Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03687/09
Secção:CT - 2.º Juízo
Data do Acordão:01/12/2010
Relator:Aníbal Ferraz
Descritores:ARRESTO/OPOSIÇÃO
RESPONSÁVEL SUBSIDIÁRIO
AQUISIÇÃO PROCESSUAL
Sumário:1. Não é, em nenhuma medida, questionável, por tão explícita e objectiva letra da lei – cfr. art. 136.º n.º 1 CPPT, a possibilidade do arresto poder incidir sobre bens propriedade de um responsável subsidiário, por dívidas fiscais de outrem. Mais, é permitido e, por isso, legal, o arresto de bens do responsável subsidiário antes da instauração de um qualquer processo de execução fiscal ou sem que este haja sido chamado ao mesmo por via de reversão, ou seja, “é desnecessário demonstrar a efectivação da responsabilidade subsidiária do requerido”.
2. Outrossim, indiscutível é a necessidade de a administração tributária/AT, mediante a representação da Fazenda Pública, alegar e comprovar, ao requerer o arresto, mesmo que sumariamente, por estarmos no âmbito de uma providência/procedimento cautelar, factos idóneos a demonstrar a reunião, o preenchimento, dos pressupostos legais para a efectivação do mecanismo da reversão, isto é, que estão verificados os requisitos positivados nos arts. 24.º LGT e 153.º n.º 2 CPPT.
3. Na condição de gerente nominal, pelo menos, no período de tempo compreendido entre 12.3.1998 e 3.10.2006, mostra-se, impressiva e inelutavelmente, demonstrado que até ao final do 1.º trimestre de 2004 o oponente promoveu a mudança de instalações da sociedade, bem como, que, em Abril ou Maio de 2003, contratou Maria Teresa Ferreira Heitor na qualidade de economista para colaborar na administração e gestão da PooIgar (…) e, ainda, que, sem qualquer delimitação temporal explícita, decisivamente, se encontrava “encarregado da área administrativa e financeira, desempenhando funções de relações públicas, representando a Poolgar - Construções e Manutenção de Piscinas e Jardins, Lda, em feiras nacionais e internacionais, e era quem negociava com os fornecedores as condições de fornecimento, e quando a empresa não tinha fundos, era quem procedia aos pagamentos (…)”, sendo que, “depositava dinheiro ou emitia cheques pessoais, quando havia saldo negativo na conta da firma Poolgar (…).
4. Disponibilizando os autos este acervo de factos provados, não há como sustentar que o oponente/recorrido deixou a gerência efectiva da sociedade devedora originária em, pelo menos, momento anterior àquele que, oficialmente, marca a renúncia ao cargo de gerente - 3.10.2006 -, para que havia sido nomeado no ano de 1998.
5. Assim, o processo faculta os dados factuais necessários, para que, sem reservas, se admita, como muito provável, o chamamento do oponente/recorrido, como responsável subsidiário, ao competente processo de execução fiscal. Isto porque, entendemos minimamente indiciados os pressupostos legais legitimadores de tal chamada, ou seja, está, em cumulação, verificado que ocorre uma potencial situação de fundada insuficiência do património da sociedade devedora originária para satisfazer a futura dívida exequenda e acrescido – cfr. art. 153.º n.º 2 al. b) CPPT, bem como, que, por parte daquele, foi assumido o exercício, de facto, do cargo de gerente da mesma, nos períodos de verificação do facto constitutivo, do pagamento ou da entrega dos impostos encontrados em falta/dívida – cfr. art. 24.º n.º 1 LGT.
6. Esta conclusão é assumida não obstante, ao invés do sentido da pronúncia supra emitida, a AT, nesta sede, processualmente representada pela Fazenda Pública, não haver comprovado, mesmo que sumariamente, factos idóneos a demonstrar a verificação perfunctória de requisitos essenciais, positivados no art. 24.º LGT, porquanto funciona, aqui, a determinação do art. 515.º CPC, no sentido de que “O tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las”.
Trata-se do princípio da aquisição processual, segundo o qual, “só interessa saber o que está provado, e não quem o provou
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:A FAZENDA PÚBLICA requereu, junto do Tribunal Tributário de Lisboa, que fosse decretado o arresto de bens pertencentes a A...– CONSTRUÇÕES E MANUTENÇÃO DE PISCINAS E JARDINS, L.DA, B..., C... e D....
Proferida sentença mandando proceder a arresto dos bens identificados no processo, uma vez efectivada tal diligência apreensiva (1) e notificado, nos termos e para os efeitos do art. 385.º n.º 6 CPC, o requerido/arrestado B..., contribuinte n.º 102465738 e com os demais sinais constantes dos autos, deduziu oposição, a coberto do disposto no art. 388.º n.º 1 al. b) CPC, a qual, por sentença do mesmo tribunal, foi julgada procedente, com redução do arresto, relativamente aos seus bens.
Inconformada, com o judiciado nesta última, a FAZENDA PÚBLICA interpôs o presente recurso jurisdicional, cujas alegações encerram com o seguinte quadro conclusivo: «
1- A providência cautelar de arresto, em consonância com o principio constitucional de garantia do acesso aos tribunais, (art. 20º da C.R.P.), traduz-­se na tutela judicial da garantia patrimonial, quando o comportamento doloso ou negligente do devedor a possa por em causa.
2- A A. F. Alegou e provou que o ora recorrido, praticou actos de gestão obrigando-a, e responsabilizando-se perante terceiros em todo o período em que se constituiu a divida, bem como no prazo legal de pagamento.
3- No mínimo, o oponente exerceu a gerência de facto e de direito até meados de 2004.
4- Estamos em presença de um arresto preventivo, pelo que a responsabilização subsidiária é efectuada em sede da execução fiscal.
5- Os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo.
6- A prova testemunhal do oponente realizada em sede de inquirição não logrou ilidir ou fazer qualquer prova, por imprecisa e pouco credível.
7- Decorre do exposto que decidindo-se como se decidiu, a decisão recorrida viola o disposto no artigo 136° e art. 214° do CPPT e art° 24° da LGT, ao não reconhecer a ocorrência das circunstâncias ali previstas, não tendo também procedido à devida apreciação dos factos alegados e sobejamente comprovados, nomeadamente no que se refere ao exercício de facto da gerência por parte do ora recorrido, pelo menos até meados de 2004, devendo a decisão recorrida ser revogada com as consequências legais.»
*
O Recorrido/Rdo B... apresentou contra-alegações, onde conclui: «
I. A sentença recorrida não está em contradição com a factualidade vertida nos autos e considerada assente. Dos factos indiciariamente assentes resulta claro que o Recorrido já não exercia a gerência de facto à data das dívidas tributárias sobre as quais incidiu o Relatório da Inspecção Tributária e que está na base do Arresto decretado.
II. Competia ao Recorrido trazer factos novos que infirmassem os factos indiciariamente assentes na sentença que decretou o Arresto. E tais factos foram trazidos e demonstraram que o Recorrido, apesar da gerência de direito registada, não teve nenhuma intervenção na gestão da devedora principal.
III. Os depoimentos prestados pelas testemunhas (pessoas que intervieram na vida da sociedade) foram claros, precisos e permitiram o cabal esclarecimento da situação factual existente, tendo sido devidamente valorados e apreciados pelo Mmo. Juiz “a quo”, ao abrigo do princípio da livre apreciação e valoração da prova.
IV. A Recorrente alega que os depoimentos foram imprecisos, duvidosos e pouco esclarecedores, no entanto, limita-se a remeter para as gravações sem indicar de forma exaustiva qual ou quais as partes dos depoimentos que considera como duvidosos e pouco esclarecedores, não transcreve esses mesmos depoimentos nem indica em que suporte de gravação e em que andamento poderão os mesmos ser escutados.
V. O Mmo. Juiz a quo ao, indiciariamente, considerar assentes os factos que fundamentam a decisão de redução do arresto, faz indicação concreta das testemunhas e de que forma as mesmas foram suficientemente claras na discrição da realidade.
VI. A douta sentença não está, deste modo em contradição com os factos indiciariamente assentes. Como também não está em relação ao fundamento do Arresto - as dívidas tributárias - porquanto, este foi temporalmente balizado pela Administração Tributária no seu requerimento inicial ao reportar-se às dívidas de 2004, 2005 e 2006 relativas a IVA e IRC, sem que tenha tido em consideração qualquer outro ano de exercício. Por isso, não se compreende como pode a Recorrente alegar que foram invocados outros anos que não foram considerados pela douta sentença quando não os invocou.
VII. Pretende a Recorrente defender a sua posição invocando uma suposta presunção legal - a do registo da renúncia - e que o Recorrido não fez prova em contrário da mesma. A presunção legal decorrente do registo não permite que se tire ilações de outra natureza que não aquela que o registo demonstra. Ou seja, o facto de existir uma gerência registada - gerência de direito - não permite presumir que há uma gerência de facto - a presunção da gerência de facto é uma presunção jurídica, construída com base na experiência e realidade factual, logo compete à Fazenda Pública, aqui Recorrente, provar factos dos quais decorre o exercício efectivo da gerência. “Ninguém beneficia de uma presunção judicial porque ela não está à partida estabelecida, resultando só do raciocínio do juiz feito em cada caso que lhe é submetido” (Ac. TCA Sul de 03-11-2009, processo n.º 03412/09).
VIII. Quer isto dizer que não pode a Recorrente presumir que quem tem a qualidade de gerente de direito, tem a qualidade de gerente de facto, porque tal decorre da realidade concreta dos factos que são colocados à disposição do julgador. A esta questão não é alheia a vasta jurisprudência dos tribunais superiores que por diversas vezes decidiram que a gerência de direito não implica a gerência -de facto, logo, ainda que esteja registado uma gerência de direito, se a mesma não é exercida de facto não poderá ser enquadrada nos requisitos legais do n.º 1 do art. 24º da LGT, porquanto o mecanismo da responsabilidade subsidiária só se verifica quando se verifica a existência de gerência de facto, ou seja, o real e efectivo exercício da gestão da empresa. (vd. Acs. STA, Pleno da Secção do Contencioso Tributário, de 28/02/2007, proc. n.º 01132/06; STA de 10/12/2008, proc. n.º 0861/08; STA de 11/03/2009, proc. n.º 0709/08, TCAN de 27-03-08, proc. n.º 67/03).
IX. A douta sentença considerou como indiciariamente provados factos que permitem concluir que o Recorrido não exercia naquele período a gerência de facto, desde logo porque não dispunha dos documentos contabilísticos, porque tentou implementar medidas de reorganização da empresa, através da contratação de uma economista mas que não foram levadas a cabo por oposição directa dos outros dois sócios-gerentes, porque, apesar da sede ser em Lisboa, as instalações físicas da empresa foram na Amadora, primeiro e, depois, no Bombarral, onde estavam os outros dois sócios-gerentes, que actuavam concertada mente em contrário.
X. A douta sentença recorrida não viola, assim, os artigos 24º da LGT, 136º, 153º e 214º do CPPT nem coloca em crise a garantia patrimonial da boa cobrança. Antes acautela os direitos consagrados constitucionalmente do Recorrido, designadamente os da aplicação do direito, de um julgamento justo e imparcial e o direito de propriedade privada porquanto não podem os bens do Recorrido responder pela dívida da qual não é responsável.
XI. A douta sentença não merece qualquer reparo, devendo ser mantida,
POR BOA E JUSTA! »
*
A Exma. Procuradora-Geral-Adjunta emitiu parecer, no sentido de que, por a sentença ter feito correctas interpretação da prova produzida e aplicação do direito aplicável, o recurso não merece provimento.
*
Dispensados, em função da natureza urgente deste processo – cfr. art. 707.º n.º 4 CPC, os pertinentes vistos, compete conhecer.
*******
II
Mostra-se consignado, na sentença: «
III – Da fundamentação
III – 1. Dos factos.
Com interesse para a decisão da causa, com base nos documentos existentes nos autos, consideramos indiciariamente assente a seguinte factualidade:
1) Por sentença proferida nos autos em 23/12/08, foi decretado o arresto, entre outros, dos bens de Luiz Alberto Ferreira Gomes, para garantia do pagamento de créditos tributários de IVA e IRC do ano de 2004 e 2005, em cobrança coerciva - cf. fls. 194;
2) O contrato de sociedade e a designação de membros de órgãos sociais da devedora originária A...- Construções e Manutenção de Piscinas e Jardins, Lda, foi inscrita pela apresentação nº 4 de 12/3/1998, nela constando como sede a Av. Columbano Bordalo Pinheiro, nº 71 A/B, Lisboa - cf. documento de fls. 93;
3) A sede social da A...- Construções e Manutenção de Piscinas e Jardins, Lda, funcionava, até ao final do 1º trimestre de 2004 em instalações situadas em local não determinado, do Concelho da Amadora, tendo o Oponente promovido a mudança das instalações para a Av. Columbano Bordalo Pinheiro, nº 71 A/B, Lisboa - cf. confissão (artigo 21º da petição de oposição), depoimento das testemunhas Maria Teresa Ferreira Heitor e José Fernandes António;
4) A actividade produtiva da A...- Construções e Manutenção de Piscinas e Jardins, Lda, encontrava-se centralizada no Bombarral - ­depoimento das testemunhas Maria Teresa Ferreira Heitor e José Fernandes António;
5) O sócio B...encontrava-se encarregado da área administrativa e financeira, desempenhando funções de relações públicas, representando a A...- Construções e Manutenção de Piscinas e Jardins, Lda, em feiras nacionais e internacionais, e era quem negociava com os fornecedores as condições de fornecimento, e quando a empresa não tinha fundos, era quem procedia aos pagamentos - depoimento das testemunhas Maria Teresa Ferreira Heitor e José Fernandes António;
6) Os sócios C... e Ezequiel de Oliveira MeIo Barreiras, tinham a seu cargo a área de produção - cf. depoimento das testemunhas Maria Teresa Ferreira Heitor e José Fernandes António;
7) Toda a documentação contabilística era tratada nos escritórios situados no Bombarral, sob orientação do sócio D...- cf. depoimento da testemunha José Fernandes António;
8) O Oponente depositava dinheiro ou emitia cheques pessoais, quando havia saldo negativo na conta da firma A...- cf. depoimento da testemunha José Fernandes António;
9) Em Abril ou Maio de 2003 o Oponente contratou Maria Teresa Ferreira Heitor na qualidade de economista para colaborar na administração e gestão da A..., - Construções e Manutenção de Piscinas e Jardins, Lda - cf. depoimento das testemunhas Maria Teresa Ferreira Heitor e José Fernandes António;
10) Maria Teresa Ferreira Heitor tentou proceder à reorganização da empresa introduzindo novos procedimentos, no sector administrativo com indicação de novo circuito dos documentos, no sector financeiro, através do controlo de caixa e bancos que encontrou sempre a descoberto, e cobertura posterior efectuada pelo Oponente, com recuperação de créditos sobre clientes para fazer face a dificuldades de tesouraria, e no sector comercial, designadamente com definição de áreas de venda, controlo de deslocações com a introdução do relatório diário, do mapa de Km, controlo de visitas a clientes em assistência pós venda, e com controlo e contagem de materiais e de viagens - cf. depoimento da testemunha Maria Teresa Ferreira Heitor;
11) Os procedimentos indicados na alínea anterior, deixaram de ser adaptados por ordem do sócio D...- cf. depoimento da testemunha Maria Teresa Ferreira Heitor;
12) Em Março de 2004, Maria Teresa Ferreira Heitor, afastou-se da empresa por considerar não ter condições para continuar o trabalho de reorganização da empresa face ao boicote das medidas que introduzira pelo sócio D...e pelo clima de conflito entre aquele e o sócio C... contra o Oponente - cf. depoimento da testemunha Maria Teresa Ferreira Heitor;
13) O Oponente, verificando não ter condições para administrar conjuntamente a empresa,
14) Em Setembro de 2008, os serviços de inspecção tributária através do Inspector Tributário João Francisco Pereira Machado, contactaram o sócio C..., com vista à análise da documentação contabilística, tendo o referido sócio informado que a documentação estaria com o Oponente - cf. depoimento do próprio Inspector;
15) Ainda em Setembro de 2008, os serviços de inspecção tributária contactaram o Oponente para o mesmo efeito, que indicou o Técnico Oficial de Contas da empresa - Polainas, e verificaram não existir na Av. Columbano Bordalo Pinheiro, nº 71 A/B, Lisboa, indícios de ali funcionar a sede da empresa A...- Construções e Manutenção de Piscinas e Jardins, Lda, funcionando no local a Lumilabo ­Laboratório de Análises Clínicas, SA, tendo por sócio gerente o Oponente - cf. depoimento da testemunha João Francisco Pereira Machado e documento de fls. 435;
16) Contactado o Técnico Oficial de Contas, referiu que entregara toda a documentação da empresa ao sócio C..., nas instalações do Bombarral - cf. depoimento da testemunha João Francisco Pereira Machado.
*
A decisão indiciária da matéria de facto efectuou-se com base no exame crítico das informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos constam, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório, bem como do depoimento das testemunhas Maria Teresa Ferreira Heitor, José Fernandes António e João Francisco Pereira Machado que depuseram de forma clara, convicta e com conhecimento directo dos factos, não tendo relevado o depoimento prestado por Pedro Gabriel Vieira de Sousa Morais, porquanto referiu ter conhecimento dos factos que relatou através de terceira pessoa, e não por conhecimento directo. »
*
A consideração das alegações produzidas pela Recorrente/Rte, destacadamente, na perspectiva da síntese conformada pelo respectivo quadro conclusivo, permite isolar, desde logo, um inequívoco ataque ao julgamento factual efectivado em 1.ª instância – cfr. conclusões 2 e 6, matéria que, por precedência lógica, cumpre, em primeiro lugar, solucionar.
Com indisfarçável evidência, neste quadrante, a Rte omitiu, total e irremediavelmente, o cumprimento do ónus, que sobre si impendia, enquanto impugnante da decisão relativa ao julgamento da matéria de facto, previsto e, com pormenor, disciplinado no art. 685.º -B CPC (2), aplicável à situação julganda e especificamente a este fundamento do recurso, por força do disposto no art. 2.º al. e) CPPT. Efectivamente, de forma relevante, não especificou (3) os “concretos pontos de facto” que referencia ter alegado e provado, relativos à prática, por parte do Rdo, de “actos de gestão” da sociedade originária devedora, pretensamente, omitidos no rol da factualidade julgada assente pela sentença recorrida. Por outro lado, em moldes, ainda, mais deficitários, na pouco desenvolvida crítica que a esta faz, por haver valorado a prova testemunhal produzida na oposição ao arresto, pelo, agora, Rdo, esqueceu, sem remédio, a obrigatoriedade de indicar, exactamente, as passagens da gravação dos respectivos depoimentos, em que alicerça a sua pretensão - art. 685.º -B n.º 1 al. b) e 2 CPC.
Destarte, sem mais delongas, inevitável é a rejeição do recurso, com relação à impugnação do julgamento factual produzido na sentença, que, por isso, tem de manter-se, já que, também, não nos merece reparo oficioso.
***
Orientados e cingidos, pois, pela factualidade provada e valorada na sentença recorrida, cuidemos das restantes questões, tangentes dos aspectos jurídicos da causa, percepcionadas na alegação e conclusões formuladas pela Rte e que, em resumo, podemos reconduzir à determinação de se, por aquela, foram violados os arts. 136.º, 214.º CPPT e 24.º LGT.
Posto o estatuído no art. 136.º n.º 1 CPPT, com vista a garantir (4) o pagamento de dívidas fiscais/a cobrança de créditos tributários em fase anterior à execução (5), pode ser requerido o arresto de bens “do devedor de tributos ou do responsável solidário ou subsidiário”, quando, em simultâneo, cumulativamente, haja fundado receio da diminuição de garantia de cobrança de créditos tributáveis e o tributo esteja liquidado ou em fase de liquidação – cfr. als. a) e b). Sendo este o repositório dos fundamentos que, em geral, devem estar verificados para o accionar da versada providência cautelar avulsa a favor da administração tributária/AT (6), não é, em nenhuma medida, questionável, por tão explícita e objectiva letra da lei, a possibilidade do arresto poder incidir sobre bens propriedade de um responsável subsidiário, por dívidas fiscais de outrem. Mais, é permitido e, por isso, legal, o arresto de bens do responsável subsidiário antes da instauração de um qualquer processo de execução fiscal ou sem que este haja sido chamado ao mesmo por via de reversão (7), ou seja, “é desnecessário demonstrar a efectivação da responsabilidade subsidiária do requerido”.
Esta aparente violência, malfeitoria, apresenta-se-nos temperada pela indiscutível necessidade de a AT, mediante a representação da Fazenda Pública (8), alegar e comprovar, ao requerer o arresto, mesmo que sumariamente, por estarmos no âmbito de uma providência/procedimento cautelar, factos idóneos a demonstrar a reunião, o preenchimento, dos pressupostos legais para a efectivação do mecanismo da reversão, isto é, que estão verificados os requisitos positivados nos arts. 24.º LGT e 153.º n.º 2 CPPT. Noutros moldes, não sendo exigível que a responsabilidade subsidiária do arrestado se encontre já solidificada, firmada, no processo executivo, por efeito da emissão do competente despacho de reversão, impende sobre a Fazenda Pública o ónus de comprovar, ligeiramente, ao de leve, a verificação dos pressupostos legais para a operação dessa modalidade de responsabilização tributária, isto é, que, em uníssono, sejam comprováveis os requisitos inscritos nos aludidos normativos legais (9).
Na posse destes elementos de análise e julgamento, volvendo à situação aprecianda, sobre esta matéria específica, temos de começar por constatar que, perscrutada a factualidade considerada “indiciariamente assente” na sentença (10) que decretou o arresto de bens, inclusive, do aqui Rdo, não se achavam provados os mínimos factos idóneos a assegurar os apontados condicionalismos de convocatória, por via de reversão, dos responsáveis subsidiários da sociedade devedora originária. Do disponibilizado rol factual, somente resultou seguro que esta tinha como sócios três indivíduos, entre os quais o Rdo, sendo que todos mantiveram a condição de gerentes desde o momento da respectiva constituição, tendo, contudo, o sócio B... (Rdo) renunciado à gerência em 3.10.2006 – al. B) de fls. 195. Ora, nitidamente, desde logo, não resultava do pouco exposto qualquer evidência do exercício da gerência de facto (11), designadamente, no que toca ao Rdo, durante o período do facto constitutivo/nascimento das dívidas tributárias ou no espaço temporal em que foram postas à cobrança, pagamento ou entrega. Anote-se que, erradamente, a versada peça acabou por determinar o arresto de bens dos responsáveis subsidiários sob o fundamento de que se achava verificado o “requisito legal” de que dependia a reversão, porquanto “Face ao probatório, resulta indiciariamente que é patente a insuficiência de bens penhoráveis da devedora principal, a qual é proprietária apenas de dois veículos”.
Aqui chegados, importa, por decisivo, cuidar do cenário que se nos apresenta face à emissão da sentença recorrida, que, como, introdutoriamente, aludimos, decidiu julgar procedente a oposição ao arresto, ajuizada pelo arrestado B..., determinando a redução da respectiva abrangência, quanto aos seus bens.
Em apoio deste veredicto, argumentou-se, destacadamente, que: «
(…).
Resulta assim dos novos elementos de prova produzidos em audiência de julgamento pelo Oponente, que embora tenha renunciado de direito à gerência em 2006, em meados do ano de 2004 já não dispunha de condições para aceder aos documentos da empresa, verificando-se que desde essa altura que deixou, de facto, a gestão da empresa.
Considerando que as obrigações tributárias em falta que determinaram o decretamento do arresto em causa nos presentes autos se reportam a obrigações declarativas relativas a IRC de 2004 e 2005 e a declaração anual dos exercícios de 2004 e 2005 e declarações periódicas relativas a IVA respeitante a 2005, (…), em cujo prazo de cumprimento, indiciariamente, já o Oponente não exercia funções de administração ou gestão na empresa.
Conclui-se assim, indiciariamente não se verificarem os pressupostos para a reversão do Oponente na execução, faltando assim, um dos requisitos para que seja mantido o arresto requerido pela FP, (…). ».
Com todo o respeito, ponderados os factos assentes acima transcritos, não logramos encontrar apoio factual para, segura e certeiramente, se concluir e afirmar que o oponente/Rdo “em meados do ano de 2004 deixou, de facto, a gestão da empresa”. Efectivamente, tendo este sido, na qualidade de sócio, nomeado gerente da sociedade devedora originária aquando da respectiva constituição, acto sujeito a registo, na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, pela Ap. 04/19980312 – cfr. ponto 2) e doc. de fls. 93 segs., acrescendo estar comprovado que renunciou à gerência em 3.10.2006 (12), doutro modo, foi gerente nominal, pelo menos, no período de tempo compreendido entre 12.3.1998 e 3.10.2006, mostra-se, impressiva e inelutavelmente, demonstrado que até ao final do 1.º trimestre de 2004 o oponente promoveu a mudança de instalações da sociedade, bem como, que, em Abril ou Maio de 2003, contratou Maria Teresa Ferreira Heitor na qualidade de economista para colaborar na administração e gestão da A... (…) e, ainda, que, sem qualquer delimitação temporal explícita, decisivamente, se encontrava “encarregado da área administrativa e financeira, desempenhando funções de relações públicas, representando a A...- Construções e Manutenção de Piscinas e Jardins, Lda, em feiras nacionais e internacionais, e era quem negociava com os fornecedores as condições de fornecimento, e quando a empresa não tinha fundos, era quem procedia aos pagamentos (…)”, sendo que, “depositava dinheiro ou emitia cheques pessoais, quando havia saldo negativo na conta da firma A...(…) – cfr. pontos 3), 5), 8) e 9) dos factos assentes.
Disponibilizando os autos este acervo de factos provados, não há como sustentar que o oponente/Rdo deixou a gerência efectiva da sociedade devedora originária em, pelo menos, momento anterior àquele que, oficialmente, marca a renúncia ao cargo de gerente - 3.10.2006 -, para que havia sido nomeado no ano de 1998. Ademais, a própria sentença sob escrutínio não hesita no apontamento de que o mesmo “tomou várias providências relativas à vida da sociedade que configuram actos de gestão”, com ênfase para a transferência da “sede física” da sociedade e para a “contratação de uma economista”. Obviamente, para nós, não é suficiente e capaz de prejudicar a conclusão, que acabamos de veicular, pelo exercício de facto da gerência, por parte do oponente, até 2006, uma qualquer pretensa (porque não resulta comprovada da factualidade assente) falta “de condições para aceder aos documentos da empresa”. Aliás, se tal circunstancialismo se verificou, o oponente, na qualidade de sócio (e gerente), tinha toda a legitimidade para lançar mão de diversos mecanismos, procedimentos legais, ao nível, por exemplo, do direito societário (13), adequados à ultrapassagem desse tipo de boicote.
Nestes termos, de momento, o processo faculta os dados factuais necessários, para que, sem reservas, se admita, como muito provável, o chamamento do oponente/Rdo, como responsável subsidiário, ao competente processo de execução fiscal. Isto porque, entendemos minimamente indiciados os pressupostos legais legitimadores de tal chamada, ou seja, está, em cumulação, verificado que ocorre (14) uma potencial situação de fundada insuficiência do património da sociedade devedora originária para satisfazer a futura dívida exequenda e acrescido – cfr. art. 153.º n.º 2 al. b) CPPT, bem como, que, por parte do oponente/Rdo, foi assumido o exercício, de facto, do cargo de gerente da mesma, nos períodos de verificação do facto constitutivo, do pagamento ou da entrega dos impostos encontrados em falta/dívida – cfr. art. 24.º n.º 1 LGT. Na óptica acima apresentada, julgamos, portanto, satisfeitos os requisitos legais para o accionar, como de início, da providência cautelar de arresto de bens do oponente/Rdo, enquanto potencial responsável subsidiário pelas dívidas tributárias imputáveis à sociedade em causa.
Diga-se que, esta conclusão se assume não obstante, ao invés do sentido da pronúncia supra emitida, a AT, nesta sede, processualmente representada pela Fazenda Pública, não haver comprovado, mesmo que sumariamente, factos idóneos a demonstrar a verificação perfunctória de requisitos essenciais, positivados no art. 24.º LGT. Funciona, aqui, a determinação do art. 515.º CPC, no sentido de que “O tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las”, na ausência de qualquer disposição legal determinante de irrelevância da alegação e prova com origem estranha à parte interessada. Trata-se do princípio da aquisição processual, segundo o qual, “só interessa saber o que está provado, e não quem o provou” (15).
Assim sendo, procedem as conclusões deste apelo, na medida em que, designadamente, apontam para a violação, por parte da decisão versada, do regime estatuído no art. 136.º CPPT.
*******
III
Pelo exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, acorda-se:
- prover o presente recurso jurisdicional e revogar a sentença recorrida;
- julgar improcedente a oposição ao arresto, decretado com relação aos bens do oponente B..., o qual se mantém nos termos inicial e anteriormente decretados, em 1.ª instância.
*
Custas a cargo do recorrido, em ambas as instâncias.
*
(Elaborado em computador e revisto, com versos em branco)
Lisboa, 12 de Janeiro de 2010

Aníbal Ferraz
Eugénio Sequeira
Rogério Martins. Voto Vencido. Entendo que o princípio de aquisição processual, invocado pela tese que fez vencimento, não poderia no caso concreto levar a considerar-se indiciada a gestão de facto por parte do ora Recorrido. Este admitiu ter gerido a Sociedade devedora mas não sem uma referência temporal, como se considerou indiciado. Admitiu ter gerido apenas até ao período aqui em causa. Tirar daqui a conclusão de ter gerido, sem referência temporal, a empresa e tirar, cirurgicamente, o que é desfavorável e apenas isso da alegação do Recorrido. Os únicos factos de gerência de facto indiciados reportam-se a 2003 e primeiro semestre de 2004 pelo que foi correcta a conclusão da sentença de que o Recorrido tenha gerido a empresa, de facto, depois de meados de 2004. Por outro lado o que o Recorrido poderia ter feito designadamente para obter a documentação da empresa não releva para apurar a gerência de facto.


1 - Cfr. expediente de fls. 215 segs. e apendiculado, que aqui se tem por integralmente reproduzido.
2 - Cfr. redacção conferida pelo DL. 303/2007 de 24.8.
3 - Segundo a jurisprudência mais avisada e de que comungamos nos fundamentos - v.g. Acs. STJ de 20.11.2003, rec. 03A3484, de 8.3.2006, rec. 05S3823 e de 13.7.2006, rec. 06S1079, a concretização dos pontos de facto deve ser, explícita e circunstancialmente, promovida nas conclusões de recurso.
4 - Para o credor assegurar, conservar, a garantia patrimonial do seu crédito – cfr. art. 619.º n.º 1 Cód. Civil.
5 - O art. 214.º CPPT regula o decretamento de arresto na pendência do processo de execução fiscal.
6 - Art. 135.º n.º 1 al. a) CPPT.
7 - A responsabilidade tributária por dívidas de outrem é, salvo determinação em contrário, subsidiária, sendo que a responsabilidade subsidiária se efectiva por reversão do processo de execução fiscal – cfr. arts. 22.º n.º 3 e 23.º n.º 1 LGT.
8 - Cfr. art. 15.º n.º 1 al. a) CPPT.
9 - Nesta senda, Acs. TCA de 2.5.2000, rec. 03580/00 e de 16.12.2004, rec. 00342/04, retirando-se deste último: «(…), dada a natureza cautelar da providência, que visa evitar o prejuízo que eventualmente possa decorrer da demora na decisão final (o periculum in mora), e atento o carácter não definitivo da decisão a proferir em sede de procedimento cautelar, para que seja decretado o arresto de bens do responsável subsidiário não se exige que este tenha já sido chamado à execução (mediante reversão), mas apenas que se mostre provável o seu chamamento à execução. (…), em sede de procedimento cautelar, apenas há que verificar a existência do direito (sumaria cognitio), deixando para momento ulterior e para a sede própria (…) a apreciação definitiva sobre a existência do direito, designadamente, sobre a verificação dos pressupostos da responsabilidade subsidiária e dos requisitos da reversão.»
10 - Cfr. fls. 194 segs.
11 - Expressamente, positivada no art. 24.º n.º 1 LGT.
12 - Inscrita, no registo comercial, pela Ap. 23/20061004 – cfr. fls. 94.
13 - Cogitamos, v.g., o direito à informação previsto e disciplinado no art. 214.º Código das Sociedades Comerciais.
14 - Detectada e avançada, logo, na sentença que decretou o arresto e em nenhuma medida questionada, posta em crise, na corrente oposição.
15 - Noções Elementares de Processo Civil, Manuel de Andrade, 1979, pág. 200.