Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 237/21.9 BELRS |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 02/15/2024 |
Relator: | TÂNIA MEIRELES DA CUNHA |
Descritores: | TSAM INCONSTITUCIONALIDADE AUXÍLIOS DE ESTADO |
Sumário: | I- A Taxa de Segurança Alimentar Mais é um tributo com configuração de contribuição financeira, não padecendo de inconstitucionalidade material ou orgânica. II- A TSAM não está consignada ao financiamento do SIRCA, sendo esse financiamento eventual e podendo nem ocorrer ou ocorrer em maior ou menor medida. III- De acordo com a jurisprudência reiterada do TJUE, o n.º 3 do artigo 108.º do TFUE produz efeito direto nas jurisdições dos Estados-membros, pelo que pode ser invocado por particulares junto dos tribunais nacionais a propósito de um caso concreto. IV- Não estando a TSAM consignada ao financiamento do SIRCA, podendo financiar outras atribuições do Fundo Sanitário de Segurança Alimentar Mais, não pode ser encarada como um auxílio público aos produtores pecuários beneficiários do SIRCA, nem a Impugnante tem legitimidade para suscitar a questão do auxílio de Estado (aos produtores pecuários) na impugnação da TSAM. |
Votação: | Unanimidade com Declaração de Voto |
Indicações Eventuais: | Subsecção tributária comum |
Aditamento: |
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Decisão Texto Integral: | Acórdão I. RELATÓRIO R……….., S.A. (doravante Recorrente ou Impugnante) veio recorrer da sentença proferida a 28.07.2022, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada improcedente a impugnação por si apresentada, que teve por objeto a liquidação da Taxa de Segurança Alimentar Mais (TSAM), relativa ao ano de 2020 (2.ª prestação). Nas suas alegações, concluiu nos seguintes termos: “(QUANTO À INCONSTITUCIONALIDADE ORGÂNICA E MATERIAL DA TSAM) A. Ao contrário do que resulta da Sentença recorrida, podemos actualmente concluir que a TSAM não pode ser qualificada dogmaticamente como uma contribuição financeira: os sujeitos passivos do tributo não são beneficiários nem causadores efectivos da actividade estadual a cujo financiamento o tributo se destina, pelo que, mesmo se da letra da lei se pudesse extrair em abstracto que aqueles sujeitos passivos são presumíveis causadores ou beneficiários da actividade em causa, sempre se tem de concluir, actualmente, que tal presunção se encontra ilidida. B. Considerando apenas a razão de ser da medida, tal como se encontra formalmente inscrita na lei – constituir receita de um Fundo dedicado ao financiamento de políticas de protecção da segurança alimentar e da saúde do consumidor, verificamos que o Estado já exige às empresas sujeitas à TSAM o cumprimento de todas as obrigações de cuidado que considera indispensáveis, obrigações essas que, no caso da Recorrente, são objecto de cumprimento integral e escrupuloso, por si custeado – e, para além disso, acrescentado de controlos que a Recorrente promove por sua iniciativa. Quer isto dizer que o risco de saúde pública que se pretende neutralizar já é perfeitamente controlado nos termos que o próprio Estado entende ser necessário exigir à Recorrente (e empresas congéneres). C. Uma vez que já exigia às empresas de distribuição tudo o que lhes era exigível, o Estado resolveu criar um tributo adicional (que até “mais” no nome) para, sobre a capa da participação daquelas no esforço público de garantia da qualidade e segurança alimentares, constituir um fundo de financiamento paralelo do sistema de recolha de cadáveres de animais mortos nas explorações (“SIRCA”), financiamento esse que está legalmente proibido por outra via que não um outro tributo próprio – a taxa do SIRCA. D. Portanto, à luz do que hoje se sabe acerca da forma como a TSAM funciona – desde logo, aquilo que serve sobretudo para financiar –, temos de concluir que ela não foi criada para que os respectivos sujeitos passivos sejam dela efectivos beneficiários ou por serem efectivos causadores da actividade estadual financiada. E. Assim, a única conclusão possível é a de que a TSAM é um imposto (um imposto especial sobre o rendimento das empresas de grande distribuição, conforme defendido pelo Prof. Casalta Nabais no seu Parecer junto aos autos): ela constitui o financiamento de uma actividade do Estado vocacionada para a satisfação de necessidades públicas, assente mais na dimensão de solidariedade própria da figura dos impostos do que em qualquer vínculo de correspectividade específica, característico das taxas, ou presumida, típica das contribuições financeiras, os quais, como se disse, não são neste caso suficientemente discerníveis. F. Sendo um imposto, dúvidas não restam de que, antes de mais, a TSAM é organicamente inconstitucional porque viola o princípio da legalidade tributária. De facto, em desrespeito pelo estipulado na alínea i) do artigo 165º da Constituição, o tributo não foi aprovado por lei parlamentar ou por decreto-lei autorizado (e, nessa medida, ao abrigo da primeira parte do referido n.º 3 do artigo 103º da Constituição, inexigível). G. Mais: no caso vertente a violação do princípio da legalidade revela-se até com um elevadíssimo grau de intensidade, na medida em que não só o tributo foi criado por decreto-lei não autorizado como uma boa parte dos seus elementos essenciais se encontra vertida apenas em portarias (quer a Portaria n.º 215/2012 quer a Portaria n.º 200/2013). H. A inconstitucionalidade da TSAM verifica-se também for via material, em face da violação do princípio da capacidade contributiva (concretização do princípio da Igualdade – artigo 13º da Constituição). I. Assim é, em primeiro lugar, porque a sua base de incidência subjectiva não atinge todos os contribuintes que com a receita da contribuição criada pelo Governo o Estado alegadamente se propõe beneficiar. J. Desde logo, se, de acordo com o Governo, interessa que todos os agentes económicos do sector alimentar contribuam para o financiamento da actividade de segurança alimentar, que a todos beneficia, e se a TSAM, em concreto, foi criada para incluir nesse esforço (todos) os operadores do sub-sector da distribuição, então não existe qualquer justificação para que dela estejam isentos os estabelecimentos com uma área inferior a 2000m2 ou pertencentes a microempresas desde que não pertençam a uma empresa que utilize uma ou mais insígnias, ou a um grupo, que disponham, a nível nacional, de uma área de venda acumulada igual ou superior a 6000m2. Não é legítimo tamanho afunilamento da base subjectiva: só é possível configurar uma participação equitativa neste concreto encargo público se todos os operadores da cadeia do sector alimentar – e não só os distribuidores retalhistas de grande dimensão – forem enquadrados nessa obrigação de participação. K. Por outro lado, para além da discriminação inexplicada entre os operadores da distribuição retalhista e os restantes, o regime da TSAM viola ainda o princípio da capacidade contributiva, na dimensão da escolha da base de incidência subjectiva, quando estatui que aquela se aplica apenas a algumas empresas de comércio alimentar a retalho: por exemplo, a natureza proporcional do tributo não implica que uma empresa com área de venda acumulada de 5500m2, um super-mercado de média dimensão ou um pequeno talho não possam a ele estar também sujeitos. L. Assim sendo, para cabal cumprimento dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, exigir-se-ia que o imposto (ou a contribuição) em questão dispusesse de uma base tributável subjectiva bem mais ampla do que a que foi estatuída. M. No seu Parecer, o Prof. Casalta Nabais é bastante claro quanto a este aspecto, criticando as discriminações presentes nas regras de incidência da TSAM, em termos tais que elas significam mesmo que o que o legislador quis foi, tão-só, a pura arrecadação de receita, tendo em conta a especial capacidade contributiva dos grandes operadores do sector da distribuição, e nunca, verdadeiramente, a criação de um tributo pensado exclusivamente como a contraprestação de um serviço público. N. Aliás, na senda dos recentes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 03/05/2017 (processo n.º 914/16) e 17/05/2017 (processo 01000/16) – acerca da taxa do SIRCA – também se deve concluir que, se a TSAM fosse uma verdadeira contribuição, então, não sendo as empresas de distribuição efectivas ou presumíveis beneficiárias do SIRCA (pelo menos de modo significativamente diferente do que o é a generalidade da comunidade), o tributo é materialmente inconstitucional. O. Por outro lado, na sua pretensão de capturar a capacidade contributiva dos sujeitos passivos a que dirigiu a TSAM, o Governo escolheu como base de incidência do tributo a capacidade instalada dos operadores em causa, isto é, a medida em que os estabelecimentos de cada um deles, em função das respectivas áreas, podem gerar vendas de bens alimentares. A intenção que prevaleceu foi, pois, a de criar um imposto sobre o rendimento, exigível consoante o lucro de cada um dos operadores do sector da distribuição abrangidos. P. Não se trata, contudo, de um imposto apurado através de uma aproximação directa ao lucro real das empresas, mas sim mediante uma aproximação indirecta ou presumida: a área de venda é, na lógica do legislador, um dado suficiente para a aferição da susceptibilidade de gerar lucros. Trata-se de uma aproximação ou presunção fantasiosa, puramente conjecturada do rendimento real, que facilmente conduzirá a resultados arbitrários: é que o facto de uma empresa dispor de capacidade de gerar um rendimento não significa que o gere efectivamente, nem muito menos que gere um rendimento líquido (um lucro) – conforme é exigido que ocorra para se poder falar de uma tributação conforme ao princípio da capacidade contributiva. Q. Do que vem dito resulta que a TSAM tem um efeito de sobreposição ao IRC que é inaceitável, até porque potencia também, em benefício do Estado, um efeito de “fraude” à tributação em sede do referido imposto: o Estado pode apurar uma colecta sobre lucros ainda que nenhuma capacidade contributiva se revele efectivamente nessa forma. R. Finalmente, ao constituir um mecanismo de tributação de lucros (apurados de forma presuntiva), que funciona paralela e simultaneamente com o IRC, acaba por representar a consagração sistemática da dupla tributação jurídica: os sujeitos passivos da TSAM serão tributados duas vezes sobre o mesmo rendimento (os lucros), em IRC e neste novo imposto ou contribuição especial. (QUANTO À ILEGALIDADE DA TSAM POR VIOLAÇÃO DO REGIME DA UNIÃO EUROPEIA RELATIVA AOS AUXÍLIOS DE ESTADO) S. A TSAM tem servido para financiamento do SIRCA, por via do Fundo ao qual se dirige a receita obtida pelo tributo, financiamento esse que viola o direito da União, nomeadamente as regras relativas aos auxílios de Estado, na acepção do n.º 1 do artigo 107º do TFUE. T. Com efeito, o financiamento do SIRCA através da TSAM constitui um verdadeiro auxílio de Estado uma vez que se encontram preenchidos todos os critérios cumulativos estabelecidos pelo artigo 107º do TFUE: a medida determina a concessão de uma vantagem económica e selectiva aos produtos pecuários, uma vez que os isenta de suportar custos inerentes à sua actividade económica; é imputável ao Estado Português e assegurada por recursos estatais provenientes das contribuições obrigatórios através das taxas que constituem receitas próprias do Fundo, em especial da TSAM (sendo que estas taxas, enquanto modo de financiamento do auxílio, constituem uma parte integrante da medida); e, por último, o auxílio afecta as trocas comerciais entre Estados-Membros, na medida em que isenta os produtores pecuários portugueses de custos inerentes à sua actividade económica, o que tem um impacto na posição dos produtos portugueses num sector no qual se verifica um elevado nível de trocas intercomunitárias, sendo ainda susceptível de falsear a concorrência por determinar a obtenção de uma vantagem que não seria obtida em condições normais de mercado. U. Constituindo a medida um auxílio de Estado na acepção do n.º 1 do artigo 107º do TFUE, o Estado Português executou-a em violação da obrigação de notificação à Comissão decorrente do n.º 3 do artigo 108º do TFUE, o que determina a ilegalidade do auxílio, nos termos da alínea f) do artigo 1º do Regulamento (UE) 2015/1589. V. De acordo com a jurisprudência reiterada do TJUE, o n.º 3 do artigo 108º produz efeito directo nas jurisdições dos Estados-Membros, pelo que pode ser invocado por particulares junto dos tribunais nacionais, que devem conhecer da existência e ilegalidade do auxílio. W. Os tribunais nacionais são ainda competentes para determinar diversas medidas, nomeadamente para impedir o pagamento de auxílio ilegal e impor o reembolso dos montantes cobrados ao abrigo das taxas que constituem receitas próprias do Fundo, em particular da TSAM. A ilicitude do auxílio contamina a validade da taxa sempre que esta faça parte integrante daquele, consistindo no modo do seu financiamento, como é indubitavelmente aqui o caso. X. Com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de Junho, passou a existir uma afectação obrigatória de ambas as taxas, Taxa SIRCA e TSAM, ao financiamento do SIRCA. Isto é, com a criação do Fundo como instrumento intermédio para a arrecadação de receita para o financiamento de medidas específicas no quadro da proteção da segurança alimentar, o produto da Taxa SIRCA e da TSAM passaram a constituir receitas próprias do Fundo, as quais são direccionadas para as medidas por aquela financiadas, e de entre as quais o SIRCA detém um peso primordial. Y. Isto porque toda a ratio da criação do Fundo e da TSAM se prendeu com a necessidade de suprimento das insuficiências de financiamento do SIRCA pela sua taxa, através da qual nunca foi possível auto-financiar os custos com estes serviços, o que se torna manifesto ao se verificar que a TSAM constitui efetivamente a receita mais significativa do Fundo, representando a esmagadora maioria do montante das suas receitas próprias. Z. Assim sendo, é indubitável a existência de uma afectação obrigatória da TSAM à medida de auxílio, no sentido em que o montante do auxílio, decorrente do aumento dos custos com estes serviços, determina necessariamente o montante das receitas provenientes da TSAM que são utilizadas para o financiamento desta medida. Termos em que, sem prejuízo da obrigação deste Tribunal de suscitar uma pronúncia, por parte da jurisdição da União Europeia, acerca do tema da violação do regime dos auxílios de Estado, através do mecanismo do reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia, conforme acima desenvolvido, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com todas as consequências legais, designadamente a anulação da Sentença recorrida”. A Fazenda Pública (doravante FP ou Recorrida) não apresentou contra-alegações. Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso. Com dispensa de vistos (art.º 657.º, n.º 4, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.
São as seguintes as questões a decidir: a) A decisão recorrida padece de erro de julgamento, dado que a TSAM é um imposto orgânica e materialmente inconstitucional? b) Verifica-se erro de julgamento, em virtude de violação do regime da União Europeia relativo aos auxílios de estado, devendo ser feito reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE)?
II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto: “1. A Impugnante detém e gere os estabelecimentos com as insígnias «R……….» nos quais exerce o comércio de produtos alimentares a retalho – cf. factos não controvertidos; 2. Em 5/06/2020 foi emitida, em nome da Impugnante, a factura n.º ………. do Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar Mais, com o seguinte teor: «Qtd 1. Área de Venda: 69.044,32; Área pond.: 48.479,74; Item Taxa de Segurança Alimentar Mais – 2ª prestação Ano 2020 (Decreto-Lei n.º 119/2012, Portarias n.º 215/2012, n.º 200/2013 e n.º 57/2020) referente a 50% do valor da taxa anual (7€m2). Preço unitário 7,00; Valor sem IVA 169.679,10; (...) Total Factura €169.679,10» – cf. factura, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a fls. 121 do SITAF”.
II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida: “Nada mais se provou com interesse para a decisão da causa”.
II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto: “O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na posição das partes e na análise crítica e conjugada dos documentos constantes dos autos, conforme identificado nos factos provados”.
III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO III.A. Do erro de julgamento, em virtude da inconstitucionalidade orgânica e material da TSAM Considera a Recorrente que o Tribunal a quo laborou em erro, na medida em que a TSAM é um verdadeiro imposto, e não uma contribuição financeira, organicamente inconstitucional, dado não ter sido aprovada por lei parlamentar ou decreto-lei autorizado. A inconstitucionalidade da TSAM verifica-se também, na sua perspetiva, por via material, em face da violação do princípio da capacidade contributiva. Vejamos então. A TSAM foi criada pelo DL n.º 119/2012, de 15 de junho, diploma que criou igualmente o Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar Mais. Este, por sua vez, tem como objetivos, entre outros, o financiamento de custos referentes à execução de controlos oficiais, no âmbito da segurança alimentar, da proteção e sanidade animal, da proteção vegetal e fitossanidade e apoiar a prevenção e erradicação das doenças dos animais e plantas. De entre as receitas do mencionado fundo, encontra-se a TSAM. Este tributo está previsto no art.º 9.º do referido diploma e está configurado como “contrapartida da garantia de segurança e qualidade alimentar”, sendo sujeitos passivos do mesmo os estabelecimentos de comércio alimentar de produtos de origem animal e vegetal, frescos ou congelados, transformados ou crus, a granel ou pré-embalados. A questão que se coloca, em primeiro lugar, prende-se com a configuração da TSAM, enquanto tributo, tributo este que a Recorrente considera tratar-se de um imposto. Cumpre, assim e antes de mais, atentar na tipologia de tributos previstos no ordenamento jurídico português. Independentemente da nomenclatura utilizada pelo legislador para designar os tributos, a sua natureza depende das suas específicas caraterísticas. Com efeito, o nosso ordenamento consagra um conceito amplo de tributo. Como resulta desde logo do art.º 165.º, n.º 1, al. i), da Constituição da República Portuguesa (CRP), os tributos têm uma natureza tripartida: a) Impostos; b) Taxas; e c) Demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas. Este quadro tripartido surge, ao nível da lei ordinária, previsto no art.º 3.º da Lei Geral Tributária (LGT). Assim, esta configuração implica que cada um dos tributos tenha caraterísticas e finalidades próprias. Quanto à sua noção, em traços largos, e começando pela de imposto, este define-se como uma prestação pecuniária unilateral, imposta coativa ou autoritariamente pelo Estado ou por uma entidade pública, sem caráter sancionatório, visando angariar receita. É ainda de atentar que, do art.º 103.º, n.º 1, da CRP, resulta igualmente que o sistema fiscal visa diminuir as desigualdades e promover a distribuição de rendimentos e riquezas, conjugando o que se poderá denominar como um interesse financeiro ou imediato com um interesse de justiça social, mediato ou metajurídico. No que respeita às taxas as mesmas configuram-se como prestações pecuniárias impostas coativa ou autoritariamente, pelo Estado ou outro ente público, sem que tenham caráter sancionatório, pressupondo sim a existência de uma contraprestação, seja ela a prestação de um serviço público, a utilização de um bem do domínio público ou a remoção de um obstáculo jurídico. A par das taxas e dos impostos surge a terceira categoria, a das contribuições financeiras, classificação de caráter residual, abrangendo os tributos que não são nem impostos nem taxas. Como se refere no Acórdão n.º 539/2015, do Plenário do Tribunal Constitucional, de 20.10.2015: “[A] revisão constitucional de 1997, introduziu, a propósito da delimitação da reserva parlamentar, a categoria tributária das contribuições financeiras a favor das entidades públicas, dando cobertura constitucional a um conjunto de tributos parafiscais que se situam num ponto intermédio entre a taxa e o imposto (artigo 165.º, n.º 1, alínea i)). As contribuições financeiras constituem um tertium genus de receitas fiscais, que poderão ser qualificadas como taxas coletivas, na medida em que compartilham em parte da natureza dos impostos (porque não têm necessariamente uma contrapartida individualizada para cada contribuinte) e em parte da natureza das taxas (porque visam retribuir o serviço prestado por uma instituição pública a certo círculo ou certa categoria de pessoas ou entidades que beneficiam coletivamente de um atividade administrativa) (Gomes Canotilho/Vital Moreira, em “Constituição da República Portuguesa Anotada,” I vol., pág. 1095, 4.ª ed., Coimbra Editora). As contribuições distinguem-se especialmente das taxas porque não se dirigem à compensação de prestações efetivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, mas à compensação de prestações que apenas presumivelmente são provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, correspondendo a uma relação de bilateralidade genérica. Preenchem esse requisito as situações em que a prestação poderá beneficiar potencialmente um grupo homogéneo ou um conjunto diferenciável de destinatários e aquelas em que a responsabilidade pelo financiamento de uma tarefa administrativa é imputável a um determinado grupo que mantém alguma proximidade com as finalidades que através dessa atividade se pretendem atingir (…). Por via da nova redação dada à norma do artigo 165.º, n.º 1, alínea i), a Constituição autonomizou uma terceira categoria de tributos, para efeitos de reserva de lei parlamentar, relativizando as diferenças entre os tributos unilaterais e os tributos comutativos e obrigando a uma reformulação da discussão sobre a exigência da reserva de lei, relativamente às contribuições especiais que não se pudessem enquadrar no preciso conceito de taxa” (sublinhados nossos). Como referido por Sérgio Vasques Manual de Direito Fiscal, Almedina, Coimbra, 2014, p. 223.: “O que (…) carateriza os tributos que hoje em dia encontramos a meio caminho entre as taxas e os impostos é o estarem voltados à compensação de prestações de que só presumivelmente se pode dizer causador ou beneficiário o sujeito passivo, sendo o seu pressuposto constituído por factos que apenas com segurança relativa permitem concluir pela provocação ou aproveitamento das prestações administrativas. Em suma, o que as define é visarem uma troca entre a administração e grupos de pessoas que se presume provocarem os mesmos custos ou aproveitarem os mesmos benefícios”. Nos termos do art.º 165.º, n.º 1, al. i), da CRP, é da competência relativa da Assembleia da República legislar em matéria de impostos e sistema fiscal e sobre o regime geral das taxas e contribuições financeiras. Assim, e analisando a mencionada al. i) do n.º 1 do art.º 165.º da CRP, lida em consonância com o n.º 2 do art.º 103.º da lei fundamental, dúvidas não há que, no que toca aos impostos, a reserva relativa de lei abrange tudo o que respeite à sua criação, determinação da incidência, da taxa, dos benefícios fiscais e das garantias dos contribuintes. Quanto aos demais tributos, o princípio da reserva de lei formal não tem o mesmo alcance. Com efeito, do disposto no art.º 165.º, n.º 1, al. i), da CRP, resulta que a reserva de lei parlamentar se circunscreve ao regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas, sendo que até à presente data não foi aprovado qualquer regime geral das contribuições financeiras e, ao nível das taxas, apenas foi aprovado o regime geral das taxas das autarquias locais. Feito este introito cumpre, antes de mais, atentar na natureza do tributo em causa. No caso dos autos, não há dúvidas de que o mesmo não é uma taxa, não obstante o seu nomen. A este respeito já se pronunciou o Tribunal Constitucional, no sentido de não se estar perante uma taxa. Com efeito, atenta a sua configuração e finalidade, à mesma não corresponde uma prestação concreta de um serviço público ou a remoção de um obstáculo jurídico, nem por parte do sujeito passivo a utilização de um bem do domínio público. Neste sentido refere o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 539/2015, do Plenário, de 20.10.2015 V. ainda os Acórdãos do mesmo Tribunal, n.ºs 544/2015, de 28.10.2015, 564/15, de 28.10.2015, 565/15, de 28.10.2015, 566/15, de 28.10.2015, 568/15, de 28.10.2015, 602/15, de 26.11.2015, 232/16, de 03.05.2016, 596/19, de 21.10.2019, 608/19, de 22.10.2019, 199/20, de 11.03.2020, 519/20, de 20.10.2020, 667/2020, de 25.11.2020, 681/2022, de 20.10.2022, 353/23, de 06.06.2023 e 450/2023, de 06.07.2023.: “[A] “taxa de segurança alimentar mais” não constitui uma verdadeira taxa porque não incide sobre uma qualquer prestação administrativa de que o sujeito passivo seja efetivo causador ou beneficiário, sendo antes tida como contrapartida de todo um conjunto de atividades levadas a cabo por diversas entidades públicas que visam garantir a segurança e qualidade alimentar. E também porque o facto gerador do tributo não é a prestação individualizada de um serviço público mas a mera titularidade de um estabelecimento de comércio alimentar, sendo o valor da taxa calculado, com base na área de venda do estabelecimento e não com base no custo ou encargo que a atividade de controlo da segurança e qualidade alimentar poderia gerar”. No mesmo acórdão afastou-se a sua qualificação como imposto, na medida em que este tributo não visa a satisfação de determinadas necessidades genéricas, mas sim a contribuição para a realização de uma atividade concreta. Portanto, entendeu o Tribunal Constitucional que estaríamos perante um tributo enquadrável no tertium gens, consubstanciado nas chamadas contribuições financeiras, com base no seguinte discurso fundamentador: “[C]omo resulta do disposto no artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho, a “taxa” de segurança alimentar mais” é precisamente uma contribuição para o financiamento da atividade de garantia de segurança e qualidade alimentar. É uma comparticipação nas receitas de um fundo destinado a financiar projetos, iniciativas e ações desenvolvidos pelas entidades que operam nesse mercado. Não estamos, pois, no seu aspeto dominante, perante uma participação nos gastos gerais da comunidade, em cumprimento de um dever fundamental de cidadania, nem perante a retribuição de um serviço concretamente prestado por uma entidade pública ao sujeito passivo, pelo que a referida “taxa” não se pode qualificar nem como imposto, nem como uma verdadeira taxa, sendo tal tributo antes qualificável como contribuição financeira. (…) Trata-se (…) de contribuições que se destinam a retribuir serviços prestados por uma entidade pública e que não se inserem no objetivo estritamente financeiro do sistema fiscal, que se dirige antes à obtenção de receitas para cobrir despesas gerais do Estado e de outras pessoas coletivas territoriais (regiões autónomas e autarquias locais). Desse ponto de vista o que interessa considerar é o grau de autonomia da entidade que presta o serviço público e à qual se encontra consignada a receita resultante da contribuição financeira, de modo a poder afirmar-se que a receita não será canalizada para a administração geral do Estado ou de outras pessoas coletivas territoriais (dando relevo a este aspeto como um critério decisivo de aferição da independência da entidade administrativa, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 613/2008). Ora, o Fundo, ainda que não disponha de personalidade jurídica e se encontre, como tal, inserido na orgânica da Administração Central do Estado, é tido como um «património autónomo», dotado de «autonomia administrativa e financeira» (artigo 2.º), e com atribuições específicas na área da segurança alimentar e da saúde dos consumidores (artigo 3.º), e cujas despesas são as «resultantes dos encargos e responsabilidades decorrentes da prossecução das suas atividades» (artigo 5.º). A competência do diretor-geral de Alimentação e Veterinária, enquanto seu responsável máximo, é a de «gerir as receitas do Fundo, aplicando-as aos respetivos encargos» (artigo 6.º, n.º 3, alínea a)). É assim claro que o produto da “taxa de segurança alimentar mais”, enquanto receita do Fundo, está consignado à satisfação das despesas inerentes ao serviço público que essa entidade desenvolve no âmbito das respetivas atribuições e não poderá ser desviada para o financiamento de despesas públicas gerais. Por outro lado, o Fundo é caracterizadamente uma entidade pública infraestadual, na medida em que é definido como um património autónomo que dispõe de autonomia administrativa e financeira, o que significa que, não só pode praticar atos administrativos em matéria de administração financeira, como possui competência para utilizar formas próprias de execução e controlo de perceção das receitas e realização de despesas, o que leva a concluir que tem uma administração financeira própria e distinta da administração financeira do Estado (sobre todos estes aspetos, Sousa Franco, “Finanças Públicas e Direito Financeiro”, vol. I, pág. 152 e seg., 4ª edição, Almedina). É quanto basta para considerar que a “taxa de segurança alimentar mais”, sendo uma contribuição especial não subsumível ao conceito de imposto ou taxa é também uma contribuição que reverte a favor de entidade pública e se enquadra na categoria de contribuição financeira a que se refere o artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição”. Colocou-se, num segundo momento, a questão em torno da reserva de lei formal em casos como estes, face à ausência do mencionado regime geral. A resposta do Tribunal Constitucional foi no sentido de que apenas o regime geral está sujeito a reserva de lei, pelo que, na sua ausência, a criação de uma contribuição como a em causa através de decreto-lei do Governo, não precedido de qualquer lei da Assembleia da República, não comporta a sua inconstitucionalidade orgânica. No mesmo sentido também já se pronunciou este TCAS, designadamente nos Acórdãos de 21.05.2020 (Processo: 923/16.5BELRS), de 27.05.2021 (Processo: 1283/18.5BESNT), de 24.06.2021 (Processo: 1641/17.2BESNT), de 14.10.2021 (Processo: 3180/16.0BELRS), de 28.10.2021 (Processo: 552/16.3BESNT), de 11.11.2021 (Processos: 1171/13.1BEALM, 954/16.5BELRS e 1640/17.4BESNT) e de 13.01.2022 (Processo: 1351/17.0BESNT), de 27.01.2022 (Processo: 1193/14.5BELRS), de 10.02.2022 (Processo: 2154/18.0BELRS), de 15.09.2022 (Processos: 567/13.3 BESNT, 1350/17.2 BESNT e 99/20.3BESNT), de 13.10.2022 (Processos: 930/18.BESNT, 1497/18.8 BELRS e 84/21.8 BESNT), de 27.10.2022 (Processo: 81/21.3 BESNT), de. 30.03.2023 (Processo: 769/13.2BELRS), de 01.06.2023 (Processo: 211/20.2 BELRS) e de 19.10.2023(Processo: 714/20.9 BESNT).
Quanto à alegada inconstitucionalidade material da TSAM, por força da violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto concretização do princípio da igualdade, considera a Recorrente que a mesma se verifica, dado que: a) Não atinge todos os contribuintes que, com a receita da contribuição criada pelo Governo, o Estado alegadamente se propõe beneficiar; b) Apenas se aplica a algumas empresas de comércio alimentar a retalho; c) A intenção que prevaleceu foi, pois, a de criar um imposto sobre o rendimento, exigível consoante o lucro de cada um dos operadores do sector da distribuição abrangidos, mediante uma aproximação indireta ou presumida que conduz a resultados arbitrários; d) Representa a consagração sistemática da dupla tributação jurídica. Vejamos. A CRP determina, desde logo, no art.º 13.º, que: “1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei. 2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual”. Como referido por Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa, Vol. I, 14.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pp. 336 e 337): “O princípio da igualdade é um dos princípios estruturantes do sistema constitucional global, conjugando dialecticamente as dimensões liberais, democráticas e sociais inerentes ao conceito de Estado de direito democrático e social (art . 2°) . Na sua dimensão liberal, o princípio da igualdade consubstancia a ideia de igual posição de todas as pessoas, independentemente do seu nascimento e do seu status, perante a lei, geral e abstracta, considerada subjectivamente universal em virtude da sua impessoalidade e da indefinida repetibilidade na aplicação. A dimensão democrática exige a explícita proibição de discriminações (positivas e negativas) na participação no exercício do poder político, seja no acesso a ele (…) seja na relevância dele (…), bem como no acesso a cargos públicos (…). A dimensão social acentua a função social do princípio da igualdade, impondo a eliminação das desigualdades fácticas (…). Com estas três dimensões, o princípio da igualdade é estruturante do Estado de direito democrático e social, dado que: (a) impõe a igualdade na aplicação do direito, fundamentalmente assegurada pela tendencial universalidade da lei e pela proibição de diferenciação de cidadãos com base em condições meramente subjectivas (igualdade de Estado de direito liberal); (b) garante a igualdade de participação na vida política da colectividade e de acesso aos cargos públicos e funções políticas (igualdade de Estado de direito democrático); (c) exige a eliminação das desigualdades de facto para se assegurar uma igualdade material no plano económico, social e cultural (igualdade de Estado de direito social)”. A igualdade na aplicação do direito vai para além da igualdade formal, implicando sim igualdade material, que tem subjacente a ideia de tratamento igual do que é igual e tratamento diferente do que seja diferente. Especificamente ao nível dos impostos, dispõe o art.º 104.º da CRP, que: “1. O imposto sobre o rendimento pessoal visa a diminuição das desigualdades e será único e progressivo, tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar. 2. A tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real. 3. A tributação do património deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos. 4. A tributação do consumo visa adaptar a estrutura do consumo à evolução das necessidades do desenvolvimento económico e da justiça social, devendo onerar os consumos de luxo”. O princípio da igualdade, evidenciado nos n.ºs 1 a 3 do supracitado art.º 104.º da CRP, abrange quer a vertente da igualdade perante a lei fiscal, no sentido de não haver discriminação dos cidadãos face à referida lei, quer a vertente da igualdade tributária ou igualdade de sacrifícios; esta encontra-se estreitamente ligada ao princípio da capacidade contributiva, enquanto reflexo da igualdade material. Neste último sentido, fala-se em igualdade horizontal e igualdade vertical, sendo a primeira aquela que determina que os titulares das mesmas formas de riqueza sejam tributados de forma igual e a segunda a que determina que o sacrifício fiscal seja repartido em função dos rendimentos de cada um. Ora, como resulta deste introito, o princípio da igualdade, subjacente aos art.ºs 103.º e 104.º da CRP, está desenhado para uma figura tributária específica, ou seja, para os impostos, sendo que, como já referido, se entende que o tributo em análise não é um imposto, mas uma contribuição financeira. Como referido por Sérgio Vasques (Manual…, cit., p. 250): “A concretização do princípio da igualdade tributária passa assim (…) pela adequação de taxas, contribuições e impostos a estes critérios fundamentais [capacidade contributiva e equivalência] (…). E passa, além disso, pelo controlo rigoroso das derrogações que o legislador introduza a estes critérios materiais de repartição com vista à prossecução de objectivos de natureza extrafiscal. É verdade que o princípio da igualdade tributária não possui valor absoluto e que por isso deve articular-se sempre com outros princípios constitucionais, razão pela qual há que reconhecer pontualmente o seu sacrifício ao fomento económico, à redistribuição da riqueza, à defesa da saúde pública ou ordenamento do território, entre outros valores tutelados pela Constituição (…). [A] extrafiscalidade e os critérios distintivos extra-sistemáticos que ela encerra hão-de ser sempre sujeitos a um controlo de proporcionalidade (…). [É] necessário que esse interesse extrafiscal revela tal intensidade que torne proporcionada a derrogação da igualdade. Como o diz Klaus Tipke, é indispensável que o ganho de bem-estar trazido pelo sacrifício da igualdade tributária seja maio do que o bem-estar que resultaria da sua preservação”. Logo, a eventual violação do princípio da igualdade neste âmbito tem de ser analisada sob a perspetiva do respeito pelo princípio da equivalência, subjacente às contribuições financeiras, e não sob a perspetiva da capacidade contributiva, subjacente aos impostos. Assim, carece de relevância o alegado pela Recorrente quanto à violação do princípio da igualdade, na perspetiva da violação do princípio da capacidade contributiva e da universalidade, dado entender-se que estamos perante uma contribuição financeira e não perante um imposto (motivo pelo qual resulta prejudicada a apreciação do alegado, em termos de inconstitucionalidade, exclusivamente respeitante à TSAM na perspetiva de ser um imposto e, bem assim, em termos de alegada dupla tributação e sobreposição ao IRC). Mesmo sob o ponto de vista do respeito pelo princípio da equivalência, também o Tribunal Constitucional já deu resposta a esta questão, no citado Acórdão n.º 539/2015, do Plenário do Tribunal Constitucional, de 20.10.2015, onde se refere: “Em primeiro lugar, há que reconhecer que, estando em causa um tributo que visa compensar prestações administrativas de que o sujeito passivo, por força da pertença a um grupo (titulares de estabelecimentos de comércio alimentar de produtos de origem animal e vegetal, frescos ou congelados, transformados ou crus, a granel ou pré-embalados), é presumível beneficiário - assumindo, por isso, natureza comutativa -, é constitucionalmente pertinente avaliar a sua legitimidade material à luz do princípio da igualdade (artigo 13.º da Constituição), concretizado no invocado princípio da equivalência. Este princípio aplicado às contribuições financeiras diz-nos que estas devem ter uma relação de equivalência com o valor do benefício obtido ou o custo provocado pelos sujeitos passivos dessas contribuições, devendo ter-se em conta que essa equivalência não é sinalagmática, uma vez que as contribuições financeiras respeitam a feixes de prestações difusas que apenas podemos presumir provocadas ou aproveitadas por certos grupos de contribuintes. Nessa perspetiva, que assenta numa ideia central de equilíbrio ou justiça material, cumpre especificamente verificar, à luz da particular configuração teleológica do tributo em causa, se os critérios de igualação ou diferenciação eleitos pelo legislador, na delimitação da sua incidência subjetiva e, bem assim, na determinação do critério de cálculo do valor da contribuição em causa, se apresentam como materialmente infundados, o que será motivo da sua inconstitucionalidade. A Recorrida começa por questionar a constitucionalidade material do critério de incidência subjetiva, na medida em que o tributo atinge apenas os titulares de estabelecimentos de comércio alimentar a retalho e não todos os restantes operadores da cadeia alimentar, e também porque se aplica apenas a algumas das empresas de comércio alimentar por efeito da isenção que é estabelecida, ainda que sob determinadas condições, para as microempresas e para os estabelecimentos de comércio alimentar com áreas de venda ao público inferiores a 2.000 m2. O n.º 1, do artigo 9.º, do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho diz que “como contrapartida da garantia de segurança e qualidade alimentar é devido o pagamento, pelos estabelecimentos de comércio alimentar de produtos de origem animal e vegetal, frescos ou congelados, transformados ou crus, a granel ou pré -embalados, de uma taxa anual, cujo valor é fixado entre € 5 e € 8 por metro quadrado de área de venda do estabelecimento, por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da agricultura”, esclarecendo o n.º 3 do mesmo artigo que se entende por «estabelecimento de comércio alimentar» “o local no qual se exerce uma atividade de comércio alimentar a retalho, incluindo os estabelecimentos de comércio misto, tal como definidos na alínea l) do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 21/2009, de 19 de janeiro”, ou seja aqueles “no qual se exercem, em simultâneo, atividades de comércio alimentar e não alimentar”, não assumindo este último ramo uma percentagem igual ou superior a 90% no volume total das vendas realizadas. São, pois, os proprietários destes estabelecimentos os devedores da “taxa de segurança alimentar mais”. No caso, e como já se deixou entrever, a contribuição em causa é receita do Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar Mais, o qual tem uma intervenção transversal em todas as fases da cadeia alimentar, financiando os custos dos programas e ações oficiais de controlo de segurança e qualidade alimentar desenvolvidos por diversas entidades públicas, no quadro geral de proteção da cadeia alimentar e da saúde dos consumidores, pelo que o conjunto de prestações administrativas que lhe cabe financiar, como já acima dissemos, acaba por se projetar positivamente na fiabilidade dos produtos colocados no mercado e na atividade económica dos distribuidores finais que veem dessa forma complementado o próprio sistema interno de controlo dos produtos que comercializam. E, conforme foi enunciado no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho, a criação da “taxa de segurança alimentar mais” pretendeu dar concretização ao princípio da responsabilidade partilhada na garantia da segurança alimentar entre os diversos operadores económicos, tendo em linha de conta que se encontram já instituídas taxas destinadas a suportar financeiramente atos de verificação e controlo que incidem sobre produtores pecuários e os estabelecimentos que laboram produtos de origem animal, e outras taxas, que são cobradas a produtores, distribuidores e comerciantes, para verificação da conformidade dos alimentos para animais, de medicamentos veterinários ou de produtos fitofarmacêuticos. E, nesse contexto, a ideia central da criação dessa nova contribuição financeira foi a de estender a um grupo de operadores da cadeia alimentar que não estavam onerados por aquelas taxas, a participação na responsabilidade pelo financiamento dos custos dos controlos oficiais da qualidade dos alimentos. Na verdade, note-se que além da “taxa de segurança alimentais mais” são também receitas do Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar Mais: - O produto da taxa de financiamento do sistema de recolha de cadáveres de animais mortos nas explorações, aprovada pelos Decretos-Leis n.º 244/2003, de 7 de outubro, 122/2006, de 27 de julho, 19/2011, de 7 de fevereiro, e 38/2012, de 16 de fevereiro, e que incide sobre os estabelecimentos de abate relativamente a bovinos, ovinos, caprinos, suínos e equídeos (artigo 4.º, n.º 1, a), do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho); - 10% do produto de outras taxas cobradas pela Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (artigo 4.º, n.º 1, c), do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho); - As taxas a cobrar às atividades de produção, preparação e transformação de produtos de origem animal e alimentos para animais, aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 178/2008, de 26 de agosto, e disciplinadas pelas Portarias n.ºs 1073/2008, de 22 de setembro, e 1450/2009, de 28 de dezembro, e que incidem sobre os respetivos agentes económicos (artigo 4.º, n.º 2, a), do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho); - As taxas devidas pela classificação subjetiva das carcaças de suínos, realizada pelos classificadores que prestam serviço na DGAV, previstas pelo Decreto-Lei n.º 168/98, de 25 de junho, e aprovadas pela Portaria n.º 1419/2008, de 9 de dezembro, e que incidem sobre os proprietários ou responsáveis dos estabelecimentos (artigo 4.º, n.º 2, b), do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho); - As taxas devidas pelos atos relativos aos procedimentos e aos exames laboratoriais e demais atos e serviços prestados pela DGAV, previstas pelo Decreto -Lei n.º 148/2008, de 29 de julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 314/2009, de 28 de outubro, e aprovadas pela Portaria n.º 27/2011, de 10 de janeiro, e que incidem sobre os requerentes (artigo 4.º, n.º 2, c), do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho); - As taxas devidas pela concessão das autorizações de fabrico e distribuição de alimentos medicamentosos, bem como pelas suas alterações e renovações, e pela autorização de ensaios experimentais, previstas pelo Decreto-Lei n.º 151/2005, de 30 de agosto, e aprovadas pela Portaria n.º 1273/2005, de 12 de dezembro, e que incidem sobre os requerentes e outros agentes económicos envolvidos (artigo 4.º, n.º 2, d), do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho); - As taxas devidas pela realização dos pedidos de autorização, alteração, renovação ou reavaliação dos produtos de uso veterinário, bem como pela declaração e emissão de cópias ou certidões, aprovadas pela Portaria n.º 496/2010, de 14 de julho, e que incidem sobre os requerentes (artigo 4.º, n.º 2, e), do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho); - As taxas devidas pelos atos que sejam prestados pela DGAV no âmbito dos procedimentos de declaração prévia, de autorização prévia e respetivas alterações, previstos nos artigos 23.º, 25.º e 29.º do Decreto-Lei n.º 184/2009, de 11 de agosto, para os centros de atendimentos médico-veterinário, aprovadas pela Portaria n.º 1246/2009, de 13 de outubro, e que incidem sobre os requerentes (artigo 4.º, n.º 2, f), do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho); - As taxas de autorização prévia ou declaração prévia dos estabelecimentos industriais, previstas pelo Decreto-Lei n.º 209/2008, de 29 de outubro, na parte que constitua receita da DGAV, e que incidem sobre os requerentes (artigo 4.º, n.º 2, g), do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho); - As taxas do sistema em vigor relativo à recolha, ao transporte e abate sanitário, previstas na Portaria n.º 205/2000, de 5 de abril, na parte que constitua receita da DGAV, e que incidem sobre os produtores pecuários (artigo 4.º, n.º 2, h), do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho); - As taxas devidas pela execução das intervenções sanitárias do Programa Nacional de Saúde Animal, aprovadas pela Portaria n.º 178/2007, de 9 de fevereiro, e que incidem sobre os criadores (artigo 4.º, n.º 2, i), do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho); - As taxas devidas pela autorização de colocação no mercado de produtos biocidas, previstas pelo Decreto-Lei n.º 121/2002, de 3 de maio, e aprovadas pela Portaria n.º 702/2006, de 13 de julho, e que incidem sobre os requerentes (artigo 4.º, n.º 2, j), do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho); - Os emolumentos devidos pelos exames realizados por peritos veterinários aos produtos alimentares de origem animal submetidos a despacho aduaneiro, previstos no Decreto -Lei n.º 433/89, de 16 de dezembro, e que incidem sobre os agentes importadores (artigo 4.º, n.º 2, k), do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho); - As taxas devidas pela emissão, alteração, renovação e atualização de licença ambiental, aprovadas pela Portaria n.º 1057/2006, de 25 de setembro, e que incidem sobre os produtores pecuários (artigo 4.º, n.º 2, l), do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho). Somando-se as receitas da contribuição financeira em causa às receitas de tributos que incidem sobre outros grupos de operadores económicos no ramo alimentar diversos daquele que integra os sujeitos passivos desta contribuição como meio de financiamento indireto dos custos dos programas e ações oficiais que beneficiam todos estes grupos de sujeitos, não faz sentido dizer-se que a seleção dos operadores da distribuição retalhista constitui uma discriminação inexplicada, relativamente aos restantes intervenientes económicos do ramo alimentar, uma vez que a sua seleção visou precisamente faze-los participar no financiamento de atividades onde os outros já participam através do pagamento de diferentes tributos. Não parece, nesta perspetiva, que a incidência do tributo sobre um grupo delimitado de pessoas, com especiais responsabilidades na concretização do objetivo da qualidade e segurança alimentar e que partilham com outros operadores sobre os quais recaem outros tributos, o aproveitamento presumível do benefício resultante das atividades estaduais no domínio em causa, na base de uma responsabilidade de grupo, ponha em causa o princípio da equivalência, enquanto reflexo de uma ideia de igualdade. E se poderão ainda existir grupos de operadores económicos neste ramo que não estão abrangidos por qualquer tributo que integre as receitas do Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar Mais, tal circunstância não conduz à conclusão que a contribuição sob análise seja geradora de desigualdades injustificadas, atenta a existência de uma pluralidade de diversificadas fontes tributárias financiadoras das atividades de que todos beneficiam direta ou indiretamente. Por outro lado, o invocado estreitamento da base de incidência subjetiva por efeito da implementação do sistema de isenções, que implica que o tributo apenas recaia sobre os proprietários de estabelecimentos de maior dimensão, não demonstra só por si que se pretenda tributar apenas em função da especial capacidade contributiva de determinados operadores do setor da distribuição. Na verdade, nos termos do n.º 2, do artigo 9.º, do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho “estão isentos do pagamento da taxa a que se refere o número anterior os estabelecimentos com uma área de venda inferior a 2000 m2 ou pertencentes a microempresas desde que: a) Não pertençam a uma empresa que utilize uma ou mais insígnias e que disponha, a nível nacional, de uma área de venda acumulada igual ou superior a 6000 m2; b) Não estejam integrados num grupo que disponha, a nível nacional, de uma área de venda acumulada igual ou superior a 6000 m2.” E, nos termos do artigo 3.º, n.º 4 e 5, da Portaria n.º 205/2012, de 17 de junho: - relativamente às situações previstas na alínea a), do n.º 2, do artigo 9.º, do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho, “considera-se como pertencendo a outra as empresas que, embora juridicamente distintas, constituem uma unidade económica ou mantenham entre si laços de interdependência decorrentes, nomeadamente: a) De uma participação maioritária no capital; b) Da detenção de mais de metade dos votos atribuídos pela detenção de participações sociais; c) Da possibilidade de designar mais de metade dos membros do órgão de administração ou de fiscalização; d) Do poder de gerir os respetivos negócios. - e no que respeita às situações previstas da alínea b), do n.º 2, do artigo 9.º, do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho, “considera–se «grupo» o conjunto de empresas que, embora juridicamente distintas, mantêm entre si laços de interdependência ou subordinação decorrentes da utilização da mesma insígnia ou de direitos ou poderes, nos termos previstos na alínea o) do artigo 4.º do Decreto -Lei n.º 21/2009, de 19 de janeiro. Ora, as microempresas que se dedicam ao comércio alimentar (as que empregam menos de 10 pessoas e cujo volume de negócios anual ou balanço total anual não excede 2 milhões de euros, segundo o artigo 2.º, n.º 3, do Anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro) e, bem assim, as empresas com estabelecimentos de comércio alimentar cuja área de venda seja inferior a 2.000 m2 (desde que não tenham uma área acumulada de implantação nacional igual ou superior a 6000m2), são aquelas que, pela sua dimensão, menos beneficiam dos financiamentos do Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar, não sendo equiparáveis, na perspetiva do impacto global que a sua intervenção pode ter no domínio da segurança alimentar e saúde do consumidor final, às empresas que detêm grandes superfícies comerciais e nelas se dedicam à distribuição massificada de produtos alimentares, em grande número e diversidade. Daí que, tendo em atenção a finalidade compensatória da “taxa de segurança alimentar mais”, não é contrária à ideia constitucional de igualdade a opção de restringir a sua base de incidência subjetiva, sujeitando ao seu pagamento apenas aqueles que se presume serem os principais beneficiários dos custos públicos suportados com a atividade administrativa destinada a garantir a segurança alimentar. Não é a sua capacidade contributiva que determina a sujeição a esta contribuição, mas sim o maior grau do benefício que podem usufruir. Daí que não se possa afirmar que a exclusão destes operadores do âmbito de incidência subjetiva da “taxa de segurança alimentar mais” se traduza numa diferenciação manifestamente arbitrária. No que respeita ao método de cálculo para a determinação do montante da taxa, o artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho, estipula que o seu valor será fixado por portaria dos membros do Governo responsáveis pela área das finanças e da agricultura entre € 5 e € 8 por metro quadrado da área de venda do estabelecimento, ou seja, segundo o disposto no artigo 2.º, b), da Portaria n.º 215/2012 de 17 de julho, toda a área destinada à venda, onde os compradores têm acesso ou os produtos se encontram expostos ou são preparados para entrega imediata, tendo o artigo 1.º da Portaria n.º 200/2013, de 31 de maio, vindo clarificar a aplicação deste critério do seguinte modo: “1- Para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 2º da Portaria nº 215/2012, de 17 de julho, entende-se por «área de venda do estabelecimento» toda a área de comércio alimentar apurada de acordo com os seguintes coeficientes de ponderação: i) A área de venda do estabelecimento inferior a 1750 m2 está sujeita a um coeficiente de ponderação de 90%; ii) A área de venda do estabelecimento igual ou superior a 1750 m2 e inferior a 5000 m2 está sujeita a um coeficiente de ponderação de 75%; iii) A área de venda igual ou superior a 5000 m2 está sujeita a um coeficiente de ponderação de 60%. 2 - Para efeitos de aplicação da Portaria nº 215/2012, de 17 de julho, é considerado «estabelecimento autónomo» o estabelecimento alojado ou compreendido no interior de um outro estabelecimento de comércio, independentemente de ambos usarem a mesma insígnia ou nome de estabelecimento ou serem explorados pelo mesmo titular, ou de terem sido objeto de licenciamento específico, no qual se prestam serviços ou vendem produtos distintos dos que são transacionados no estabelecimento de comércio que o aloja, dotado de caixas de saída próprias ou de barreiras físicas análogas destinadas a delimitar a área de venda, e em que as transações nele efetuadas são exclusivamente registadas e pagas no seu interior ou nas respetivas caixas de saída próprias, onde não podem ser registadas ou pagas transações efetuadas no estabelecimento de comércio que os aloja. 3- A área de venda dos estabelecimentos autónomos só releva se estes forem estabelecimentos de comércio alimentar ou misto, caso em que o respetivo volume total de vendas e a sua área não têm qualquer repercussão nos estabelecimentos que os alojam, para os efeitos da presente portaria” Deste quadro normativo resulta que a “taxa de segurança alimentar mais” é uma compensação financeira anual que incide sobre a área de venda do estabelecimento, entendendo-se como tal «toda a área de comércio alimentar», apurada de acordo com determinados coeficientes de ponderação, e o seu valor é fixado, por portaria, entre € 5 e € 8 por metro quadrado da área de venda alimentar do estabelecimento, o que revela ter sido opção do legislador graduar a tributação em função do maior ou menor volume de produtos alimentares comercializados, indiciado pela dimensão da área do estabelecimento destinada a essa finalidade, uma vez que o valor do benefício resultante da adoção das diversas ações públicas visando garantir a qualidade e segurança alimentar para os operadores da distribuição retalhista variará em função do volume dos produtos comercializados no estabelecimento em causa. Assim, no que respeita ao método de cálculo para a determinação da incidência objetiva da contribuição financeira e da sua base tributável, é possível descortinar que o critério adotado tem uma relação objetiva com a finalidade compensatória que está presente na estruturação do tributo em causa. O grau do benefício obtido com as atividades financiadas pela entidade da qual constitui uma das receitas a contribuição sub iudicio, está relacionado com o volume de produtos alimentares comercializados, constituindo um indício aproximado suficientemente credível deste a área dos estabelecimentos afeta à sua comercialização. Não se ignora que era possível definir outros critérios cuja aplicação tivesse como resultado uma maior aproximação ao real benefício obtido pelos sujeitos passivos desta contribuição, mas ao Tribunal Constitucional apenas compete verificar se o critério escolhido não respeita os parâmetros constitucionais no domínio das contribuições financeiras. Ora, conforme acima se explicou, o critério adotado pelo legislador para definir a base objetiva de incidência da “taxa de segurança alimentar mais”, cumpre a exigência de que os tributos comutativos sejam diferenciados em função dos benefícios a compensar, de modo a que não se encontrem sujeitos ao mesmo encargo tributário contribuintes que, por virtude da sua maior ou menor intervenção no mercado, aproveitam benefícios manifestamente diferentes”. No mesmo sentido, vejam-se os já citados Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 544/2015, 564/2015, 565/2015, 566/2015 e 568/2015, todos de 28.10.2015, 602/2015, de 26.11.2015, 232/2016, de 03.05.2016, 596/2019, de 21.10.2019, 608/2019, de 22.10.2019, 199/2020, de 11.03.2020, 519/2020, de 20.10.2020, 667/2020, de 25.11.2020, 681/2022, de 20.10.2022, 353/23, de 06.06.2023 e 450/2023, de 06.07.2023 (e, bem assim, a jurisprudência deste TCAS referida supra). Assim, carece de razão a Recorrente nesta parte.
III.B. Do erro de julgamento, em virtude de violação do regime da União Europeia relativa aos auxílios de estado Considera, por outro lado, a Recorrente que a TSAM tem servido para financiamento do SIRCA, por via do Fundo ao qual se dirige a receita obtida pelo tributo, financiamento esse que viola o direito da União Europeia, nomeadamente as regras relativas aos auxílios de Estado, na aceção do n.º 1 do art.º 107.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE). Também esta questão já se colocou por diversas vezes perante este TCAS, tendo obtido resposta, designadamente, nos Acórdãos de 21.05.2020 (Processo: 923/16.5BELRS), de 27.05.2021 (Processo: 1283/18.5BESNT), de 24.06.2021 (Processo: 1641/17.2BESNT), de 14.10.2021 (Processo: 3180/16.0BELRS, no qual a ora Relatora interveio na qualidade de 2.ª adjunta), de 28.10.2021 (Processo: 552/16.3BESNT), de 11.11.2021 (Processo: 954/16.5BELRS), de 11.11.2021 (Processo: 1640/17.4BESNT) e de 13.01.2022 (Processo: 1351/17.0BESNT - , no qual a ora Relatora interveio na qualidade de 2.ª adjunta), de 27.01.2022 (Processo: 1193/14.5BELRS), de 10.02.2022 (Processo: 2154/18.0BELRS), de 15.09.2022 (Processos: 567/13.3 BESNT, 1350/17.2 BESNT e 99/20.3BESNT), de 13.10.2022 (Processos: 930/18.BESNT, 1497/18.8 BELRS e 84/21.8 BESNT) e de 27.10.2022 (Processo: 81/21.3 BESNT). Refere-se no primeiro dos citados arestos: “Passando à questão dos auxílios de Estado, pretende a Recorrente que o financiamento do SIRCA através da TSAM constitui um verdadeiro auxílio de Estado uma vez que se encontram preenchidos os requisitos cumulativos estabelecidos pelo art.º 107.ºdo TFUE (Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia), cujo n.º1 determina: «Salvo disposição em contrário dos Tratados, são incompatíveis com o mercado interno, na medida em que afetem as trocas comerciais entre os Estados-Membros, os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, que falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções», sem prejuízo das excepções que o próprio preceito estabelece. Por outro lado, estabelece o Artigo 108.º do TFUE: «1. A Comissão procederá, em cooperação com os Estados-Membros, ao exame permanente dos regimes de auxílios existentes nesses Estados. A Comissão proporá também aos Estados-Membros as medidas adequadas, que sejam exigidas pelo desenvolvimento progressivo ou pelo funcionamento do mercado interno. 2. Se a Comissão, depois de ter notificado os interessados para apresentarem as suas observações, verificar que um auxílio concedido por um Estado ou proveniente de recursos estatais não é compatível com o mercado interno nos termos do artigo 107.º, ou que esse auxílio está a ser aplicado de forma abusiva, decidirá que o Estado em causa deve suprimir ou modificar esse auxílio no prazo que ela fixar. Se o Estado em causa não der cumprimento a esta decisão no prazo fixado, a Comissão ou qualquer outro Estado interessado podem recorrer diretamente ao Tribunal de Justiça da União Europeia, em derrogação do disposto nos artigos 258.º e 259.º. A pedido de qualquer Estado-Membro, o Conselho, deliberando por unanimidade, pode decidir que um auxílio, instituído ou a instituir por esse Estado, deve considerar-se compatível com o mercado interno, em derrogação do disposto no artigo 107.º ou nos regulamentos previstos no artigo 109.º, se circunstâncias excecionais justificarem tal decisão. Se, em relação a este auxílio, a Comissão tiver dado início ao procedimento previsto no primeiro parágrafo deste número, o pedido do Estado interessado dirigido ao Conselho terá por efeito suspender o referido procedimento até que o Conselho se pronuncie sobre a questão. Todavia, se o Conselho não se pronunciar no prazo de três meses a contar da data do pedido, a Comissão decidirá. 3. Para que possa apresentar as suas observações, deve a Comissão ser informada atempadamente dos projetos relativos à instituição ou alteração de quaisquer auxílios. Se a Comissão considerar que determinado projeto de auxílio não é compatível com o mercado interno nos termos do artigo 107.º, deve sem demora dar início ao procedimento previsto no número anterior. O Estado-Membro em causa não pode pôr em execução as medidas projetadas antes de tal procedimento haver sido objecto de uma decisão final. 4. (…)». O princípio do primado do Direito da União sobre o direito nacional implica, com especial relevância para os Tribunais nacionais, a não aplicação do direito nacional incompatível com o Direito da União, a supressão ou reparação das consequências de um acto nacional contrário ao Direito da União, e a obrigação dos Estados membros fazerem respeitar o Direito da União. A desaplicação do direito nacional incompatível com o direito europeu configura uma obrigação do Tribunal nacional, devendo o juiz nacional desaplicar ex officio as normas nacionais desconformes com as normas europeias. Do princípio do efeito directo das normas europeias deriva a possibilidade de os particulares invocarem contra os poderes públicos de um Estado membro as normas europeias que imponham deveres ou reconheçam direitos de forma suficientemente clara e incondicionada, inclusivamente contra normas nacionais violadoras do Direito da União. E impõe aos Tribunais nacionais, em virtude do primado do Direito da União, que extraia as consequências jurídicas, para o caso concreto, do efeito directo da norma europeia em causa, esteja esta incluída nos Tratados ou numa directiva. Sucede que, embora seja verdade que de acordo com a jurisprudência reiterada do TJUE, o n.º 3 do artigo 108.º produz efeito directo nas jurisdições dos Estados-membros, pelo que pode ser invocado por particulares junto dos tribunais nacionais a propósito de um caso concreto, a verdade é que não se alcança em que termos a Recorrente é susceptível de ser directamente afectada pela medida que interpreta como sendo um auxílio público ilegal, nem a Recorrente diz que direitos afectados pela execução do que interpreta como auxílio público ilegal pretende, afinal, ver salvaguardados. É que a TSAM, insiste-se, não está vinculada ao financiamento do SIRCA, esse financiamento é eventual e pode nem sequer ocorrer, ou ocorrer em maior ou menor medida e, em todo o caso, como a própria Recorrente afirma (Conclusão KK) do recurso), o auxílio (isto é, o financiamento do SIRCA através da TSAM), afecta as trocas comerciais entre Estados-membros, na medida em que isenta os produtores pecuários portugueses de custos inerentes à sua actividade económica, o que tem um impacto na posição dos produtos portugueses num sector no qual se verifica um elevado nível de trocas intercomunitárias, sendo ainda susceptível de falsear a concorrência por determinar a obtenção de uma vantagem que não seria obtida em condições normais de mercado. Ora, a impugnante como empresa do sector da distribuição, não é um operador económico que possa ver a sua posição concorrencial afectada pela dita isenção aos produtores pecuários de suportarem os custos da recolha e eliminação dos cadáveres de animais, financiados através da taxa SIRCA. Por conseguinte, não lhe assiste neste processo legitimidade para suscitar o tema da violação do regime dos auxílios de Estado, improcedendo também a pretensão do reenvio prejudicial sobre as questões que enuncia a fls.66/67 do recurso (fls. 2068 dos autos)”. Aderindo a este entendimento, carece, então, de razão a Recorrente nesta parte, improcedendo, por esta via, a pretensão de formulação de reenvio prejudicial ao TJUE.
IV. DECISÃO Face ao exposto, acorda-se em conferência na Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul: a) Negar provimento ao recurso; b) Custas pela Recorrente; c) Registe e notifique. Lisboa, 15 de fevereiro de 2024
(Tânia Meireles da Cunha) (Susana Barreto) (Jorge Cortês)
Declaração de voto. Como resulta do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15/06, a “taxa de segurança alimentar mais” foi criada com vista a reforçar a qualidade e segurança do consumidor, no que respeita aos cuidados de saúde animal. A sua criação pelo Estado português foi sujeita ao procedimento previsto no artigo 108.º/3, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. Pelo que não se pode afirmar que a mesma não constitui um auxílio de Estado. Outra questão é saber se o mesmo é compatível (ou não) com o Direito da União Europeia. Sem embargo, o operador económico, como sucede com a recorrente, a quem é cobrada a contribuição em apreço, tem interesse e legitimidade processual em suscitar, perante os tribunais nacionais, a questão da compatibilidade da medida com o Direito da União Europeia, acautelando eventual pedido de ressarcimento de prejuízos que possam vir a ter lugar (neste sentido, v. Acórdão do TJUE, de 13/01/2005, P. C-174/02). Jorge Cortês |