Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2992/12.8BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:02/04/2021
Relator:DORA LUCAS NETO
Descritores:DISCIPLINAR;
ACUSAÇÃO;
NULIDADE INSUPRÍVEL;
ED2008.
Sumário:A acusação disciplinar é nula por violação do n.º 1 do art. 37.º da Lei n.º 58/2008, de 09.09. (ED2008), por ausência de identificação concreta e especificada dos factos imputados ao arguido, em virtude de conter no seu texto, a referência a algumas situações, o que não permitiu ao arguido identificá-las e contestá-las.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

R..., interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, de 15.06.2020, que julgou improcedente a ação administrativa especial por si intentada contra o Instituto do Emprego e Formação Profissional, IP, com vista à impugnação da deliberação do respetivo Conselho Diretivo, de 31.07.2012, que lhe determinou a aplicação da pena disciplinar de despedimento.

Nas alegações de recurso que apresentou, o Recorrente culminou com as seguintes conclusões – cfr. fls. 392 e ss., ref. SITAF:

«(…)

1ª - Ainda que a omissão de publicação de actos e contratos na internet constitua infracção disciplinar, nada permite concluir que o comportamento do Autor fosse doloso, ignorando-se as circunstâncias, alheias ou não à sua vontade, que motivaram esta situação.

2ª - nos termos do art.° 18, n° 1 do ED as penas de demissão e de despedimento por facto imputável ao trabalhador são aplicáveis apenas no caso de infracção que inviabilize a manutenção da relação funcional, pelo que nunca esta situação poderia justificar a demissão do Autor.

3ª - Relativamente aos contratos celebrados com a mulher do Autor ou com a sociedade “L...”, de que esta é sócia, sustenta a sentença que os artigos 44° e 45° do CPA, ao estabelecerem os impedimentos, contêm “uma presunção absoluta de parcialidade”, isto é, a intervenção do Autor “justifica uma presunção legal absoluta de contaminação da decisão final”, pelo que não seria necessário provar, em concreto, uma atuação parcial do Autor, bastando a verificação objectiva da situação de impedimento.

4ª - A violação do impedimento, podendo constituir um princípio de dúvida quanto à imparcialidade da pessoa impedida, nunca pode constituir a “prova provada” da parcialidade, sob pena de subverter totalmente o princípio da presunção de inocência.

5ª - A acusação fazia menção a “situações em que as facturas e contratos teriam data anterior à cabimentação”, o que o Autor considerou consubstanciar uma insuficiência de alegação fáctica que impediu a sua cabal defesa.

6ª - Deveria a acusação ter identificado as facturas e contratos a que se referia, bem como as datas respectivas, discriminando, um por um, com identificação das circunstâncias de modo, lugar e tempo, os factos imputados ao arguido.

7ª - Para desconsiderar esta nulidade processual refere-se na sentença que o arguido, na sua resposta, “compreendeu e captou todo o circunstancialismo factual que lhe foi imputado”, na medida em que, na respectiva resposta, refere que “o facto de o processo só ser conhecido por via da receção da factura ou do contrato é neutro quanto à imputação de responsabilidades”.

8ª - Esta afirmação não permite concluir, como faz a decisão recorrida, que o arguido se apercebeu dos factos que lhe eram imputados, uma vez que este se limitou a manifestar o entendimento de que, independentemente da ausência de alegação de factos concretos, a afirmação abstracta de que processo só era conhecido aquando da receção da factura, era irrelevante sob o ponto de vista disciplinar.

9ª - Entende ainda a decisão recorrida que a circunstância de o arguido ser o sócio de uma sociedade unipessoal que se dedica à elaboração de programas de computadores consubstanciaria uma acumulação não autorizada de funções privadas com as funções públicas.

10ª - As situações previstas nos números 2 e 3 do artigo 28.° da Lei n° 12- A/2008, não se verificam uma vez que a elaboração de programas de computador em nada é concorrente ou similar às actividades levadas a cabo pelo IEFP, não existindo qualquer identidade de conteúdo.

11ª - A alínea c) do n° 4 do artigo 28° não tem igualmente aplicação uma vez que a elaboração de programas de computador é insusceptível pôr em causa a isenção ou imparcialidade do Autor.

12ª - por último, também a alínea d) do n° 4 do art.° 28° é igualmente inaplicável uma vez que não existe qualquer prejuízo que, em abstracto, possa ser provocado pelo exercício da actividade de elaboração de programas de computador.

12ª - Para sustentar a sua posição a sentença recorrida refere o “pagamento efetuado em 15 de fevereiro de 2011, pela entidade P..., SA à S... e a prestação de serviços por esta àquela”, que seria “suscetível de colidir com o exercício das funções públicas do Autor, pois ainda que o conteúdo funcional daquelas atividades não seja similar, as mesmas têm o mesmo círculo de destinatários, comprometendo os deveres de isenção e imparcialidade”.

13ª - Parece que a sentença recorrida confunde duas realidades, já que uma coisa é saber se, face à Lei, a acumulação de funções por parte do Autor era ilegal, e outra, bem distinta, é saber, não obstante a acumulação ser legalmente possível, se o recebimento da quantia de € 1.000,00 por parte de um fornecedor do IEFP consubstancia um ilícito disciplinar.

14ª - A este propósito nada se pode concluir, nem nada foi alegado sobre os prejuízos ou violação do dever de imparcialidade do Autor, pelo que esta situação carece de relevância disciplinar.

Ao decidir em desconformidade com as conclusões acima enunciadas a sentença recorrida fez uma incorreta interpretação da Lei, nomeadamente do disposto nos artigos 44° e 45° do CPA e do art.° do artigo 28.° da Lei n° 12-A/2008, pelo que deve ser revogada.»

O Recorrido Instituto do Emprego e Formação Profissional, IP (IEFP), contra-alegou, tendo concluído como se segue - cfr. fls. 409 e ss., ref. SITAF:
«(…)
i. Vem o presente recurso interposto da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que considerou que o ato administrativo, proferido pelo Conselho Diretivo do IEFP, I.P., de aplicar, ao Recorrente, a pena única de despedimento, não enferma de qualquer invalidade, julgando a ação administrativa improcedente.
ii. 0 IEFP, I.P. dá aqui por totalmente reproduzidas a factualidade e a sua subsunção ao direito efetuadas na sua contestação e processo administrativo, bem como o teor da sentença do tribunal recorrido, que desde já se louva.
iii. Quanto à omissão da publicação de atos e contratos, constitui jurisprudência pacífica e uniforme “que não se deve manter a relação funcional sempre que os factos cometidos pelo arguido, avaliados e considerados no seu contexto, impliquem para o desempenho da função prejuízo de tal monta que irremediavelmente comprometa o interesse público que aquele deve prosseguir, designadamente, a eficiência, a confiança, o prestígio e a idoneidade que deva merecer a ação da Administração de tal modo que o único meio de acudir ao mal, seja a ablação do elemento que lhe deu causa.”
iv. Na infração em apreço, omissão da publicitação de atos e contratos, de acordo com o disposto no artigo 127° do Código dos Contratos Públicos à data vigente, para além da obrigatoriedade da publicitação dos contratos no portal da Internet dedicado aos contratos públicos (www.base.gov.pt), tal publicitação é condição de eficácia dos respetivos contratos, nomeadamente para efeitos de quaisquer pagamentos.
v. Por conseguinte, o reiterado incumprimento da obrigação legal de publicitação dos contratos outorgados pelo Recorrente., enquanto titular do cargo de Diretor do D..., comportou uma violação grave e grosseira dos seus deveres profissionais de prossecução do interesse público, de zelo e de lealdade, bem como do princípio da legalidade a que devem obedecer a atuação dos órgãos administrativos e os atos praticados pelos seus titulares.
vi. Nestes termos, no exercício do seu cargo de máximo responsável pela atividade e gestão do D..., não só sabia, como era sua obrigação saber, que a celebração de contratos de aquisição de bens e serviços tinha de ser publicitada no portal da Internet dedicado aos contratos públicos, sem a qual, aliás, ficavam os mesmos desprovidos de eficácia, nomeadamente para efeitos de quaisquer pagamentos, nenhuma relevância jurídica assumindo a invocação de um pretenso ‘desconhecimento’ das regras legais, regulamentares e instruções superiores sobre a matéria.
vii. De acordo com o preceituado no n.° 1 do artigo° 3 do ED, constituem elementos típicos da infração disciplinar o facto ilícito e a culpa: o facto ilícito é a conduta concreta (ação ou omissão) do agente violadora de deveres profissionais seus e a culpa consiste na censura ético-jurídica atribuída a essa conduta.
viii. O desconhecimento dos deveres a que o Autor estava obrigado enquanto funcionário, nomeadamente os tocantes à celebração de contratos de aquisição de bens e serviços, obrigatoriamente publicitados no portal da Internet dedicado aos contratos públicos, não o isentavam de responsabilidade disciplinar pelo seu incumprimento, e não exclui a mera culpa, o que é suficiente para se verificar a infração disciplinar (cfr., também, o disposto no artigo 6° do Cód. Civil, quando dispõe que “a ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas”).
ix. Nestes termos, e atendendo aos pressupostos de facto e de direito desta infração disciplinar específica, pela qual o Recorrente foi punido, a par das restantes infrações que, conjugadas, inviabilizaram a manutenção da relação funcional, fica demonstrado que a sanção aplicada de despedimento não merece qualquer censura.
x. Quanto à omissão da declaração de impedimentos foram dados como provados nos autos que a entidade L... foi criada em 2010, sendo sócia da mesma A..., companheira/esposa do Recorrente, com residência conjunta, sendo que, em 2010, a L..., foi a entidade com valores mais altos pagos, pelo D....
xi. As informações de autorização do procedimento e da despesa, que constam dos processos de aquisição de bens/serviços a esta empresa, estão autorizados pelo Recorrente, bem como os contratos assinados com a L..., sendo que, o D... pagou, nos anos de 2010 e 2011, à entidade L..., um total de 469.042,03€ [215.178,46€ em 2010 e 253.863,57€ em 2011) e em 2011, foi pago a esta entidade 135.555,41€ só pela aquisição de materiais, através de Expediente Administrativo 1, ou seja, não registado em SIG0FA e sem controle de limites.
xii. De referir, ainda, que em 2011, o D... pagou, também, a A..., o montante de 10.942,08€ [valor bruto) pela prestação de serviços como formadora, contratações que foram também autorizadas e assinadas pelo Recorrente.
xiii. Per si, esta factualidade encerra, desde logo, um juízo de parcialidade, que cujo escopo dos artigos 44° e 45° do CPA de 1991 pretende impedir.
xiv. A concretização do princípio constitucional da prossecução do interesse publico pela Administração Publica encontrava-se espelhada, designadamente, nos já aludidos 44° e 45° do CPA de 1991, i.e., perante uma situação de eminente imparcialidade, impedia a intervenção dos titulares de órgão ou agentes da Administração Pública em procedimento administrativo, ou em ato, ou contrato de direito público ou privado da Administração Pública, sem antes arguir e declarar tal impedimento, tendo por cominação a prevista no n.° 2 do artigo 51° do mesmo compêndio normativo: "Aomissão do dever de comunicação a que alude o artigo 45°, n° 1, constitui falta grave para efeitos disciplinares".
xv. O facto do seu cônjuge ser sócia da sociedade L..., é por si só, este, o interesse direto e pessoal que o Autor tem na escolha dos procedimentos contratuais ou de ajuste direto em que participe, que determina o impedimento que impende sobre o Autor em não intervir nos mesmos, de modo a garantir a objetividade e utilidade pública da decisão administrativa em vista da melhor prossecução do interesse público, e por outro lado, de assegurar a imparcialidade e a transparência dessa decisão, face àqueles que nela estão interessados e face à coletividade administrativa em geral.
xvi. Daí que, sendo o cônjuge, o Autor encontrava-se impedido legalmente de intervir em qualquer procedimento contratual em que essa empresa fosse interessada.”
xvii. Perante a possibilidade, ainda que hipotética, de existir uma forte probabilidade de parcialidade ou uma impossibilidade de imparcialidade, deveria o Recorrente arguir o impedimento, com base nos preceitos do CPA, porquanto, os mesmos estabeleciam uma presunção absoluta de parcialidade que, in casu, é por demais evidente, cuja gravidade, face a factualidade descrita, não necessita de mais probatório, nem colide com o princípio da presunção da inocência.
xviii. No que concerne à falta de audiência do arguido, decidiu a sentença recorrida, em termos que se acompanham, na integra, que “lida e analisada devidamente a acusação que foi movida contra o Autor, ali arguido, e todos os documentos de suporte da mesma, temos que se mostram suficientemente individualizados os factos ilícitos que ao mesmo são imputados, não encerrando, por conseguinte, a alegação ali desenvolvida qualquer articulação conclusiva, genérica e/ou abstrata quanto às circunstâncias de facto nas quais se estriba o ilícito disciplinar (concretizadas pelo modus operandi, pela indicação cabal das circunstâncias de modo, tempo e lugar em que os factos ocorreram), no que se traduziu num efetivo respeito pelo direito de audiência e defesa do arguido.”
xix. Com efeito, ao arguido foi permitido, concreta e seguramente, identificar todas as infrações que lhe foram imputadas, inexistindo qualquer restrição ao e no exercício do direito de defesa por parte do Autor, realidade que se mostra claramente espelhada pela leitura da resposta apresentada em sua defesa quando confrontado com a acusação e da qual se infere que o mesmo compreendeu e captou todo o circunstancialismo factual que lhe foi imputado, impugnando e apresentando defesa relativamente aos factos nos quais se funda a acusação, nomeadamente referindo que “o facto de o processo só ser conhecido por via da receção da fatura ou do contrato é neutro quanto à imputação de responsabilidades, a não ser que se entenda que o arguido é responsável por tudo o que acontece no IEFP e no mundo (£)”. Mais referiu o Autor que se trata de matéria irrelevante sob o ponto de vista disciplinar, demonstrando claramente saber dos factos que estaria a ser acusado e apresentando a defesa que lhe pareceu mais indicada.
xx. Acresce que, como foi aludido pelo IEFP, I.P. na sua contestação, as situações detetadas encontram-se identificadas e discriminadas no Anexo 7 do Relatório de AT [a fls. 109 a 113, pasta 1 do p.d.].
xxi. Assim, tais situações referem-se aos casos discriminados no Anexo 7 do Relatório de AT, que são a identificação de algumas das situações detetadas na prática corrente e generalizada da contratação pública efetuada sob a gestão do Recorrente, realizada na base dos seus “conhecimentos pessoais”, e não segundo as regras legais e procedimentos normativos aplicáveis, atuando enquanto dirigente máximo da unidade orgânica local do IEFP, I. P. com desrespeito grosseiro pelos deveres profissionais de isenção, imparcialidade e lealdade, que o Recorrente considerou, na sua defesa, “matéria irrelevante sob o ponto de vista disciplinar”.
xxii. Nestes termos, nem a Acusação é nula nesta parte, nem, a este respeito, a sentença recorrida merece reparo, considerando que o Recorrente nem pôs em causa a veracidade dos factos em causa dados como provados no procedimento disciplinar e elencados no respetivo Relatório Final e que consubstanciam infrações disciplinares graves, por violação grosseira e culposa dos mencionados deveres profissionais.
xxiii. No que respeita a acumulação de funções, importa salientar os factos dados como provados na sentença recorrida, designadamente que em 29 de novembro de 2005 foi criada a sociedade unipessoal por quotas “S... - Produtos e Serviços Informáticos, Unipessoal Lda.”.
xxiv. Esta sociedade tem por objeto a elaboração e comercialização de programas informáticos e recursos didáticos e outros serviços de informática e consultadoria prestados a empresas e particulares, tendo como único sócio R..., ora Recorrente, que é também gerente da mesma.
xxv. À entidade "P..." foram efetuados pagamentos, pelo D..., nos 4 anos em análise (2008 a 2011), sendo que a “S...” prestou serviços a “P...”, uma das sociedades que maior volume de negócios teve com o D..., conforme justificação do Recorrente face a transferência bancária realizada em 15-02-2011, no valor de € 1.000, da “P...” a favor da “S...”.
xxvi. a Lei n° 12-A/2008, de 27 de fevereiro, diploma que que regula os regimes de vinculação de carreiras e de remunerações dos trabalhadores da Administração Pública, vem estabelecer no seu artigo 26° que “as funções públicas são, em regra, exercidas em regime de exclusividade”.
xxvii. Significa tal que, qualquer trabalhador vinculado à Administração Pública, apenas poderá exercer as funções para que foi nomeado, contratado ou designado em comissão de serviço, não podendo ter qualquer outro emprego público ou privado, exceto se houver lei a prever essa possibilidade e for autorizado a fazê-lo por parte da entidade pública para a qual presta trabalho.
xxviii. Considera a lei ainda que são concorrentes ou similares as atividades privadas que tiverem um conteúdo idêntico à pública exercida de forma permanente ou habitual e que é conflituante quando se dirige ao mesmo círculo de destinatários da atividade pública desenvolvida pelo trabalhador.
xxix. Mas, ainda que não sejam concorrentes nem conflituantes, será proibida a acumulação sempre que forem desempenhadas atividades, entre outras: “Que comprometam a isenção e a imparcialidade exigidas pelo desempenho das funções públicas”, donde, basta a verificação de qualquer uma das situações acima enunciadas para a acumulação da atividade privada ser proibida.
xxx. Preceituava o n.° 1 do artigo 29° deste diploma que a acumulação de funções nos termos previstos nos artigos 27.° - Acumulação com outras funções públicas - e 28° - Acumulação com funções privadas - dependia de prévia autorização da entidade competente.
xxxi. Sucede que o Recorrente nunca solicitou superiormente tal acumulação de funções, que permitisse ao IEFP, I.P., verificar se as mesmas poderiam ser suscetíveis de provocar prejuízos para o interesse público, ou para os direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, por forma a acautelar que, no exercício das suas funções, fossem respeitados os princípios da igualdade, proporcionalidade, justiça, imparcialidade e boa fé que devem nortear a atuação da Administração Pública
xxxii. Porquanto, não só não há autorização, como fica irremediavelmente comprometida a isenção e transparência que a sociedade da qual o Recorrente e ex-Dirigente do D... é o único sócio e gerente, ao prestar serviços informáticos a uma empresa que presta serviços ao D..., conforme demonstrado nos autos.
xxxiii. Face à factualidade exposta e a sua consonância com os normativos legais à data em vigor, identificadas as infrações disciplinares, comprovada a conduta muito grave e culposa Recorrente, a violação verificada dos deveres de isenção, zelo, lealdade, obediência e, reflexa e mediatamente, de prossecução do interesse público, bem como a postergação do princípio da boa-fé, inviabilizaram a manutenção da relação funcional, bem como comprometeram de forma completa e irremediável a confiança, o prestígio e a idoneidade que deve merecer a atividade do IEFP, I. P. e, por conseguinte, o que justificou a aplicação da pena de despedimento. (…)».

Neste tribunal, o DMMP, não emitiu parecer.

Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.

I. 1. Questões a apreciar e decidir

As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento:

i) ao ter considerado como infração disciplinar a sua omissão de publicitação de atos e contratos na internet, ao abrigo do n.° 1 do art. 3° do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei n.°58/2008, de 09.09. (ED2008), por considerar como tal «o comportamento do trabalhador, por ação ou omissão, ainda que meramente culposo, que viole deveres gerais ou especiais inerentes à função que exerce»;

ii) ao ter considerado que os art.s 44.º e 45.º, do CPA1991, contêm «uma presunção absoluta de parcialidade», isto é, que a intervenção do Recorrente «justifica uma presunção legal absoluta de contaminação da decisão final», motivo pelo qual não entendeu ser necessário provar, em concreto, uma atuação parcial do mesmo, bastando a verificação objetiva da situação de impedimento;

iii) ao não ter considerado que a acusação lavrada no procedimento em apreço é nula por padecer de insuficiência de alegação fáctica que terá comprometido indelevelmente a sua defesa;

e, por fim,

iv) ao ter considerado infração disciplinar a circunstância de o Recorrente ser o sócio de uma sociedade unipessoal que se dedica à elaboração de programas de computador, por tal atividade ser concorrente ou similar às atividades levadas a cabo pelo IEFP, além de consubstanciar uma acumulação não autorizada de funções privadas com as funções públicas.

II. Fundamentação

II.1. De facto

A matéria de facto constante da sentença recorrida é aqui transcrita ipsis verbis, acrescentando-se apenas, no facto n.º 10, parte da acusação proferida no procedimento disciplinar em apreço, com particular interesse para a decisão a proferir no âmbito do presente recurso:
«(…)
1. R..., encontra-se vinculado por contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, com a categoria de Técnico Superior, e a exercer o cargo de Diretor do D..., em regime de Comissão de Serviço - facto não controvertido e pasta 2 parte III - sem numeração;
2. Em 12/02/2010, foi celebrado contrato de aquisição de Serviços e Formação, por ajuste direto sem consulta, pelo preço de € 1960,00, entre o IEFP, IP, representado por R..., e A... - cfr. PA, pasta 1, parte II - sem numeração;
3. Em 21/05/2010, foi celebrado contrato de aquisição de Serviços e Formação, por ajuste direto sem consulta, pelo preço de € 2.035,20, entre o IEFP, IP, representado por R..., e A... - cfr. PA, pasta 1, parte II - sem numeração;
4. Em 31/05/2010, foi celebrado contrato de aquisição de Serviços e Formação, por ajuste direto sem consulta, pelo preço de € 2.035,00, entre o IEFP, IP, representado por R..., e A... - cfr. PA, pasta 1, parte II - sem numeração;
5. Em 30/06/2010, foi celebrado contrato de aquisição de Serviços e Formação, por ajuste direto sem consulta, pelo preço de € 2.035,20, entre o IEFP, IP, representado por R..., e A... - cfr. PA, pasta 1, parte II - sem numeração;
6. De 01/01/2011 a 31/12/2011, foram realizadas várias despesas, em nome de A..., no montante do total de 10.942,08 - cfr. PA, pasta 1, parte II - sem numeração;
7. Em 16/02/2012, por Despacho do Presidente do Conselho Diretivo do IEFP, IP, foi determinada a realização de uma Averiguação Técnica ao D... - Anexos 1 do Relatório de Averiguação Técnica, pasta I parte V do PA;
8. Em 17/05/2012, foi deliberado pelo Conselho Diretivo do IEFP, a instauração de procedimento disciplinar ao Autor, com intenção de despedimento, e a sua suspensão preventiva com efeitos imediatos, até decisão do procedimento disciplinar, mas por um prazo não superior a 90 dias - cfr. PA, pasta 1, parte V - sem numeração;
9. Em 31/05/2012, foi proferido Ofício pelo IEFP, dirigido ao Autor, com intenção de o notificar da abertura de processo disciplinar a correr contra si - cfr. PA, pasta 1, parte IV - sem numeração;
10. Em 20/06/2012, o Autor foi notificado da acusação em processo disciplinar, tendo- lhe sido concedido o prazo de 10 dias úteis para apresentar a sua defesa, e da qual constava, nomeadamente, o seguinte "[2. "Quanto aos processos incorretamente classificadas no Expediente Administrativo 1 em SIGOFA"
a. Os processos eram efetuados no modulo GAT-CP (de cabimentação, processamento, e pagamento) com expediente administrativo 1 e não no Módulo de Compras.
b. Em algumas situações a existência de faturas e contratos com data anterior à cabimentação e compromisso deveu-se ao facto do Núcleo de Gestão só ter conhecimento do processo aquando da receção da fatura, logo tinha que fazer a recuperação do processo e a elaboração das peças processuais, com data posterior.
c. Ou seja, algumas ações de formação iniciavam sem estarem os processos de aquisição desenvolvidos, tendo forçosamente que fazer-se a instrução do processo (administrativa e financeira) em fase posterior (situação esta assinalada à Unidade de Formação e à Direção) (...) IV - Conclusão. Os factos aqui em causa correspondem ao incumprimento simultâneo de vários deveres funcionais, concretizados no desrespeito e desinteresse pelo trabalho em si e pela confiança dos superiores hierárquicos. No entanto atendendo ao consagrado no n.º 3, do art.º 9.° do ED “Não pode ser aplicada mais de uma pena por cada infração, pelas infrações acumuladas que sejam praticadas num único processo ou pelas infrações apreciadas em processos apensados” 38° Destarte o arguido não ter nenhum registo disciplinar, é casuisticamente circunstância agravante especial da infração disciplinar a acumulação de funções, sendo que nos termos do art.º 24° n.° 2 do ED “ esta ocorre quando duas ou mais infrações são cometidas na mesma ocasião” 39° Estas condutas, reveladoras de gravíssimo desinteresse pelo trabalho e pela instituição e violadoras do dever de isenção e lealdade, dos deveres de zelo, obediência da prossecução do interesse público, e do princípio da Boa-fé, são culposas e graves em si mesmas e nas suas consequências, tornando inviável a manutenção da relação funcional, em virtude da rutura, irremediável, completa e definitiva que o IEFP, IP mantinha no Arguido. 40° Assim, nos termos do n.° 1 do artigo 41°, conjugado com o n° 3,do artigo 40°, foi instaurado o presente procedimento disciplinar na forma comum, com intenção de proceder ao despedimento do Arguido, por factos a si imputados, posto que ficou completa e irremediavelmente comprometida a relação fiduciária entre ambos os sujeitos laborais, bem como o prestígio e a idoneidade que deve merecer a atividade da Administração Pública, em geral e do IEFP, em particular.(...) - cfr. PA, pasta 1, parte III - sem numeração;

11. Em 05/07/2012, o Autor apresentou a sua defesa, da qual constava, nomeadamente, o seguinte "(...) 1. Começa por ser imputado (...) ao arguido o facto de só em 2012, por orientação proveniente da DL-DFI, ter solicitado à INCM o pedido de registo ao sistema de autenticação e o pedido de adesão para efeitos de publicitação no portal dedicado aos concursos públicos.
2. A verdade, é que obrigação de publicitação ao nível da internet vigora desde 30 de julho de 2008, isto é, cerca de um ano e meio antes da tomada de posse do arguido, ocorrida em 29/12/2009.
3. Como tal o arguido não sabia, nem devia saber que, se havia sido implementado este mecanismo.
4. Aliás, podemo-nos perguntar sobre a razão porque a DL-DFI só deu orientações a este nível em 2012, sendo certo que, até lá, vigorou o mandato do anterior diretor um ano e meio e do signatário durante dois.
5. Por outras palavras, se houve um deficiente funcionamento do sistema a verdade é que o mesmo não pode ser imputado ao arguido, mas a quem, na altura própria, não adaptou o funcionamento d o IEFP aos novos mecanismos legais.
6. Imputa-se, igualmente ao arguido (...) que os processos eram efetuados no módulo GAT-CP como expediente administrativo 1 e não no módulo de compras.
7. Esta acusação é surpreendente.
8. Em primeiro lugar porque esta classificação não era da competência do signatário, que não dispõe de conhecimentos nesta matéria, cabendo tal tarefa à coordenação da gestão.
9. Em segundo lugar porque sempre foi esta a prática seguida ao nível do IEFP, pelo menos nos últimos 5 anos.
10. Aliás, não deixa de provocar perplexidade que comportamentos que ocorreram ao longo de anos só tenham passado a constituir violações dos deveres funcionais quando o arguido os praticou.
11. Até então tudo era pacífico.
12. No artigo 6.º, b e c) alega-se que teriam existido situações em que as faturas e contratos teriam data anterior à cabimentação, o que seria motivado pelo facto de o núcleo de gestão só ter conhecimento do processo aquando da receção da fatura.
13. Sobre esta matéria apenas se dirá que a referência a algumas situações não permite ao arguido identifica-las e contestá-las.
14. Por outro lado, o facto de o processo só ser conhecido por via da receção da fatura ou do contrato é neutro quanto à imputação de responsabilidades, a não ser que se entenda que o arguido é responsável por tudo o que aconteceu no IEFP e no mundo.
15. Consequentemente trata-se de matéria irrelevante sob o ponto de vista disciplinar.
16. No que respeita ao alegado fracionamento da despesa de modo a subtraí-los aos limites máximos de autorização de despesa [art. 6.º 3] haverá que esclarecer que não cabia ao arguido escolher os materiais até porque, em muitos casos, não dispunha de conhecimentos técnicos para o efeito.
17. Por isso mesmo é que, nomeadamente, solicitou aos coordenadores de manicura, estética, e cabeleireiros que elaborassem o elenco de materiais.
18. Por outro lado, é lamentável que se venha imputar ao arguido responsabilidades pela pretensa repartição de despesas ao nível dos materiais.
19. Com efeito, até à tomada de posse do arguido a compra dos mesmos era feita mediante uma simples informação do coordenador com base na qual o diretor autorizava a despesa.
20. Foi por iniciativa do arguido que no primeiro trimestre de 2010 ocorreu uma reunião entre a direção da delegação regional os responsáveis da área financeira, nomeadamente a delegada regional Dr.ª C..., o subdelegado regional Dr. V... e o responsável da DLDFI Dr. V….
21. Na dita reunião foi sugerido ao arguido que fossem celebrados contratos autónomos para o fornecimento das salas e materiais, tendo passado a ser essa a prática seguida.
22. Por isso mesmo é de um enorme cinismo vir agora imputar ao arguido pretensas ilicitudes quando as mesmas resultam da orientação que lhe foi transmitida, tanto mais que, anteriormente, como se referiu, a prática consistia em simples autorizações que, pelos vistos, eram e são consideradas legítimas.
23. Imputa-se ainda ao arguido que em todos os caos de ajuste direto apenas era consultado um fornecedor.
24. Sobre esta matéria apenas se dirá que, ainda que não se possa precisar se a situação ocorreu em todos os casos de ajuste direto, a verdade é que sempre foi esta a prática seguida pelo Centro durante e antes do mandato do arguido.
25. Independentemente desta questão a verdade é que o art.º 112.º do CCP estabelece que no ajuste direto a entidade adjudicante convida uma ou mais entidades à sua escolha, pelo que se está perante uma decisão inteiramente discricionária no que respeita à determinação do número de entidades a convidar.
26. Não há, pois, qualquer ilicitude na conduta do arguido, sendo igualmente certo que o convite de apenas uma entidade, nada permite concluir em termos de pretensas violações de uma obrigação de isenção.
27. Nada se podendo dizer quanto ao que vem alegado no art.º 8.º 2 da acusação.
28. E sendo totalmente falso o que vem alegado no ponto 3 do mesmo artigo.
29. No artigo 10.° da acusação afirma-se que o arguido, depois de alertado para erros não alterou as irregularidades sumamente descritas no relatório, relativas ao processo d aquisição.
30. Fica-se sem saber quais os erros em questão e quando ocorreram as pretensas chamadas de atenção.
31. De todo o modo, pelas razões acima aduzidas, esta alegação não tem qualquer fundamento.
32. Por outro lado, a imputação de que o arguido teria incorrido na infração correspondente à acumulação de funções privadas não faz qualquer sentido.
33. Com efeito, o princípio constante do art.º 28.° da Lei 12A/2008 é de que o exercício de funções pode ser acumulado com o de funções ou atividades privadas.
34. Por outro lado, não está obviamente em causa, nem a acusação o sustenta, que se verifique alguma das situações previstas no n.° 4 do preceito, isto é, funções legalmente consideradas incompatíveis com as funções públicas, desenvolvidas em horário sobreposto, que comprometam a isenção e a imparcialidade exigidas para o interesse público ou para os direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.
35. Há, pois, que concluir que esta questão é irrelevante sob o ponto de cista disciplinar, jurídico e moral.
36. Já quanto à matéria do art.º14° da acusação haverá que dizer o seguinte:
Quanto aos pontos 1 e 3 ignora o signatário o que esteja em causa bem como as razões dessas que determinam essas pretensas ocorrências que lhe são imputadas;
Quanto aos pontos 2, 4, 6,16, 17, 18 e 19, trata-se de questões já abordadas supra. Quanto ao ponto 5 é ridículo falar em negociação das condições relativas à cedência de salas, uma vez que a prática desde 1998/99, tem sido a do pagamento de valores unitários por sala, idênticos para todos os fornecedores.
Quanto à matéria dos pontos 20.° e 21.° apenas se dirá que a transferência de € 1.000 corresponde a um efetivo serviço de natureza informática prestado pelo arguido.
Se algo houvesse de menos claro, não teriam os intervenientes optado por esta forma de pagamento que fica documentada e é facilmente comprovada.
Por outro lado, é intelectualmente desonesto dizer que a sociedade P... foi uma das que teve maior volume de negócios, em termos absolutos e relativos, desta entidade nos períodos anteriores.
Quanto à matéria do ponto 15° haverá que refletir que a maioria dos pagamentos efetuados à Professora A... decorreram de contratos adjudicados antes do mandato do signatário, até porque a mesma já prestava serviços ao IEFP há mais de 10 anos.
Independentemente deste apeto a verdade é que o arguido, por usa própria iniciativa, determinou a cessação da colaboradora da formadora em março de 2011 quando a detetou.
Por último, e quanto à matéria dos pontos 9, 13 e 14 haverá que dizer se ignora se os dados aí referidos são exatos, sendo certo que a Professora A... nunca foi gerente da sociedade L..., não tendo auferido, até à presente data, quaisquer proventos, seja a título de remuneração seja de distribuição de dividendos.
Face ao exposto, carece de fundamento a acusação aduzida (...) - cfr. PA, pasta 1, parte III - sem numeração;

12. Em 26/07/2012, foi elaborado Relatório Final, do qual constava, nomeadamente, a seguinte factualidade: "III - DOS FACTOS. Em função dos documentos e testemunhos obtidos e juntos ao processo no decurso da fase de instrução e acusação do presente Procedimento Disciplinar, apurou-se e apresentou-se como provado o seguinte:
1. O Relatório que fundamenta a abertura do processo disciplinar visou só os anos de 2010 e em especial, 2011 pois, “conforme despacho do Sr. Presidente do Conselho Diretivo do IEFP, IP, datado de 16 de Fevereiro de 2012, a Averiguação Técnica ao Centro de Formação Profissional do Setor Terciário, recaiu sobre os procedimentos e processos de aquisição de bens e serviços dos anos de 2010 e 2011, sendo que o Relatório da mesma menciona especificamente que a análise recai prioritariamente sob o ano de 2011".
2. Este limite temporal foi não só o objeto da Averiguação, como o da própria Acusação, não sendo consequentemente relevante, trazer à colação elementos fora deste contexto que inclusive não permitam comparação.
3. A publicação do Código de Contratos Públicos (CCP) em 2008 e a consequente mudança no ordenamento jurídico que foi sendo progressivamente regulamentada através de Portarias e Circulares institucionais e que, como dirigente deveria ter o cuidado de conhecer e aplicar. De acentuar que o dever de zelo colide diretamente com a prossecução do interesse público, pois no conhecimento e boa aplicação das normas se reflete o sucesso daquele.
4. O cargo de dirigente implica, não a execução das tarefas técnicas, mas a sua fiscalização, controlo e permanente atualização em defesa do bom nome do IEFP, IP, em geral, e do D... em particular.
5. As entidades selecionadas e contratadas para alugueres de espaços e/ou aquisição de materiais, reparações, conservação de bens eram unicamente da competência e responsabilidade da Direção, ou seja, todas as declarações dos diversos inquiridos convergem no seguinte: “é o Diretor do D... que indica os locais para a realização das ações de formação e que negoceia as condições das prestações de serviços referentes a cedência de espaços”.
6. De referir ainda, com extrema importância que, de acordo com o ponto 4.1 do despacho n.º 15185/2011 de subdelegação de competências, publicado no Diário da Republica, 2.ª Série, a 9 de Novembro de 2011, os Diretores de Centro de Formação Profissional apenas tem competência, no âmbito dos respetivos Centros, para “autorizar despesas até ao limite de €25.000 com aquisição de bens e serviço (...).
7. Só após orientações vindas da DL-DFI (2012) é que o arguido solicitou à INCM (Imprensa Nacional Casa da Moeda) o pedido de registo ao sistema de autenticação e o pedido de adesão ao Portal da internet dedicado aos contratos públicos.
8. Significa que até esta data houve incumprimento do dever de comunicar, no Portal dos Contratos Públicos (www.base.gov.pt), informação relacionada com a fase de formação e execução dos contratos públicos celebrados
9. Quanto aos processos referentes a “materiais e reparações /conservação de bens”, dá- se como provado que a maioria destes processos de 2011 eram incorretamente classificados em Expediente Administrativo 1, ou seja que não tiveram o tratamento em SIGOFA exigido pelos normativos internos (Circular Normativa n.° 8/2007 de 27/12 - não tiveram qualquer repercussão no módulo de compras (ou seja, não têm ordem de compra).
10. 0ra o recurso ao expediente administrativo 1 para pagamentos de processos de aquisição referentes a “materiais e reparações /conservação de bens” coloca em causa todo o reporting emitido na área de Compras, tanto ao nível da unidade orgânica local, como ao nível nacional, dado que as adjudicações não são devidamente registadas, nomeadamente:
a) Falha grave na aferição dos limites referidos no art.º 113° do CCP - limite de aquisição por ajuste direto até 75.000,00€, à mesma entidade, no período de 3 anos - atenção que estes limites são aferidos ao nível nacional e estarão assim postos em causa procedimentos noutras unidades orgânicas que recorram às mesmas entidades;
b) Os contratos não constam do report anual a efetuar junto do Tribunal de Contas.
11. Na reunião ocorrida na Delegação Regional, em 2010, foram efetivamente dadas instruções ao arguido para que fossem celebrados contratos autónomos para o fornecimento de salas e materiais, em completo cumprimento de toda a legislação e regulamentação interna em vigor à data, instruções que permanecem atuais com a recente publicação da Orientação Técnica n.° 4/DFC/2012, de 29 de Maio. De facto, nos termos do n.° 2, al. c) “(...) sempre que a contratação de espaços implique, de algum modo, também o fornecimento de materiais necessários ao desenvolvimento das ações de formação profissional (p. ex. tintas para cabelo), a aquisição dos materiais deverá ser autonomizada”.
12. No entanto, facto diverso foram as práticas identificadas pela DL-DFI, que em nada decorrem das instruções dadas, as quais justificaram as comunicações remetidas ao DL- FST em 2012-02-13 e 2012-02-16, a saber:
Pagamentos relacionados com aquisição de matérias-primas, não suportados em processo de aquisição (ou seja, e conforme pontos 10 e 11 “Dos Factos”, registados em Expediente 1)
Contratos celebrados com a mesma entidade, para o mesmo fim (todos para serviços), com datas de abertura muito próximas pelo que, sem prejuízo de melhor opinião, a sua necessidade seria antecipável e muitos no limiar da competência subdelegada do Diretor do D... (€ 25.000)
13. A maioria das ações de formação iniciava sem estarem os processos de aquisição desenvolvidos e tinham os mesmos que ser formalizados a posteriori - faturas e contratos com data anterior à cabimentação estão exaustivamente mencionadas no Relatório de Averiguação Técnica - AJA nomeadamente no anexo n.º 4, 5 e 7 desta, bem como nos autos de inquirição de M... (pág. 80); M..., (pág. 83); e Dr. P..., (pág. 95 e 96).
14. Foram juntos aos autos exemplos de pagamento de materiais, por ação de formação, que eram faturados e pagos pelo valor total do contrato, no início da vigência do mesmo, sendo que esses materiais (já pagos) apenas são disponibilizados ao longo da vigência daquele, que se prolonga por mais do que um ano.
15. Ou seja, o D... paga as faturas referentes a materiais sem que seja efetuada a receção qualitativa ou quantitativa dos materiais adquiridos (os materiais apenas eram disponibilizados ao longo do decurso da ação de formação), incumprindo, assim, com a Circular Normativa n.° 1/2009, de 05/01/2009 - Manual de Processos e Procedimentos e Manual das Políticas de Gestão das USP na área Administrativa - Aquisições - nomeadamente o ponto 2.10 - "Receção de Aquisições" do Anexo 1 da Circular. Incumpre, ainda, com a Circular Normativa n.° 8/2007 de 27/12 - Manual de Processos e Procedimentos da Contabilidade Geral - em particular o ponto 2.3 - "Processamento Regular com Ligação a Compras".
16. Quanto aos processos de aquisição de serviços de formador e a maioria das aquisições de serviços de formação - cedência de espaços, concluiu-se que não estavam a ser registados com Expediente Administrativo 1.
17. Facto este que mais revela a existência de um tratamento/registo diferenciado em SIGOFA consoante a aquisição em causa, ou seja, materiais e reparações, no Expediente 1 (com a consequente não “baliza” dos limites de autorização quer do Código de Contratos Públicos, quer da subdelegação de competências do Diretor), e os serviços de formação, nas Compras.
18. De salientar, como nota que, desde a entrada em vigor do Código de Contratos Públicos, a 31 de Junho de 2008 que os serviços de formação se encontravam legalmente ao abrigo das regras da contratação excluída.
19. No entanto mesmo quanto aos processos mencionados em 16, e registados em SIGOFA como “compras” “pareceu ser de concluir que, nem se respeitava os procedimentos da contratação excluída (consulta a 2 ou mais interessados [cfr. Circular Normativa]), nem os do ajuste direto (que impõe o limite legal de € 75.000). 20. A entidade que em 2011 teve valores mais altos pagos, pelo D..., foi a L....
21. A entidade L... foi criada em 2010, tendo sido publicada a constituição desta sociedade em 28/05/2010.
22. Em 2010, a L..., foi a 3a entidade com valores mais altos pagos, pelo D....
23. Esta empresa tem dois sócios, com quotas de igual valor, sendo sócia da mesma A... (companheira/esposa do ora arguido).
24. A residência da sócia A..., que consta da publicação on- line é a mesma do Diretor do D... R..., ora arguido, existente no Departamento de Desenvolvimento Organizacional e Estratégico (Rua S..." A, em Sacavém).
25. As informações de autorização do procedimento e da despesa, que constam dos processos de aquisição de bens/serviços a esta empresa, estão autorizados pelo Diretor do D.... Também os contratos assinados com a L... estão assinados pelo arguido.
26. O D... pagou nos anos de 2010 e 2011 à entidade L..., um total de 469.042,03€ (215.178,46€ em 2010 e 253.863,57€ em 2011).
27. Em 2011, foi pago a esta entidade 135.555,41€ só pela aquisição de materiais, através de Expediente Administrativo 1 (ou seja, não registado em SIGOFA e sem controle de limites).
28. Ou seja, havendo prova de que eram casados e que a Dra. A... era sócia da “L...”, não obstante não ser gerente, encontra-se verificada a condição prevista no art. 44° CPA e al.j n°1 do art 18º ED.
29. O fato de o arguido fazer menção a que a sua esposa não recebeu proventos a título de dividendos ou remuneração, em nada aproveita a sua defesa e terá (caso os interessados assim o decidam) de ser resolvida em sede própria e entre sócios.
30. E isto porque, doutrinal e jurisprudencialmente, fora do regime de separação de bens, presumem-se os proveitos comerciais SEMPRE em proveito comum do casal.
31. Ou seja, o proveito comum do casal não se presume, exceto nos casos em que a lei o declarar (n.° 3 do art.º 1691º Código Civil). O problema é que, nesta questão da presunção sobre o proveito comum, dispõe o art.º 15.° do Código Comercial que "as dívidas comerciais do cônjuge comerciante presumem-se contraídas no exercício do seu comércio". Isto é, constitui um dos casos expressos em que a lei presume o proveito comum do casal.
32. Desta forma, mesmo que invocando que não sabia que a esposa era sócia da “L...” a ilação da presunção do “proveito próprio do casal” teria de ser feita judicialmente, facto que nos leva a considerar provada esta matéria.
33. De referir, ainda, que em 2011, o D... pagou, também, a A..., 10.942,08€ (valor bruto) pela prestação de serviços como formadora, contratações que foram também autorizadas pelo Diretor do D... e assinados pelo ora arguido e segundo a seguinte tramitação: “Informação formulada pela Unidade de Formação para aquisição dos serviços (...) por despacho do Sr. Diretor de Centro de Formação, exarado na Informação (...). Despacho do ora arguido, mencionando “autorizo a adjudicação e a despesa”, "Ao cuidado do Coordenador do Núcleo de Gestão”.
34. Ficou ainda provado que em 29 de Novembro de 2005 foi criada a sociedade unipessoal por quotas “S... - Produtos e Serviços Informáticos, Unipessoal Lda.”.
35. A sociedade tem por objeto a elaboração e comercialização de programas informáticos e recursos didáticos e outros serviços de informática e consultadoria prestados a empresas e particulares.
36. A Sociedade tem como único sócio R..., ora arguido, que é também gerente da mesma.
37. O trabalhador não solicitou autorização prévia ao IEFP.IP para a acumulação de funções privadas, nos termos conjugados dos art°s 28° e 29° da Lei n° 12-/2008, de 27 de fevereiro,
38. À entidade "P..." foram efetuados pagamentos, pelo D..., nos 4 anos em análise (2008 a 2011).
39. A “S...” prestou serviços à “P...”, uma das sociedades que maior volume de negócios teve com o D..., conforme justificação do arguido face à transferência bancária realizada em 15-02-2011, no valor de € 1.000, da “P...” a favor da “S...”.
40. Quanto à matéria de acumulação de funções, a Lei n0 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, que regula os regimes de vinculação de carreiras e de remunerações dos trabalhadores da Administração Pública, vem estabelecer no seu artigo 26o que “as funções públicas são, em regra, exercidas em regime de exclusividade”. Quer isto dizer que qualquer trabalhador vinculado à Administração Pública apenas poderá exercer as funções para que foi nomeado, contratado ou designado em comissão de serviço, não podendo ter qualquer outro emprego público ou privado, exceto se houver lei a prever essa possibilidade e for autorizado a fazê-lo por parte da entidade pública para a qual presta trabalho.
41. A lei considera ainda que são concorrentes ou similares as atividades privadas que tiverem um conteúdo idêntico à pública exercida de forma permanente ou habitual e que é conflituante quando se dirige ao mesmo círculo de destinatários da atividade pública desenvolvida pelo trabalhador.
42. A proibição de acumulação da atividade privada só existe com a verificação cumulativa destes dois pressupostos, pelo que se a atividade não for concorrente ou, sendo concorrente, não for conflituante com a atividade pública, não poderá ser vedado o seu exercício
43. Mas ainda que não sejam concorrentes nem conflituantes, será proibida a acumulação sempre que forem desempenhadas atividades, entre outras: “Que comprometam a isenção e a imparcialidade exigidas pelo desempenho das funções públicas”.
44. Basta a verificação de qualquer uma das situações acima enunciadas para a acumulação da atividade privada ser proibida.
45. Ora, não só não há autorização como nos parece comprometer a isenção e transparência que a sociedade da qual o arguido e ex-Dirigente do D... é o único sócio e gerente, preste serviços informáticos a uma empresa que presta serviços ao DLFST, conforme o próprio arguido anunciou e anui!
46. Face ao exposto e quanto à valoração da prova, como em qualquer procedimento, o procedimento disciplinar exige "...uma ponderação objetiva, isenta e imparcial dos factos e interesses envolvidos" (cfr. M. Esteves de Oliveira, Pedro C. Gonçalves e J. Pacheco Amorim, in Código de Procedimento Administrativo, 2a edição, pág. 246).
47. Sem prejuízo, em processo disciplinar vigora o princípio da livre apreciação da prova, que remete para as regras gerais do bom senso e da experiência comum. Vieira de Andrade, in "O Dever de Fundamentação Expressa dos Atos Administrativos", Coimbra, 1991, pág. 389 e ss. e nota 89, sustenta até a tal propósito "um poder de fixação dos factos pressupostos de infrações disciplinares, com grande liberdade de julgamento, em que intervêm imponderáveis fatores judicantes, que naturalmente impossibilitam a censura judicial do resultado cognoscitivo conseguido ".
48. Enquanto entendido como liberdade de valoração dos meios probatórios (sem prejuízo para o que for de prova plena), é de reconhecer que o Princípio de livre apreciação da prova "consignado no artigo 127° do Cód. Processo Penal, é aplicável, com as devidas adaptações, aos processos de natureza disciplinar, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção da entidade competente, o que significa que o valor dos meios de prova não está legalmente pré-estabelecido devendo ser apreciados de acordo com a experiência comum, com distanciamento, a ponderação e a capacidade crítica", na "liberdade para a objetividade" [cfr. Teresa Beleza, "Revista do Ministério Público", Ano 19°, pág. 40 - cfr- Ac. do TCAS, de 19-12-2007, proc. n°06494/02).
49. Ex posit, da análise e apreciação dos factos, evidencia-se uma conduta manifestamente censurável por parte do ora arguido" - cfr. PA, pasta 1, parte I - sem numeração;

13. Em 31/07/2012, foi deliberado pelo Conselho Diretivo do IEFP, IP aplicar ao Autor, pena única de despedimento - cfr. PA, pasta 1, parte I - sem numeração;

14. Em 01/08/2012, foi proferido Ofício, pelo Diretor do Departamento da Assessoria Jurídica e Auditoria do IEFP, IP, tendo em vista a notificação do Autor, da decisão final referida no ponto anterior - cfr. PA, pasta 1, parte I - sem numeração;

MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA:
Nada mais foi provado com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir.

MOTIVAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO:
Conforme especificado nos vários pontos da matéria de facto provada, a decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame dos documentos constantes dos autos, como referido em cada ponto do probatório.» (negrito nosso).


II.2. De direito

i) Do erro de julgamento em que incorreu a sentença recorrida ao ter considerado como infração disciplinar a omissão de publicitação de atos e contratos na internet, ao abrigo do n.°1 do art. 3.° do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei n.°58/2008, de 09.09. (ED2008), por considerar, como tal, «o comportamento do trabalhador, por ação ou omissão, ainda que meramente culposo, que viole deveres gerais ou especiais inerentes à função que exerce».

O Recorrente insurge-se com o assim decidido, alegando, em suma, que «Nada no processo nos permite concluir que o comportamento do Autor fosse doloso, ignorando-se as circunstâncias, alheias ou não à sua vontade, que motivaram esta situação. Ora, nos termos do art.° 18, n° 1 do ED as penas de demissão e de despedimento por facto imputável ao trabalhador são aplicáveis apenas no caso de infracção que inviabilize a manutenção da relação funcional. Atento o circunstancialismo apurado nunca esta situação poderia justificar a demissão do Autor.»

Porém, resulta dos autos que esta terá sido apenas umas das infrações disciplinares em que terá incorrido o A., arguido, ora Recorrente, pelo que, e sem necessidade de mais amplas considerações, carece de sentido a invocada insuficiência apenas deste facto para que o R., ora Recorrido, tivesse considerado que a manutenção da relação funcional se tornara inviável.

ii) Do erro de julgamento em que incorreu a sentença recorrida ao ter considerado que os art.s 44.º e 45.º, do CPA1991, contêm «uma presunção absoluta de parcialidade», isto é, que a intervenção do Recorrente «justifica uma presunção legal absoluta de contaminação da decisão final», motivo pelo qual entendeu não ser necessário provar, em concreto, uma atuação parcial do mesmo, bastando a verificação objetiva da situação de impedimento.

O Recorrente insurge-se com o assim decidido, por crer que «este entendimento é demasiado radical. Com efeito, a violação do impedimento, podendo constituir um princípio de dúvida quanto à imparcialidade da pessoa impedida, nunca pode constituir a “prova provada” da parcialidade, sob pena de subverter totalmente o princípio da presunção de inocência.»

Mas sem razão.

Vejamos porquê.

O que está em causa, no âmbito de proteção dos citados artigos 44. e 45.º do CPC1991 é «garantir a objetividade e utilidade pública da decisão administrativa em vista da (melhor) prossecução do interesse público, e por outro lado, de assegurar a imparcialidade e a transparência dessa decisão, face àqueles que nela estão interessados e face à colectividade administrativa em geral.» (1)

Sucede que «Os impedimentos reportam-se à proibição absoluta de intervir num concreto procedimento, ato ou contrato por existir uma forte probabilidade de parcialidade ou uma impossibilidade de imparcialidade.» (2)

Por outras palavras, «estamos perante uma presunção absoluta de parcialidade», isto é, a intervenção do A., ora Recorrente, nos procedimentos em causa, «justifica uma presunção legal absoluta de contaminação da decisão final.» (3)

Daí que não seja necessário provar, como bem se decidiu na decisão recorrida, em concreto, uma atuação parcial do A., ora Recorrente.

De facto, «A parcialidade é reconhecidamente de prova difícil e para a imparcialidade também relevam as aparências, não só porque “aumentam a possibilidade de uma decisão justa” (Peter Cane), mas igualmente por a imparcialidade ser um importante título de legitimidade democrática (Pierre Rosanvallon). O critério decisivo para aferir da violação da imparcialidade é a possibilidade de parcialidade e, portanto, a idoneidade das “soluções procedimentais e organizatórias’’ para prevenir e preservar “a isenção administrativa e a confiança nessa isenção” (artigo 9.° do CPA).» (4)

Daí que, a consideração de que a intervenção do A., ora Recorrente, nos procedimentos em causa foi um comportamento grave, no sentido de que, face a todo o exposto, se assumiu que atuou com parcialidade, seja acertada.

Para se vincar este ponto, que se revela crucial, importa recorrer ao princípio da imparcialidade, atendendo agora à concretização que o Supremo Tribunal Administrativo lhe tem feito, salientando a dimensão da transparência que o mesmo comporta, designadamente, e entre muitos, atente-se na doutrina que dimanada do acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo, de 10.01.2003, P.048035 (5), no qual se sumariou o seguinte «I - Em conformidade com o princípio da transparência, que constitui uma garantia preventiva da imparcialidade, os órgãos da Administração devem actuar por forma a darem de si mesma uma imagem de objectividade, isenção e equidistância dos interesses em presença, de modo a projectar para o exterior um sentimento de confiança.(…) III - Nessas circunstâncias, releva o simples perigo ou risco um comportamento de favor, não sendo necessária a demonstração de que se verificou, em concreto, uma actuação parcial com reflexos no acto de adjudicação - sem prejuízo de os recorridos fazerem a prova de que o resultado decisório do concurso seria inelutavelmente esse.»

Razões pelas quais, improcede igualmente o supra enunciado erro de julgamento.

iii) Do erro de julgamento em que incorreu a sentença recorrida ao não ter considerado que a acusação lavrada no procedimento em apreço é nula por padecer de insuficiência de alegação fáctica que terá comprometido indelevelmente a sua defesa.

O Recorrente insurge-se com o assim decidido, em virtude de a sentença recorrida «Depois de referir extensa doutrina e jurisprudência a propósito do conceito de falta da audiência do arguido, conclui (…) que “lida e analisada devidamente a acusação” “e todos os documentos de suporte da mesma”, se “mostram suficientemente individualizados os factos ilícitos” que são imputados ao arguido.». Contra alega, pois, o Recorrente, dizendo que «o facto de a acusação referir que houve situações em que as facturas e contratos tinham datas anteriores à cabimentação nada permite concluir relativamente às situações concretas que estavam em causa. Para o efeito deveria a acusação ter identificado as facturas e contratos a que se referia, bem como as datas respectivas, discriminando, um por um, com identificação das circunstâncias de modo, lugar e tempo, os factos imputados ao arguido.»

Vejamos.

Da leitura conjugada dos factos n.º 10 e 11 da matéria de facto e, bem assim, dos documentos nos quais os mesmos se suportam, resulta que no artigo 6.2b e c) da acusação o R., ora Recorrido, imputa ao A., ora Recorrente, a responsabilidade por algumas situações em que as faturas e contratos teriam data anterior à cabimentação, o que seria motivado pelo facto de o núcleo de gestão só ter conhecimento do processo aquando da receção da fatura.

Tal circunstância não é negada pelo Recorrido, alegando apenas em sua defesa que «Acresce que, como foi aludido pelo IEFP, I.P. na sua contestação, as situações detetadas encontram-se identificadas e discriminadas no Anexo 7 do Relatório de AT [a fls. 109 a 113, pasta 1 do p.d.].

Assim, tais situações referem-se aos casos discriminados no Anexo 7 do Relatório de AT, que são a identificação de algumas das situações detetadas na prática corrente e generalizada da contratação pública efetuada sob a gestão do Recorrente, realizada na base dos seus “conhecimentos pessoais”, e não segundo as regras legais e procedimentos normativos aplicáveis, atuando enquanto dirigente máximo da unidade orgânica local do IEFP, I. P. com desrespeito grosseiro pelos deveres profissionais de isenção, imparcialidade e lealdade, que o Recorrente considerou, na sua defesa, “matéria irrelevante sob o ponto de vista disciplinar”. Nestes termos, nem a Acusação é nula nesta parte, nem, a este respeito, a sentença recorrida merece reparo, considerando que o Recorrente nem pôs em causa a veracidade dos factos em causa dados como provados no procedimento disciplinar e elencados no respetivo Relatório Final e que consubstanciam infrações disciplinares graves, por violação grosseira e culposa dos mencionados deveres profissionais (…)»

Por seu turno, também o tribunal a quo entendeu que «(…) ao arguido foi permitido, concreta e seguramente, identificar todas as infrações que lhe foram imputadas, inexistindo qualquer restrição ao e no exercício do direito de defesa por parte do Autor, realidade que se mostra claramente espelhada pela leitura da resposta apresentada em sua defesa quando confrontado com a acusação e da qual se infere que o mesmo compreendeu e captou todo o circunstancialismo factual que lhe foi imputado, impugnando e apresentando defesa relativamente aos factos nos quais se funda a acusação, nomeadamente referindo que "o facto de o processo só ser conhecido por via da receção da factura ou do contrato é neutro quanto à imputação de responsabilidades, a não ser que se entenda que o arguido é responsável por tudo o que acontece no IEFP e no mundo (...)". Mais referiu o Autor que se trata de matéria irrelevante sob o ponto de vista disciplinar, demonstrando claramente saber dos factos que estaria a ser acusado e apresentando a defesa que lhe pareceu mais indicada. Nesta medida, não se pode minimamente afirmar que o Autor não sabia ou desconhecia as imputações que lhe foram feitas e que como tal não pode o mesmo apresentar defesa acautelando seus direitos ou ainda que da defesa apresentada derive ter havido impedimento, frustração ou limitação do acusado na compreensão, sentido e alcance da acusação. Nada aponta no sentido de que o Autor não tenha podido defender-se, e defendendo-se, tenha mostrado haver percebido as infrações imputadas.

Desde já se adianta que não se pode acompanhar o raciocínio do tribunal a quo.

Vejamos porquê.

Atentemos no disposto no nº 1 do art. 37º do ED2008, aqui aplicável:

1 — É insuprível a nulidade resultante da falta de audiência do arguido em artigos de acusação, bem como a que resulte de omissão de quaisquer diligências essenciais para a descoberta da verdade.»

Por outro lado, estatui o art. 48.º, n.º 3, do mesmo ED2008 que «A acusação contém a indicação dos factos integrantes da mesma, bem como das circunstâncias de tempo, modo e lugar da prática da infração e das que integram atenuantes e agravantes, acrescentando sempre a referência aos preceitos legais respetivos e às penas aplicáveis».

Sobre esta matéria a jurisprudência dos tribunais superiores é unânime em dizer que «a acusação tem de ser formulada através da articulação de factos concretos e precisos, sem imputações vagas, genéricas, ou abstractas, devendo enunciar as circunstâncias conhecidas de modo, tempo e lugar e as infracções disciplinares que deles derivem, correspondendo a generalidade da acusação à falta de audiência do arguido geradora de nulidade insuprível.» (6) E que «Se a decisão disciplinar punitiva assentou em factos que foram dados como provados no respetivo Relatório Final mas que não constavam da acusação, e se estes não serviram para excluir, dirimir ou atenuar a responsabilidade disciplinar da trabalhadora arguida, antes tendo justificado, nos termos da fundamentação externada no Relatório Final, o juízo de muito elevada gravidade da conduta da trabalhadora arguida, traduzido no seu enriquecimento ilegítimo à custa do erário público no quantitativo que ali foi apurado, não se mostra assegurado, quanto a eles, o direito de defesa da trabalhadora arguida, consubstanciando nulidade insuprível do processo disciplinar, a qual contamina a decisão final punitiva.» (7)

Pelo que, o tribunal a quo, ao dizer, genericamente, na decisão recorrida que «não se pode minimamente afirmar que o Autor não sabia ou desconhecia as imputações que lhe foram feitas e que como tal não pode o mesmo apresentar defesa acautelando seus direitos ou ainda que da defesa apresentada derive ter havido impedimento, frustração ou limitação do acusado na compreensão, sentido e alcance da acusação. Nada aponta no sentido de que o Autor não tenha podido defender-se, e defendendo-se, tenha mostrado haver percebido as infrações imputadas», tal asserção pode ser verdadeira e corresponder a um juízo acertado quanto a parte das infrações imputadas ao A., ora Recorrente, mas não, face a todo o exposto, àquelas situações, não concretizadas em sede de acusação - cfr. factos n.º 10 e 11 da matéria de facto - em que lhe foi imputada a responsabilidade por algumas situações em que as faturas e contratos teriam data anterior à cabimentação, o que seria motivado pelo facto de o núcleo de gestão só ter conhecimento do processo aquando da receção da fatura.

Situações essas que apenas foram concretizadas em sede de relatório final – cfr. facto n.º 12 da matéria de facto supra – designadamente, no seu ponto 13, ao sinalizar que a maioria das ações de formação iniciava sem estarem os processos de aquisição desenvolvidos e tinham os mesmos que ser formalizados a posteriori - faturas e contratos com data anterior à cabimentação estão exaustivamente mencionadas no Relatório de Averiguação Técnica - AJA nomeadamente no anexo n.º 4, 5 e 7 desta, bem como nos autos de inquirição de M... (pág. 80); M..., (pág. 83); e Dr. P..., (pág. 95 e 96)

Assim, imperioso se torna considerar que a acusação disciplinar, identificada no facto n.º 10 da matéria de facto é nula, por ausência de identificação concreta e especificada dos factos imputados ao arguido, A. e ora Recorrente, em virtude de, aquando a notificação da acusação, a mera referência, no seu texto, a algumas situações, não ter permitido ao arguido identificá-las e contestá-las, não sendo apto a afastar esta conclusão o entendimento do Recorrente de que o «facto de o processo só ser conhecido por via da receção da fatura ou do contrato é neutro quanto à imputação de responsabilidades, (…) irrelevante sob o ponto de vista disciplinar» pois o que releva é a importância disciplinar que o R., ora Recorrido, lhe atribuiu na decisão em apreço – cfr. facto n.º 12 da matéria de facto supra.

Também não releva dizer que pelo facto de haver imputações relativamente às quais o Recorrente apresentou defesa não ocorre o vício em análise.

Na verdade, se uma infração não pode ser levada em conta na punição, visto que sobre ela não teve o arguido capacidade/possibilidade de se defender, ficaria o poder disciplinar confinado à(s) restante(s). Mas, perante esta menor dimensão infracional, poderia a pena ser a mesma? Não se sabe, e o tribunal a quo também não pode fazer administração ativa substituindo-se ao órgão competente para punir com menor severidade.

Daí que afastada a censurabilidade de alguma das condutas infracionais o juízo censório sobre as sobrantes terá que ser de novo equacionado.

A nulidade insuprível verificada será, pois, motivo bastante para afetar todo o procedimento, mormente, o ato administrativo recorrido.

Face a todo exposto, procede a suscitada nulidade da acusação disciplinar em apreço.

Não obstante, conheçamos ainda do último vício que o Recorrente assaca à sentença recorrida.

iv) Do erro de julgamento em que incorreu a sentença recorrida ao ter considerado infração disciplinar a circunstância de o Recorrente ser o sócio de uma sociedade unipessoal que se dedica à elaboração de programas de computadores, por tal atividade ser concorrente ou similar às atividades levadas a cabo pelo IEFP, além de consubstanciar uma acumulação não autorizada de funções privadas com as funções públicas.

Contrapõe o Recorrente que «a sentença recorrida confunde duas realidades. Com efeito, uma coisa é saber se, face à Lei, a acumulação de funções por parte do Autor era ilegal. Pelas razões acima aduzidas, tal acumulação é perfeitamente legítima.

Coisa diversa é saber, não obstante a cumulação ser legalmente possível, se o recebimento da quantia de € 1.000,00 por parte de um fornecedor do IEFP consubstancia um ilícito disciplinar. A este propósito nada se pode concluir, nem nada foi alegado sobre os prejuízos ou violação do dever de imparcialidade do arguido. Consequentemente, esta situação concreta, carece de relevância disciplinar.»

Vejamos os factos.

Em 29.11.2005 foi criada a sociedade unipessoal por quotas S... - Produtos e Serviços Informáticos, Unipessoal Lda., que tem por objeto a elaboração e comercialização de programas informáticos e recursos didáticos e outros serviços de informática e consultadoria prestados a empresas e particulares, tendo como único sócio R..., ora Recorrente, que é também gerente da mesma – cfr. Relatório Final, facto n.º 12 supra.

À entidade P... foram efetuados pagamentos, pelo D..., nos 4 anos em análise (2008 a 2011), sendo que a S... prestou serviços à P..., uma das sociedades que maior volume de negócios teve com o D... – facto n.º 12 idem.

O Recorrente não solicitou autorização prévia ao IEFP.IP para a acumulação de funções privadas, nos termos conjugados dos artigos 28.º a e 29° da Lei n° 12-A/2008, de 27.02. – facto n.º 12 idem.

Preceituava o n.° 1 do art. 29° deste diploma, que a acumulação de funções nos termos previstos nos art.s 27.°, sob a epígrafe “Acumulação com outras funções públicas”, e 28°, por sua vez, sob a epígrafe, “Acumulação com funções privadas”, «dependia de prévia autorização da entidade competente».

Ora, como resulta dos autos, o Recorrente nunca solicitou autorização para tal acumulação de funções, solicitação essa que que permitiria ao R., ora Recorrido, verificar se a mesma poderia ser suscetível de provocar prejuízos para o interesse público, ou para os direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, por forma a acautelar o respeito pelos princípios da igualdade, proporcionalidade, justiça, imparcialidade e boa fé que devem nortear a atuação da Administração Pública.

De onde decorre que o que está em causa não é apurar, no limite, se a referida acumulação de funções é ilegal, mas sim a omissão culposa do Recorrente ao não ter solicitado a autorização devida. Solicitada esta, umas de duas decisões poderiam ser proferidas: ou de autorização ou de não autorização, em sempre o fim das normas em apreço ficaria cumprido.

Ao ter omitido o pedido de autorização o Recorrente violou a lei que lhe cumpria conhecer e sem o referido ato permissivo a acumulação consubstancia o incumprimento do respetivo dever profissional. (8)

Outra questão, embora com esta relacionada, decorre do facto de o Recorrido, secundado pelo entendimento do tribunal a quo, terem considerado que com tal atuação o Recorrente comprometia irremediavelmente os deveres de isenção e de imparcialidade a que estava obrigado, pela funções que exercia no IEFP, desde logo porque a sociedade da qual o Recorrente é o único sócio e gerente, prestou serviços informáticos a uma empresa que, por sua vez, prestou serviços ao Recorrido, diretamente ao serviço em que o Recorrente tinha responsabilidades, conforme demonstrado nos autos.

Razões pelas quais imperioso se torna acompanhar a decisão recorrida na parte que aduz que «(…) o D... pagou nos anos de 2010 e 2011 à entidade L..., um total de 469.042,03€ (215.178,46€ em 2010 e 253.863,57€ em 2011 - facto 12 do probatório) sendo que, também por aqui haveriam irregularidades no procedimento efetuado, dada a existência de mais que uma adjudicação no ano económico em curso ou nos dois anteriores, feitas por ajuste direto à mesma entidade. Face ao exposto, o Autor violou, não apenas o princípio da imparcialidade e da concorrência, como ainda desobedeceu a normas internas com vista a proteger esses mesmos valores, o que consubstancia uma violação manifesta dos princípios consagrados na CRP

Em face do que se julga improcedente esta última alegação de recurso.

III. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da secção do contencioso administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e, conhecendo em substituição, julgar a ação procedente, anulando o ato de 31.07.2012 do Conselho Diretivo do IEFP, IP, que aplicou ao Recorrente a pena disciplinar de despedimento, por padecer de nulidade insuprível nos termos do n.º 1 do art. 37.º da Lei n.º 58/2008, de 09.09.

Custas pelo Recorrido.

Lisboa, 04.02.2021.

Dora Lucas Neto

*

A relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.°- A do Decreto-Lei n.° 10- A/2020, de 13.03., aditado pelo art. 3.° do Decreto-Lei n.° 20/2020, de 01.05., têm voto de conformidade com o presente acórdão os senhores magistrados integrantes da formação de julgamento, os Senhores Desembargadores Pedro Nuno Figueiredo e Ana Cristina Lameira.

---------------------------------------------------------------------------------------------------

(1) Conforme destacam MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES, J. PACHECO DE AMORIM, in Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2.ª edição, 1997, Almedina, anotação ao art. 44°, pg 247.
(2) ANA FERNANDA NEVES, «Garantias de Imparcialidade» in Comentários ao Novo Código do Procedimento Administrativo, coordenação de Carla Amado Gomes, Ana Fernanda Neves e Tiago Serrão, Volume I, 3.ª edição, 2016, AAFDL Editora, pg. 645.
(3) LUIZ S. CABRAL DE MONCADA, in Código do Procedimento Administrativo Anotado, Quid Iuris, 2019, anotação ao art. 69.°, pgs 258 e 257.
(4) Ana Fernanda Neves, op. cit., pg. 654.
(5) Disponível em www.dgsi.pt
(6) Cfr. a título de exemplo e entre muitos, ac.s TCA Norte, de 02.06.2005, P. 01048/00; de 10.04.2008, P.00387/04.6BEPNF, ambos disponíveis em www.dgsi.pt
(7) Ac. TCA Norte, de 28.02.2020, P. 02526/10.9BEPRT, disponível idem.
(8) Neste sentido v. ac. STA, de 17.01.2007, P. 0820/06, disponível em www.dgsi.pt