Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:448/18.4 BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:12/19/2023
Relator:VITAL LOPES
Descritores:IRS
MAIS-VALIAS IMOBILIÁRIAS
VALOR DE AQUISIÇÃO
VALOR DE REALIZAÇÃO
AC TO DIVISÍVEL
ANULAÇÃO PARCIAL DO ACTO TRIBUTÁRIO DE LIQUIDAÇÃO
Sumário:I - A norma que determina o valor de realização, no âmbito da tributação das mais-valias, com base no VPT do prédio, não pode ser aplicada sem que o contribuinte tenha à sua disposição procedimento de demonstração do preço efectivo praticado na alienação do direito real em causa, sob pena de violação do princípio constitucional da capacidade contributiva, ínsito nos artigos 103.º, n.º 1, e 13.º da Constituição da República Portuguesa.
II - A constatação de que a AT, na quantificação da mais-valia obtida na venda de um imóvel, não permitiu ao sujeito passivo ilidir aquela presunção, impõe a anulação da liquidação apenas na parte em que o valor de realização considerado excedeu o valor declarado, ou seja, o preço que consta da escritura.
III - A divisibilidade do acto tributário constitui o argumento utilizado pela jurisprudência para fundamentar a possibilidade da decisão judicial de anulação parcial dos actos tributários.
IV - Baseando-se na classificação dos actos administrativos divisíveis a jurisprudência dos Tribunais Superiores abundantes vezes já afirmou que os actos que imponham a obrigação de pagamento de uma quantia, como é o caso dos actos de liquidação de tributos, são naturalmente divisíveis uma vez que correspondem a um quantitativo pecuniário e são apurados através de operações aritméticas, divisibilidade essa que igualmente resulta da própria lei.
V - Só se o fundamento da anulação afectar integralmente o acto, não é admissível anular parcialmente a liquidação.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais: Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SUBSECÇÃO COMUM DA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I. RELATÓRIO

A Exma. Representante da Fazenda Pública, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que julgou procedente a impugnação judicial apresentada por J… e E… contra a liquidação de IRS n.º 20185000890618, relativa ao ano de 2014 e juros compensatórios, no montante de 86.118,55 euros, alegando para tanto e conclusivamente:
«





Os Recorridos apresentaram contra-alegações, que culminam com as seguintes conclusões:

«A. A Representante da Fazenda Publica interpôs recurso da douta sentença proferida em 30 de Setembro de 2022 nos autos à margem identificados, que julgou procedente a Impugnação Judicial interposta pelos ora Recorridos e retirou da ordem jurídica as liquidações de IRS e juros compensatórios (2018/5000890618 e 2018/102149, respetivamente), impugnadas.
B. Os Recorridos reconfirmam o que antes já verteram em sede da petição inicial que apresentaram e ainda em sede de Alegações, sem embargo de tanto numa como noutra das peças, terem sido abordadas realidades que o recurso a que ora se responde, não cuidou de se debruçar, face à conclusão da sentença recorrida de que “(…) o acto impugnado padece de vício de violação de lei, pelo que procede o invocado pelos impugnantes, sendo de anular a liquidação de IRS impugnada, o que afinal se determinará. Com a procedência deste vício ficam prejudicadas todas as demais questões suscitadas nos autos (….) ”.
C. Inconformada, sustenta a Recorrente, que, tendo sido suscitadas três questões para análise, mormente: O Valor de Aquisição e o Valor de Realização do bem imóvel alienado e, ainda, se houve ou não Reinvestimento, e tendo a sentença, apenas e só, se debruçado sobre o primeiro destes pontos, ao anular a totalidade das liquidações impugnadas, padece de erro de julgamento por violação do artigo 100.º da LGT.
D. Mais acrescentando, “Neste enquadramento, afigura-se-nos, que se impõe concluir à luz da supra citada jurisprudência e, por resultar do probatório, não contaminando a ilegalidade em causa a liquidação in totum, a sentença a quo padece de erro de julgamento por violação do art.º 100.º da LGT ao decidir pela anulação da totalidade do ato de liquidação de IRS de 2014 impugnado, devendo ser substituída por decisão que julgue a impugnação parcialmente procedente (cfr. art. 14.º da Doutas alegações). Itálico, sublinhado e destacado, nosso.
E. Salvo o devido respeito, não cremos que assim o seja, nem podemos concordar com este silogismo da Recorrente, porquanto o que resulta do probatório é algo bem diferente, mesmo que seja uma realidade que a sentença se cingiu ao pronunciamento quanto ao valor de aquisição, considerando prejudicado o pronunciamento quanto aos outros dois aflorados pontos.
F. No entanto, não é por essa razão que a sentença revivenda não analisou todas as questões equacionadas e articuladas pelos impugnante, mormente, as respeitantes ao Valor de Realização e ao subsequente Reinvestimento.
G. Em abono da verdade, deflui da matéria assente, que o Valor de Realização alcançado pelos Recorridos com a alienação da casa de morada de família que possuíam em Portugal foi de € 500.000,00 (quinhentos mil euros);
H. Como, igualmente se retira da matéria de fato, que esta quantia foi toda reinvestida por parte dos Recorridos, na aquisição de um lote de terreno urbano onde edificaram uma moradia (tudo no montante de € 558.000,00), que passou a ser a respetiva residência permanente, onde passaram e ainda residem nos dias de hoje, tudo em harmonia com o ínsito no n.º 5 do art. 10.º do CIRS.
I. Deste modo e porque a Recorrente não colocou em causa a matéria dada como provada, não pode aproveitar do Aresto recorrido a parte que tem por conveniente para o respetivo desiderato, obliterando a demais, que lhe é contrária.
J. Destarte e contrariamente ao defendido pela Recorrente, é a própria que com este procedimento recursivo viola o artigo 100.º da LGT, mas igualmente o n.º 5 do art. 10.º do CIRS e ainda, os artigos 103.º e 104.º da CRP, i.e., o Princípio da Legalidade e o da capacidade contributiva.
L. Nos termos do artigo 639.º do CPC, o recorrente termina as suas alegações de recurso sinteticamente, indicando os fundamentos porque pede a alteração ou anulação da decisão recorrida, especificando os assuntos que quer ver apreciados e decididos pelo tribunal superior.
M. Através das suas conclusões, o recorrente delimita objectivamente o recurso, como decorre do art. 635.º, n.º 3 e fixa as questões a decidir, permitindo apreender as questões de facto ou de direito que o recorrente pretende suscitar e que o tribunal superior tem de solucionar.
N. Deste modo, cingindo como o faz e fazendo alusão ao probatório (que só poderá ser aquele que consta da sentença revivenda), a Recorrente não só se conforma com a matéria provada como a toma por boa e dessa forma, não poderia ignorar que o seu recurso padece de sustentabilidade e não é apto a colocar em crise a sentença que anula a liquidação de IRS e juros compensatórios de uma pressuposta mais-valia que não existiu.
O. Deste modo a singrar o raciocínio plasmado pela Recorrente nas suas Alegações, iam violados o artigo 100.º da LGT, o n.º 5 do art. 10.º do CIRS e ainda, os artigos 103.º e 104.º da CRP, i.e., o Princípio da Legalidade e o da Capacidade Contributiva.
P. Por este motivo, bem andou Tribunal a quo quando julgou procedente a Impugnação apresentada pelos Recorridos e em conformidade mandou retirar da ordem jurídica as liquidações, de IRS e juros compensatórios do ano 2014, impugnadas.
Q. Por tudo o antes proferido, bem esteve a M.m.º Juiz a quo e a sentença recorrida, a qual, revela-se em si inatacável, cumprindo com todos os requisitos em termos formais e materialmente, tendo assente a matéria de fato fez a correta aplicação do direito.
R. Caso não seja esse o entendimento por parte de VEXAS VENERANDOS DESENBARGADOR, sempre serão de acolher os argumentos explanados pelos Recorridos em sede de alegações subsidiárias, porquanto:
S. Em abono da verdade, no uso duma análise independente da matéria tida por provada, os Recorridos revelam que desta se retira que:
T. O Valor de Aquisição do imóvel urbano denominado Vila B…, Lote …, Urbanização A…, S…, freguesia e concelho de Albufeira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o n.º 5…, inscrito na matriz predial da freguesia de Albufeira e Olhos de Água sob o artigo 10097 - € 278.696,33 (duzentos e setenta e oito mil, seiscentos e noventa e seis euros e trinta e três cêntimos);
U. O Valor de Realização - € 500.000,00 (quinhentos mil euros);
V. O Valor do Reinvestimento – Custo do terreno de € 188.000,00 (cento e oitenta e oito mil euros); a edificação do imóvel € 370.000,00 (trezentos e setenta mil euros), o que perfaz o montante de € 558.000,00 (quinhentos e cinquenta e oito mil euros).
X – Este bem sito em 2… C…, OT D…, D… 56, REP. FEDERAL DA ALEMANHA, foi edificado para ser a residência permanente dos impugnantes, a qual se mantêm até ao dias de hoje, tendo sido respeitados todos os pressupostos constantes do n.º 5 do artigo 10.º do CIRS.
Z. Deste modo não existe qualquer ganho passível de tributação, implicando a necessidade das liquidações impugnadas serem anuladas na sua totalidade, sob pena de violação dos princípios da Legalidade, Proporcionalidade e da verdade material.
AA. Tudo sem embargo de Vexas Venerandos Desembargadores, caso tenham por assente que a sentença revivenda ao não se pronunciar sob toda a matéria articulada padecer do vício ínsito na alínea d) do art. 615.º do CPC (porque deixou de se pronunciar sobre todas as questões, mau grado ter manifestado que o fez por as considerar prejudicadas);
AB. Ou que essa prejudicialidade esteja eivada de alguma ambiguidade ou obscuridade (al. c), 2.ª parte do retro aludido artigo do CPC), sempre V. Exas, por uma ou outra das razões se poderão substituir ao tribunal recorrido e desse modo colmatar a falta de pronunciamento sobre o valor de Realização e o Reinvestimento, tudo em harmonia com o vertido n o n.º 2 do art. 665.º do CPC (ex-vi, al. e) do n.º 2 do CPPT), o que desde já se Requer caso se revel necessário.
AC. Deste modo, mais uma vez cremos ter demonstrado que o Recurso interposto pela Fazenda Nacional deve improceder e em subsequência, manter-se a sentença recorrida, ou promover a sua substituição por uma outra, que colmatando eventuais falhas desta, sentencie, igualmente, a anulação das liquidações impugnadas.
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, SEMPRE COM O MUI DOUTO SUPRIMENTO DE V.EXAS., DEVE O PRESENTE RECURSO IMPROCEDER, MANTENDO-SE A DECISÃO RECORRIDA, TENDO POR BASE:
- A MANUTENÇÃO DA SENTENÇA RECORRIDA, PELA INCONSEQUÊNCIA DOS ARGUMENTOS ALEGADOS PELA RECORRENTE;
- E, EM DERRADEIRA ANÁLISE E A TÍTULO SUBSIDIÁRIO, PELO PROVIMENTO DAS ALEGAÇÕES SUBSIDIÁRIAS DOS RECORRIDOS, CUJA CONSEQUÊNCIA SERÁ SIMILAR ÀQUELA POR TIDA EM ACÓRDÃO RECORRIDO, QUE SEJA, A ANULAÇÃO DAS LIQUIDAÇÕES IMPUGNADAS.
POR TUDO O ACIMA EXPOSTO E PELO MUITO QUE V.EXAS DOUTAMENTE SUPRIRÃO, JULGANDO DESTE MODO, FARÃO VOSSAS EXCELÊNCIAS
JUSTIÇA.».

A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu mui douto parecer concluindo nomeadamente e, entre o mais, que a sentença “não está ferida de nulidade por omissão de pronúncia, já que se verifica inequivocamente uma adequação entre a sentença e a causa de pedir, devendo improceder nesta parte a nulidade invocada” e que a sentença fez correcta apreciação dos factos e do direito aplicável, bem como correcta foi a sua subsunção jurídica, não merecendo qualquer censura, devendo ser mantida na ordem jurídica por não enfermar dos vícios de nulidade e julgamento que lhe são assacados.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, analisadas as conclusões da alegação, o objecto do recurso consiste em saber se a sentença padece de nulidade por omissão de pronúncia quanto a questões suscitadas, como a do valor de realização e se houve reinvestimento e se a sentença incorreu em erro de julgamento ao anular in totum a liquidação impugnada.
***

III. FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS

Na sentença recorrida deixou-se factualmente consignado:
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B.DE DIREITO


A Recorrente alega que a sentença não se pronunciou sobre a legalidade do acto impugnado quanto ao valor de realização, nem sobre se houve reinvestimento.

Tal reconduz-se a invocar omissão de pronúncia sobre questões colocadas na impugnação, o que, a verificar-se, constitui causa de nulidade da sentença – artigos 5.º, n.º 3, 608.º, n.º 2 e 615.º, n.º 1 alínea d) do CPC e 125.º, n.º 1 do CPPT.

Compulsados os articulados iniciais e nomeadamente, a P.I., constata-se, de facto, que foi questionada a validade do acto impugnado quer quanto ao valor considerado de aquisição e de realização, quer ainda quanto à desconsideração do reinvestimento da mais-valia pretensamente obtida.

A sentença conheceu da primeira questão (invalidade do acto quanto ao valor de aquisição considerado), mas omitiu pronúncia quanto a questão do valor de alienação do imóvel e quanto à questão do reinvestimento da mais-valia.

A sentença está, pois, inquinada de nulidade por omissão de pronúncia sobre verdadeiras questões factuais e jurídicas colocadas à apreciação do tribunal, que não consubstanciam meros argumentos ou razões e que por isso, se impunha delas conhecer ainda que para concluir que não lhes assiste qualquer mérito.

Constatada a nulidade em causa, haverá que conhecer, em substituição, das questões omitidas – art.º 665/1 do CPC.

Olhando a fundamentação do acto impugnado, transcrito no ponto YY) do probatório, dele consta expressamente, no segmento que agora importa:
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Ou seja, a própria AT não questiona o valor escriturado da venda (500.000,00€), mas entende que o valor de realização a considerar para efeitos fiscais é de 553.031,07€, nos termos do n.º1 alínea f) e n.º 2, do art.º 44.º do Código do IRS.

Dispunha aquele preceito do CIRS na redacção que vigorou até à republicação do mesmo Código pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro, no segmento relevante:
«Artigo 44.º
Valor de realização
1 - Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de realização:

a) No caso de troca, o valor atribuído no contrato aos bens ou direitos recebidos, ou o valor de mercado, Quando aquele não exista ou este for superior, acrescidos ou diminuídos, um ou outro, da importância em dinheiro a receber ou a pagar;

b) No caso de expropriação, o valor da indemnização;

c) No caso de afectação de quaisquer bens do património particular do titular de rendimentos da categoria B a actividade empresarial e profissional, o valor de mercado à data da afectação;

d) No caso de valores mobiliários alienados pelo titular do direito de exercício de warrants autónomos de venda, e para efeitos da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º, o preço de mercado no momento do exercício;

e) Tratando-se de bens ou direitos referidos na alínea d) do n.º 4 do artigo 24.º, quando não exista um preço ou valor previamente fixado, o valor de mercado na data referida;

f) Nos demais casos, o valor da respectiva contraprestação.

2 - Nos casos das alíneas a), b) e f) do número anterior, tratando-se de direitos reais sobre bens imóveis, prevalecerão, quando superiores, os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis ou, não havendo lugar a esta liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida.

3 – (…)».

Ora, o sentido normativo que a AT extraiu do art.º 44/2 do CIRS, segundo a qual ali estaria ínsita uma ficção ou presunção inilidível no tocante ao imposto devido no âmbito de ganhos de mais-valias decorrentes da alienação onerosa de bens imóveis, não se mostra conforme à Constituição.
Com efeito, a questão relativa à conformidade com a Constituição da República Portuguesa da dimensão normativa extraída do artigo 44.º, n.º 2, do CIRS, segundo a qual sobrevém uma presunção inilidível respeitante ao imposto devido no âmbito de ganhos de mais-valias decorrentes da alienação onerosa de bens imóveis, foi já apreciada e decidida pelo Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 211/2017, de 02/05/2017, exarado no proc.º 285/15, 3.ª Secção, tendo sido julgada inconstitucional a dimensão normativa em referência.

Em linha com o juízo do inconstitucionalidade feito pelo Tribunal Constitucional, pode ver-se o ac. do Supremo Tribunal Administrativo de 06/23/2021, tirado no proc.º 02681/15.1BEALM, em que se sumariou: «A constatação de que a AT, na quantificação da mais-valia obtida na venda de um imóvel do IRS, não permitiu ao sujeito passivo ilidir aquela presunção, impõe a anulação da liquidação apenas na parte em que o valor de realização considerado excedeu o valor declarado, ou seja, o preço que consta da escritura».

Ou seja, transpondo para os autos os considerandos anteriores, não questionando a AT que o valor escriturado da venda e declarado tenha sido de 500.000,00€, é esse o valor a considerar como valor de realização e não o “valor por que o bem houver sido considerado para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis”, isto é, 553.031,07€.

A liquidação enferma de erro nos pressupostos, impondo-se a sua anulação na parte viciada de ilegalidade.

Olhando agora a questão de saber se houve reinvestimento, constata-se que a quantificação da matéria tributável subjacente à liquidação foi efectuada unicamente para determinar os ganhos sujeitos a imposto de rendimento, não compreendendo a sua fundamentação qualquer alusão ao disposto nos artigos 9.º e 10.º do CIRS, cujo n.º 5 à data, dispunha:
«
(…)
5 - São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, nas seguintes condições:

a) Se, no prazo de 36 meses contados da data de realização, o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para a construção de imóvel, ou na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do espaço económico europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal;

b) Se o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for utilizado no pagamento da aquisição a que se refere a alínea anterior desde que efectuada nos 24 meses anteriores;

c) Para os efeitos do disposto na alínea a), o sujeito passivo deverá manifestar a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando, na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação, o valor que tenciona reinvestir;
Embora as partes pareçam estar de acordo em introduzir na controvérsia dos autos a questão do reinvestimento da mais-valia obtida com a venda do imóvel, a verdade é que tal não se compreende na fundamentação do acto e em contencioso de mera anulação, como é o das impugnações judiciais, o tribunal apenas pode sindicar os aspectos de legalidade que se apreendem da fundamentação do acto.

Nesta linha de entendimento, embora o reinvestimento se trate de questão trazida à discussão dos autos, é certo (e, nessa medida, sempre teria de merecer pronúncia do tribunal), ela terá de ser julgada improcedente, uma vez que não apresenta qualquer relação com a fundamentação factual e jurídica do acto cuja legalidade se pretende ver sindicada pelo tribunal (aliás, a questão do reinvestimento coloca-se a jusante da questão da quantificação da matéria tributável, de que aqui tratamos).

Entrando propriamente na apreciação do recurso jurisdicional, já se entrevê que a anulação in totum do acto de liquidação impugnado não pode manter-se na ordem jurídica pelas razões aduzidas no citado ac. do Supremo Tribunal Administrativo, que acompanhamos.

Como se refere no douto aresto, «Recorde-se que, a propósito da possibilidade de anulação parcial do acto tributário, este Supremo Tribunal tem vindo, por um lado, a afirmar que o acto tributário, enquanto acto divisível, tanto por natureza como por definição legal, é susceptível de anulação parcial e, por outro lado, que o critério para determinar se o acto deve ser total ou parcialmente anulado passa por aferir se a ilegalidade afecta o acto tributário no seu todo, caso em que o acto deve ser integralmente anulado, ou apenas em parte, caso em que se justifica a anulação parcial».

No mesmo sentido, pode ver-se o ac. do TCAN, de 10/20/2022, tirado no proc.º 00406/10.7BEAVR, que deixou consignado: «Baseando-se na classificação dos actos administrativos divisíveis a jurisprudência dos Tribunais Superiores abundantes vezes já afirmou que os actos que imponham a obrigação de pagamento de uma quantia, como é o caso dos actos de liquidação de tributos, são naturalmente divisíveis uma vez que correspondem a um quantitativo pecuniário e são apurados através de operações aritméticas, divisibilidade essa que igualmente resulta da própria lei»..

Ora, no caso vertente, não vemos razões válidas que obstem a que a liquidação possa e deva ser anulada apenas na parte em que o valor de aquisição considerado pela AT e correspondente ao valor patrimonial tributário inscrito na matriz (116.269,78€) ficou aquém do valor corrigido do terreno acrescido dos custos de construção, de 269.453,62€ (cf. pontos A) a G) do probatório) e na parte em que o valor de realização considerado de 553.031,07€ (VPT) excedeu o valor escriturado da venda de 500.000,00€ (cf. pontos S) e OOO) do probatório), o que se determinará na parte dispositiva do acórdão.

Trata-se, com efeito, de se proceder a uma operação meramente aritmética de quantificação.

A sentença recorrida, na medida em que decidiu pela anulação total da liquidação não pode, pois, manter-se na ordem jurídica, sendo de conceder provimento ao recuso.

IV. DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
i. Conceder provimento ao recurso e revogar a sentença na parte recorrida e, consequentemente, anular parcialmente o acto impugnado;
ii. Julgar a sentença parcialmente nula e, conhecendo em substituição, julgar a impugnação procedente e anular o acto tributário impugnado na parte afectada de ilegalidade.

Custas a cargo dos Recorridos.


Comunique ao DIAP, em resposta ao seu ofício a págs.871 do SITAF, que foi proferido acórdão nesta data, aguardando trânsito.


Lisboa, 19 de Dezembro de 2023


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Vital Lopes



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Patrícia Manuel Pires



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Maria Cardoso