfandegamento das mercadorias, na sequência de controlo ou fiscalização realizados nos termos da legislação em vigor”.

De acordo com Valente Torrão (Código Aduaneiro Comunitário anotado, Almedina, Coimbra, 2003, p. 165):

“As divergências surgidas na fixação do valor das mercadorias entre as autoridades aduaneiras e os donos das mercadorias ou respectivos interessados, serão resolvidas por decisão do Conselho Técnico Aduaneiro sendo o impulso do processo técnico de contestação desencadeado oficiosamente (v. arts. 1.º e 10.º n.º 1 do Decreto Lei n.º 281/91, de 9/8), ao contrário do que sucedia com o regime anteriormente vigente - arts . 230.º e 231.º do Contencioso Aduaneiro.

Ao Conselho Técnico Aduaneiro, na dependência do Director-geral, compete decidir sobre as contestações de carácter técnico suscitadas no acto da verificação das mercadorias ou posteriormente ao seu desalfandegamento, relacionadas com a classificação pautal, origem ou valor das mercadorias (art . 7.º n.º 1 do DL n.º 360/99, de 16.9 .

Conforme estipulado no art. 44.º n.º 1 h) do CPPT, este processo técnico de contestação insere-se no procedimento tributário, pelo que lhe são aplicáveis as normas daquele diploma, em tudo o que não for incompatível com o direito comunitário ou a natureza específicas das matéria aduaneiras e sem prejuízo do disposto no DL n.º 281/91, de 9.8”.

No caso de divergência, quanto à classificação pautal, em momento posterior ao do desalfandegamento, não é facultativo o processo técnico de contestação. Com efeito, da leitura do art.º 10.º do DL n.º 281/91, de 9 de agosto, decorre a obrigatoriedade do mesmo, sempre que se verifique discordância entre os serviços aduaneiros e o sujeito passivo.

O que sucede no art.º 10.º, nos seus dois números, é que o legislador pretendeu distinguir os dois momentos no tempo em que é possível ocorrer este processo técnico de contestação:

ñ A situação mais frequente, no momento do desalfandegamento;

ñ Numa segunda hipótese, a atendendo aos mecanismos de controlo a posteriori, num momento posterior a tal desalfandegamento.

Ou seja, o que o art.º 10.º pretende, nestes seus dois números, é precisamente prever a possibilidade de o processo técnico de contestação ocorrer em qualquer uma das situações, seja num controlo inicial, seja num controlo a posteriori.

Apliquemos estes conceitos ao caso dos autos.

In casu, como resulta provado, foi realizada uma primeira análise no laboratório da DGAIEC (tendo, ao contrário do alegado, resultado provado que foi entregue uma amostra ao declarante), na qual, por utilização do método Kjedahl, se chegou a um resultado de percentagem de proteína de 83,5%, ou seja, inferior aos 85% declarados – o que tem necessárias implicações em termos de classificação pautal.

A declarante solicitou extração de novas amostras, de quatro sacos diferentes, para ser considerada representativa, o que foi feito.

Foi feita uma nova análise pelo laboratório da DGAIEC, que deu origem ao boletim de análise n.º 126 e no qual se chegou ao resultado de proteína 84,32%, por aplicação do método FIL/IDF 20B:1993 (que substituiu o boletim 101, no qual se aplicou outro método, dado que, como a própria Recorrente refere, foi reconhecido pela alfândega a inadequação do método primitivamente seguido).

A ora Recorrente requereu nova análise, indicando um concreto laboratório para o efeito e um outro método que não o utilizado pela então DGAIEC.

Em março de 2007 foi realizada nova extração de amostras (cfr. factos 24 e 25), analisadas pelo laboratório indicado pela ora Recorrente, onde se obteve um resultado de proteína bruta de 86,7%, de acordo com o analisador LECO – FP 528, e, segundo a forma FIL-20B:1993, de 84,9%.

Sublinhe-se que nada foi referido pela Recorrente nesse momento sobre a necessidade de extrair outras amostras, sendo que questões dessa natureza devem ser suscitadas no momento em que a mercadoria está disponível para a análise ou, se depois de desalfandegamento, se não tiverem as mesmas sido alteradas (o que nem foi sequer suscitado pela Recorrente). Veja-se que, como resulta provado, todos os sacos em que estava acondicionada a mercadoria apresentavam a mesma inscrição (cfr. facto 3) e não resulta da matéria de facto assente que existisse nos autos administrativos informação em sentido diverso.

Como se refere no Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) Derudder de 04.03.2004, C-290/01, EU:C:2004:120, n.ºs 45 e 46:

“45 A limitação no tempo da possibilidade de contestar a representatividade duma amostra das referidas mercadorias responde também à própria finalidade das Directivas 79/695 e 82/57 e do Código Aduaneiro Comunitário, que visam garantir procedimentos rápidos e eficazes de colocação em livre prática, visto que, se se desse ao declarante a possibilidade de contestar ilimitadamente esta representatividade, as autoridades aduaneiras seriam então obrigadas, por dever de ofício, para prevenir tal risco, a proceder a um exame aprofundado de todas as mercadorias objecto de declaração aduaneira, o que não corresponderia nem ao interesse dos operadores económicos, geralmente zelosos a pedirem a saída para poderem comercializar rapidamente as mercadorias que declaram, como aconteceu no caso do processo principal, nem ao interesse das referidas autoridades, para as quais o exame sistemático das mercadorias declaradas implicaria um acréscimo considerável de trabalho.

46 Finalmente, a interpretação de que a possibilidade de contestar a representatividade duma amostra deve ser limitada ao período em que as mercadorias importadas ainda estão disponíveis para que se possa efectuar, se necessário, uma colheita suplementar é corroborada pela redacção do Código Aduaneiro Comunitário, nomeadamente pelo seu artigo 78.°, n.° 2, segundo o qual as autoridades aduaneiras, depois de concederem a autorização de saída das mercadorias e para se certificarem da exactidão dos elementos da declaração, podem proceder ao controlo destas mercadorias «se estas ainda puderem ser apresentadas». Se a possibilidade de as referidas autoridades controlarem a posteriori as declarações aduaneiras está, assim, subordinada à condição da disponibilidade das mercadorias que foram objecto de tais declarações, o mesmo deve necessariamente acontecer quanto à possibilidade de um declarante ou o seu representante contestar a representatividade da amostra. Esta faculdade de contestação pressupõe, por isso, que não tenha sido dada saída às mercadorias em causa ou, se tiver sido dada saída, que não tenham sido alteradas de modo algum, o que incumbe ao declarante ou ao seu representante provar” (v. igualmente o Acórdão do TJUE de 27.02.2014, Greencarrier Freight Services Latvia, C-571/12, EU:C:2014:102).

Ou seja, nunca foi contestada no momento oportuno a representatividade da amostra (cfr. factos não provados), que, aliás, não se consegue afirmar não o ser (dado nem sequer a Impugnante ter alegado e provado a composição de cada lote). Veja-se que a última análise feita pela DGAIEC e a feita pelo laboratório independente obtiveram resultados superiores a 84 e inferiores a 85% e nunca foi posta em causa a representatividade da amostra, tendo a mesma sido colhida nos termos requeridos pela Recorrente (cfr. factos 16, 17, 24 e 25).
Na sequência do referido até ao momento, a DGAIEC, em sede de decisão, não considerou o resultado obtido com o analisador LECO – FP 528, por não ser o método de referência, considerando, sim, os valores obtidos pelo método constante do Regulamento CE 213/2001 (FIL-20B:1993), tendo, nessa sequência, sido emitida a liquidação referida em 29. do probatório.

A 10.05.2007, veio a ser autorizada a saída da mercadoria.

O processo de contestação aduaneira foi, entretanto, tramitado, tendo CTA proferido decisão, a 20.06.2008, segundo a qual à mercadoria em causa deveria ser atribuído o código pautal 0404 90 21 00. Esta decisão foi homologada pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, a 14.08.2008 – em relação à qual não há notícia nos autos de que tenha sido objeto de impugnação autónoma.

Quanto aos métodos, chamam-se à colação a este respeito:

a) O Regulamento (CEE) nº 4154/87 da Comissão de 22 de dezembro de 1987 que define os métodos de análise e outras normas de carácter técnico necessárias à aplicação do Regulamento (CEE) nº 3033/80 do Conselho, relativo ao regime de trocas aplicável a certas mercadorias resultantes da transformação de produtos agrícolas.

É neste regulamento que nos surge o método Kjendahl, como resulta do seu art.º 2.º, n.º 4, segundo o qual : “Em conformidade com as definições constantes do Anexo III do Regulamento (CEE) n°. 3034/80 (…) são utilizados as fórmulas, procedimentos e métodos seguintes: (…) 4.Teor em proteínas do leite: a)Sem prejuízo do disposto na alínea b) supra, o teor em proteínas do leite da mercadoria tal como se apresenta é calculado multiplicando o teor de nitrogénio (determinado pelo método Kjeldahl) pelo factor 6,38; b)Se na composição da mercadoria se declaram, para além da matéria gorda proveniente do leite, outras componentes que contenham proteínas diferentes das proteínas do leite: -o teor de nitrogénio total é determinado pelo método Kjeldahl, -o teor em proteínas do leite é calculado como definido na alínea a) supra, subtraindo do teor em nitrogénio total ao teor em nitrogénio correspondente às proteínas, com exclusão das do leite”;

b) O Regulamento (CE) n.° 213/2001 da Comissão, de 9 de janeiro de 2001, que estabelece as normas de execução do Regulamento (CE) n.° 1255/1999, no que respeita aos métodos a utilizar para a análise e a avaliação da qualidade do leite e dos produtos lácteos e, altera os Regulamentos (CE) n.° 2771/1999 e (CE) n.° 2799/1999.

No seu Anexo I consta a lista de métodos de referência a aplicar nas análises, sendo que se indica como método de referência a norma FIL 20B:1993 para produtos com o Código NC 0402 e 0404 90 no parâmetro proteínas.

Refira-se que, nas Notas Explicativas da Nomenclatura Combinada das Comunidades Europeias (2006/C 50/01), em observação à NC 3504 00 00, é referido que “[o]s concentrados de proteínas do leite que contenham, em peso, calculado sobre a matéria seca, 85 % ou menos de proteínas classificam-se na posição 0404 90”.

Feito este enquadramento, atentando na posição da Recorrente, a mesma sustenta-se em erros em termos das análises laboratoriais realizadas.

Antes de mais, sublinhe-se que os resultados que a própria DGAIEC teve em conta foram os resultados obtidos pelas análises realizadas pelo laboratório indicado pela ora Recorrente, de acordo com o método FIL 20B: 1993, que se encontravam em consonância com o resultado mencionado em 23., obtido pelo laboratório da DGAIEC, feito de acordo com o mesmo parâmetro – e já não de acordo com o método Kjeldahl.

A análise considerada foi a obtida na sequência dos resultados alcançados, no seguimento do recurso apresentado pela Recorrente, pelo que não se alcança como a segunda análise efetuada pela DGAIEC cerceou o seu direito de recurso. Este foi exercido e, aliás, como é referido pelo Tribunal a quo, nunca naquele momento foi invocado qualquer aspeto relativo ao duplicado da amostra ou aos relatórios das primeira e segunda análises. Ademais, não foram só os valores destes, mas sim os do relatório efetuado pelo laboratório indicado pela própria Recorrente, coincidentes com os mencionados em 23., que foram considerados pela DGAIEC e sustentaram a emissão da liquidação em crise.

É ainda de sublinhar que esteve presente, na colheita destas amostras, representante da Recorrente, pelo que não se compreende o ora alegado de não estar presente qualquer analista em sua representação (o que, aliás, nem foi alegado em sede de petição inicial). Nada foi invocado nesse momento a esse propósito e, acima de tudo, o laboratório independente foi, justamente, o indicado pela ora Recorrente, estando lá presente uma sua técnica / analista.

Atento o referido, verifica-se que o método considerado pela DGAIEC não foi um método ad hoc, mas sim o método que a própria regulamentação comunitária define como sendo de referência e na sequência de diversas análises laboratoriais, que foram dando resposta às exigências requeridas pela ora Recorrente.

Por outro lado, quanto aos efeitos da exposição do contentor no cais, nada resulta provado no sentido de que tenha havido qualquer deterioração da mercadoria pela permanência da mesma no contentor, sendo que, como referimos, a este respeito não foi cabalmente impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto. Apenas resulta provado que o contentor era de ferro ou aço e se encontrava selado e que a mercadoria sempre aí esteve fechada. Logo, nada, em termos factuais, permite extrair conclusão no sentido defendido pela Recorrente.

O método utilizado pela DGAIEC foi, como referimos, o constante do Regulamento CE, pelo que, havendo disparidades, tem de ser considerado o método de referência imposto, não competindo a este Tribunal aferir se o legislador comunitário errou ao determinar um método e não outro.

Finalmente, quanto à falta de idoneidade técnica do laboratório da DGAIEC, nada foi alegado que possa, de forma sustentada, pô-la em causa, não tendo havido qualquer omissão a este propósito por parte do Tribunal a quo, dada tal ausência de consubstanciação, como decorre da mera apreciação da petição inicial, onde nada de concreto é referido a esse propósito. Aliás, reiteramos, os dados que sustentaram a decisão final proferida provieram também do laboratório indicado pela Recorrente.

Acrescente-se, ademais, que a classificação pautal foi definida em decisão tomada pelo CTA, que nunca foi posta em causa.

Como tal, não assiste razão à Recorrente.

III.B. Do reenvio prejudicial

Cumpre ainda, apesar de não constar das suas conclusões, fazer uma referência ao pedido de reenvio prejudicial formulado no corpo das alegações.

Atento o disposto no art.º 267.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE), é possível submeter à apreciação do TJUE dois tipos de questões prejudiciais: as relacionadas com a interpretação dos Tratados e dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União (reenvio de interpretação) e as relacionadas com a validade dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União (reenvio de validade).

Como tal, os órgãos jurisdicionais dos diversos Estados-Membros da União Europeia, enquanto tribunais comuns da ordem jurídica da União Europeia, podem e devem formular as necessárias questões prejudiciais pertinentes para a resolução de litígios.A formulação de questões prejudiciais pode configurar-se, por outro lado, como facultativa ou obrigatória.
Assim, nos termos do art.º 267.º do TFUE: “[s]empre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal” (3) Cfr., no entanto, sobre o reenvio de validade, o Acórdão de 22 de outubro de 1987, C-314/95, Foto-Frost, ECLI:EU:C:1987:452.. Como tal, nos reenvios de interpretação, caso o processo seja passível de recurso ordinário, a formulação de questão prejudicial é facultativa.

A propósito do reenvio de interpretação, refere-se nas Recomendações à atenção dos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais (2019/C 380/01):

“5. Os órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros podem submeter uma questão ao Tribunal de Justiça sobre a interpretação ou a validade do direito da União se considerarem que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa (v. artigo 267.º, segundo parágrafo, TFUE). Um reenvio prejudicial pode revelar-se particularmente útil nomeadamente quando for suscitada perante o órgão jurisdicional nacional uma questão de interpretação nova que tenha um interesse geral para a aplicação uniforme do direito da União ou quando a jurisprudência existente não dê o necessário esclarecimento num quadro jurídico ou factual inédito”.

Considera-se que, in casu, não se reúnem os pressupostos que justifiquem o reenvio prejudicial.
Com efeito, o pedido de reenvio formulado sustenta-se em aspetos ou que não são os fundamentais para a decisão dos presentes autos, por se suportarem em alegados factos que não resultam provados (designadamente a alegada deficiência do Laboratório da DGAIEC que não ficou provada ou a exposição do contentor, cujo efeito de deterioração da mercadoria ou afetação da mesma não está provado) ou que não nos suscitam dúvidas. Com efeito, os resultados laboratoriais, realizados em laboratório expressamente indicado pela Recorrente, sustentaram a posição da DGAIEC. Por seu turno, esta teve como base a Regulamentação comunitária então em vigor, como já referimos.

Os diversos aspetos focados pela Recorrente respeitam a erros de julgamento de facto e não a dúvidas interpretativas, sendo que a intervenção do TJUE não visa sindicar erros de julgamento nos termos densificados.

Como tal, indefere-se o pedido de reenvio prejudicial formulado.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso;

b) Custas pela Recorrente;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 24 de janeiro de 2024

(Tânia Meireles da Cunha)

(Vital Lopes)

(Ana Cristina Carvalho)