Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1117/09.1BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:02/15/2024
Relator:ISABEL FERNANDES
Descritores:OPOSIÇÃO
EXECUÇÃO FISCAL
TAXAS DE PORTO
AGENTE DE NAVEGAÇÃO
LEGITIMIDADE
Sumário:I – Nos termos do preceituado no artigo 10º do Decreto-Lei n.º 76/89, de 3 de Março (define o regime jurídico da actividade de agente de navegação), o agente de navegação responde solidariamente com o armador perante a autoridade portuária por tarifas e demais encargos inerentes ao navio.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção de execução fiscal e de recursos contra-ordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

S…- SOCIEDADE EUROPEIA DE ATIVIDADES PORTUÁRIAS, Ldª, nos autos melhor identificada, deduziu oposição no âmbito do processo de execução fiscal n.º 323920080107768.6, instaurado pelo Serviço de Finanças de Lisboa, por falta de pagamento das taxas de porto do navio “V...” no Terminal de Pesca de Largo do Porto de Aveiro entre 10 de Setembro de 2007 e 30 de Setembro de 2008, no valor total de € 98.914,49.

O Tribunal Tributário de Lisboa, por decisão de 31 de Março de 2021, julgou improcedente a presente oposição e consequentemente absolveu do pedido a Entidade Exequente.

Não concordando com a decisão, a Recorrente, interpôs recurso da mesma, tendo nas suas alegações, formulado as seguintes conclusões:

«I – Os factos i) a viii) elencados no ponto I. da presente Alegação por se mostrarem relevantes para a boa decisão da causa (em particular para apreciação das questões da prescrição e ilegitimidade) deverão ser aditados à matéria de facto provada, o que se requer.

II – Considerando o prazo de prescrição de 8 anos previsto para as obrigações tributárias, a circunstância da ora Recorrente ter sido citada em 28 de Novembro de 2008 (interrompendo-se assim a prescrição inutilizando todo o tempo passado e começando a correr novo prazo), e de ter sido apresentada Oposição à Execução sem que tivesse ficado suspensa a Execução fiscal, as dívidas tributárias a que respeita o presente processos de execução fiscal prescreveram em 28 de Novembro de 2016 (8 anos após a ocorrência da citação para o processo de Execução Fiscal).

III – O Legislador fiscal foi claro e exaustivo na regulação do instituto da prescrição da obrigação tributária: descrevendo pormenorizadamente todas as situações de interrupção e suspensão da prescrição no foro tributário; e, mais ainda, procedeu à identificação dos casos que considera simultaneamente interruptivos e suspensivos do prazo de prescrição (cfr. artigo 49º nº 1 e 4, alínea b) da LGT),

IV – E, se nada disse em relação à eventual suspensão da prescrição na sequência da citação (repara-se que o aludido efeito duradouro da interrupção consubstancia materialmente uma suspensão) uma vez que nas causas de suspensão consagradas não está contemplada a citação (artigo 49º nº 4 da LGT) foi seguramente porque quis, por sua livre opção, a não suspensão da prescrição em consequência da citação.

V – Embora seja certo que as normas do Código Civil se podem aplicar às relações jurídico-tributárias – artigo 2º, alínea d) da LGT – também não é menos verdade que uma tal aplicação subsidiária apenas se justifica perante a existência de um caso omisso, o que não se verifica,

VI – Pois, a LGT regula a matéria da prescrição, bem como as respectivas causas de interrupção e suspensão, incluindo a menção à citação como causa interruptiva (artigo 49º nº 1 da LGT) sem que aí estabeleça qualquer efeito duradouro da interrupção.

VII – Não se verifica, assim, qualquer omissão ou lacuna, pois se o Legislador quisesse conferir efeito duradouro à interrupção da prescrição no processo de execução fiscal na sequência da citação tê-lo-ia dito de forma expressa, como fez nas situações de suspensão do prazo relativas às contestações administrativas e judiciais – reclamação, impugnação, recurso (artigo 49º nº 4, alínea b) da LGT), na sequência dos antecedentes actos interruptivos da prescrição previstos no artigo 49º nº 1 da LGT

VIII – Defender-se que o artigo 49º nº 1 da LGT tem por efeito a duração da interrupção até ao trânsito (neste caso por conta da citação) seria tornar inútil a suspensão do prazo prevista no no nº 4 do mesmo artigo quanto à oposição à execução,

IX – O Legislador, na LGT, quis consagrar causas suspensivas do prazo de prescrição, não se pretendendo socorrer do efeito suspensivo de uma causa interruptiva (a citação) operado por uma norma geral e de mera aplicação subsidiária ao Direito Tributário (artigo 327º nº 1 do Código Civil),

X – E, tanto assim, que o Legislador quis estabelecer no artigo 49º nº 4, alínea b) da LGT que o prazo de prescrição legal suspende-se enquanto não houver decisão definitiva ou transitada em julgado, que ponha termo ao processo, no caso de oposição à execução, quando esta determine a suspensão da cobrança da dívida.

XI – A norma do artigo 49º nº4, alínea b) da LGT sempre deveria prevalecer sobre um pretenso efeito “suspensivo” extraído de uma causa interruptiva a partir da conjugação do artigo 49º nº 1 da LGT com o artigo 327º nº 1 do Código Civil.

XII – E, daí, que o efeito interruptivo da prescrição operado pela citação deva ser apenas, e tão somente, instantâneo, inutilizando.se o prazo já decorrido e reiniciando-se o mesmo sem demoras (portanto, o efeito “normal” da interrupção da prescrição),

XIII – E, mesmo que esteja pendente uma Oposição à Execução e seja prestada garantia idónea, verificando-se uma causa interruptiva do prazo de prescrição (artigo 49º nº 1 da LGT) ainda assim não se aplica o disposto no artigo 327º nº 1 do Código Civil, ou seja, o efeito duradouro da interrupção, pois a norma especial do artigo 49º nº 4, alínea b) da LGT impõe antes uma suspensão do prazo de prescrição.

XIV – Na execução fiscal o credor (Estado) tem um conjunto de prerrogativas legais de cobrança do seu crédito muito superiores ao que sucede com o credor cível, pois tem o poder de criar um título executivo e proceder imediatamente à execução dos seus créditos com a realização da penhora dos bens do devedor (princípio da auto-tutela declarativa e executiva)

XV – Ao invés, relativamente ao credor cível já faz sentido que o prazo interrompido pela citação (efeito instantâneo e típico da interrupção) não comece a contar (efeito duradouro da interrupção) até ao momento do trânsito em julgado da decisão que põe termo ao processo, ou seja, até o credor poder ver declarado o seu direito no âmbito de um processo declarativo

XVI – O princípio geral em sede de prescrição dispõe que o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido (artigo 306º nº 1 do Código Civil), princípio este que está subjacente à ratio legis do disposto no artigo 327º nº 1 do Código Civil,

XVII – Não havendo qualquer impedimento da Autoridade Tributária de proceder à execução coerciva do património do devedor, designadamente, por estar suspensa a execução fiscal ou outro obstáculo legal, nada justifica a defesa da aplicação do efeito duradouro da interrupção à citação no âmbito da Execução fiscal.

XVIII – Se o prazo de prescrição apenas se iniciasse com o fim do processo de execução fiscal, e se o processo de execução fiscal só finda com o pagamento, em rigor o prazo de prescrição nunca chega sequer a iniciar-se, o que é um absurdo.

XIX – A aplicação acrítica da norma do artigo 327º nº 1 do Código Civil às dívidas tributárias levaria, não a um mero efeito duradouro da interrupção ocasionada pela citação, mas a uma eternização dessa interrupção, ou dito de outra forma, à imprescritibilidade das dívidas tributárias,

XX – A aplicação, no domínio tributário, da regra de direito civil (artigo 327º nº 1 do Código Civil) que impõe o efeito duradouro da suspensão da prescrição tributária, se e enquanto durar o processo de execução fiscal, viola o princípio da legalidade (artigo 165º e 103º da CRP), porque tal imposição não está coberta por lei expressa e determinada da Assembleia da República, em matéria de reserva (relativa) da Assembleia da República,

XXI – A aplicação do artigo 327º nº 1 do Código Civil ao domínio tributário viola, igualmente, o princípio da segurança juridica (artigo 2º e 18º da CRP), na medida em que ofende, de forma directa, desadequada e desproporcionalmente, o conteúdo essencial da segurança jurídica na relação tributária, ao advogar a imprescritibilidade das obrigações tributárias (cfr. neste sentido, Tomás Cantista Tavares, Prescrição da Prestação Tributária: Execução Fiscal, Suspensão e “declaração em Falhas, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 80 (especial), 2020, páginas 835-856).

XXII – De acordo com o disposto no artigo 3º nº 1 do Decreto-Lei nº 241/93, de 8 de Julho e no artigo 148º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) não existe a possibilidade de o processo de execução fiscal ser utilizado para a cobrança de dívidas de que não seja credor o Estado ou outras pessoas colectivas de direito público.

XXIII – Assim, sendo a APA - Administração do Porto de Aveiro, S.A. uma sociedade anónima, de capitais exclusivamente públicos, portanto, uma pessoa colectiva privada, não pode a mesma proceder à utilização do processo de execução fiscal para a cobrança das dívidas resultantes de prestação de serviços ao navio “V...”, no âmbito da exploração comercial do porto de Aveiro.

XXIV - Também não existe qualquer norma especial que atribua a cobrança das dívidas não pagas à APA - Administração do Porto de Aveiro, S.A. (incluindo as relativas a “taxa de estacionamento”) ao processo de execução fiscal.

XXV – Também o referido artigo 155º do (anterior) Código de Procedimento Administrativo (CPA), em conformidade, aliás, com o disposto no já aludido artigo 148º do CPPT, apenas determina a aplicação do processo de execução fiscal, quando estão em causa pessoas colectivas públicas

XXVI – A APA não pode ser considerada o “Estado” para efeitos de aplicação do artigo 148º nº 1 do CPPT, nem pode ser considerada uma pessoa colectiva de direito público, para efeitos de aplicação do disposto no artigo 148º nº 2, alínea a) do CPPT e no artigo 155º do (anterior) CPA.

XXVII – Em qualquer caso, a certidão emitida pela APA não constitui uma certidão do acto administrativo (qualquer que ele seja) nos termos do artigo 155º nº 2 do (anterior) CPA e artigos 88º nº 2, alínea e) e 163º nº 1, alínea d), do CPPT.

XXVIII – Tal falta de título executivo ou dos requisitos essenciais do título executivo, constitui uma nulidade insanável do processo de execução fiscal, a qual é de conhecimento oficioso e pode ser arguida até ao trânsito em julgado da decisão final (artigo 165º nº 1, alínea b) e nº 4 do CPPT).

XXIX – O artigo 10º do Decreto-Lei nº 76/89, de 3 de Março, invocado pela Sentença para sustentar a responsabilidade solidária da Executada pelo pagamento de tarifas e todos os encargos inerentes aos serviços prestados no Porto de Aveiro, parece não dever aplicar-se às situações em que o agente de navegação actua como representante do armador, mas antes dever circunscrever-se às situações em que o agente de navegação actua sem poderes de representação.

XXX – Neste sentido o artigo 5º nº 4, alínea c) do Decreto-Lei nº 264/2012, de 20 de Dezembro (diploma que aprovou o novo regime jurídico do agente de navegação), que se deve considerar ter, neste aspecto, mero carácter interpretativo, determina que o agente de navegação apenas responde perante a autoridade portuária e marítima por tarifas e demais encargos relativamente a serviços prestados por si requisitados (portanto, em nome próprio).

XXXI - A situação em causa relativa à exploração (utilização) do navio e correspondente requisição dos serviços de estacionamento está com a posse ou fruição do navio, pelo que não se vê impedimento à aplicação do disposto no artigo 204º nº 1, alínea b) do CPPT,

XXXII – E que seja invocado que durante o período do arresto, nem a ora Recorrente, nem a proprietária do navio, tinham a fruição do mesmo (por o mesmo se encontrar apreendido à ordem do Tribunal Marítimo) e, como tal, não podiam as mesmas ter requisitado a prestação de serviços de estacionamento,

XXXIII – A situação de guarda e retenção do navio e posterior arresto à ordem do Tribunal Marítimo de Lisboa, bem como a designação de fiel depositário e a ordem judicial de venda antecipada do navio, consubstanciam a transferência da posse e fruição do navio para o Tribunal (e, portanto, também da possibilidade de requisição/responsabilidade pelo pagamento dos serviços portuários)

XXXIV – A ora Recorrente não pode ser responsável, na qualidade de agente de navegação, pelas taxas de porto referentes ao navio, correspondentes a um período relativamente ao qual o navio já se encontrava apreendido à ordem do Tribunal (período a partir de 23 de Outubro de 2007), sujeito à guarda e administração de um fiel depositário que fica responsável por esse bem.

XXXV – Termos em que, ao abrigo do disposto no artigo 204º nº 1, alínea b) do CPPT, a Executada Recorrente, não sendo proprietária, nem possuidora do navio “V...”, nem tendo qualquer poder de disponibilidade sobre a administração do referido bem após o momento da sua retenção e apreensão judicial (incluindo quanto à requisição de serviços portuários ou outros) é, pelo menos em parte, parte ilegítima na presente execução.

Nestes termos e nos demais que Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta Sentença recorrida, e só assim se fará J U S T I Ç A»


*

Não foram apresentadas contra-alegações.

*

O DMMP junto deste Tribunal Central Administrativo, devidamente notificado para o efeito, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, devendo manter-se o julgado, por a decisão sob recurso não padecer de quaisquer vícios, nomeadamente os que lhe vêm imputados.
*

Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à conferência da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul para decisão.

*
II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«Consideram-se provados os seguintes factos provados:

a) O processo de execução fiscal n.º 323920080107768.6 foi instaurado por falta de pagamento das taxas de estacionamento do navio V... no Terminal de Pesca de Largo do Porto de Aveiro de 10 de Setembro de 2007 a 30 de Setembro de 2008 (acordo e prova documental cfr. processo administrativo não numerado de forma sequencial).

b) O processo de execução fiscal mencionado no facto provado anterior teve origem na certidão de dívida com o seguinte teor (prova documental cfr processo administrativo não numerado de forma sequencial)


«Imagem em texto no original»

c) O navio V... é propriedade da sociedade Z… (prova documental cfr. documento nº1 junto com a petição inicial).

d) A Oponente prestou serviços de agente de navegação relativamente à sociedade mencionado no facto provado no que diz respeito ao navio V... ( confissão e acordo).

e) A 23 de Outubro de 2017, a Oponente requereu junto do Tribunal Marítimo de Lisboa um arresto sobre o navio V... que correu os seus termos sob o número 291/07.6TNLSB-A, o qual foi procedente ( acordo e prova documental cfr processo administrativo não numerado de forma sequencial).

f) Na acção principal referente à providência cautelar mencionada no facto provado anterior, a 23 de Outubro de 2018, foi a sociedade Z… condenada a pagar à Oponente a quantia de 386.527,24€ acrescida de juros ( prova documental cfr. documento nº2 junto com a petição inicial). »


*

Factos não provados

Não se detecta a alegação de factos essenciais relevantes para a decisão da causa que devam ser considerados como não provados.

*

Motivação da decisão de facto

Para convicção do Tribunal, na delimitação da matéria de facto supra provada, foi decisivo o conjunto da prova produzida, analisada individualmente e no seu conjunto.

Designadamente nos documentos não impugnados juntos aos autos, referidos nos “factos provados”, com remissão para as folhas do processo onde se encontram.”


*

Do pretendido aditamento ao probatório

Pretende a Recorrente que sejam aditados ao probatório os factos que elenca nas alegações de recurso, invocando que os mesmos se revelam fundamentais para a boa decisão da causa, em particular para a apreciação das questões da prescrição e da legitimidade da Recorrente.

Afirma que os factos que pretende ver aditados resultam de documentação com força probatória plena, ou por não terem sido impugnados, deverão ser dados como provados.

De referir que a Recorrente, na alegação recursiva, enuncia quais os concretos meios probatórios constantes nos autos para a prova dos ditos factos.

Vejamos, então.

Antes de mais, cumpre dizer que o artigo 640º do CPC admite a impugnação da matéria de facto desde que cumpridos os ónus, a cargo do Recorrente, aí elencados.

Constata-se que a Recorrente elenca os pontos de facto que pretende ver aditados com a necessária especificação dos meios de prova concretos com que funda a sua pretensão. O que significa que estão cumpridos os ónus exigidos pelo artigo 640º do CPC.

Assim sendo, e por pertinentes para a decisão, aditam-se ao probatório os seguintes factos:

g) Em 26 de Novembro de 2008 foi elaborado ofício de citação, no âmbito do PEF nº 3239.2008/01077686, onde consta como executada “S… Soc. Europeia de actividades portuárias, Ldª, para pagamento da quantia exequenda no valor de € 98.914,49 e acrescido no montante de € 1231,94, devida à Administração do Porto de Aveiro – Cfr. documento a fls. 20 do PEF, apenso;

h) O ofício de citação referido na alínea antecedente foi remetido por correio registado com aviso de recepção – Cfr. documento a fls. 103 e 104 do PEF apenso;

i) O aviso de recepção referente mostra-se assinado por “L…” em 28/11/2008 – Cfr. documento a fls. 104 do PEF, apenso;

j) Em 12 de Janeiro de 2009 deu entrada a petição inicial de oposição à execução – Cfr. Carimbo aposto no rosto da p.i., a fls. 5;

k) Em 12 de Janeiro de 2009 foi autuado o processo de oposição à execução – Cfr. fls. 3;

l) Em 26 de Outubro de 2007 foi proferida decisão, pelo Tribunal Marítimo de Lisboa, determinando o arresto do navio “V...” – Cfr. documento a fls. 92 a 99, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

m) Em 5 de Dezembro de 2007 foi proferido despacho, pelo juiz do Tribunal Marítimo de Lisboa, nomeando como fiel depositário do navio “V...” o representante legal da requerente do Arresto – Cfr. documento a fls. 100;

n) Em 7 de Maio de 2008 foi proferido despacho, pelo juiz do Tribunal Marítimo de Lisboa, ordenando a venda antecipada do navio “V...” – Cfr. documento a fls. 101 a 103;


*

Estabilizada a matéria de facto, prossigamos.

De Direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo Recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Assim sendo, lidas as conclusões das alegações de recurso, verifica-se que as questões a apreciar e decidir são as de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento no que se refere à possibilidade de cobrança da dívida exequenda (taxas do porto) através do processo de execução fiscal, bem como no que diz respeito à legitimidade da Oponente, ora Recorrente.

Cumpre, de igual modo, apreciar a invocada prescrição das dívidas em cobrança coerciva, questão que não foi apreciada na sentença recorrida, mas que constitui matéria de conhecimento oficioso, pelo que nada obsta a que este Tribunal de recurso a aprecie.

Vejamos, então.

Da cobrança das taxas de porto através do processo de execução fiscal

A Recorrente afirma, nas suas alegações de recurso, que nunca colocou em causa a competência do Tribunal Tributário. O seu entendimento é o de que as dívidas em causa não podem ser cobradas através do processo de execução fiscal.

Alega que a Exequente, sendo uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, constitui uma pessoa colectiva privada, pelo que não pode a mesma utilizar o processo de execução fiscal para a cobrança das dívidas resultantes de prestação de serviços ao navio “V...”, no âmbito da exploração comercial do porto de Aveiro.

Conclui que o processo próprio é o de execução comum, sendo competente a jurisdição comum.

A sentença recorrida entendeu ser o processo de execução fiscal adequado à cobrança das dívidas exequendas com base na seguinte fundamentação:

“(…)Nos termos conjugados dos artigos 155.º do CPA e 148.º, n.º 2, alínea a) do CPPT, poderão ser cobradas em processo de execução fiscal dívidas a pessoas colectivas de direito público que devam ser pagas por força de acto administrativo.

As pessoas colectivas de direito público reúnem cumulativamente três características: prosseguem necessariamente interesses públicos; são criadas por acto do poder público ou, não o sendo, é reconhecida posteriormente como sujeito de direito público; têm sempre capacidade de direito público, que se rege, em princípio, por estatuto de direito público, exercendo, normalmente, poderes de autoridade em nome próprio e sujeito a restrições públicas, como princípio da legalidade e outros princípios reguladores da actividade pública geral, independemente da forma jurídica que detanham.

Na verdade, as pessoas colectivas públicas, prosseguem, e sempre necessariamente, interesses públicos, ainda que o não façam de forma exclusiva, são criadas «ab origine» pelo Estado ou outras entidades públicas, ou, quando criadas, por particulares recebem em momento posterior o reconhecimento de pessoas de direito público e têm capacidade de direito público, além de sujeitas ao princípio da legalidade, no sentido de não poder agir contra o que dispõe a lei, (o que a não distinguiria dos entes privados), e ainda no sentido de «reserva da lei» ou da conformidade (só pode praticar aqueles actos que a lei expressamente admite que pratique), entendido como exigência de que a prática de acto pela Administração corresponda a prévia estatuição de uma norma jurídica.

Ora, a Administração do Porto de Aveiro é uma sociedade de capitais exclusivamente públicos criada pelo Decreto-Lei nº339/98 de 3 de Novembro.

Sendo uma sociedade anónima de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos integra a categoria das chamadas empresas públicas de estrutura societária, na medida em preenche o requisito de influência dominante, por parte do Estado ou de outras entidades públicas estaduais, a que se refere a primeira parte da alínea a) do n.º 1 do artigo 3º do Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro

As empresas públicas do tipo societário podem exercer poderes de autoridade que lhe são conferidos pela lei ou contrato e que são indicados exemplificativamente no artigo 14º do Decreto-Lei n.º 558/99 (expropriação por utilidade pública; utilização, protecção e gestão das infra-estruturas afectas ao serviço público; licenciamento e concessão, nos termos da legislação aplicável à utilização do domínio público, da ocupação ou do exercício de qualquer actividade nos terrenos, edificações e outras infra-estruturas que lhe estejam afectas» (1) - Cfr. neste sentido, Carlos Cadilha, Sociedades de Capitais Exclusivamente ou Maioritariamente Públicos, natureza jurídica e vinculações jurídico-públicas, in http://www.amjafp.pt).

No caso, por força do respectivo diploma estatutário (artigo 3º, n.º 2, alínea d) do Decreto-Lei 336/98 de 3 de Novembro) a Administração do Porto de Aveiro tem competência para a fixação das taxas a cobrar pela utilização dos portos, dos serviços neles prestados e pela ocupação de espaços dominiais ou destinados a actividades comerciais ou industriais.

Face, a natureza tributária da dívida exequenda (taxas dominiais), a competência para instaurar a execução fiscal, cabe à Administração Tributária, através do órgão de execução fiscal ( cfr. artigo 10º do CPPT) e artigo 162ºc) do CPPT.

Resumindo, a dívida exequenda ( cfr. factos provados nº1 e 2) emerge de acto administrativo e tem a natureza tributária, pois trata-se de taxas aplicadas pela utilização dos portos e serviços neles prestados – artigos 3.º, n.º 2, alínea d) do Decreto-Lei n.º 339/98, de 3/11 (competência para fixação das taxas); 1.º, n.º 1 e 2.º, alínea ae) do Regulamento do Sistema Tarifário dos Portos do Continente, anexo ao Decreto-L ei n.º 273/2000, de 9/11 (que diz: «Taxa»: o preço devido pelas prestações de serviços públicos).(…)”

Refira-se que a sentença concluiu pela competência do tribunal tributário para conhecimento da presente oposição.

Dissente a Recorrente do assim decidido, em resumo, por entender que a dívida exequenda não pode ser cobrada através do processo de execução fiscal. Afirma que, sendo a APA – Administração do Porto de Aveiro, SA, uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, portanto, uma pessoa colectiva privada, não pode a mesma proceder à utilização do processo de execução fiscal para a cobrança das dívidas resultantes de prestação de serviços ao navio “V...”, no âmbito da exploração comercial do porto de Aveiro.

No seu entendimento, o processo adequado será o processo de execução comum e não o processo de execução fiscal, sendo para tal competente a jurisdição comum, pelo que invoca a incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria.

Refere, por outro lado, que inexiste norma legal que atribua a cobrança das dívidas não pagas à APA (incluindo as relativas a taxas de estacionamento) ao processo de execução fiscal, que o disposto nos artigos 155º do CPA e 148º do CPPT abrange apenas as pessoas colectivas públicas e que a certidão emitida pela APA não constitui uma certidão de acto administrativo e não indica, com propriedade, a natureza e a proveniência da dívida. Conclui que a falta de título executivo ou dos requisitos essenciais deste constitui uma nulidade insanável no processo de execução fiscal, que é de conhecimento oficioso e pode ser arguida até ao trânsito em julgado da decisão final, nos termos do preceituado no artigo 165º, nº1 a) e nº4 do CPPT.

Vejamos.

Não vem posta em causa a natureza das taxas nem a qualidade de pessoa colectiva de capitais exclusivamente públicos da ora Recorrida.

A questão que nos vem colocada é a de saber se a APA pode utilizar o processo de execução fiscal para a cobrança das dívidas exequendas.

Sobre esta questão concreta já se pronunciou o STA, em Acórdão de 16/12/2015, proferido no âmbito do processo nº 1455/15 (estava em causa dívidas à Administração do Porto de Lisboa), do qual extraímos o seguinte segmento:

“(…)No caso, como se evidencia na decisão recorrida, está em causa uma dívida relativa a taxas dominais por uso privativo sobre parcelas do domínio público, sendo credora a APL Administração do Porto de Lisboa, S.A., sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos (cfr. Dec.-Lei nº 336/98, de 3 de Novembro).

A Administração do Porto de Lisboa, que era antes um instituto público dotado de personalidade jurídica de direito público e de autonomia administrativa, financeira e patrimonial (Decreto-Lei nº 309/87, de 7 de Agosto), foi transformada pelo artº 1º do DL 336/98 de 3 de Nov. em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, passando a denominar-se APL — Administração do Porto de Lisboa, S. A., abreviadamente designada por APL, S. A.

Sendo uma sociedade anónima de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos integra a categoria das chamadas empresas públicas de estrutura societária, na medida em preenche o requisito de influência dominante, por parte do Estado ou de outras entidades públicas estaduais, a que se refere a primeira parte da alínea a) do n.º 1 do artigo 3º do Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro.

As empresas públicas do tipo societário podem exercer poderes de autoridade que lhe são conferidos pela lei ou contrato e que são indicados exemplificativamente no artigo 14º do Decreto-Lei n.º 558/99 (expropriação por utilidade pública; utilização, protecção e gestão das infra-estruturas afectas ao serviço público; licenciamento e concessão, nos termos da legislação aplicável à utilização do domínio público, da ocupação ou do exercício de qualquer actividade nos terrenos, edificações e outras infra-estruturas que lhe estejam afectas» (cf., neste sentido, Carlos Cadilha, Sociedades de Capitais Exclusivamente ou Maioritariamente Públicos, natureza jurídica e vinculações jurídico-públicas, in http://www.amjafp.pt)
No caso, por força do respectivo diploma estatutário (artº 3º, nº 2, al. d) do DL 336/98 de 3 de Nov.) a APL tem competência para a fixação das taxas a cobrar pela utilização dos portos, dos serviços neles prestados e pela ocupação de espaços dominiais ou destinados a actividades comerciais ou industriais.(…)”

Subjacente aos presentes autos está o processo de execução fiscal instaurado pela AT a pedido da Administração do Porto de Aveiro para cobrança de dívidas respeitantes a Taxas do Porto devidas pela ora Recorrente, S… – Sociedade Europeia de Actividades Portuárias, Ldª.

As taxas em causa referem-se ao Navio “V...”, cujo armador, russo, contratou serviços de agência com a ora Recorrente.

Acompanhamos o decidido em primeira instância, em linha com o entendimento acolhido no Acórdão transcrito, de que a APA, na qualidade de sociedade anónima de capitais públicos (o que não vem posto em causa em sede recursiva), pode cobrar as dívidas de taxas de porto por meio do processo de execução fiscal.

Efectivamente, de acordo com o estabelecido nos artigos 155º do CPA e alínea a) do nº2 do 148.º do CPPT, poderão ser cobradas em processo de execução fiscal dívidas a pessoas colectivas de direito público que devam ser pagas por força de acto administrativo.

Recordemos o teor da alínea a) do nº2 do 148.º do CPPT:

“2 - Poderão ser igualmente cobradas mediante processo de execução fiscal, nos casos e termos expressamente previstos na lei:

a) Outras dívidas ao Estado e a outras pessoas colectivas de direito público que devam ser pagas por força de acto administrativo;”

Não vislumbramos razões para alterar o decidido quanto a este segmento do recurso, pelo que se considera a alegação da Recorrente improcedente.

Invoca a Recorrente, por outro lado, que a certidão emitida pela APA – Administração do Porto de Aveiro, SA, não constitui uma certidão do acto administrativo e, portanto, na sua opinião, não indica com propriedade a natureza e proveniência da dívida, como é exigido pelos artigos 88º nº2 , alínea e) e 163º nº1, alínea d) do CPPT.

Conclui que tal falta de título executivo, ou dos seus requisitos essenciais, constitui nulidade insanável do processo de execução fiscal.

Que dizer?

A sentença recorrida fez constar do probatório, concretamente, na alínea b), o teor integral da certidão de dívida emitida pela Recorrida, referindo que o processo de execução fiscal teve origem na mesma.

O artigo 88º do CPPT dispunha, na redacção à data aplicável, o seguinte:

“1 - Findo o prazo de pagamento voluntário estabelecido nas leis tributárias, será extraída pelos serviços competentes certidão de dívida com base nos elementos que tiverem ao seu dispor.

2 - As certidões de dívida serão assinadas e autenticadas e conterão, sempre que possível e sem prejuízo do disposto no presente Código, os seguintes elementos:

a) Identificação do devedor, incluindo o número fiscal de contribuinte;

b) Descrição sucinta, situações e artigos matriciais dos prédios que originaram as colectas;

c) Estabelecimento, local e objecto da actividade tributada;

d) Número dos processos;

e) Proveniência da dívida e seu montante;

f) Número do processo de liquidação do tributo sobre a transmissão, identificação do transmitente, número e data do termo da declaração prestada para a liquidação;

g) Rendimentos que serviram de base à liquidação, com indicação das fontes, nos termos das alíneas b) e c);

h) Nomes e moradas dos administradores ou gerentes da empresa ou sociedade executada;

i) Nomes e moradas das entidades garantes da dívida e tipo e montante da garantia prestada;

j) Nomes e moradas de outras pessoas solidária ou subsidiariamente responsáveis;

k) Quaisquer outras indicações úteis para o eficaz seguimento da execução.

3 - A assinatura das certidões de dívida poderá ser efectuada por chancela ou outro meio de reprodução devidamente autorizado por quem as emitir, podendo a autenticação ser efectuada por aposição do selo branco ou, mediante prévia autorização do membro do Governo competente, por qualquer outra forma idónea de identificação da assinatura e do serviço emitente.

4 - As certidões de dívida servirão de base à instauração do processo de execução fiscal a promover pelos órgãos periféricos locais, nos termos do título IV.

5 - A extracção das certidões de dívidas poderá ser cometida, pelo órgão dirigente da administração tributária, aos serviços que disponham dos elementos necessários para essa actividade.”

Afirma, como vimos, a Recorrente que a certidão de dívida não indica a natureza e proveniência da dívida.

Não tem razão.

Consta da certidão de dívida reproduzida no probatório, no para aqui releva, o seguinte:

“(…) d) Natureza e proveniência da dívida: Taxas do Porto referentes ao Navio “V...”, no Terminal de Pesca do Largo, no período de 2007/09/10 a 2008/09/30.”

É patente e claro, quanto a nós, que um cidadão médio consegue, sem dificuldade, alcançar a natureza e a proveniência da dívida, o que nos leva a concluir pela improcedência da argumentação da Recorrente, não ocorrendo a invocada nulidade do título executivo.

Improcedendo a alegação recursiva, quanto à utilização do processo de execução fiscal, prossigamos a nossa análise.

Da prescrição da dívida exequenda

Vem invocada, em sede de recurso, a prescrição da dívida exequenda, questão que, não obstante não ter sido apreciada na sentença recorrida, por ser de conhecimento oficioso, será conhecida por este Tribunal de recurso.

A Recorrente entende que as dívidas estão prescritas. Afirma que não desconhece o entendimento dos tribunais superiores quanto ao modo de contagem do prazo de prescrição (concretamente, o efeito da citação do Executado), porém não concorda com o mesmo, invocando a sua inconstitucionalidade.

Vejamos.

Do probatório resulta que estão em causa dívidas relativas a taxa de porto do período de 10/09/2007 a 30/09/2008, devidas à ora Recorrida, Administração do Porto de Aveiro, SA.

Considerando que a Recorrente dissente do entendimento que tem sido acolhido pelos Tribunais Superiores, importa recordar em que termos a jurisprudência tem decidido a questão da prescrição, para o que transcrevemos, em parte, o que se decidiu no Acórdão do STA de 26/05/2021, proferido no âmbito do processo nº 518/20:

“(…) O decurso do prazo de prescrição extingue o direito do Estado à cobrança do imposto. O instituto da prescrição, tal como o da caducidade, tem na sua base o interesse da certeza e segurança jurídicas, encontrando aquele igualmente fundamento na negligência do credor (cfr.Pedro Soares Martínez, Direito Fiscal, Almedina, 1996, pág.274 e seg.; J.L.Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, Coimbra Editora, 3ª. Edição, 2007, pág.261 e seg.).

O prazo de prescrição das obrigações tributárias em geral é actualmente de oito anos (cfr.artº.48, da L.G.Tributária), sendo anteriormente de dez anos (cfr.artº.34, do C.P. Tributário).
O termo inicial do prazo de prescrição conta-se em função da ocorrência do facto tributário, sendo computado a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, nos impostos periódicos, ou a partir da data em que o facto tributário ocorreu, nos impostos de obrigação única, salvo em relação ao I.V.A. em que tal prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que ocorreu a exigibilidade do tributo, se o regime aplicável for o previsto na L.G.T. (cfr.artº.48, nº.1, da L.G.Tributária).
"In casu", o Tribunal "a quo" examinou a excepção de prescrição da dívida exequenda, além do mais, no âmbito do processo de execução fiscal nº.1112-2010/109298.7, tendo concluído pela falta de ocorrência do termo final do concreto prazo de prescrição da dívida exequenda objecto do mencionado processo, a qual é relativa a I.R.C. do ano de 2009, imposto periódico, de periodicidade anual (cfr.al.A) do probatório supra).
Pelo contrário, o recorrente entende que já se verificou o termo final do prazo de prescrição da citada dívida de I.R.C., visto não ser de aplicar o regime consagrado no artº.327, nº.1, do C.Civil, ao caso "sub iudice".

Vejamos quem tem razão.

Iniciemos o exame deste esteio do recurso pela determinação do regime de prescrição a apor ao caso dos autos, a qual ocorre no momento da entrada em vigor da nova lei (cfr.artº.297, nº.1, do C.Civil; Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2010, pág.94).

No caso dos autos, a liquidação em causa é de I.R.C., relativa ao ano de 2009, imposto periódico, pelo que o regime aplicável é o previsto na L.G.T., diploma que entrou em vigor no pretérito dia 1/01/1999 (cfr.artº.6, do dec.lei 398/98, de 17/12). Assim sendo, o termo inicial do prazo de prescrição ocorreu em 1/01/2010 (cfr.artº.48, nº.1, da L.G.T.).
Analisemos agora os factos interruptivos e suspensivos do prazo de prescrição.
Como se retira do preceituado nos artºs.318 a 320, do C.Civil, a suspensão da prescrição tem como efeito que esta não comece a correr ou não corra, depois de iniciado o prazo, enquanto se verificar o facto, de natureza duradoura, a que é atribuído efeito suspensivo. Os factos suspensivos são de natureza duradoura, obstando ao começo e ao decurso do prazo de prescrição enquanto perdurarem, como se infere dos citados artºs. 318, 319 e 320, do C.Civil. Nas leis tributárias prevêem-se factos especiais a que é atribuído efeito suspensivo, pelo que serão essas as regras a aplicar em matéria de prescrição da obrigação tributária (cfr.v.g.artº.49, nº.4, da L.G.Tributária). Concluindo, para além da especificidade dos factos a que é atribuído efeito suspensivo, o regime da suspensão da prescrição da obrigação tributária não tem especialidades no domínio do direito tributário, pelo que, face a qualquer facto com natureza suspensiva, enquanto este surtir efeitos, a prescrição não começa, nem corre.

Por sua vez, a interrupção da prescrição tem sempre como efeito a inutilização para o respectivo regime de todo o tempo decorrido anteriormente, sendo esse efeito instantâneo o único próprio da interrupção, presente em todas as situações (cfr.artº.326, nº.1, do C.Civil). Porém, em certos casos, designadamente quando a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo (cfr.artº.327, nº.1, do C.Civil). Resultam, assim, destes artºs.326 e 327, do C. Civil, dois conceitos de interrupção da prescrição: um que se traduz exclusivamente num efeito instantâneo sobre o prazo de prescrição (inutilização para a prescrição do tempo decorrido); outro que se consubstancia no mesmo efeito instantâneo acrescido de um efeito suspensivo/duradouro (é eliminado o período decorrido e a prescrição não corre enquanto o processo durar, efeito duradouro este que é próprio dos factos suspensivos da prescrição). Nas leis tributárias prevêem-se factos a que é atribuído efeito interruptivo da obrigação tributária, pelo que não há que fazer apelo às normas do C.Civil, no que concerne a determinar os factos interruptivos. Porém, os efeitos da interrupção da prescrição não estão completamente regulados, assim devendo aplicar-se, quanto a estes, subsidiariamente o regime do Código Civil (cfr.Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2ª. edição, 2010, pág.52 e seg.).

Com estes pressupostos, é legal a aplicação do regime consagrado no citado artº.327, nº.1, do C.Civil, face ao acto interruptivo que se consubstancia na citação em processo de execução fiscal, o qual ostenta um efeito duradouro derivado do novo prazo de prescrição não começar a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo, sendo que no processo de execução fiscal também a declaração em falhas, prevista no artº.272, do C.P.P.T., se deve equiparar à dita decisão que põe termo ao processo, tudo contrariamente ao que defende o recorrente (cfr.Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2ª. edição, 2010, pág.62).

É neste sentido, de resto, que vai toda a jurisprudência deste Tribunal. Concretizando, a citação em processo de execução fiscal ostenta um efeito instantâneo, o qual consiste na inutilização para a prescrição de todo o tempo até então decorrido (regime decorrente do disposto no artº.326, nº.1, do C.Civil, normativo aplicável "ex vi" do artº.2, al.d), da L.G.T.), tal como um efeito duradouro, o qual se consubstancia no facto de o novo prazo de prescrição não voltar a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo (regime decorrente do disposto no artº.327, nº.1, do C.Civil, normativo aplicável "ex vi" do artº.2, al.d), da L.G.T.). A título exemplificativo podemos citar os acórdãos do Pleno da 2ª.Secção: 3/04/2019, rec.2369/15.3BEPNF; 20/01/2021, rec. 103/20.5BALSB. Tal como os acórdãos da 2ª.Secção: 27/01/2016, rec.1698/15; 16/05/2018, 419/18; 13/03/2019, rec.1437/18.4BELRS; 16/09/2020, rec.71/20.3BESNT.(…)”

Vista a jurisprudência, regressemos ao caso dos autos.

Os factos tributários a que respeitam as dívidas exequendas remontam ao período de 10/09/2007 a 30/09/2008.

Estando em causa taxas de porto, cuja natureza é, por equiparação ao regime dos impostos, de obrigação única, o início da contagem do prazo prescricional coincide com a data em que ocorreu o facto tributário. Ora, o facto tributário mais antigo ocorreu em 10/09/2007, data em que se iniciou a contagem do prazo de prescrição.

Não há notícia nos autos da ocorrência de causas de suspensão.

Resulta do probatório que a citação da Recorrente ocorreu em 28/11/2008, pelo que nesta data foi interrompida a contagem do prazo de prescrição, que se tinha iniciado em Setembro de 2007.

Ora, a interrupção da prescrição tem sempre como efeito a inutilização para o respectivo regime de todo o tempo decorrido anteriormente. Por outro lado, a ocorrência da citação implica que o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo - cfr. artigo 327º , nº.1, do Código Civil.

O Tribunal Constitucional já se pronunciou quanto aos efeitos da citação na contagem do prazo de prescrição, no sentido de não ser inconstitucional a interpretação supra adoptada, de que é exemplo, entre outros, o Acórdão de 27/05/2021, proferido no âmbito do processo nº 910/20.

Concluímos, assim, que ainda não se verificou a prescrição das dívidas exequendas.

Da (i)legitimidade da Recorrente

Afirma a Recorrente que não pode ser considerada parte legítima no processo de execução fiscal, invocando que o artigo 10º do Decreto-Lei nº 76/89, de 3 de Março, mencionado pela Sentença para sustentar a responsabilidade solidária da Executada pelo pagamento de tarifas e todos os encargos inerentes aos serviços prestados no Porto de Aveiro, parece não dever aplicar-se às situações em que o agente de navegação actua como representante do armador, mas antes dever circunscrever-se às situações em que o agente de navegação actua sem poderes de representação.

Em abono do seu entendimento refere a alínea c) do nº4 do artigo 5º do Decreto-Lei nº 264/2012, de 20 de Dezembro (diploma que aprovou o novo regime jurídico do agente de navegação), que se deve considerar ter, neste aspecto, mero carácter interpretativo, a qual determina que o agente de navegação apenas responde perante a autoridade portuária e marítima por tarifas e demais encargos relativamente a serviços prestados por si requisitados (portanto, em nome próprio).

A sentença recorrida concluiu pela legitimidade da Recorrente para a execução fiscal, tendo por base o seguinte entendimento:

“(…) O artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 76/89, de 3 de Março (define o regime jurídico da actividade de agente de navegação), estabelece:

«1 - O agente de navegação responde solidariamente com o armador perante a autoridade portuária por tarifas e demais encargos inerentes ao navio e, bem assim, por danos em infra-estruturas e equipamentos causados pelo navio.

2 - O agente de navegação tem direito de regresso contra o armador do navio.»

Aplicando o mencionado regime jurídico à factualidade apurada (cfr. factos provados nºa) a d) ), denota-se, que a Oponente é legalmente responsável solidária pelo pagamento das taxas, sendo sujeito passivo do tributo, conforme previsto na alínea ac) do artigo 2.º do Regulamento do Sistema Tarifário dos Portos do Continente, anexo ao Decreto-Lei n.º 273/2000, de 9 de Novembro.(…)”

É facto assente, e não controvertido, que a Recorrente prestou serviços de agente de navegação relativamente à sociedade Z…, proprietária do navio a que respeitam as taxas ora em execução – Cfr. alíneas c) e d) do probatório.

Por seu turno, é incontornável que, nos termos do preceituado no artigo 10º do Decreto-Lei n.º 76/89, de 3 de Março (define o regime jurídico da actividade de agente de navegação), o agente de navegação responde solidariamente com o armador perante a autoridade portuária por tarifas e demais encargos inerentes ao navio.

Acresce que, nos termos do nº2 do referido artigo 10º, o agente de navegação tem direito de regresso contra o armador do navio.

Ou seja, está na disponibilidade da Recorrente reaver os montantes pagos relativamente às taxas portuárias exequendas junto do armador do navio.

A alegação da Recorrente em torno do modelo de representação do armador não tem valia para afastar a responsabilidade solidária supra mencionada, prevista na lei.

Importante salientar que não há prova, nem alegação, nos autos de que tenha a Recorrente rescindido o contrato de agenciamento com o armador do navio. Aliás, da sentença proferida pelo Tribunal Marítimo no âmbito do arresto do navio consta a menção de que a permanência do navio no porto de Aveiro, aumentam diariamente as despesas de escala do mesmo, designadamente, despesas portuárias (…) a cargo da Requerente (a ora Recorrente)cfr. alínea l) do probatório.

De referir, por seu turno, que não há indícios de que não tenha sido a Recorrente a requisitar os serviços do Porto de Aveiro, circunstância que, na sua opinião, excluiria a sua responsabilidade solidária.

O que se provou, também por acordo, é que a Recorrente celebrou com o armador do navio um contrato de agência, com todos os deveres e direitos inerentes ao mesmo.

Entendemos, por conseguinte, que a sentença recorrida não merece censura ao ter concluído pela legitimidade da Recorrente.

Resta dizer, quanto ao argumento de que, quanto às taxas referentes ao período do arresto, não detinha a Recorrente a posse do navio, é irrelevante, já que as taxas são devidas independentemente da posse do bem. Ou seja, apesar do arresto e consequente indisponibilidade relativa do bem, as taxas são devidas pelas entidades responsáveis pelo respectivo pagamento, a saber, o armador e/ou o agente de navegação, solidariamente responsáveis, como supra vimos.

Como se disse na sentença recorrida, a responsabilidade pelo pagamento do tributo da Oponente advém de ser fixada pelo legislador uma obrigação plural, sendo solidária do lado passivo na medida em que cada um dos devedores responde pela prestação integral e esta a todos libera (artigo 512ºnº1 do CC), podendo o credor exigir o pagamento da mesma a qualquer dos devedores ( artigo 519º nº1 do CC).

Finalmente, resta dizer que, tendo sido requerida a venda antecipada do navio, sempre poderá a Recorrente fazer valer o seu direito de regresso sobre o armador do navio, reclamando os seus créditos.

Atento o supra exposto, resta concluir pela improcedência da argumentação recursiva pelo que será de negar provimento ao recurso.


III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso

Custas pela Recorrente.

Registe e Notifique.

Lisboa, de 15 de Fevereiro de 2024