Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:933/20.8 BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:01/24/2024
Relator:VITAL LOPES
Descritores:LIQUIDAÇÃO DE IMPOSTO
LIQUIDAÇÃO DE JUROS COMPENSATÓRIOS
FUNDAMENTAÇÃO EXIGÍVEL
ERRO NOS PRESSUPOSTOS
ÓNUS DE PROVA
Sumário:I - A exigência legal e constitucional de fundamentação do acto tributário, decorrente dos artigos. 268º da CRP, 77º da LGT e 125º do CPA, visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a Administração a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa.
II - No que concerne aos actos tributários de liquidação, o nº 2 do artº. 77º da LGT estabelece os parâmetros mínimos de fundamentação. Estes actos podem conter uma fundamentação sumária, que, no entanto, não pode deixar de conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.
III - A liquidação de juros compensatórios, tem de conter um mínimo de fundamentação própria, no que concerne à base de cálculo, à taxa aplicada, ao lapso de tempo a que os juros se reportam e ainda e também, quanto à culpa necessária à sua imputabilidade ao contribuinte.
IV - No que se refere à taxa, à base de cálculo e ao período de tempo a que se referem os juros, nenhuma margem de liberdade é dada à actuação da Administração Tributária, entendendo-se, por conseguinte e no que a estes fundamentos diz respeito, que não assiste ao sujeito passivo o direito de audição prévia, antes da liquidação dos juros compensatórios.
V - Caso o sujeito passivo invoque erro nos pressupostos da liquidação de imposto tem o ónus da prova dos elementos sobre que recaiu o alegado erro.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais: Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

M… e B…, melhor identificados nos autos, recorrem da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou improcedente a impugnação judicial apresentada contra os actos de liquidação oficiosa de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e respectivos juros compensatórios do ano de 2015 com montante a pagar de 174.058,50€ e a decisão de indeferimento da reclamação graciosa deduzida daqueles actos, alegando para tanto, conclusivamente:
«
a) Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida no processo de impugnação judicial n.º 933/20.8BESNT em que, entre o mais, se discutiu a legalidade do acto de liquidação de IRS n.º 20195000020085;
b) Em síntese, o Tribunal a quo julgou a impugnação judicial improcedente considerando que o acto de liquidação de IRS não padece dos vícios invocados;
c) Em primeiro lugar importa salientar que o Tribunal a quo não enquadrou correctamente as questões suscitadas, incorrendo em erro de julgamento.
d) Uma vez analisadas as supra referidas liquidações adicionais de IRC e de Juros Compensatórios não resulta suficiente a necessária fundamentação, quer de facto, quer de direito, assim resultando violado o disposto nos artigos 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, e 77.º, da Lei Geral Tributária;
e) Acresce que, no caso em apreço, não há sequer qualquer remissão explícita para qualquer documento que contenha essa mesma fundamentação, pelo que não se poderá considerar existir uma situação de fundamentação por remissão;
f) Este princípio, consagrado no n.º 1 do artigo 77.º da Lei Geral Tributária, resulta também do próprio artigo 63,º, n.º 1, do RCPIT, que faz depender a fundamentação dos actos tributários ou em matéria tributária nas conclusões do Relatório de Inspecção da “adesão ou concordância com estas” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no Processo n.º 0228/03, de 05/19/2004, in www.dgsi.pt);
g) Na verdade, a Administração tributária limita-se a elencar meros juízos conclusivos que, como pacifica e unanimemente aceite na doutrina e na jurisprudência, não representam a fundamentação legalmente exigida;
h) Em face do exposto, o acto de liquidação de imposto em apreço é ilegal porque praticado com ofensa das normas e princípios jurídicos aplicáveis devendo ser anulado em conformidade tal como a Sentença recorrida por erro de julgamento e violação das sobreditas disposições legais;
i) No ano fiscal em causa, os Recorrentes alienaram a sua quota parte prédio herdado pelo Recorrente marido;
j) Alienação aquela que foi devidamente declarada pelos Recorrentes;
k) De acordo com o que foi possível perceber ao longo do procedimento de inspecção tributária, a Autoridade Tributária e Aduaneira parecia poder discordar do valor considerado pelos Recorrentes como “valor de aquisição”;
l) Em primeiro lugar não nos podemos esquecer que a percentagem do prédio em causa que foi adquirido pelo Impugnante Marido foi-o em diversas fases e sempre por sucessão por morte;
m) Assim, o valor de aquisição corresponderá ao valor sobre o qual incidiu o Imposto do Selo (Imposto sobre Sucessões e Doações em alguns casos – factos estes do conhecimento da Recorrida e que, por isso, não pode afirmar desconhecimento ou falta de prova) ou sobre o qual o mesmo incidiria no caso de a transmissão ser isenta de imposto;
n) Considera o Tribunal a quo, neste segmento, que a Recorrida actuou com base nos elementos conhecidos, pelo que considerou como não provado que o prédio tivesse sido adquirido em momentos sucessivos;
o) Nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 74.º, da LGT quando os elementos de prova estejam na posse da Recorrida o ónus da prova está satisfeito com a sua mera indicação;
p) Os actos por transmissão por morte constaram sempre dos processos de Imposto sobre as Sucessões e Doações e de Imposto do Selo sendo, portanto, elementos na posse da Autoridade Tributária e Aduaneira;
q) Assim, e também por força dos princípios do inquisitório e da prossecução do interesse público (artigo 266.º da CRP e 55.º, da LGT) impunha-se que, uma vez invocados os factos pelos Recorrentes, os tivessem investigado e tomado em consideração;
r) Em face do que se deixa referido o Tribunal errou ao considerar como não provado que o prédio alienado tenha sido adquirido por fases e sempre por sucessão por morte, devendo antes tal facto ser adicionado aos factos dados como provados.
s) O acto é ilegal por não ter sido considerado o valor de aquisição em cada momento assim se violando o disposto nos artigos 10.º e 43.º e seguintes do Código do IRS, incorrendo a Sentença recorrida em erro de julgamento e violação das sobreditas disposições legais;
t) Sucede, porém, que, como é do conhecimento da Recorrida em momento anterior ao da alienação, o Recorrente marido e demais co-proprietários alteraram a natureza jurídica do prédio, constituindo-o em propriedade horizontal;
u) Assim, e em consequência, o que foi alienado não foi o prédio transmitido por morte, mas diversas realidades distintas, constituídas por cada uma das fracções autónomas resultantes da constituição da propriedade horizontal;
v) Passou, pois a existir um prédio distinto daquele que existia anteriormente;
w) Há, pois, uma aquisição nova para efeitos de tributação e seria esse o valor de aquisição a considerar;
x) Ou seja, os direitos reais sobre bens imóveis alienados tiveram a sua origem, não na data de cada transmissão por morte, mas na data da constituição da propriedade horizontal;
y) A Recorrida, bem como o Tribunal a quo violaram o disposto nos artigos 10.º, 43.º e 45.º do Código do IRS em conjugação com os princípios legais acima referenciados, impondo-se a respectiva anulação.
z) Uma vez mais o Tribunal a quo errou ao considerar como não provado que o prédio alienado tenha sido constituído em propriedade horizontal;
aa) Com efeito, tal acto implica a inscrição matricial das respectivas fracções em substituição do anterior prédio, em propriedade total;
bb) Tal inscrição, é para efeitos do sobredito artigo 74.º, n.º 2, da LGT, elemento na posse da Recorrida e que por esta não pode ser desconhecido.
cc) Assim, sendo todos elementos na posse da Recorrida o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento (da matéria de facto) ao dar como não provado a indicada circunstância.
dd) Impõe-se, pois adir à matéria de facto dada como provada que o prédio alienado foi constituído em propriedade horizontal.
ee) A liquidação de juros compensatórios é ilegal por violação do disposto no artigo 35.º da LGT;
ff) Nos termos da referida disposição legal, a liquidação de juros compensatórios depende da existência de culpa imputável ao contribuinte;
gg) Culpa essa que tem de ser invocada e demonstrada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, o que não fez.
hh) Os actos de liquidação de Juros Compensatórios também se mostram ilegais por vício de violação de forma, por preterição de formalidade essencial porquanto a Impugnante não foi notificada para exercício do direito de audição sobre os mesmos, assim sendo violado o disposto nos artigos 60.º e 77.º da LGT.
ii) Por último, os actos de liquidação de Juros Compensatórios também se mostram ilegais por falta de fundamentação, nos termos do artigo 35.°, n.º 1, da Lei Geral Tributária;
jj) Ao manter vigente na ordem jurídica, o acto de liquidação de IRS em apreço, a Recorrida, na decisão da reclamação graciosa agiu em erro sobre os pressupostos de facto e de direito, sendo que os vícios imputados aos actos de liquidação se transmitem à própria decisão que os mantém;
kk) De igual modo, ao manter na ordem jurídica o referido Despacho o Tribunal a quo incorreu, também, em erro de julgamento não podendo a Sentença recorrida manter-se, devendo ser anulada em conformidade
Termos em que, e nos mais de direito aplicáveis, sempre com o douto suprimento de Vossa Excelência deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente e revogada e anulada a Sentença em apreço, com as necessárias consequências legais.».

A Recorrida, Autoridade Tributária, não apresentou contra-alegações.

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer concluindo no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, analisadas as conclusões da alegação, são estas as questões a resolver: (i) se o acto de liquidação enferma de vício de forma por falta de fundamentação; (ii) se a liquidação enferma de erro nos pressupostos quanto ao valor de 35.190,23 €, assumido como o de aquisição do bem imobiliário transmitido.

***

III. FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS

(IMAGEM, original nos autos)
(IMAGEM, original nos autos)
(IMAGEM, original nos autos)
(IMAGEM, original nos autos)
(IMAGEM, original nos autos)
(IMAGEM, original nos autos)




».


B.DE DIREITO

Invocam os recorrentes que a liquidação enferma de vício de forma por falta de fundamentação.

Como pedagogicamente se deixa vertido no ac. do Supremo Tribunal Administrativo, de 06/07/2017, tirado no proc.º 0723/15, «A exigência legal e constitucional de fundamentação do acto tributário, decorrente dos arts. 268º da CRP, 77º da LGT e 125º do CPA, visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a Administração a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa.
A fundamentação do acto administrativo deverá obedecer a três requisitos essenciais: deverá ser clara, deverá ser suficiente e deverá também ser lógica.
Para que a fundamentação possa ser considerada suficiente terá de ser compreensível para um destinatário médio, o que exige clareza nas razões de facto e de direito apresentadas.
A compreensibilidade do destinatário médio, postado numa situação concreta, será, pois, o critério adequado para aquilatar da suficiência da fundamentação.
Como vem afirmando a jurisprudência e a doutrina o acto encontra-se suficientemente fundamentado quando dele é possível extrair qual o percurso cognoscitivo seguido pelo agente para a sua prática. (Ver neste sentido, os acórdãos 01.04.1992, AD de 22.02.1995, pag. 590, de 28.5.87, in AD 315, 367, de 12.02.87, in AD 317, 581, de 11.05.89, in AD 335, 1398, de 19.05.88 in Ad 325, 38, de 25.10.88, in AD 327, 37, e de 10.01.1989, in AD 339, 303, todos citados no Código de Procedimento Administrativo, anotado e comentado, de José Manuel Botelho, Pires Esteves e José Cândido de Pinho, 2ª edição, pags. 396 e segs. e António Francisco de Sousa, Código de Procedimento Administrativo, Anotado e Comentado, 2º edição, Quid Juris editora, pags. 382 e segs.)

Ponto é que a fundamentação responda, às necessidades de esclarecimento do contribuinte informando-o do itinerário cognoscitivo e valorativo do acto de liquidação, permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática.

A fundamentação de um acto administrativo também não pode ser contraditória ou incongruente, o que se verificará sempre que são invocadas razões de facto ou de direito que entre si se desdizem ou se revelam incompatíveis, discordantes ou incoerentes.

No que concerne à decisão do procedimento tributário dispõe o artigo 77.º, nº1 da Lei Geral Tributária dispõe que deve ser fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.
Por sua vez, no que se refere aos actos tributários de liquidação, o nº 2 do artº. 77º da LGT estabelece os parâmetros mínimos de fundamentação.
Estes actos podem conter uma fundamentação sumária, que, no entanto, não pode deixar de conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo (Neste sentido vide Lei Geral Tributária Anotada, Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, 4ª edição, Encontro da Escrita, pag.677 e José Maria Fernandes Pires, Gonçalo Bulcão, José Ramos Vidal e Maria João Meneses, Lei Geral Tributária anotada, Ed. Almedina, pag 836.)» (fim de cit.).

No caso subjudice pretendem os Recorrentes que o quer o acto de liquidação de imposto, quer o acto de liquidação de juros compensatórios, não contêm a fundamentação legal.

Não entendemos assim. No que respeita à correcção na base da liquidação do imposto, se atentarmos no projecto de decisão para audição prévia (cf. ponto 10. do probatório), dele constam as disposições legais aplicáveis (art.º 45.º, n.º 1 al. a) do CIRS); a quantificação da correcção (545.819,77€); o valor, data e facto aquisitivo do bem imobiliário que foi aceite (35.190,23€; 1995-06, aquisição por morte de…) e a qualificação do facto tributário (correcção à declaração de IRS/2015, na parte relativa aos rendimentos da categoria G, mais valias obtidas com a venda, em 21/04/2015, de 50% do imóvel a que corresponde a inscrição 232 (110604).

Portanto, a fundamentação externada não só possibilita a um destinatário médio colocado na posição dos sujeitos passivos a compreensibilidade do acto, como essa apreensão resulta acessível.

No que em particular respeita à fundamentação dos juros compensatórios, estabelece o art.º 35.º, n.º 1 da LGT, para que remete o art.º 91.º do CIRS, que «São devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária».

No que diz respeito ao acto de liquidação de juros compensatórios, a jurisprudência tem vindo a entender que a fundamentação mínima exigível para esses actos de liquidação (juros) deve indicar a quantia sobre a qual os mesmos incidem, o período de tempo considerado para a liquidação e a taxa ou taxas aplicadas, com menção desses elementos no próprio acto de liquidação ou por remissão para documento anexo – vd. ac. do Supremo Tribunal Administrativo de 03/09/2016, tirado no proc.º 0805/15.

Vertendo aos autos, constata-se (cf. ponto 15. do probatório), que a demonstração de liquidação dos juros menciona o motivo da liquidação (ter havido retardamento da liquidação de parte ou da totalidade do imposto por facto imputável ao sujeito passivo (art.º 91.º do CIRS e 35.º da LGT), o imposto e montante em falta sobre que incidem os juros, o período de cálculo, a taxa aplicável e o valor dos juros.

No que respeita ao juízo de culpa, seja na modalidade de dolo, seja na modalidade de negligência, ele radica no próprio apuramento tardio do imposto entendido em falta, por actuação reprovável do sujeito passivo consubstanciada em erros, inexactidões ou omissões declarativas.

Assim, quer na liquidação do imposto, quer na liquidação dos juros compensatórios, está cumprida a função essencial da fundamentação, que é a de dar a conhecer ao administrado as razões da decisão, permitindo-lhe optar esclarecidamente pela aceitação do acto ou pela sua impugnação contenciosa, improcedendo este segmento do recurso.

Também não colhe a preterição da audição prévia quanto à liquidação dos juros compensatórios. Como se deixou consignado no ac. deste TCAS, de 11/11/2008, proferido no proc.º 02020/07, «É que, como acima se deu conta, a culpa é um conceito de direito a extrapolar da factualidade adequada e pertinente, pelo que o afastamento da mesma passa pela demonstração da falta de aderência à realidade daquela em que a entidade liquidadora estriba aquele juízo conclusivo, pela sua inadequação a tal efeito desde logo pela justificação relevante susceptível de a excluir.
Ora, no caso dos juros compensatórios (…), a factualidade em que há-de radicar o juízo de culpa, não pode ser outra que não aquela que subjaz ao apuramento de imposto entendido em falta, na exacta medida em que se integram neste, nos termos do n.° 8, do art.° 35.° da LGT.
Mas, assim sendo, se por um lado é inexorável que, ao contribuinte tem de ser facultado o exercício do direito de audição, antes da liquidação de juros compensatórios, sob pena de invalidade deste acto final, é igualmente axiomático que o exercício desse direito se satisfaz, no que à culpa diz respeito, com o facultar-lhe o exercício desse mesmo direito antes da liquidação do imposto a que se reportam os JC's, já que será aí que ele terá de contestar a aderência á realidade, ou justificação, das circunstâncias de facto que podem constituir o fundamento daquele juízo de censura.» .
Ora, "in casu", está demonstrado que aos Recorrente foi facultado o direito de audição, com a notificação que lhe foi feita das correcções de imposto sobre que incidiram os juros compensatórios liquidados, pelo que nenhuma outra notificação lhe tinha de ser feita a facultar-lhe o exercício de audição prévia, por referência, especificamente, à liquidação dos juros compensatórios, pois como se refere no mesmo acórdão «…é igualmente sabido que, no que se refere à taxa, à base de cálculo e ao período de tempo a que se referem os juros, nenhuma margem de liberdade é dada à actuação da Administração Tributária, entendendo-se, por conseguinte e no que a estes fundamentos diz respeito, que não assiste ao sujeito passivo o direito de audição prévia, antes da liquidação dos juros compensatórios».

Improcede este segmento do recurso.

Coisa diferente, é saber se a fundamentação do acto tem aderência à realidade ou, enferma de erro nos pressupostos.

A propósito, alegam os Recorrentes que a aquisição do direito imobiliário alienado resultou de sucessivas transmissões mortis causa e não unicamente por morte de E…., participado em 06-1995. E que, o facto aquisitivo relevante não são essas transmissões mortis causa, mas sim a constituição em propriedade horizontal do prédio sobre que incide o direito alienado (quota de 50%).

Sucede, porém, que a sentença deu por «não provados» os factos alegados e a decisão de facto não foi eficazmente impugnada, isto é, com estrita observância dos ónus impostos ao recorrente no art.º 640.º, n.º 1 do CPC.

Nem venham os Recorrentes alegar preterição do inquisitório. Com efeito, como a sentença refere na motivação da decisão de facto, «Os factos não provados resultam de não ter sido produzida qualquer prova que os demonstrassem, designadamente, não obstante, os impugnantes terem alegado que a natureza jurídica do prédio alienado foi alterada, tendo sido constituído em propriedade horizontal (artigo 44.º e 46.º da PI), protestando juntar documentos, o certo é que não juntaram aos autos qualquer documento de prova, nem mesmo depois de notificados para tal e de ter havido uma insistência da parte do Tribunal, vieram aos autos juntar tais documentos», o que afasta qualquer preterição invalidante do dever do inquisitório imposto ao juiz no art.º 13.º do CPPT.

Outrossim, não colhe o argumento de que os elementos probatórios à demonstração da realidade alegada (constituição do prédio em propriedade horizontal e transmissão sucessiva mortis causa do direito imobiliário), estão em poder da Administração tributária. Para tanto, era necessário que os Recorrentes identificassem concretamente que informação, declaração ou participação fizeram à AT relativamente às alegadas transmissões mortis causa ou à modificação da realidade matricial do prédio, como demanda o art.º 74.º, n.º 2 da LGT: «Quando os elementos de prova dos factos estiverem em poder da administração tributária, o ónus previsto no número anterior considera-se satisfeito caso o interessado tenha procedido à sua correcta identificação junto da administração tributária».

Assim vistas as coisas, é manifesto que os Recorrentes não fizeram prova da modificação da realidade do prédio que alegam, nem que adquiriram a quota parte do prédio sobre que recai o direito alienado por sucessivas transmissões mortis causa. Nessa medida, a decisão de reclamação graciosa que, com os mesmos pressupostos, confirmou o acto de liquidação reclamado, não enferma da ilegalidade formal e material que lhe vem assacada, sendo certo que os vícios invalidantes da decisão de reclamação não contagiam a validade do acto primário.

E na falta daquela prova, nada há para censurar na sentença recorrida que validou a correcção da AT na base da liquidação do imposto e juros compensatórios.

O recurso não merece provimento.

IV. DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas a cargo dos Recorrentes.

Lisboa, 24 de Janeiro de 2024


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Vital Lopes



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Jorge Cortês



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Patrícia Manuel Pires