Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:08816/12
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:06/06/2013
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:NACIONALIDADE POR NATURALIZAÇÃO, ARTºS. 6º, Nº 4 E 14º DA LEI DA NACIONALIDADE
Sumário:I. O artº 14º da Lei 37/81 de 03/10, na redacção da Lei Orgânica nº 2/2006 de 17/04, que aprova a Lei da Nacionalidade dispõe que “Só a filiação estabelecida durante a menoridade produz efeitos relativamente à nacionalidade”.

II. A aquisição da nacionalidade por naturalização dá-se pela verificação do pressuposto de que o requerente estrangeiro, interessado em que Estado português lhe conceda a qualidade de seu nacional, tenha um ascendente do 2º grau da linha recta de nacionalidade portuguesa e conserve essa nacionalidade, nos termos do nº 4 do artº 6º da Lei da Nacionalidade.

III. No âmbito da naturalização prevista no nº 4 do artº 6º da Lei da Nacionalidade e por força do princípio geral previsto no artº 14º da citada Lei, o estabelecimento da filiação na menoridade corre em ambas as gerações, isto é, na geração do requerente e na geração dos seus pais.

IV. A tal não obsta a circunstância de o registo de nascimento do progenitor do requerente ter sido reformado e de se possuir apenas uma certidão do registo reformado, quando o primitivo registo foi lavrado na sua menoridade.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:


I. RELATÓRIO

A Conservatória dos Registos Centrais, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, datada de 07/06/2011 que, no âmbito da ação administrativa especial instaurada por Ivan ....................., julgou a ação procedente, anulando o acto datado de 01/09/2009, de indeferimento do pedido de naturalização do autor e de condenação da entidade demandada a conceder a nacionalidade portuguesa ao autor, por naturalização, por verificação cumulativa dos requisitos previstos no artº 6º, nº 1, alíneas a), c), d) e nº 4 da Lei da Nacionalidade.


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Formula a aqui recorrente nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“1 - Tendo o registo de nascimento de Rodrigo ................. sido lavrado na Guiné-Bissau, no ano de 1981, isto é, após a data da independência daquele território - ocorrida em 10.09.1974 - é nítido que constitui um acto de registo civil estrangeiro, aplicando-se, inteiramente, e por esta razão, o disposto na Lei da Nacionalidade, conforme expressamente resulta do parecer da Procuradoria-Geral da República n°. 152/76, de 27 de Janeiro de 1977, publicado no Boletim do Ministério da Justiça nº. 274.

2 - Nunca se poderia admitir que, sendo o ascendente de 2º grau do requerente um nacional português, lhe pudesse ser atribuída a paternidade constante de um registo de nascimento lavrado no estrangeiro - sem a sua intervenção - em reforma de um acto de registo civil ultramarino.

3 - Com efeito, por força do disposto no artigo 56°, nº 1 do Código Civil, à constituição da filiação é aplicável a lei pessoal do progenitor, à data do estabelecimento dessa relação, pelo que é face à lei portuguesa que terá de ser aferido se a filiação de Rodrigo ..................... se encontra regularmente estabelecida, relativamente ao nacional português Alírio .........................

4 - Ora, de acordo com o disposto no artigo 1847° do Código Civil, o reconhecimento do filho nascido fora do matrimónio só pode efectuar-se por perfilhação ou decisão judicial em acção de investigação.

5 - Por outro lado, o estabelecimento da filiação na menoridade, mais do que um requisito, constitui um princípio basilar da Lei da Nacionalidade, o qual se encontra previsto no seu artigo 14º, preceito que tem inserção sistemática no Capítulo VI , sob a epígrafe “Disposições Gerais”, pelo que tem inteira aplicação a toda e qualquer situação de aquisição da nacionalidade - quer originária, quer derivada - desde que se funde numa relação de filiação, e visa precisamente impedir que seja dada relevância a reconhecimentos fraudulentos.

6 - O artigo 6º, nº 4 da LN tem subjacente uma dupla relação de filiação, pelo que, quer a filiação do requerente, quer a do seu progenitor, este último descendente directo do nacional português originário, têm de se mostrar estabelecidas na menoridade para poderem conferir o direito - pois que de um direito se trata - à naturalização como nacional português.

7 - Daí que todo aquele que, ao abrigo do disposto no nº 4 do artigo 6° da LN, requeira a aquisição da nacionalidade portuguesa, por naturalização, além da certidão do seu registo de nascimento, deve apresentar certidão do registo de nascimento do seu progenitor que for descendente do nacional português - cfr. alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 22º do RN - a fim de se aferir se foi regularmente estabelecida a filiação entre o progenitor do requerente e o seu ascendente directo, de nacionalidade portuguesa, e na respectiva menoridade.

8 - Este entendimento encontra-se em perfeita consonância com a douta sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, em 30 de Maio de 2011, (Proc.nº 854/09.5BELSB) onde se julgou improcedente a acção, precisamente porque se não demonstrou ter sido estabelecida a filiação entre o ascendente de 1º grau e o ascendente de 2º grau, durante a menoridade do primeiro.

9 - Logo, no caso em apreço, tendo o registo de nascimento do pai do requerente sido lavrado na maioridade do seu titular, ainda que a filiação paterna dele constante se pudesse considerar regularmente estabelecida face à lei portuguesa - o que, como se disse, não acontece - sempre a mesma seria irrelevante, em matéria de nacionalidade, por força do disposto no artigo 14º da LN.

10 - A douta sentença recorrida enferma de manifesta incongruência quando sanciona o entendimento de que o artigo 14° da LN apenas tem aplicação à relação de filiação entre o requerente e seu pai - sendo ambos nacionais estrangeiros - mas já não releva para o estabelecimento da filiação do pai do requerente relativamente ao seu ascendente directo, este sim de nacionalidade portuguesa.”.

Termina pedindo a revogação da sentença recorrida.


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O recorrido não apresentou contra-alegações.

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O Ministério Público junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto no artº 146º do CPTA, emitiu parecer no sentido da procedência do recurso, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-se por outra que mantenha o acto impugnado.

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A Conservatória dos Registos Centrais pronunciou-se sobre o parecer emitido pelo Ministério Público, aderindo à sua fundamentação.

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Colhidos os vistos legais foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir a questão colocada pelo recorrente, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos arts. 660º, n.º 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 690º, n.º 1, todos do CPC ex vi artº 140º do CPTA.

A questão suscitada resume-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento de Direito, quanto à interpretação e aplicação dos artºs. 6º, nº 4º e 14º da Lei da Nacionalidade, aprovada pela Lei nº 37/81, de 03/10, na redacção da Lei Orgânica nº 2/2006, de 17/04.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

A) A 3.7.2007, o Autor apresentou junto da Conservatória dos Registos Centrais o requerimento para concessão da nacionalidade portuguesa, por naturalização, com fundamento no facto de ter um ascendente do 2º grau da linha recta de nacionalidade portuguesa, que nunca perdeu esta nacionalidade. O auto instruiu o requerimento com documentos – ver processo administrativo apenso.

B) O Autor nasceu a 7.6.1979, em Bissau, Guiné, e é filho de Rodrigo António ..................... – ver processo administrativo apenso.

C) Do registo de nascimento do pai do Autor consta uma cota com o teor seguinte: Registo reformado, nos termos do art 32º e segs do CRC, com base na inutilização do livro respectivo. Bissau, 27.4.1984, O Conservador – ver registo de nascimento inserto no processo administrativo apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzido.

D) O Autor é neto paterno de Alísio ................, a quem foi concedida a nacionalidade portuguesa por despacho de 27.7.1978 – ver processo administrativo apenso.

E) No curso do procedimento administrativo, em 11.3.2009, a Conservatória do Registo Civil de Bissau respondeu à Conservatória dos Registos Centrais de Lisboa, nos termos que seguem:

Assunto: Informação.

De acordo com o pedido do Advogado que solicita o livro primitivo do assento de nascimento referente ao senhor Rodrigo ......................, a Conservatória do Registo Civil de Bissau, tem o seguinte a informar:

A situação em que se encontra o livro no qual se solicita o primitivo, anos 47/50, não é dos melhores por isso convidamos a apreciarem com cuidado a cópia que se junta, porque se encontra num estado de início de degradação sendo já reformado, porquanto é totalmente impossível encontrar o primitivo que se solicita porque o mesmo está neste momento na cave e possivelmente em folhas (arquivo morto) – ver processo administrativo apenso.

F) A 6.5.2009 os serviços da Conservatória dos Registos Centrais elaboraram informação no processo administrativo nº 34459/2007, de que consta:

III. Prova dos factos:

2. O requerente de nacionalidade guineense é maior à face da lei portuguesa (…).

3. É filho de Rodrigo ............ e neto paterno de Alísio ................, natural de Praia, Cabo Verde, de nacionalidade portuguesa (…).

4. Conhece suficientemente a língua portuguesa (…).

5. Não tem qualquer condenação criminal (…).

6. Solicitadas as informações necessárias ao SEF e à PJ, (…), verifica-se nada constar em desabono da pretensão do requerente (…).

7. Verifica-se, porém, que embora o requerente alegue ter um ascendente do segundo grau da linha recta de nacionalidade portuguesa (avô paterno) tal filiação não lhe pode, contudo, beneficiar para efeitos de aquisição de nacionalidade portuguesa.

Com efeito, Rodrigo .............., pai do requerente, descendente de nacional português, nasceu em Bissau, Guiné Bissau, em 27.9.1949, tendo o seu nascimento sido declarado por seus pais em 14.10.1949, factos que, porém, não se consideram provados em virtude de não ter sido apresentado o primitivo registo de nascimento de Rodrigo, lavrado em 1949, mas tão somente certidão de registo reformado em 27.4.1984, registo que, por outro lado, foi lavrado pelas autoridades guineenses (em 10.9.1974, data da independência da Guiné, cessara a administração portuguesa sobre aquele território) e que, por outro lado, ocorreu, já, a maioridade do pai do requerente, não servindo os fins aqui pretendidos porque só a filiação estabelecida na menoridade releva para efeitos de nacionalidade, conforme dispõe o artº 14º da LN.

Refira-se, por último, que esta Conservatória não logrou obter a certidão do registo de nascimento primitivo do pai do requerente, junto do Arquivo Geral do Exército, da Direcção de Pessoal da Força Aérea.

Foi, ainda, solicitada, por intermédio do Consulado de Portugal, certidão da certidão de nascimento que instruiu o processo de casamento do interessado com Vera Centeio Gonçalves que se revelou ser idêntica à certidão de nascimento constante do processo.

CONCLUSÃO:

Face ao exposto, entendo que deve ser indeferido o pedido do requerente Ivan ....................., com fundamento na falta do requisito a que se refere o nº 4 do art 6º da LN, devendo o mesmo ser notificado em conformidade – ver processo administrativo apenso.

G) Em 2.6.2009 o Autor pronunciou-se sobre o projecto de decisão – ver processo administrativo apenso.

H) Em 19.9.2009 os serviços da Conservatória dos Registos Centrais elaboraram informação no processo administrativo nº 34459/2007, de que se transcreve o seguinte: não existe a obrigatoriedade de o pai do requerente ser de nacionalidade portuguesa, embora tenha de existir uma espécie de trato sucessivo no estabelecimento da filiação (na menoridade) entre o requerente e o seu ascendente do 2º grau da linha recta, esse sim, obrigatoriamente de nacionalidade portuguesa. No caso vertente, o que se verificou foi uma quebra nesse elo de ligação (entre o pai do requerente e o seu avô) – ver doc junto com a petição inicial e ver processo administrativo apenso, informação que aqui se dá por integralmente reproduzida.

I) A 1.9.2009, o pedido de nacionalidade por naturalização do Autor foi objecto de indeferimento, pelo facto de não ter sido apresentado o primitivo registo de nascimento do progenitor, lavrado em 1949, mas tão-somente certidão do registo reformado em 27.4.1984 – ver doc junto com a petição inicial e ver processo administrativo apenso.

J) Por ofício de 2.9.2009 o Mandatário forense do Autor foi notificado da decisão que antecede – ver doc nº 1 junto com a petição inicial.”.

DO DIREITO

No presente recurso vem a recorrente a juízo assacar o erro de julgamento de direito à sentença recorrida, por errada interpretação e aplicação do disposto nos artºs. 6º, nº 4º e 14º da Lei da Nacionalidade, aprovada pela Lei nº 37/81, de 03/10, na redacção da Lei Orgânica nº 2/2006, de 17/04.

Põe a recorrente em crise a sentença recorrida discordando do aí decidido quanto ao pedido do autor, de nacionalidade portuguesa por naturalização, preencher o requisito a que se refere o art 6º, nº 4 da Lei da Nacionalidade, isto é, quanto a preencher o requisito de ter um ascendente de 2º grau da linha recta de nacionalidade portuguesa, que nunca perdeu esta nacionalidade.

O pedido de nacionalidade foi objecto de indeferimento pela ora recorrente pelo facto de não ter sido apresentado o primitivo registo de nascimento do progenitor, lavrado em 1949, mas apenas certidão do registo reformado em 27/04/1984, exigindo-se que o progenitor do requerente, ora recorrido, obtenha a nacionalidade portuguesa para, só depois este a poder adquirir.

Defende a recorrente que todo aquele que ao abrigo do artº 6º, nº 4 da Lei da nacionalidade requeira a aquisição da nacionalidade portuguesa, por naturalização, deve apresentar, além da certidão do seu registo de nascimento, também a certidão do registo de nascimento do seu progenitor que for descendente do nacional português, a fim de se aferir se foi regularmente estabelecida a filiação entre o progenitor do requerente e o seu ascendente directo, de nacionalidade portuguesa.

Vejamos.

O entendimento sufragado na sentença recorrida foi o de que estavam reunidos os requisitos para o deferimento do pedido de aquisição da nacionalidade portuguesa por naturalização, nos termos do art 6º, nº 4 da Lei nº 37/81, de 03/10, alterada pela Lei nº 2/2006, de 17/04, segundo o qual o Governo concede a naturalização, com dispensa do requisito estabelecido na al b) do nº 1, isto é, a residência legal em Portugal há pelo menos 6 anos, aos indivíduos nascidos no estrangeiro com, pelo menos, um ascendente do 2º grau da linha recta da nacionalidade portuguesa e que não tenha perdido esta nacionalidade.

Foi entendido pelo Tribunal a quo que esta norma se dirige aos estrangeiros que, pelo menos, tenham avô de nacionalidade portuguesa, a qual não exige que o estrangeiro tenha progenitor de nacionalidade portuguesa, pelo que, acolhendo a interpretação do autor, considerou que o objecto da norma do art 6º, nº 4 da Lei da Nacionalidade é o estrangeiro neto, relativamente ao seu ascendente português, não se exigindo o estabelecimento da filiação do progenitor do estrangeiro durante a menoridade do progenitor.

Mais se considerou que não competia à Conservatória dos Registos Centrais fazer a reconstituição e a conferência da legalização do registo reformado do pai do autor, julgando carecer de fundamento legal a alegação da falta de prova de que o pai do autor, Rodrigo António de Sousa Carvalho, descendente de nacional português, nasceu em Bissau, Guiné Bissau, em 27/09/1949, tendo o seu nascimento sido declarado por seus pais em 14/10/1949.

Assim, decidiu-se na sentença ora sob recurso que o pedido do Autor, de nacionalidade portuguesa por naturalização, preenche o requisito a que se refere o art 6º, nº 4 da Lei da Nacionalidade.

A questão controvertida respeita a saber se para efeitos de naturalização, nos termos previstos no nº 4 do artº 6º da Lei na Nacionalidade, o artº 14º da citada Lei apenas tem aplicação à relação de filiação entre o autor e o seu pai, como entendeu a sentença recorrida, ou também releva para o estabelecimento da filiação do pai do autor relativamente ao seu progenitor, o seu ascendente directo, de nacionalidade portuguesa.

Tal como sustenta o Ministério Público no seu parecer emitido, a questão que ora se suscita em juízo não é nova, tendo sido já apreciada e decidida por este TCAS, no âmbito do processo nº 07640/11, por acórdão datado de 13/10/2011, proferido em caso idêntico ao dos presentes autos.

Atenta a identidade de situações jurídicas e porque não se vislumbram existir motivos para divergir do anteriormente decidido, adere-se à fundamentação que foi adoptada em tal citado aresto, que, em súmula, se passa a reproduzir:

De acordo com o disposto no artº 14º da Lei 37/81 de 03.10, na redacção da Lei Orgânica nº 2/2006 de 17.04 (Lei da Nacionalidade, LN), “Só a filiação estabelecida durante a menoridade produz efeitos relativamente à nacionalidade”, ancorando-se a adopção deste princípio “(…) na ideia de que o estabelecimento de uma relação de filiação atesta a existência de laços entre o progenitor e a descendência que permitem supor que esta seja associada àquele conjunto de modos de ver e de sentir que identificam a comunidade nacional do primeiro. (...)” (Rui Moura Ramos, O novo direito português da nacionalidade in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor A. Ferrer Correia, Boletim da FDUC, Coimbra/1986, pág.640).

Em sede de aquisição de nacionalidade por naturalização e dentro das hipóteses de actuação administrativa vinculada em que o estrangeiro goza de um direito à naturalização desde que preencha os respectivos pressupostos legais, o artº 6º nº 4 da nova LN estatui que o Governo concede a naturalização “aos indivíduos nascidos no estrangeiro com, pelo menos, um ascendente do 2º grau da linha recta de nacionalidade portuguesa e que não tenha perdido esta nacionalidade.”

É em torno da conjugação destes dois dispositivos da LN que se desenrola o litígio trazido a recurso, na medida em que a filiação do pai do ora Recorrente com a sua mãe - ou seja, a avó paterna do ora Recorrente -, encontra-se estabelecida legalmente mas quando o pai do ora Recorrente já era maior de idade.

Sustenta a entidade recorrida que não se mostram preenchidos os requisitos de que depende a produção de efeitos da filiação em matéria de nacionalidade, conforme artº 14º da LN, restritos à filiação estabelecida durante a menoridade, abrangendo nesta exigência ambos os graus de parentesco em linha recta referidos no artº 6º nº 4 LN, ou seja, do filho com os pais e destes com os avós.

(…)

Ora na economia do artº 6º nº 4 LN a aquisição da nacionalidade por naturalização dá-se pela verificação do pressuposto de que o requerente estrangeiro, interessado em que Estado português lhe conceda a qualidade de seu nacional, tenha um ascendente do 2º grau da linha recta de nacionalidade portuguesa e conserve essa nacionalidade.

O que significa que a lei “(...) dá relevância à nacionalidade portuguesa do ascendente de segunda geração, como que através de uma não atendibilidade da interrupção do ius sanguinis [(93) Verificada pelo facto de nenhum dos progenitores ser de nacionalidade portuguesa, caso em que o interessado poderia recorrer ao mecanismo do artº 1º nº 1 alínea c), mediante simples declaração e de um dos ascendentes de segunda geração possuir esta nacionalidade,] (...)” (Rui Moura Ramos, A renovação do Direito Português da Nacionalidade pela Lei Orgânica nº 2/2006 de 17 de Abril, RLJ nº 3943, ano 136º, Março-Abril 2007, pág.210)

O teor do artº 14º LN é claro e específico quanto à determinação do parâmetro temporal em que o estabelecimento do vínculo jurídico que une pais e filhos constitui facto passível de produzir efeitos em matéria de nacionalidade, parâmetro temporal restrito ao período da menoridade do filho.

Atenta esta estipulação “(...) parece que a relevância da filiação em sede de nacionalidade estará ligada à influência educativa que o progenitor regra geral exerce sobre os filhos. Ora, tal influência não a pode ela exercer senão durante o período de formação da personalidade destes, isto é, durante a fase da vida em que o carácter de cada um pode ser moldado pela influência de terceiros. E tal situação desaparece, em via de regra, com o acesso à maioridade. Desta forma, uma filiação estabelecida depois da maioridade não poderia funcionar como elemento presuntivamente revelador da integração sociológica e psicológica do filho na comunidade nacional do progenitor. (...) só desta [a filiação estabelecida na menoridade do interessado] é possível deduzir a existência de uma situação de facto que deva ser tida por atributiva da nacional. O que implica assim que .. o estabelecimento da filiação posterior à maioridade .. deva considerar-se sem efeitos sobre o vínculo da nacionalidade, pois .. não gera o estado de facto que funciona como suporte da constituição do vínculo de nacionalidade (..)” (Rui Moura Ramos, O novo direito português da nacionalidade in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor A. Ferrer Correia, Boletim da FDUC, Coimbra/1986, pág.641)

(…)

No âmbito da naturalização vinculada prevista no artº 6º nº 4 LN e por força do princípio geral adoptado no artº 14º, o estabelecimento da filiação na menoridade para efeitos de relevar em sede de nacionalidade corre em ambas as gerações, na geração do requerente e na geração dos seus pais; o que significa que o facto biológico do nascimento tem de se mostrar inscrito no registo civil durante a menoridade do indivíduo nascido no estrangeiro e filho de estrangeiros que manifesta a vontade de se naturalizar português, tal como no tocante ao seu progenitor, igualmente estrangeiro e filho do ascendente em 2º grau da linha recta de nacionalidade portuguesa que serve de referência legal no reconhecimento da nacionalidade portuguesa.

Como diz a doutrina. “(...) o nº 4 do artº 6º impõe a concessão da naturalização solicitada, com dispensa do requisito da residência legal em Portugal aos indivíduos nascidos no estrangeiro que possuam, ao menos, um ascendente do segundo grau da linha recta de nacionalidade portuguesa que não tenha perdido essa nacionalidade. Trata-se afinal de um relevo do ius sanguinis, que se produz, a exemplo do que ocorre noutros ordenamentos, no segundo grau da linha recta e não no primeiro, e que se não manifesta em sede de nacionalidade originária mas de naturalização (nacionalidade derivada). (...)” (Rui Moura Ramos, A renovação do Direito Português da Nacionalidade pela Lei Orgânica nº 2/2006 de 17 de Abril, RLJ nº 3943, ano 136º, Março-Abril 2007, pág.232.)

Frustra-se, pois, a inserção na comunidade portuguesa de pessoas que, embora explicitem uma vontade nesse sentido e tenham um ascendente em 2º grau de parentesco em linha recta (avós maternos ou paternos) de nacionalidade portuguesa, não tenham a filiação estabelecida na menoridade em ambas as gerações convocadas por reporte aos graus de parentesco a que alude o artº 6º nº 4 LN, a saber, a geração do interessado e a geração dos seus pais.

No plano geral e abstracto da norma, o legislador terá querido dar relevo ao princípio da unidade familiar conjugado com a interiorização da valência quer jurídica quer afectiva no seio da família, evidenciada pelo critério do registo civil do vínculo de consanguinidade em linha recta entre pais e filhos enquanto estes são menores, optando assim na redacção dada ao artº 14º LN por excluir os indivíduos cujos registos de nascimento fossem lavrados já na maioridade do registando afastando deste modo o princípio da retroactividade do estabelecimento a filiação à data do facto biológico do nascimento, consagrado no artº 1797º nº 2 CC, independentemente das razões tardias desse estabelecimento da filiação, pois que não se legislou no sentido de onerar o interessado com a prova do justo impedimento.

De quanto vem dito se conclui pela procedência do recurso, cabendo revogar a sentença proferida, mantendo-se válido e eficaz o despacho impugnado de 20.03.2009.”.

Do elenco dos factos provados decorre que o recorrido, nascido em 07/06/1979, em Bissau, na Guiné, é filho de Rodrigo ................ e neto de Alísio ............... – vide alíneas B) e D).

Foi concedida a nacionalidade portuguesa ao avô do recorrido, por despacho de 27/07/1978 – cfr. alínea D) do probatório.

O pai do ora recorrido, Rodrigo ................, nasceu a 27/09/1949, em Bissau, na Guiné, constando do teor do seu registo de nascimento que o seu nascimento foi declarado pelos seus pais em 14/10/1949, mas que o seu registo de nascimento foi reformado, nos termos do artº 32º e segs do CRC, com base na inutilização do livro respectivo, apenas se possuindo a certidão de registo reformado em 27/04/1984, por registo lavrado pelas autoridades guineenses – cfr. alíneas C) e F) dos factos assentes.

Tendo por base a factualidade apurada e a fundamentação de Direito supra expendida, mediante transcrição do aresto deste TCAS, extrai-se que, embora sob fundamentação diversa da adoptada pelo Tribunal a quo, é possível concluir pelo preenchimento dos requisitos legais, dos quais dependem a procedência da pretensão requerida.

Encontra-se demonstrado que foi concedida a nacionalidade portuguesa ao avô do recorrido em momento antecedente ao do seu próprio nascimento, assim como se encontra demonstrada a filiação do requerente, quanto a ser filho de Rodrigo ..................... e neto de Alísio ..................................

Tal filiação, ao contrário do defendido pela recorrente mostra-se estabelecida, a tal não obstando o facto de não ser apresentado o primitivo registo de nascimento do pai do recorrido, lavrado em 1949, mas somente uma certidão de registo reformado em 27/04/1984, lavrado pelas autoridades guineenses.

A certidão do registo reformado não pode ter senão o mesmo valor que o primitivo registo de nascimento do pai do recorrido, lavrado em 1949, não tendo por isso, sustento o entendimento da ora recorrente, quanto o de não se mostrar provada a filiação do requerente em relação ao seu progenitor.

De resto, tal factualidade foi dada como assente, na selecção dos factos relevantes para a decisão a proferir, sem que tenha sido impugnada pela ora recorrente, nos termos permitidos pelo disposto no artº 685º-B do CPC.

Não tem, por isso, sustendo na matéria de facto demonstrada em juízo que o registo de nascimento do pai do ora recorrido tenha sido lavrado na maioridade do seu titular, como defende a ora recorrente.

Assim, não se verifica a circunstância de se ter estabelecido a relação de filiação do ora recorrido quando já era maior de acordo com o direito nacional, mas antes ainda durante a sua menoridade, pelo que, pode o mesmo prevalecer-se da nacionalidade portuguesa do seu avô, cidadão português, porque a linha de parentesco em linha recta ascendente na geração do seu pai foi estabelecida.

O pressuposto do artº 6º, nº 4 da Lei da Nacionalidade, quanto o de estar subjacente uma dupla relação de filiação, isto é, quer a filiação do requerente, quer a do seu progenitor, este último descendente directo do nacional português, encontram-se estabelecidas na menoridade, conferindo o direito à nacionalidade, por naturalização do ora recorrido.

Considerando todo o exposto, embora com diferente fundamentação da adoptada na sentença recorrida, improcede o erro de julgamento que se lhe mostra assacado.


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Concluindo, é de negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida, embora com diferente fundamentação

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Sumariando, nos termos do nº 7 do artº 713º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. O artº 14º da Lei 37/81 de 03/10, na redacção da Lei Orgânica nº 2/2006 de 17/04, que aprova a Lei da Nacionalidade dispõe que “Só a filiação estabelecida durante a menoridade produz efeitos relativamente à nacionalidade”.

II. A aquisição da nacionalidade por naturalização dá-se pela verificação do pressuposto de que o requerente estrangeiro, interessado em que Estado português lhe conceda a qualidade de seu nacional, tenha um ascendente do 2º grau da linha recta de nacionalidade portuguesa e conserve essa nacionalidade, nos termos do nº 4 do artº 6º da Lei da Nacionalidade.

III. No âmbito da naturalização prevista no nº 4 do artº 6º da Lei da Nacionalidade e por força do princípio geral previsto no artº 14º da citada Lei, o estabelecimento da filiação na menoridade corre em ambas as gerações, isto é, na geração do requerente e na geração dos seus pais.

IV. A tal não obsta a circunstância de o registo de nascimento do progenitor do requerente ter sido reformado e de se possuir apenas uma certidão do registo reformado, quando o primitivo registo foi lavrado na sua menoridade.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e em manter a sentença recorrida, embora com diferente fundamentação.

Custas pela recorrente.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)


(Maria Cristina Gallego Santos)


(António Paulo Vasconcelos)