Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:18/19.0BCLSB
Secção:CA
Data do Acordão:04/04/2019
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:REGULAMENTO DISCIPLINAR;
LIGA PORTUGUESA DE FUTEBOL;
AGENTE DESPORTIVO;
PUBLICAÇÃO NO FACEBOOK;
DEVER DE RESPEITO E URBANIDADE;
LIBERDADE DE EXPRESSÃO;
PROTECÇÃO DOS BENS PESSOAIS AO BOM NOME E REPUTAÇÃO DE TERCEIROS;
ART.º 136.º, N.º 1, DO REGULAMENTO DISCIPLINAR DAS COMPETIÇÕES ORGANIZADAS PELA LIGA PORTUGUESA DE FUTEBOL;
“ROUBAR” DE GOLOS;
DESRESPEITO;
INJÚRIA;
DIFAMAÇÃO;
GROSSERIA;
DISCURSO DIFAMATÓRIO;
OPINIÃO PESSOAL SUPORTADA NA INVOCAÇÃO DE FACTOS;
CRÍTICAS A UM ÁRBITRO DE FUTEBOL;
CUSTAS EXIGIDAS NO TRIBUNAL ARBITRAL DO DESPORTO.
Sumário:I - Atendendo ao conceito amplo de “agente desportivo,” que vem indicado no art.º 4.º, n.º 1, al. b), do Regulamento Disciplinar (RD) das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol (LPF), um Oficial de Ligação deverá ser considerado um “colaborador” do Clube, logo, um “agente desportivo”, ficando os seus comportamentos, quando no exercício das suas funções, sob a alçada do RD, conforme art.º 3.º, n.º 1, desse RD;
II –O exercício de funções ou o desempenho de actividades de um Oficial de Ligação no âmbito das competições de futebol pode ocorrer antes, durante ou após aquelas competições, pelo que o Oficial de Ligação está vinculado ao dever de respeito e urbanidade quer dentro do recinto desportivo e durante a competição, quer fora desse recinto;
III - A publicitação de certos dizeres na sua página pessoal do Facebook (FB), ainda que fora da competição, pode relevar para efeitos da responsabilização decorrente da função como Oficial de Ligação, nomeadamente no caso de adquirir uma publicidade alargada, que claramente extravase um círculo pessoal de conhecimentos e amigos ou um circulo relativamente restrito de pessoas;
IV – Entre a publicitação de uma opinião – direito que integra a liberdade de expressão – e a protecção dos bens pessoais ao bom nome e reputação de terceiros, há que fazer uma ponderação quando estes direitos entrem em conflito, devendo-se aferir em que moldes aquela opinião, pelas expressões que usa e pelas imputações que faz, ataca desproporcionadamente a honra e consideração desses terceiros. Nesta aferição há que ter em conta todo o contexto em que os direitos são exercidos para se encontrar o limite do razoável ou aceitável;
V – Para o preenchimento do ilícito disciplinar que vem previsto no art.º 136.º, n.º 1, do RD da LPF, “as expressões, desenhos, escritos ou gestos injuriosos, difamatórios ou grosseiros” têm de ser imputadas a alguém, têm de ser dirigidas a uma determinada pessoa, ou pessoas, concretamente identificadas ou identificáveis. Não basta a afirmação ou proclamação de uma grosseria, sem a imputabilidade a nenhum dos membros dos órgãos da estrutura desportiva, dos elementos da equipa de arbitragem, dos dirigentes, dos jogadores, dos demais agentes desportivos ou dos espectadores, para o tipo da norma (punitiva) estar preenchido;
VI – A imputação a equipas de arbitragem de certos jogos de futebol de um “roubar” de golos, associada à afirmação relativa à “cambada de ladrões”, não integra uma infracção disciplinar punível nos termos do art.º 136.º, n.º 1, do RD;
VII- O art.º 136.º, n.º 1, do RD, deve ser interpretado e enquadrado atendendo à realidade que enquadra o mundo desportivo e futebolístico, pelos que as expressões contantes daquele RD relativas ao “desrespeito”, à “injúria”, à “difamação” ou à “grosseria” terão, necessariamente, que ajustar-se àquela mesma realidade;
VIII - A afirmação do “roubar” de golos não pode ser tida como ofensiva da honra e consideração das pessoas que fazem parte das equipas de arbitragem, por ofender seriamente as suas qualidades morais e profissionais e lhes provocar uma real humilhação ou o desprezo de terceiros;
IX – Um discurso em clara oposição com uma dada arbitragem, que se apresenta como uma opinião pessoal, subjectiva, suportada pela invocação de diversos factos que, na óptica do declarante, apontam para aquela mesma opinião, não é um discurso objectivamente difamatório, por se pretender apenas denegrir a imagem e a honra do árbitro, sem qualquer base factual e apreensível;
X – O TEDH vem defendendo que quando estão em causa questões de interesse público, ou de interesse alargado e figuras públicas, ou com uma actuação escrutinada por uma massa de pessoas, como ocorre com a actuação de um árbitro de futebol, os limites da crítica admissível têm de ser apreciados de uma forma muito mais lata que aqueles que envolvem a crítica de um cidadão comum, anónimo. Por seu turno, estando em causa juízos de opinião, a aferição da proporcionalidade da conduta – face ao direito à liberdade de expressão, que está a ser exercido – há que aferir-se atendendo aos factos de que se detém conhecimento e que estão na base dos juízos que se formulam. O TEDH tem também defendido que só em face da inexistência de factos, as afirmações produzidas podem ser consideradas delituosas, porque difamatórias. O TEDH também vem distinguindo afirmações puramente factuais – que exige alicerçadas em factos concretos – da manifestação de meras opiniões ou de juízos subjectivos, que aceita que não tenham por base uma prova real, existente, que confirme a sua verdade ou veracidade, por se entender que tal exigência aniquilaria a própria liberdade de expressão;
XI - Neste contexto jurisprudencial, um discurso alicerçado na invocação de diversos factos, que, na perspectiva do declarante, justificam as suas suspeitas e imputações, é um discurso suportado numa base factual mínima, que ainda que possa não corresponder a factos realmente provados, concede ao declarante fundamento bastante para que, em boa fé, acredite nas afirmações que produz;
XII – O valor das custas exigidas pelos processos que correm no Tribunal Arbitral do Desporto não ofendem o princípio à tutela jurisdicional efectiva e da proporcionalidade.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

I - RELATÓRIO

O Futebol …………………………. (…….), Francisco ……………………….. e Fernando……………………………, interpuseram recurso do Acórdão do Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) de 28-12-2018, que julgou improcedente a acção proposta pelos ora Recorrentes, mantendo a decisão proferida em 17-07-2018, pela Secção Profissional do Conselho Disciplinar (CD) da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), que aplicou a Francisco………………………. a sanção de suspensão por 60 dias e multa de €3.825,00, a Fernando ………………….. a sanção de suspensão por 50 dias e multa de €3.443,00 e ao …………………… a sanção de multa de €5.738,00.
Em alegações são formuladas pelo Recorrente, as seguintes conclusões:”
«imagem no original»


“.

O Recorrido, o Contra-interessado …………………………….. – Futebol SAD (…..), nas contra-alegações formulou as seguintes conclusões: “
«imagem no original»
.”

O Recorrido ………… nas contra-alegações formulou as seguintes conclusões: “
«imagem no original»

.”
O DMMP apresentou a pronúncia no sentido da procedência do recurso no que respeita à punição de Francisco …………………………….
Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo, vem o processo à conferência.



II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – OS FACTOS
Em aplicação do art.º 663º, n.º 6, do Código de Processo Civil (CPC), ex vi art.º 1.º e 140.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), por não ter sido impugnada, remete-se a matéria de facto para os termos em que foi decidida pelo TAD.

II.2 - O DIREITO
As questões a decidir neste processo, tal como vêm delimitadas pelas alegações e contra-alegações de recurso e respectivas conclusões, são:
- aferir do erro decisório porque o Recorrente Fernando ………………… vem punido por um acto da vida privada e pessoal, sem relevância disciplinar, por as afirmações que produziu terem sido publicadas na sua página pessoal do Facebook (FB);
- aferir do erro decisório por as afirmações produzidas pelos Recorrentes Fernando……………….. e Francisco …………………….. se enquadrarem nos limites da crítica possível no âmbito da sua liberdade de expressão, atendendo ao contexto desportivo em que foram proferidas, que não se coaduna com “punhos de renda”, mas clama por um discurso pleno de crítica, descontentamento, com recurso a expressões fortes e contundentes e, ainda, a porque atendendo às circunstâncias em que foram proferidas havia uma fundada convicção por banda dos ora Recorrentes de corresponderem à verdade;
- aferir do erro decisório por os Recorrentes terem sido condenados em custas pelo processo que correu no TAD, por um valor claramente excessivo e desproporcional, que ofende o princípio da tutela jurisdicional efectiva, devendo ser desaplicadas, por inconstitucionais, as normas constantes do art.º 2.º, n.º 1 e 5, Anexo I, 2.ª linha da Portaria n.º 301/2015, 77.º, n.ºs 1 a 3, 77.º, n.ºs 4 a 6, da Lei do TAD.

Antes de mais, refira-se, que nenhuma das partes impugnou o julgamento de facto que foi feito pelo TAD.
Assim, conforme factos provados, Fernando ……………….., que é Oficial de Ligação dos Adeptos do ……., em 07-04-2018, publicou na sua página do FB os dizeres que são reproduzidos no facto 6.
Esses dizeres foram publicados após o jogo entre o ……………………….. – Futebol SAD (……………) e o ………….., que foi arbitrado por Luís………………….
Com relação à acção do ........ relativamente a tais dizeres, foi apenas dado por provado em 11. que o ............. “sabendo-se responsável pela publicação na imprensa privada ou sítios da internet por si explorados, não só não impediu as sobreditas publicações, como não manifestou, em momento posterior, qualquer discordância com o seu conteúdo”.
No Acórdão recorrido afirma-se que os indicados dizeres foram publicados na página pessoal do FB de Fernando ……………..
Nessa decisão nada se fixou quanto ao acesso aos referidos dizeres através da página do FB, designadamente se o acesso a essa página e respectivos dizeres eram públicos ou de acesso restrito e, neste último caso, qual o universo de pessoas que podiam aceder àquela publicação. Identicamente, no Ac. do CD também nada se apurou em termos fácticos com relação àquele acesso.
Fernando ………………. foi punido por aplicação dos art.ºs 112.º, n.º 1 e 136.º, n.º 1, do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela LPFP (RD), aprovado em Assembleia-Geral em 27-06-2011, na versão dada pela sua última alteração.
Atendendo ao conceito amplo de “agente desportivo,” que vem indicado no art.º 4.º, n.º 1, al. b), do RD, enquanto Oficial de Ligação, Fernando……………….. deverá ser considerado um “colaborador” do Clube, logo, um “agente desportivo”, ficando os seus comportamentos, quando no exercício das suas funções, sob a alçada do RD, conforme art.º 3.º, n.º 1, desse RD (cf. também o art.º 7.º, n.º 1, do RD).
De salientar, a restrição do âmbito do RD às “competições de futebol” e a “todos os agentes desportivos que, a qualquer título ou por qualquer motivo, exerçam funções ou desempenhem actividades no âmbito das competições” – cf. art.º 1.º e 3.º, n.º 1, do RD.
Ou seja, não obstante o RD se aplicar de forma ampla ao “agente desportivo”, aqui se incluindo quem actua como Oficial de Ligação, o âmbito de aplicação do RD cinge-se às “competições de futebol” e ao exercício de funções ou desempenho de actividades no âmbito dessas competições.
Assim, há primeiramente que averiguar se o comportamento de Fernando……………… pode ser tido como se incluindo no exercício de funções de Oficial de Ligação ou no desempenho dessa actividade e no âmbito de uma competição de futebol.
Parece-nos que sim, pois a própria função de Oficial de Ligação exige alguma desinstitucionalização face ao Clube e há-de ocorrer não apenas durante as competições, mas também antes e depois das mesmas. Ou seja, o Recorrente estará vinculado ao dever de respeito e urbanidade, quer dentro do recinto desportivo e durante a competição, quer fora desse recinto.
Como se refere na decisão recorrida, o Recorrente não pode “vestir e despir, a seu bel-prazer as vestes de Agente Desportivo”. A função que exerce releva não apenas dentro do recinto desportivo e no âmbito da competição, mas, também, antes e depois desta.
Logo, a publicitação de certos dizeres na sua página pessoal do FB, ainda que fora da competição, pode relevar para efeitos da responsabilização decorrente da sua função como Oficial de Ligação.
Situação paralela à tratada nos autos é a que decorre do dever de respeito e urbanidade por banda dos trabalhadores quando estes estejam fora do seu local de trabalho e do âmbito da empresa.
Como expressivamente se refere no Ac. do STJ n.º 4053/15.9T8CSC.L1.S2, de 21-11-2018, numa situação em que as afirmações alegadamente injuriosas proferidas pelo trabalhador não ocorreram no âmbito da empresa, nestes casos “há que responder a uma questão mais delicada, a saber, se a liberdade de expressão do trabalhador também conhece limites fora deste âmbito ou se, pelo menos, e mesmo que se responda afirmativamente, se os limites serão os mesmos ou se serão antes mais lassos.
Alguns autores afirmam, com efeito, que “a vida privada do trabalhador não é, em princípio, objeto do contrato de trabalho”[6], pelo que tais limites deveriam ter-se por excecionais. Há, também, quem defenda que uma certa esfera de vida mais íntima ou privada deveria escapar sequer à afirmação do dever de respeito ou de urbanidade – pense-se na hipótese de um trabalhador proferir afirmações ou comentários insultuosos para o seu empregador ou superior hierárquico, mas em um contexto inteiramente privado, como em um jantar de família (do trabalhador em causa) ou, até, em uma mesa de café com amigos próximos (sobretudo se não se tratar de colegas de trabalho)[7].
Mas como tratar afirmações realizadas no que muitos cidadãos parece considerarem ser uma “mesa de café eletrónica”, ou seja, nas redes sociais? Os “desabafos” realizados por essa via farão parte, pelo menos, da esfera pessoal dos seus autores?
A este nível as respostas, doutrinais e jurisprudenciais, em outros ordenamentos, são extremamente díspares. Alguns autores (e decisões judiciais) admitem que em função dos parâmetros selecionados pelo autor da mensagem o Facebook por exemplo possa ser considerado um espaço pessoal[8]. Outros negam que tal “espaço” seja pessoal uma vez que o Facebook não ofereceria reais condições de confidencialidade[9]. Outros, ainda, invocam razões de adequação social, bem como a necessidade de desenvolver regras específicas para uma forma de expressão nova.
No entanto, no caso vertente, e desde logo face ao número relativamente elevado de destinatários, afigura-se que, como o Acórdão recorrido decidiu, que as afirmações proferidas pelo trabalhador foram-no em um espaço público, em que se acha vinculado pelo dever de respeito e de urbanidade atrás referido.
Contudo, o que agora se discute não é simplesmente se o trabalhador cometeu uma infração disciplinar, mas sim se esta, a existir, constitui justa causa de despedimento, o que no nosso sistema legal exige não apenas culpa, mas uma conduta cuja gravidade e consequências torne prática e imediatamente impossível a subsistência da relação laboral.
Ora, e desde logo, para apreciar o grau de culpa há que ter em conta, não só o grau de educação do trabalhador – como fez o Acórdão recorrido – mas também o nível de “stress emotivo” do trabalhador e até que ponto é que as afirmações foram proferidas “a quente” na sequência de comportamentos do empregador[10].
No caso concreto, foi imediatamente após os factos cuja relevância como justa causa disciplinar se tem hoje por afastada, que o trabalhador foi suspenso preventivamente á espera da elaboração da nota de culpa. E foi no “rescaldo” dessa suspensão que o trabalhador se foi lamentar no Facebook de ter sido novamente suspenso.
Importa, igualmente, referir que os comentários do Autor não identificavam a empresa em que trabalhava.
(…) Em rigor, a crítica individual – ainda que não individualizada no sentido de que a mensagem não identificava expressamente o administrador em causa, muito embora se tenha dado como provada a identidade deste – é tão-só o seguinte excerto: “[E]m virtude do comportamento (...), adotado, (...), para com um Sr. administrador (puto mal educado, prepotente), o qual configura falta de respeito para com a administração da empresa; E a falta de respeito que esta gente tem para com quem trabalha, se fosse meu filho, levava um par de lambadas, mas não sendo, o pai que não o soube educar que o ature” (cf. também, entre outros, os Acs. do TRE n.º 8/13.6TTFAR.E1, de 30-01-2014 e do TRP n.º 101/13.5TTMTS.P1, de 08-09-2014).
Pelo exposto, aceita-se a relevância para efeitos disciplinares da publicação de certos dizeres, alegadamente injuriosos, numa página pessoal do FB, por um Oficial de Ligação, ainda que tal publicação não tenha sido feita no concreto exercício e desempenho dessas funções. Mas, para que tal publicação releve disciplinarmente, será ainda necessário que a mesma adquira uma publicidade alargada, que claramente extravase um círculo pessoal de conhecimentos e amigos ou um circulo relativamente restrito de pessoas.
Entre a publicitação de uma opinião – direito que integra a liberdade de expressão do Recorrente – e a protecção dos bens pessoais ao bom nome e reputação de terceiros, há que fazer uma ponderação quando estes direitos entrem em conflito, devendo-se aferir em que moldes aquela opinião, pelas expressões que usa e pelas imputações que faz, ataca desproporcionadamente a honra e consideração desses terceiros. Nesta aferição há que ter em conta todo o contexto em que os direitos são exercidos para se encontrar o limite do razoável ou aceitável.
Assinale-se, a este propósito, o Ac. do TEDH Colaço Mestre e SIC - Sociedade Independente de Comunicação, SA c. Portugal, P. n.º 11182/03 e 11319/03, de 26-04-2007, em que se discutiu um caso que versava sobre o crime de difamação, por se insinuar num programa televisivo que um Presidente da Liga e de um Clube de Futebol controlava árbitros. O TEDH considerou que tal crime não se verificava face às circunstâncias do caso e que as liberdades de expressão e imprensa haviam de sair, aqui, em preponderância. Mais se aduziu que “o debate sobre as questões de corrupção no futebol era à data a que os factos se reportam muito intenso e era com regularidade notícia de primeira página na imprensa generalista. O próprio processo judicial suscitou ao tempo, como as partes salientaram, uma ampla cobertura mediática.
(…) Estando em causa, em particular, a expressão «patrão dos árbitros», à qual as jurisdições internas deram muita importância, e admitindo mesmo que tal expressão seria, tomada isoladamente, objectivamente difamatória, o Tribunal sublinha que decorre claramente de toda a entrevista que o objectivo do requerente era obter do Secretário-Geral da UEFA um comentário sobre a acumulação de funções do Sr. Pinto da Costa à época. Quanto à questão relativa aos dois árbitros que teriam sido insultados pelo queixoso, também parece um pouco excessivo considerá-la, como tal e sem a situar no contexto, objectivamente difamatória, tendo sido claramente suscitada pelo primeiro requerente para ilustrar a sua pergunta anterior.”
Mais se assinale, que a jurisprudência do TEDH também vem defendendo que quando estejam em causa assuntos relativos ao debate politico, ou de interesse geral, que se relacionem com políticos ou figuras públicas, os limites da crítica admissível são mais largos que aqueles que se admitem para um simples particular, para alguém relativamente anónimo. Para o TEDH os políticos ou as figuras públicas “expõem-se inevitavelmente e conscientemente a um controlo atento dos seus actos e gestos, quer pelos jornalistas, quer pela massa de cidadãos” (in Ac. do TEDH, Ac. Sampaio e Paiva de Melo c. Portugal, n.º 33287/10, de 23-10-2013, tradução nossa, a partir do original em francês; vide, no mesmo sentido, os Acs. ali citados e, em especial, os Ac. do TEDH Lopes Gomes da Silva c. Portugal, P. nº 37698/97, de 28-09-2000 e Laranjeira Marques da Silva c. Portugal, P. n.º 16983/06, de 19-01-2010).
No Ac. do TEDH Steel and Morris c. Reino Unido, P. n.º 68416/01, de 15-02-2005, pronunciando-se sobre o crime de difamação, este Tribunal defende que estando em causa juízos de opinião, a aferição da proporcionalidade da conduta terá de aferir-se com base na respectiva sustentação, atendendo aos factos existentes. Assim, a conduta só será desproporcional quando não haja factos que a sustentem. Ao invés, existindo tais factos, a opinião, enquanto manifestação da liberdade de expressão, tem de ser admitida.
Em sentido similar pronunciou-se o TEDH no Ac. Público – Comunicação Social, SA. e outros c. Portugal, P. n.º 39324/07, de 07-12-2010, em que também se discutiu o crime de difamação relativamente a uma notícia de imprensa sobre dívidas de clubes de futebol. Aqui, decidiu o TEDH que tendo a notícia uma base factual, ainda que desmentida por um dos visados, a sua veiculação não constituía um crime de difamação.
Como decorre do facto provado em 8., a declaração de Fernando …………………. teve repercussão na imprensa escrita. Ou seja, a publicação que fez na sua página pessoal do FB - ainda que se desconheça o acesso que a mesma tinha naquela data – acabou por chegar a um número muito alargado de destinatários. A publicação foi tornada pública.
Como acima dissemos, é de aceitar a relevância para efeitos disciplinares da publicação de certos dizeres, numa página pessoal do FB, por um Oficial de Ligação, ainda que tal publicação não tenha sido feita no concreto exercício e desempenho dessas funções, desde que a mesma tenha adquirido uma publicidade alargada. Ou seja, a publicação concretamente feita por Fernando …………….., ainda que publicada numa página pessoal do FB e fora do âmbito da competição, apreciado num sentido estrito, releva para efeitos disciplinares e designadamente para efeitos da punição que vem prevista no art.º 136.º, n.º 1, do RD.
Improcede, pois, a primeira questão trazida a recurso.

Vem os Recorrentes invocar um erro de julgamento por as afirmações produzidas pelos Recorrentes Fernando ………………… e Francisco ……………….. se enquadrarem nos limites da crítica possível no âmbito da sua liberdade de expressão, atendendo ao contexto desportivo em que foram proferidas, que não se coaduna com “punhos de renda”, mas clama por um discurso pleno de crítica, descontentamento, com recurso a expressões fortes e contundentes e, ainda, porque atendendo às circunstâncias em que foram proferidas havia uma fundada convicção por banda dos ora Recorrentes corresponderem à verdade.
Neste ponto, comece-se por dar nota que os Recorrentes não impugnaram o julgamento da matéria de facto levado a cabo pelo Ac. do TAD. Ou seja, os Recorrentes aceitaram tal julgamento, que não impugnam em recurso.
Ora, na decisão do TAD, aqui recorrida, não ficou dada por provada a existência de quaisquer denúncias públicas sobre a arbitragem ocorrida, naquela data, em jogos que envolvessem o ………, nem ficou dada por provada a existência de certas e determinadas investigações jornalísticas, que tivessem sido tornadas públicas, nem de certas e determinadas investigações judiciais, que apontassem ou que levantassem suspeitas sobre a existência de um favorecimento e de um falseamento de resultados de jogos a favor do …………..
Portanto, as alegações feitas em recurso quando relativas a tais factos, que não vem dados por provados na decisão do TAD, têm, necessariamente, que irrelevar. Se os Recorrentes discordavam do julgamento de facto levado a cabo pelo TAD, haviam de o impugnar em recurso. Não o tendo feito, conformaram-se com o mesmo. Consequentemente, em recurso há apenas que considerar os factos provados na decisão do TAD e não quaisquer outros.
A liberdade de expressão e de informação vem consagrada no art.º 37.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), ali se estipulando que “todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações”. No n.º 3 do mesmo artigo estipula-se que “as infracções cometidas no exercício destes direitos ficam submetidas aso princípios gerais de direito criminal ou do ilícito de mera ordenação social (…).
O exercício deste direito está, porém, limitado pela salvaguarda dos direitos de personalidade e designadamente pelo respeito do direito ao bom nome, à reputação e à imagem, que também vêm consagrados no art.º 26.º, n.º 1, da CRP. Assim, o direito de expressão tem necessariamente de conviver com estes direitos pessoais.
Em caso de conflito entre os dois direitos há que recorrer ao critério da proporcionalidade e operar a uma compatibilização ou concordância prática entre os direitos em colisão.
Como se refere no Ac. do STJ n.º 3017/11.6TBSTR.E1.S1, de 13-07-2017, em caso de conflito entre estes dois direitos “Importa essencialmente operar uma compatibilização ou concordância prática entre os valores fundamentais da defesa da honra, do direito ao crédito, ao bom nome e privacidade dos cidadãos e o exercício das liberdades de expressão, opinião e de imprensa, obrigando naturalmente a convocar, não apenas as normas constitucionais e legais internas, mas também as que integram a CEDH, tal como vêm sendo reiteradamente interpretadas e aplicadas pelo TEDH - órgão jurisdicional especificamente criado pela Convenção para zelar pela respectiva interpretação e aplicação.
(…) E, nesta busca de realização de uma satisfatória concordância prática entre os direitos em conflito ou colisão, face `as circunstâncias do caso concreto, não pode naturalmente o intérprete e aplicador do Direito deixar de atender e conferir o devido relevo às normas de Direito Internacional convencional, vinculativas do Estado Português, tal como são qualificadamente interpretadas e aplicadas pelo órgão jurisdicional a que a própria Convenção confiou uma tarefa de realização prática dos princípios nela contidos.
Este indispensável apelo à jurisprudência do TEDH é imposto, desde logo, no plano normativo, pelo valor reforçado que as normas da Convenção assumem no nosso sistema jurídico, caracterizado pela prevalência das normas internacionais, vinculativas do Estado Português, sobre as normas legais, sejam anteriores ou posteriores (CRP Anotada, Jorge Miranda/Rui Medeiros, 2017, pag. 133).”
Na Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), o direito de expressão vem consagrado no art.º 10.º, n.º 1, como garantia de uma sociedade democrática.
Conforme o art.º 136.º, n.º 1, do RD, os agentes desportivos que desrespeitem ou usem expressões, desenhos, escritos ou gestos injuriosos, difamatórios ou grosseiros para com os membros dos órgãos da estrutura desportiva, elementos da equipa de arbitragem, dirigentes, jogadores, demais agentes desportivos ou espectadores, são punidos com sanção de suspensão a fixar entre o mínimo de 1 mês e o máximo de 1 ano e, acessoriamente, com sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 25 UC e o máximo de 200 UC.
Resulta evidente do citado artigo art.º 136.º, n.º 1, do RD, que para preenchimento do ilícito disciplinar em questão, “as expressões, desenhos, escritos ou gestos injuriosos, difamatórios ou grosseiros” têm de ser imputadas a alguém, têm de ser dirigidas a uma determinada pessoa, ou pessoas, concretamente identificadas ou identificáveis. Não basta a afirmação ou proclamação de uma grosseria, sem a imputabilidade a nenhum dos membros dos órgãos da estrutura desportiva, dos elementos da equipa de arbitragem, dos dirigentes, dos jogadores, dos demais agentes desportivos ou dos espectadores, para o tipo da norma (punitiva) estar preenchido.
O art.º 136.º, n.º 1, do RD, é uma norma disciplinar que encontra paralelo na lei criminal através do art.º 180.º do Código Penal (CP), relativo ao crime de difamação. Conforme o indicado art.º 180.º, do CP, para preenchimento do tipo criminal é preciso que alguém “dirigindo-se a terceiro” impute “a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo”.
Assim, a referência à grosseria constante do art.º 136.º, n.º 1, do RD, não pode ser entendida como visando punir os agentes desportivos que afirmem, proclamem ou expressem, sem se dirigirem a ninguém em concreto, algo indelicado, ordinário, boçal ou menos cortês.
Como decorre da epígrafe do artigo, através daquela norma visa-se punir as condutas que lesem a honra e a reputação de alguém ou os casos de denúncia caluniosa. Não se visa punir a afirmação ou expressão de grosserias, de ordinarices ou de vulgaridades, quando tais afirmações ou a expressões não tiverem nenhum concreto destinatário.
Como decorre da decisão administrativa punitiva, tomada através do Ac. do CD da FPF n.º 69-17/18, Fernando ………………….. foi punido por se entender que difamou o arbitro Luís ……………. e, em geral, os membros da equipa de arbitragem do jogo que opôs o …………… ao ………., em 07-04-2018. Considerou-se que Fernando ……………….. difamou aquelas pessoas por afirmar roubarem golos. Conforme a fundamentação desse Acórdão, o ora Recorrente não foi punido por difamar Rui ……………. (um treinador) ou Luís …………………. (um dirigente).
O Ac. do TAD, ora Recorrido, manteve aquela decisão.
Como decorre do facto 6., Fernando …………….. publicou na sua página do FB a seguinte declaração: " Estou a ficar farto disto... Eles andam a roubar e não têm medo por enquanto um não for preso isto não acaba... Podem roubar tudo mas não nos roubam a honra ganhar assim é nojento e porco só neste país terceiro mundista de vão de escada Onde se vive um centralismo bacoco coisas destas acontecem... Não vai a bem um dia vai ter que ser a mal pelo bem da verdade e da justiça divina!!!!!” e ainda “Lampionagem corrupta, Rui …………., Luís …………………….. e restante comandita um dia que ganharem algo com justiça vão perceber que o sabor é bem diferente. Durmam com essa consciência bem pesada sua cambada de ladrões, sempre".
Ora, perscrutada a indicada declaração não se antevê nela um insulto e uma imputação de factos que se tenha por ofensiva da honra e consideração do árbitro Luís ………………….. ou da equipa de arbitragem do jogo de 07-04-2018, que opôs o …………….. ao …………, por forma a subsumir-se a referida conduta no ilícito que vem tipificado nos art.ºs 112.º, n.º 1 e 136.º, n.º 1, do RL.
Como se disse, a declaração foi feita numa página pessoal do FB, em discussão com os respectivos “amigos” ou “conhecidos” de Fernando …………….., após aquele jogo de futebol.
Neste contexto, começa-se por afirmar naquela declaração que “Eles andam a roubar”, sem que se indique minimamente quem são estas pessoas que roubam. Depois, alude-se a uma forma de ganhar, “nojento e porco”, sem se afirmar quem ganha desta forma, acabando-se por imputar aqueles adjectivos a estepaís terceiro mundista”. Apela-se, de seguida, “ao bem da verdade e da justiça divina”. Afirma-se, ainda, a corrupção da “Lampionagem” e, por fim, acrescenta-se, aqui pessoalizando, os nomes de Rui ……………… e de Luís …………………….. (e “restante comandita”), imputando-lhes o ganhar sem justiça e o apelido de “ladrões” a ganhar.
Assim, perscrutada a declaração, é evidente que nela não se visa, em termos expressos, nem o árbitro Luís …………………, nem a equipa de arbitragem de um dado jogo.
No restante, atendendo ao momento em que a declaração é feita, admite-se que se refira, em geral, à arbitragem em jogos de futebol que envolveram os lampiões, que se insinua favorável aos mesmos e que e impute a essa arbitragem o “roubar” de golos, associando-lhe a afirmação final relativa à “cambada de ladrões”.
Saliente-se, neste ponto, que a pessoalização que é feita em tal declaração envolve apenas os nomes de Rui ……………….. e de Luís……………………, que também são chamados, junto com toda a lampionagem, de corruptos. Porém, no que concerne a estas imputações, não constituem as mesmas o fundamento pelo qual o Recorrente Fernando…………….. foi punido. Ou seja, conforme os termos da decisão punitiva, Fernando……………….. não foi punido por ter desrespeitado ou difamado Rui………………. e Luís ……………………., ofendendo a sua honra e consideração, mas, somente, por ter desrespeitado e injuriado o árbitro Luís ……………….. e a equipa de arbitragem do jogo de 07-04-2018.
Ora, como resulta das declarações atrás transcritas, as mesmas não identificam de forma clara e expressa a pessoa de algum árbitro, ou de alguém, em concreto, de uma dada equipa de arbitragem, de um certo jogo.
Depois, ainda que se possa aceitar que tais declarações se refiram, em geral, às concretas equipas de arbitragem dos jogos de futebol antecedentes, que envolveram os lampiões, entenda-se o …………, do todo da declaração apenas se concluiu pela imputação a essas equipas do roubo de golos e, apenas por esse motivo, são chamados de ladrões.
Mais se assinale, que a referida frase ou declaração está, toda ela, escrita num português disléxico, quase ininteligível. Expressa, também, uma linguagem pouco escorreita, vulgar, própria de um desabafo pessoal, exaltado, irritado e exagerado, no qual se manifesta a falta de crença na justiça dos homens frente à fé numa justiça divina, que se invoca. A declaração enquadra-se, pois, num comentário subjectivo ou pessoal, feito atrás de um computador, na internet, a quente, após mais um jogo de futebol que terá desgostado o respectivo emitente da declaração. Não se trata de um comentário feito no próprio jogo de futebol ou directamente para além que se queira visado com a frase. É, antes, um desabafo para os “amigos” e “conhecidos“ do FB do emitente da declaração, que proclama uma revolta pessoal face à percepção de injustiça dos diversos resultados dos jogos. É, ainda, uma afirmação que se produz na ambiência que rodeia o mundo do desporto, no caso, o mundo do futebol e das suas claques, que, como referem os Recorrentes, não se pauta por “punhos de renda”, mas caracteriza-se mais pela emoção incontida, pela rusticidade e pela indelicadeza de comentários.
Mais se refira, que o art.º 136.º, n.º 1, do RD, deve ser interpretado e enquadrado atendendo à realidade que enquadra o mundo desportivo e futebolístico, pelo que as expressões contantes daquele RD relativas ao “desrespeito”, à “injúria”, à “difamação” ou à “grosseria” terão, necessariamente que ajustar-se àquela mesma realidade.
Neste contexto, a frase não visará a imputação de factos ou de juízos directamente ofensivos da honra e consideração do árbitro Luís …………….., ou da equipa de arbitragem de um dado jogo, mas constituirá, apenas, o tal desabafo mal escrito e mal-educado ou rude, com relação a toda a “Lampionagem”, que se pressupõe incluir os árbitros que, em geral, tenham arbitrado os vários jogos de futebol em que interveio o SLB, sendo-lhes alegadamente favoráveis.
No que se refere à parcialidade dessas equipas de arbitragem, é igualmente uma imputação feita apenas em termos implícitos, ou que só se retira por afirmações indirectas, designadamente pelas afirmações de roubo de golos.
Por conseguinte, das declarações de Fernando …………………. apenas se pode retirar como imputado às equipas de arbitragem o roubo de golos, reduzindo-se a alegada conduta ilícita, por difamação, à afirmação desse tipo de roubo por tais equipas.
Em suma, do teor das declarações de Fernando………………… não se pode retirar a conclusão de que as mesmas visam a imputação de factos ou de suspeitas sobre um concreto árbitro ou uma concreta equipa de arbitragem, designadamente, que visem o árbitro Luís ……………… ou a equipa de arbitragem do jogo de 07-04-2018. Depois, nessa declaração não se imputa explicitamente a alguma pessoa um determinado roubo de golos. Por fim, a imputação, em abstracto, da prática de um roubo de golos ou o apelidar de cambada de ladrões, em geral, a todas as equipas de arbitragem dos últimos jogos de futebol, em que jogou o ………., na envolvência do caso concreto, não configura uma infracção ao art.º 136.º, n.º 1, do RD, designadamente por se estar a desrespeitar, a injuriar e a difamar os elementos dessas equipas de arbitragem.
A declaração que foi proferida por Fernando ………….. na sua página pessoal do FB explana má-educação e rudeza, mas não será suficiente para envergonhar, perturbar e humilhar nenhum árbitro, nem nenhuma equipa de arbitragem. A afirmação do roubar de golos não pode ser tida como ofensiva da honra e consideração das pessoas que fazem parte daquelas equipas de arbitragem, por ofender seriamente as suas qualidades morais e profissionais e lhes provocar uma real humilhação ou o desprezo de terceiros. Atendendo ao meio desportivo em questão, haverá uma condescendência e uma aceitação generalizada relativamente ao uso do termo “roubar” para se indicar uma perspectiva ou uma opinião pessoal relativa à má ou errada arbitragem. Assim, atendendo a esse mesmo meio, afirmar o roubo de golos não chega para atingir a honra e reputação das pessoas visadas. Logo, o referido comportamento não pode ser entendido como uma conduta delituosa, porque lesiva da honra e reputação das equipas de arbitragem dos últimos jogos de futebol, em que jogou o ……….., ali se incluindo o árbitro Luís…………………. e a equipa do jogo de 07-04-2018, não se havendo de subsumir tal comportamento, por isso, na previsão dos art.ºs 112.º, n.º 1 e 136.º, n.º 1, do RL.
Será pacífico para a generalidade das pessoas que se integram no meio sócio-económico-cultural em questão - ou para um homem médio, colocado na posição de um destinatário normal e razoável - que a afirmação de um roubo de golos por banda das equipas de arbitragem do futebol, feita numa página pessoal do FB, por um Oficial de Ligação, não deve ser entendida como representando uma ofensa directa à honra e consideração dessas equipas e seus árbitros.
Aquelas declarações têm de ser enquadradas no contexto da correspondente página pessoal do FB e integradas no indicado mundo do futebol e de suas claques, que, como acima referimos, se caracteriza pela animosidade, pouca urbanidade e indelicadeza dos comentários.
Tal caracterização é um facto que resulta do conhecimento geral e das regras da experiência comum, constituindo, por essa via, uma presunção judicial – cf. art.ºs. 349.º e 351.º do Código Civil (CC).
Assim, analisando-se objectivamente as declarações produzidas, nas circunstâncias do caso e no correspondente envolvimento sócio-económico-cultural, não serão as mesmas ofensivas da honra e consideração de terceiros, identificados e identificáveis, por lhes ser directamente imputável uma afirmação da prática de um crime, ou e uma dada ilicitude, ou de um desvalor moral grave. Neste caso, as declarações produzidas por Fernando………………… não atingem o núcleo essencial das qualidades morais de certas pessoas, que sejam identificadas, implicando uma humilhação para essas pessoas ou provocando o desprezo de terceiros.
Como se refere no Ac. do TRL n.º 0315188, de 26-11-2003, relativamente ao crime de difamação, que está na base da punição disciplinar prevista no art.º 136.º, n.º 1, do RD, “É próprio da vida em sociedade haver alguma conflitualidade entre as pessoas. Há frequentemente desavenças, lesões de interesses alheios, etc., que provocam animosidade. E é normal que essa animosidade tenha expressão ao nível da linguagem. Uma pessoa que, por exemplo, se sente prejudicada por outra pode compreensivelmente manifestar o seu descontentamento através de palavras azedas, acintosas ou agressivas. E o direito não pode intervir sempre que a linguagem utilizada incomoda ou fere susceptibilidades do visado. Só o pode fazer quando é atingido o núcleo essencial de qualidades morais que devem existir para que a pessoa possa ter apreço por si própria e não se sinta desprezada pelos outros. Se assim não fosse, a vida em sociedade seria impossível. E o direito seria fonte de conflitos, em vez de garantir a paz social, que é a sua função.”
Igualmente, no Ac. do TRP n.º 10/11.2TAVRL.P1, de 08-02-1012, afirma-se: “É consabido e aceite por toda a comunidade que um árbitro, pela exposição a que se coloca pelas funções que exerce, na maior parte das vezes, não agradando à equipa perdedora, não pode ser um individuo com uma sensibilidade idêntica ao cidadão médio e comum, antes tem de estar mais “aberto”, receptivo e imune, a críticas ferozes e comentários, por vezes, infelizes. Por outro lado, são conhecidas as paixões e controvérsias que as questões relativas ao futebol frequentemente geram.”
Da mesma forma, o TRE no Ac. n.º 756/13.0TATVR.E1, de 07-01-2016, num contexto em que se discutia a prática dos crimes de difamação praticados por dirigentes desportivos, refere: ”no domínio da «luta» desportiva há uma redução da dignidade penal e da carência da tutela penal da honra, havendo que assegurar uma verdadeira dimensão da liberdade de expressão e da crítica, pois só assim se pode afastar uma atmosfera de intimidação, benéfica neste domínio.
Daí que os juízos e imputações feitas, embora exageradas, não excedem o que, em geral, se considera tolerável no contexto da luta e disputa desportiva.”
(…) No âmbito de um viver social desportivo, em contexto social específico de relações entre dirigentes desportivos, existe alguma tolerância social (que não aceitação social) em relação a uma certa margem de aspereza de linguagem e de confrontação de palavras e de ideias.
Excessos de linguagem e de atitude que convivem com um correspondente “poder de encaixe” por parte de quem frequenta e se move nesses mesmos espaços e nesses mesmos meios, de “luta desportiva”. (cf. ainda, entre outros, em situações similares, em que se discutia a prática do crime de difamação, os Acs. do TRE n.º 80-16.7GGBJA.E1, de 23-01-2018, do TRG n.º 1469/06.5TAGMR.G3, de 12-03-2012 ou do TRP n.º 0817143, de 25-02-1009).
Numa situação paralela, em que também se discutiu a aplicabilidade do art.º 136.º, n.º 1, do RD, mas relativamente à qual vinha personalizado o “roubo de 3 penaltis”, assim se apartando da que agora se discute, também foi elaborado o seguinte voto de vencido no Ac. do TCAS n.º 56/17.7BCLSB, de 05-07-2017, que tem plena aplicação ao nosso caso e que, por isso, se subscreve: “o termo “roubar” no calor do final do jogo para dizer que houve 3 penaltis não assinalados à equipa adversária do ………., na sua objectividade concretizada na palavra “roubar” que se utilizou, do nosso ponto de vista não permite, desacompanhada de mais elementos de facto, concluir que foi afectada a reputação social do árbitro visado, ou seja, que houve difamação.
Que “o árbitro X roubou penaltis ao clube Y” é recorrente ouvir-se nos programas diários, em todos os canais televisivos de segunda a segunda, depois do jantar, a pessoas com as mais variadas profissões e origens sócio-familiares, ou seja, pessoas de bem, probos e aficionados do futebol não se considerando afectado o núcleo essencial das qualidades morais, inerentes à dignidade da pessoa humana de molde a ferir valores da ética socialmente relevantes.
O bem jurídico protegido na difamação, do ponto de vista disciplinar ou criminal, reconduz-se a uma concepção fáctica- objectiva da honra, no sentido da reputação de que uma pessoa efectivamente goza no respectivo meio envolvente, no caso, no meio futebolístico como profissional da arbitragem; uma concepção fáctica-subjectiva, no tocante ao juízo valorativo que cada pessoa faz de si mesma; e uma concepção normativo-social, configurativa da merecida pretensão de respeito no contexto das suas relações sociais. (5).
O que significa que, para efeitos jurídico sancionatórios disciplinares ou criminais no domínio da difamação, cabe distinguir entre, por um lado, a crítica de actos ou de obras determinados, concretos, específicos e, por outro, a emissão de um juízo sobre a pessoa.
Dito de outro modo, do ponto de vista jurídico-sancionatório não é admissível o entendimento de que “a crítica de uma actuação profissional não deixa de atingir a honra da pessoa visada”.
Este raciocínio implica considerar que uma crítica constitui sempre, só por si, um desvalor de acção e de resultado não querido pelo ordenamento jurídico, o que do ponto de vista conceptual por reporte aos direitos fundamentais maxime o direito à liberdade de expressão consagrado no artº 37º nºs. 1, 2 e 3 CRP, esvazia completamente a liberdade de expressão crítica.
Consequentemente, cabe traçar a fronteira entre a livre crítica e o sacrifício total dessa liberdade de crítica, com fundamento na matéria de facto provada no procedimento disciplinar (ou processo criminal).
Ao criticar uma arbitragem em desafios com o ……… por “roubar 3 penaltis” como fez o ora Recorrente, não constando dos autos mais nenhuma factualidade, salvo o devido respeito por entendimento distinto, a conclusão devida é no sentido que os autos provam que se critica a concreta pessoa, no caso, o árbitro visado, mas, na ausência de mais factos para além da dita frase, a crítica restringe-se à actuação circunscrita, não à sua pessoa.
Ou seja, o procedimento disciplinar (e ao processo em sede arbitral ou junto dos Tribunais estaduais, como é o caso) deve evidenciar matéria de facto provada pelos meios admitidos em direito, donde se possa concluir em critério de proporcionalidade, necessidade e adequação, relevando o contexto em que as expressões em causa foram proferidas, que a crítica à actuação do visado incorpora também a afectação da sua reputação social e, por isso, constitui uma crítica difamatória por atingir a sua honra do ponto de vista fáctico-objectivo, fáctico-subjectivo e normativo-social, nos termos supra referidos.
Neste sentido vd. o enquadramento jurídico constante dos Acórdãos dos Tribunais da Relação de Lisboa, de 11.12.2013, procº nº 1476/12.9 e da Relação do Porto, de 15.10.2014, proc. nº 6941/10, de 12.11.2014, procº nº 278/13.0 e de 02.12.2015, procº nº 1289/13.0”
Em suma, sem embargo de se estar a punir disciplinarmente – e não por um ilícito criminal – ainda aqui há que interpretar o art.º 136.º, n.º 1, do RD, atendendo à realidade sócio-económica-cultural que envolve a discussão futebolística e das correspondentes claques. A verificação de uma situação de “desrespeito”, de “injúria”, de “difamação” ou de “grosseria” tem, pois, que se coadunar àquela realidade, sob pena de se passar a punir uma grande maioria dos comportamentos que vêm a público e praticados pelos agentes desportivos. A afirmação de roubo de golos, ainda que possa ser uma afirmação um tanto rude ou vulgar não pode, no contexto da punição que ora se analisa, ser considerada uma afirmação desrespeitosa, injuriosa, de difamação ou de grosseria, para com os árbitros e as equipas de arbitragem dos jogos em que interveio o ……….., punível nos termos do indicado RD.
No mais, como já assinalamos, Fernando ……….. não vem punido por ter injuriado treinadores ou dirigentes desportivos, designadamente Rui ……………. e Luís…………….., mas apenas por ter injuriado o árbitro Luís …………. ou à equipa de arbitragem do jogo que opôs o …….. ao ……..
Portanto, há que dar procedência ao recurso nesta parte, devendo revogar-se a decisão do TAD quando puniu Fernando ………… por violar os art.ºs 112.º, n.º 1 e 136.º, n.º 1, do RL, por ter lesado a honra e a reputação do árbitro Luís ………….. e da equipa de arbitragem do jogo de 07-04-2018.
No que se refere a esses destinatários, as afirmações produzidas por Francisco …………. enquadram-se, pois, nos limites da crítica possível, no âmbito da sua liberdade de expressão.

Já quanto às declarações de Francisco …………., foi o mesmo punido por ter declarado em 10-04-2018, no Porto Canal, o seguinte: “A conclusão é clara: o árbitro Luís ………. tem dois critérios. Um para jogos com o ……….. e outro para as outras equipas. - Isso é especialmente grave porque põe o carimbo grave no árbitro Luís ……….., um árbitro jovem, que até tem qualidade se se conseguir libertar destas amarras ao ………….. - Neste final da época, Luís ………., pode ficar ligado à decisão do campeonato. Foi o árbitro do …………-……….. e não assinalou uma grande penalidade sobre Bas ……. logo no início do jogo, depois expulsou ………… num lance menos grave do que as entradas do Rúben …….. em Setúbal. O senhor Luís ……….. retirou o ………… da luta pelo título. - O clássico de domingo vai começar já manchado. J…………, Rúben …………. e F…….. não deviam jogá-lo. Deviam estar a cumprir castigo. Se G……………. usasse o mesmo critério, com F…….. a saltar com o cotovelo e a ver cartão amarelo, se calhar os outros já não faziam aquele tipo de faltas e não paravam ataques do V. …………. Isto tem de facto influência. - Talvez por gratidão sem limites por quem o colocou internacional, o senhor Ferreira ..........., está subjugado a um interesse. Ele tem de se libertar disso porque pode fazer uma boa carreira. - Luís ………. quis interferir no campeonato e ofereceu dois pontos ao ……………. - Para jogadores do ……………. o critério é de basquetebol, para os outros é de futebol americano em que o contacto vale. - O nosso campeonato é demasiado decidido pelos árbitros e Luís …………… está muito ligado a esta reta final. Beneficia um dos competidores e isto está a acontecer há demasiado tempo. E só lá vai quando estes erros forem punidos com severidade."
Ficou também provado que estas declarações foram parcialmente divulgadas no canal oficial do Futebol Clube ………………….., na rede social Youtube.
Considerando, em especial, a seguinte parte do discurso:” o árbitro Luís …………….. tem dois critérios. Um para jogos com o ……………… e outro para as outras equipas"; Luís ……………. quis interferir no campeonato e ofereceu dois pontos ao …………….". O nosso campeonato é demasiado decidido pelos árbitros e Luís…………….. está muito ligado a esta reta final. Beneficia um dos competidores e isto está a acontecer há demasiado tempo", foi Francisco …………… punido nos termos do art.º 136.º, n.º 1, do RD, por ter produzido afirmações “desrespeitosas, grosseiras, injuriosas e ofensivas”, que eram “violadoras da honra do árbitro visado”.
O Ac. do TAD acompanhou esta fundamentação e decisão.
Pelas razões acima já indicada, também nesta parte o recurso tem de proceder.
O discurso de Francisco ………………, de clara oposição com a arbitragem de Luís…………….., configura a emissão de uma opinião pessoal, subjectiva, que, no entanto, vem suportada pela invocação de diversos factos que, na óptica do declarante, apontam para aquela mesma opinião.
Na verdade, o declarante afirma a sua conclusão quanto à dualidade de critérios do árbitro e ao benefício do …………, fundado-a nas circunstâncias de não ter sido assinalada “uma grande penalidade sobre Bas …………”, de não ter expulso o “P………….. num lance menos grave do que as entradas do Rúben ………….. em Setúbal”, por J…….., Rúben ………… e F……… não estarem a “cumprir castigo”, este último por “saltar com o cotovelo e (..) ver cartão amarelo” e por Luís ……….. ter sido colocado “internacional” por “Ferreira ………….”, razões que o declarante tem por certas e demostrativas da invocada situação de parcialidade na arbitragem.
Por conseguinte, as imputações de parcialidade do árbitro não foram feitas pelo declarante em termos puramente gratuitos, com o fito de o ofender e difamar, mas terão de ser entendidas como integrando um discurso contundente e agressivo relativamente à arbitragem preconizada por Luís …………….. e à percepção que o declarante tinha da mesma. O declarante opõe-se àquela arbitragem, que afirma de errada e parcial, mas também indica os indícios, que na sua óptica, apontam para os invocados erros e para a parcialidade.
Como já se referiu, o art.º 136.º, n.º 1, do RD, é uma norma disciplinar que tem o seu paralelo em termos criminais no art.º 180.º do CP.
Nos termos do art.º 180.º, do CP, “1 - Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido…
(...). 2 – A conduta não é punível quando: a) A imputação for feita para realizar interesses legítimos; e b) O agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira.
(...) 4 – A boa fé referida na alínea b) do número 2 exclui-se quando o agente não tiver cumprido o dever de informação, que as circunstâncias do caso impunham, sobre a verdade da imputação.”
Face às invocações discursivas de Francisco ………………. é admissível entender que o mesmo afirma a sua percepção acerca do erro na actuação e acerca da parcialidade do árbitro, por ter fundamento sério – que invocou expressamente no discurso – para, em boa fé, reputar tal erro e parcialidade como factos verdadeiros.
Como vem sendo defendido pelo TEDH, estando em causa questões de interesse público, ou de interesse alargado e figuras públicas, ou com uma actuação escrutinada por uma massa de pessoas, como ocorre com a actuação de um árbitro de futebol, os limites da crítica admissível têm de ser apreciados de uma forma muito mais lata que aqueles que envolvem a crítica de um cidadão comum, anónimo. Por seu turno, estando em causa juízos de opinião, a aferição da proporcionalidade da conduta – face ao direito à liberdade de expressão que está a ser exercido – há que aferir-se atendendo aos factos de que se detém conhecimento e que estão na base dos juízos que se formulam. O TEDH tem também defendido que só em face da inexistência de factos, as afirmações produzidas podem ser consideradas delituosas, porque difamatórias. Mais se recorde, que o TEDH também vem distinguindo afirmações puramente factuais – que exige alicerçadas em factos concretos – da manifestação de meras opiniões ou de juízos subjectivos, que aceita que não tenham por base uma prova real, existente, que confirme a sua verdade ou veracidade, por se entender que tal exigência aniquilaria a própria liberdade de expressão (cf. nesse sentido os acima indicados Acs. do TEDH Colaço Mestre e SIC - Sociedade Independente de Comunicação, SA c. Portugal, P. n.º 11182/03 e 11319/03, de 26-04-2007, Ac. Sampaio e Paiva de Melo c. Portugal, n.º 33287/10, de 23-10-2013, Ac. Lopes Gomes da Silva c. Portugal, P. nº 37698/97, de 28-09-2000, Ac. Laranjeira Marques da Silva c. Portugal, P. n.º 16983/06, de 19-01-2010, Ac. Steel and Morris c. Reino Unido, P. n.º 68416/01, de 15-02-2005 e Ac. Público – Comunicação Social, SA. e outros c. Portugal, P. n.º 39324/07, de 07-12-2010).
Neste contexto jurisprudencial, o discurso de Francisco ………….. não se apresenta como objectivamente difamatório, por se pretender apenas denegrir a imagem e a honra do árbitro, sem qualquer base factual e apreensível. Diversamente, na decorrência do seu discurso Francisco ……………. foi alicerçando as suas imputações na invocação de diversos factos, que, na sua perspectiva, justificavam as suas suspeitas. Existia, no caso, uma base factual mínima, que é invocada no próprio discurso, base que ainda que não corresponda a factos realmente provados, concede ao declarante fundamento bastante para que, em boa fé, acredite nas afirmações que produz.
Como é referido no Ac. do STJ n.º 3017/11.6TBSTR.E1.S1, de 13-07-2017, “o TEDH vem entendendo que – particularmente no âmbito dos artigos que visam essencialmente a expressão da opinião e a crítica a aspectos ligados à vida pública e a temas de manifesto interesse público - está coberta pela liberdade de expressão, não apenas a discordância respeitosa, a crítica puramente objectiva e moldada pela elevação do debate – mas também a crítica contundente, sarcástica, mordaz, com uma carga exageradamente depreciativa ou caricatural da acção e capacidades do visado – justificando a necessidade de uma particular tolerância deste às opiniões adversas que criticam acerbamente, chocam, ofendem ou exageram , envolvendo porventura o uso de expressões agressivas ou virulentas”.
Assim, atendendo a todo o discurso de Francisco …………… e ao contexto em que o mesmo está inserido – no mundo do futebol e da arbitragem futebolística, que é pautado pelas expressões fortes, sem “punhos de renda”, como invocam os Recorrentes, em que os envolvidos não se orientam pela contenção e delicadeza verbal – pelas razões já explanadas nesta decisão, não se poderá entender que tal discurso se subsume no art.º 136.º, n.º 1, do RD, por se tratar de um discurso injurioso ou difamatório para com o árbitro Luís ……………, a quem se queria ofender de forma gratuita e despropositada (cf. também neste sentido, para uma situação próxima, o Ac. do TCAS n.º 85/18.3BCLSB, de 07-02-2019).
Procede, pois, a alegação de recurso relativa ao erro decisório por as afirmações produzidas por Francisco …………….. se enquadrarem nos limites da crítica possível no âmbito da sua liberdade de expressão.

Vem os Recorrentes, por fim, invocar um erro decisório, por terem sido condenados em custas pelo processo que correu no TAD por um valor claramente excessivo e desproporcional, que ofende o princípio à tutela jurisdicional efectiva, advogando que deverão ser desaplicadas, por inconstitucionais, as normas constantes do art.º 2.º, n.º 1 e 5, Anexo I, 2.º linha da Portaria n.º 301/2015, 77.º, n.ºs 1 a 3, 77.º, n.ºs 4 a 6 da Lei do TAD.
Quanto a este assunto, já se pronunciou o STA nos P. n.º 0144/17.0BCLSB, de 18-10-2018, n.º 08/18.0BCLSB, de 20-12-2018 ou n.º 033/18.0BCLSB, de 21-02-2019.
Assim, no P. n.º 0144/17.0BCLSB, de 18-10-2018, o STA refere o seguinte: ”Finalmente, no que concerne à isenção das taxas de arbitragem e à violação dos artºs. 13.º, 20.º, nºs. 1 e 2 e 268.º, n.º 4, todos da CRP, que a recorrente, nas conclusões 30 a 33 da sua alegação, imputa ao acórdão recorrido, entendemos que não tem razão.
Efectivamente, resultando dos artºs. 76.º, n.º 2 e 77.º, n.º 3, da Lei do TAD (Lei n.º 74/2013, de 6/9, com as alterações resultantes da Lei n.º 33/2014, de 16/6) que “a taxa de arbitragem corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado” e que esta “é integralmente suportada pelas partes e por cada um dos contra-interessados” e não se encontrando prevista neste diploma, nem na Portaria n.º 301/2015, de 22/9, nenhuma isenção de pagamento dessas taxas, não se pode verificar qualquer desigualdade entre os intervenientes processuais no que a esse pagamento respeita.
E também é insusceptível de infringir os citados preceitos constitucionais a circunstância de, eventualmente, a legislação que introduziu a arbitragem obrigatória se traduzir num agravamento da responsabilidade tributária da recorrente, quando nem sequer é alegado que o novo regime seja de tal modo gravoso que dificulte de forma considerável o acesso aos tribunais.”
Também este TCAS já se pronunciou sobre a questão, considerando infundadas as alegações da desproporcionalidade das custas devidas pela intervenção do TAD, designadamente no Ac. 30/18.6BCLSB, de 22-11-2018, onde se refere o seguinte: “9. Já no que respeita à questão das custas suscitada pelo Recorrente...., trata-se de matéria recorrentemente trazida à apreciação deste TCA, tendo sido já objecto de recurso obrigatório do Ministério Público para o Tribunal Constitucional;
10. De qualquer modo, sempre se referirá que, sem prejuízo de maior aprofundamento nesta matéria, estamos perante um pleito em sede de Jurisdição Arbitral e, como tal, sujeita às regras, nomeadamente de custas, ali definidas pelo legislador e aceites pelas partes;
11. Porém, é certo que os montantes devidos pelas partes em sede de custas, quando comparados com os montantes devidos em sede de Jurisdição Administrativa, poderão revelar-se algo desfasados do regime das custas judiciais;
12. Ora, tal comparação não nos parece totalmente legítima, na justa medida em que as partes pleiteiam em Jurisdições diferenciadas e que, pela sua própria natureza, são, também a nível de regime legal de custas, incomparáveis;
13. Para além de que o TAD se rege por normas próprias de funcionamento, devendo o respectivo regime de custas, além do mais, reflectir e suportar essa realidade;
14. Trata-se de uma verdadeira encruzilhada jurídica na justa medida em que se está perante um Tribunal (TAD) onde, à primeira vista, se dirimem interesses de natureza privada, mas que, no fundo, tendo em conta a natureza jurídica dos intervenientes, nomeadamente as Federações desportivas e o respectivo regime jurídico associado, se tratam de questões de natureza eminentemente pública;
15. Encruzilhada essa que se traduziu nas vicissitudes de natureza constitucional que precederam o difícil processo de criação do TAD e que, infelizmente, ainda acompanham o seu funcionamento;
16. Como seja o caso da especialmente particular opção do legislador em sede do regime legal da arbitragem, mais especificamente ao criar a figura jurídica da "arbitragem necessária", em oposição à denominada "arbitragem voluntária", opção essa que, com todo o respeito, acabou por criar situações como as referidas nos Autos em que as partes são obrigadas a recorrer à arbitragem, quando, na sua essência, a arbitragem deveria, obrigatoriamente, reflectir algo de natureza voluntária...” – em sentido idêntico, vide os Acs,. deste TCAS n.º 94/17.0BCLSB em 04-10-2017, n.º 75/18.6BCLSB, de 18-10-2018, n.º 30/18.6BCLSB, de 22-11-2018 ou n.º 79/18.9BCLSB, de 06-12-2018.
Em suma, face à jurisprudência que vem sendo firmada pelo STA e pelo TCAS, que se acompanha, claudica a última alegação de recurso.

III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam:
- em conceder provimento parcial ao recurso interposto e revogar a decisão do TAD, ora recorrida, na parte em que julgou improcedente o pedido impugnatório da decisão disciplinar, proferida pelo CD da FPF em 17-07-2018, e, consequentemente, anula-se o acto administrativo punitivo;
- custas do recurso na proporção do decaimento, que se fixa em 12% para os Recorrentes, a pagar em partes iguais entre os três e em 88% para os Recorridos, a pagar em partes iguais, pelo Recorrido Público e pelo Contra-interessado (cf. art.ºs. 77.º, n.º 4, da Lei n.º 74/2013, de 06-09, 2.º, n.ºs 2, 4, 5, Anexo I à Portaria n.º 301/2015, de 22-09, e 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2, do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA).

Lisboa, 4 de Abril de 2019.
(Sofia David)

(Helena Telo Afonso)

(Pedro Nuno Figueiredo)