Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:750/15.7 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:01/24/2024
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:NULIDADE DA SENTENÇA/ CONTRADIÇÃO DOS FUNDAMENTOS COM A DECISÃO
RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA
GERÊNCIA DE FACTO
ÓNUS DA PROVA
Sumário:I - A nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão pressupõe um erro de raciocínio lógico consistente em a decisão emitida ser contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito de que o juiz se serviu ao proferi-la: a contradição geradora de nulidade ocorre quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto ou, pelo menos, de sentido diferente.

II - A reversão operada ao abrigo do apontado artigo 24º, nº1 da LGT pressupõe sempre - independentemente de se tratar da alínea a) ou b) – o exercício efetivo das funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados.

III - Para efeitos de efetivação da responsabilidade subsidiária dos gerentes, não basta a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respetivas funções.

IV - Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efetivamente, dos respetivos poderes, que seja um órgão atuante da sociedade, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros.

V - No caso, e não obstante a Fazenda Pública ter carreado para os autos alguns elementos que podiam ser indiciadores do exercício da administração por parte da Recorrida, a verdade é que a prova produzida, designadamente a testemunhal, corrobora a alegação da Oponente, no sentido de que, apesar de ter figurado como administradora de direito da …, jamais assumiu a administração da mesma.

Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção de execução fiscal e de recursos contra-ordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais, da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul


I – RELATÓRIO

F.................. ………………….., contribuinte fiscal n.º ………, executado por reversão no processo de execução fiscal n.º …………..200, instaurado pelo Serviço de Finanças de P............, contra a sociedade P……. F........ - Supermercados, S.A., por dívida IVA do período de 2011/07, deduziu no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Almada oposição à referida execução fiscal.

Por sentença de 25/11/22, o referido Tribunal julgou procedente a oposição e, em consequência, determinou a extinção da execução fiscal quanto ao Oponente.

Inconformada com o assim decidido, a FAZENDA PÚBLICA apelou para este Tribunal Central Administrativo Sul (TCA Sul), formulando na sua alegação as seguintes conclusões:

A. A questão a apreciar e a decidir resume-se à verificação da legitimidade do oponente/recorrido para os termos da execução fiscal em causa.

B. A Fazenda Pública considera existir erro de julgamento quanto à matéria de facto e de direito, por errada valoração dos elementos constantes dos autos, deficiente análise crítica das provas e consequente erro na aplicação do disposto na alínea b), do n.º 1, do art. 24.º da LGT.

C. Os fundamentos vertidos ao longo da douta sentença deveriam conduzir necessariamente a uma decisão de sentido diferente, decorrendo da interpretação dos factos provados uma interpretação jurídica diversa da fixada na sentença recorrida, razão pela qual se invoca desde já a nulidade prevista no n.º 1 do art. 125º do CPPT e art. 615º, nº 1, al. c) do CPC.

D. Considera-se estarmos perante uma errada valoração dos elementos constantes nos autos, mais concretamente dos factos dados como provados sob as letras B, P, V, W e X, os quais impunham decisão diversa da recorrida.

E. A sociedade devedora originária foi constituída em 1991, tendo sido o oponente nomeado membro do conselho de administração a 01.02.2011, com mandato vigente para o triénio de 2011/2013, e tendo renunciado ao cargo a 27.01.2012, ato registado na Conservatória do Registo Comercial, apresentação n.º 158, a 29.02.2012.

F. É facto objetivo, existindo prova nos autos, e assumido pelo próprio, a assinatura pelo oponente de diversa documentação na qualidade de administrador da sociedade devedora originária, vinculando-a, e assumindo invariavelmente aquela qualidade de administrador perante terceiros.

G. Da simples leitura da certidão permanente conclui-se que APENAS E SOMENTE com a assinatura do presidente do conselho de administração ficava a sociedade obrigada, sem necessidade de qualquer intervenção do oponente/recorrido, o qual apenas teria de formalmente participar no ato caso o presidente nele não interviesse, sendo então necessária a assinatura de dois administradores.

H. Sendo a assinatura do oponente/recorrido totalmente desnecessária nas situações em que o presidente do conselho de administração outorgava documentação em representação da sociedade, não colhe qualquer justificação para a intervenção do oponente que decorra de uma eventual obrigatoriedade legal advinda dos estatutos, como estipula a sentença.

I. Apenas se compreende tal atuação como a expressa declaração da vontade de um dos administradores, em gritante contradição com o invocado desconhecimento do conteúdo dos documentos ou com uma total ignorância da consequência dos seus atos.

J. Não pode deixar de demonstrar intenção de que ambas as assinaturas surgissem naqueles documentos, em idênticas condições e evidenciando os mesmos poderes, constando assim o oponente na qualidade de administrador da sociedade, vinculando-a perante terceiros, praticando verdadeiros atos de administração.

K. Ao assinar documentos da sociedade na qualidade de representante legal, seja nas suas relações com a Autoridade Tributária, seja em relação a situações que afetem a situação bancária da empresa, o oponente/recorrido/administrador estava a exteriorizar a vontade da sociedade, vinculando-a e representando-a perante terceiros.

L. Sendo importante sublinhar que em causa não está a “mera” assinatura do recorrido/administrador em documentos inerentes à gestão “interna” da sociedade, mas sim em contratos celebrados com entidades externas, principalmente bancárias, com uma influência e importância indiscutível na situação patrimonial da sociedade, e consequentemente, na sua viabilidade e sustentabilidade.

M. Aliás, da factualidade dada como provada resulta que, com a outorga do memorando de entendimento, datado de 31.08.2011, celebrado com as entidades bancárias (e onde consta a assinatura do oponente, na qualidade de legal representante da devedora originária) as empresas do grupo G....... perderam a possibilidade de decidir sobre pagamentos, passando essa “prerrogativa” para a “banca”.

N. Ora, inexistem dúvidas de que se apresentam como atos de gerência todos aqueles que consubstanciam decisões condicionadoras do rumo da sociedade, isto é, todos aqueles que são praticados com animus decidendi no exercício de uma gerência de direito devidamente formalizada.

O. Das regras da experiência comum resulta, forçosamente, que a oponente tomou decisões condicionadoras do destino da sociedade, praticando atos efetivos de gestão, de forma voluntária e intencional, e não somente justificada por uma obrigatoriedade legal advinda dos estatutos, como estipula a sentença.

P. Neste contexto, entende a Fazenda Pública que o Tribunal a quo errou no seu julgamento de facto e direito, enfermando a sentença de uma errónea apreciação dos factos relevantes para a decisão e de uma errada interpretação da lei aplicável ao caso em apreço, devendo a sentença ser revogada.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por acórdão que declare a oposição totalmente improcedente. Porém, V. Exas. Decidindo, farão a costumada JUSTIÇA.


*


São as seguintes as conclusões das contra-alegações:

1. O Recurso interposto pela AT, contra a Sentença recorrida, na medida em que extinguiu a execução por reversão do Recorrido, por considerar o que o mesmo não foi gerente de facto da devedora originária, deve ser julgado improcedente.

2. Falece razão à AT, quando se insurge contra a Sentença proferida nos presentes autos por considerar que, estando provado que o Recorrido assinou documentos, entre os quais contratos, fica no entender da AT demonstrado que exerceu a administração de facto da devedora originária.

3. A reversão por dívidas tributárias encontra-se ligada ao exercício efetivo da gerência/administração/direção (dependendo da natureza da devedora originária).

4. E tal exigência do exercício efetivo de funções de administração decorre do facto de a reversão prevista na mencionada disposição legal estar ligada a uma lógica de culpa: ou culpa, em atos praticados pelo administrador que levaram a que o património da sociedade se tenha tornado insuficiente para o pagamento de dívidas (al. a) do n.º 1 do art. 24.º da LGT); ou culpa (ainda que presumida e não ilidida) pela falta de pagamento das dívidas tributárias (al. a) do n.º 1 do art. 24.º da LGT).

5. Ora, só agiu (ou se pode presumir que agiu) com culpa, aquele que efetivamente esteve a agir em nome da sociedade devedora originária. Aquele que decidiu a vida da sociedade, tomado as decisões em nome da mesma de contratar, com fornecedores, clientes, funcionários e outros que se relacionassem com a empresa.

6. Conforme decorre de forma direta do probatório em Y), e Z) o Recorrido nunca decidiu ou determinou a vontade da devedora originária. Era um mero diretor operacional, que cumpria ordens e instruções do Presidente do Conselho de Administração.

7. Ao contrário do invocado pela AT, toda a prova realizada nos autos, relacionada com a atuação do Recorrido demonstra que o mesmo era um mero operacional de segunda linha que não determinava, nem tinha poderes efetivos para determinar a vontade da SOCIEDADE.

8. Colegas e prestadores de serviço da SOCIEDADE não reconheciam ao Recorrido poderes de administração e declararam inequivocamente que não era ele que determina a vontade da SOCIEDADE

9. Não é pelo facto de alguém assinar documentos em nome de uma sociedade que determina a sua vontade. Veja-se desde logo o caso dos procuradores, que assinam documentação a pedido e por ordens de terceiros, não determinam a vontade da assinatura e por isso não exercem a administração da sociedade.

10. No caso vertente, foi também isso que sucedeu, pois conforme provado nos autos pontos Y), e Z) do probatório, o Recorrido assinou documentação não por vontade própria, mas a pedido e por vontade do Presidente do Conselho de Administração.

11. O nexo causal de culpa estatuído pelas alíneas a) e b) do n.º1 do art. 24.º da LGT, e afastamento literal da administração de direito, para efeitos de reversão não se compadecem com qualquer juízo de presunção de responsabilidade tributária subsidiária pela assinatura de documentos

12. A assinatura de documentos na qualidade de administrador é, tal como a nomeação e registo de alguém como administrador, um mero indício de que essa pessoa determina a vontade da sociedade, e que, como tal, exerce a sua administração de facto, mas não é prova disso mesmo.

13. Só é administrador de facto se tiver efetivamente determinado a assinatura e a assinatura for a expressão do exercício desse poder, aferido junto de quem se relaciona ou se relacionou com a SOCIEDADE, tais como funcionários, clientes, fornecedores e outros terceiros.

14. O cuidado do legislador ao abranger no normativo do art. 24.º da LGT “ainda somente que de facto” é apodítico do que vai dito, pretendendo-se abranger com a reversão não aqueles que têm a aparência de administradores, mas os que efetivamente exerceram a administração

15. No caso vertente a AT escusa-se no silogismo da assinatura documentação pelo administrador de direito para inferir a administração de facto do Recorrido, quando sabe por toda a prova produzida nos autos que o Recorrido não determinava, nem determinou a vontade da sociedade, o que de conduzir à improcedência do recurso apresentado pela AT.

16. Contudo, caso por absurdo assim não se entenda, hipótese académica, levantada à cautela, por estrito dever de patrocínio, e se considere que deve vingar a tese da AT de que se verifica a administração de facto do recorrido, então o Recorrido, passa a ter interesse, nos demais fundamentos para a Oposição, sobre os quais a Sentença recorrida não se pronunciou.

17. A AT teve acesso à declaração do Dr. C........... ......... a indicar que o Recorrido nunca exerceu poderes de administração de facto da SOCIEDADE, as declarações do Dr. P ………… e do Dr. J………………., que indicavam que o Recorrido não era administrador de facto da sociedade, bem como a assinatura de diversos documentos pelo Recorrido. E perante a contraditoriedade desses elementos não curou por qualquer outra diligência de apuramento da verdade material, violando o dever de inquisitório.

18. Ao existirem elementos contraditórios, impunha-se à AT esclarecer os factos bem como esclarecer toda a factualidade apresentada sobre os negócios com Angola.

19. A reversão é ilegal, e deverá ser anulada, por violação do já referido art. 58.º da LGT, no sentido de que, perante elementos que, no limite suscitavam dúvidas acerca da administração de facto do Recorrido na devedora originária, a AT não curou de as esclarecer, nem procurou compreender o impacto da perda dos negócios com Angola.

20. A reversão é ilegal, e deverá ser anulada, por violação do já referido art. 58.º da LGT, no sentido de perante elementos que provavam que tinham ocorrido circunstâncias excecionais que demonstravam a ausência de culpa do Recorrido na falta de pagamento das dívidas, não curou de os verificar e analisar.

21. A AT teve acesso ao Plano de Negócios, Contratos com os Bancos e cartas à AT sobre a suspensão de pagamentos indicada pelo Administrador Provisório, inquiriu várias testemunhas, incluindo o ROC das empresas do Grupo que assumiu tudo o que consta da documentação antecedente, indicando que não houve responsabilidade da Administração na insolvência do Grupo ou na falta de pagamento dos tributos, pois foram circunstâncias exteriores que se impuseram, sem que nada fosse possível fazer.

22. E perante toda a documentação e depoimentos, a AT nada diligencia no sentido de se esclarecer acerca do que se passou com a empresa, não inquiriu mais ninguém, nada diz na decisão de reversão acerca do valor dos elementos de prova juntos e limita-se a fazer, como se os mesmos não existissem, mantendo a decisão de reversão.

23. Com tal atuação a AT demitiu-se de analisar verdadeiramente o que havia sucedido e de procurar a verdade material, em violação do disposto no art. 58.º da LGT, procurando apenas recolher elementos e usá-los para justificar a existência de atos de gestão, sem verdadeiramente procurar compreender o sucedido.

24. A Sentença deveria ter dado por provado que 1. A devedora originária, P……….. F........ – SUPERMERCADOS S.A. foi afetada pela nacionalização da atividade em Angola e pela perda dos 17.000.0000,00 € referidos no probatório em O), porque teve pessoal destacada em Angola, que teve que indemnizar e porque era parte nos contratos de financiamento grupados do grupo, resultando esse facto diretamente do Business Plan junto aos autos.

25. Este fato é fundamental pois reforça a ligação entre a devedora originária e a nacionalização da atividade ocorrida em Angola e com o crédito de 17 milhões de euros.

26. A Sentença recorrida deveria ter também dado por provado que: 2. A tesouraria das empresas do Grupo incluindo a da devedora originária era centralizada .

27. Esse facto decorre dos depoimentos prestados nos autos, identificados os minutos da sua gravação, e é fundamental para a descoberta da verdade material porque explica a ligação entre as empresas do Grupo no tocante à gestão de tesouraria e como a devedora originária estava ligada às outras empresas, esclarecendo que havia relação direta da devedora originária com a perda de atividade em Angola.

28. A Sentença recorrida deveria ter dado por provado que: 3. A “nacionalização” ocorrida em Angola foi completamente inesperada pela G....... que não contribuiu para a mesma.

29. Esse facto decorre dos depoimentos prestados nos autos, identificados os minutos da sua gravação, e é fundamental para a descoberta da verdade material pois apresenta factos concretos que demonstram a ausência de culpa na falta de pagamento das dívidas tributárias, atestando a ausência de existência de responsabilidade da Administração do Grupo G....... na nacionalização ocorrida.

30. A Sentença recorrida deveria ter dado por provado que: 4. O Business Plan e o Plano Financeiro referidos em C) foram elaborados com o apoio da P ………………. (PWC).

31. Esse facto decorre dos depoimentos prestados nos autos, identificados os minutos da sua gravação, e é fundamental para a descoberta da verdade material porque demonstra que a Administração da devedora originária atuou de forma zelosa e tecnicamente fundada, em consultoras externas, ao considerar que era viável reestruturar o Grupo e solver todos os compromissos, incluindo os tributário, apoiando-se em entidades de renome internacional.

32. A Sentença recorrida deveria ter dado por provado que: 5. Em 11 de Setembro de 2012, o Presidente do Conselho de Administração, dirigiu carta ao Serviço de Finanças de P............ e à Direção de Finanças de Setúbal, com conhecimento ao Dr. Jorge ………., solicitando ser esclarecido, se de facto durante o PER deveriam ser suspensos os pagamentos ao Estado, não tendo obtido qualquer resposta à mesma.

33. Esse facto decorre da prova documental e testemunhal identificados os minutos da sua gravação, e é fundamental para a descoberta da verdade material pois demonstra que a Administração da devedora originária teve sempre a preocupação de responder com as responsabilidades tributárias.

34. A Sentença recorrida deveria ter dado como provado que: 6. Em relação à causa da Insolvência da P……… F........ foi parecer do Administrador de Insolvência “…não podemos apontar uma única causa para a situação de insolvência, mas um conjunto de factores adversos que isoladamente até poderiam ser combatidos mas, evidenciando-se em simultâneo, tornam incontrolável a manutenção da saúde económica e financeira de qualquer empresa”.

35. Esse facto decorre da prova documental junta aos autos -designadamente relatório do Administrador de Insolvência e é fundamental para a descoberta da verdade material pois atesta que houve vários motivos para a insolvência que a tornaram incontrolável.

36. A Sentença recorrida deveria ter dado como provado que: 7. O Plano de Negócio referido em L) do probatório previa o pagamento de impostos ao Estado por todas as empresas do Grupo, que foram sendo cumpridos até a Banca deixar de apoiar o Grupo, momento a partir do qual passaram a ser pedidos e pagos todos os impostos em prestações, que cessaram apenas com o PER.

37. Esse facto decorre dos depoimentos prestados nos autos, identificados os minutos da sua gravação, e é fundamental para a descoberta da verdade material porque demonstra que havia preocupação no cumprimento das responsabilidades tributárias

38. A Sentença recorrida deveria ter dado como provado que: 8. Em 8/11/2011 a devedora originária requereu o pagamento em prestações da dívida exequenda e apenas suspendeu o Plano de pagamentos por indicação do Administrador Judicial nomeado no PER

39. Esse facto decorre quer do Projeto de decisão de Reversão (4.º parágrafo da pág. 16 da Sentença Recorrida e ponto g) constante da pág. 17 da Sentença Recorrida), como da Decisão de Reversão anexa à Citação (e ponto g) constante da pág. 32 da Sentença Recorrida), bem como dos depoimentos prestados nos autos, identificados os minutos da sua gravação, e é fundamental para a descoberta da verdade material porque demonstra que as dívidas ora em execução não foram pagas por indicação do Administrador Judicial nomeado no PER.

40. Em sede de Oposição na penúltima e última página da PI, o Recorrido solicitou a realização da prova documental vária, tal como listagens de valores pagos à AT, e de dívidas existentes, listagem dos prestacionais requeridos e dos pagamentos realizados e balancetes contabilístico

41. A documentação solicitada destinava-se a fazer prova de que: até 2011 a devedora originária tinha a respetiva situação tributária regularizada; até ao PER todas as dívidas da devedora originária estavam pagas ou com pedidos de pagamentos em prestações que estavam a ser cumpridos até ao PER; os pagamentos da devedora originária ao Estado estavam a ser cumpridos tal como das demais empresas do Grupo até ao PER; a envolvência da devedora originária com as demais empresas do Grupo, exposta nos balancetes, demonstra que a mesma não foi onerada com dívidas de outras empresas em prejuízo da mesma.

42. A mencionada prova é importante, por explicar as relações entre as empresas do Grupo e os pedidos de pagamentos em prestações, bem como a conduta dos administradores da devedora originária.

43. Caso este ponto venha a análise, devem sempre os presentes autos ser remetidos à 1.ª instância a fim de ser produzida a prova requerida, nos termos da al. c) do n.º 2 do art. 662.º do CPC, aplicável ex vi al. e) do art. 2.º do CPPT.

44. O Recorrido provou que não teve culpa na falta de pagamento das dívidas e na insuficiência de património para pagamento das dívidas exequendas.

45. A insolvência da devedora originária resulta da falta de receitas por perda do negócio em Angola e das indemnizações que se viu obrigada a pagar para se reestruturar.

46. A nacionalização dos ativos em Angola ocorrida em Agosto de 2010 e dívida de 17.000.000,00 €, foram inesperados e o Grupo não contribuiu para a mesma, já que nada o fazia prever pois o projeto naquele país estava a correr como esperado, havendo até uma comissão de acompanhamento.

47. Foi um elemento de boa gestão, ter procurado viabilizar as empresas do Grupo, tendo sido procurada ajuda técnica para o efeito – a PWC.

48. A PWC atestava, com um plano de negócios detalhado que era viável recuperar as empresas e cumprir com todas as responsabilidades incluindo as fiscais.

49. A Administração da devedora originária não foi imprudente perante as dificuldades, em tentar resgatar as empresas, foi antes criteriosa, preocupada e disponível, seguindo o que os técnicos – note-se dos mais avalizados do mundo – lhe indicaram para fazer.

50. Imprudente seria deixar o Grupo colapsar, prejudicando os credores, apresentando-se à insolvência, sem o tentar resgatar.

51. Para resgatar o Grupo era necessário o apoio da Banca que estabeleceu como condição controlar os pagamentos, e a Administração da devedora originária fez o que tinha que ser feito, aceitando esse controlo, até porque sendo cumprido o Plano de Negócios seriam pagos todos os credores, incluindo o Estado.

52. A devedora originária foi solvendo os seus compromissos, incluindo os de impostos e, nas situações de défice de tesouraria ia pedindo e pagando prestacionalmente as dívidas.

53. Ao obter financiamentos da Banca a Administração da devedora originária deixou de ser livre de determinar pagamentos, estando sujeita à sindicância e validação da Banca e de um CFO imposto pela mesma

54. Os pagamentos em prestações só foram suspensos a partir do PER por indicação do Administrador judicial provisório, em cumprimento do disposto no n.º 1 do art. 17.º-E e a alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º-C do CIRE, de onde resulta que todos os processos contra a entidade que requereu o PER se suspendem após a entrada do pedido em Tribunal.

55. A Administração da devedora originária compreendo o indicado pelo Administrador Judicial, mas prudente, cautelosa e zelosa do cumprimento das suas obrigações fiscais dirigiu ainda assim carta à AT, no dia 11/9/2012, ou seja, antes até da data limite de pagamento das dívidas exequendas, dando-lhe conhecimento do entendimento do Administra Judicial Provisório e solicitando ser informada se a AT tivesse entendimento diverso.

56. E perante a preocupação da Administração da devedora originária, o que fez a AT? Nada. Ignorou a comunicação em violação dos deveres de colaboração com os contribuintes, previstos no art. 59.º da LGT

57. Tal atuação é correta e adequada ao pagamento das dívidas tributárias e conservação do património para pagamento das dívidas.

58. O facto de antes do ser requerida a insolvência ter sido requerido um PER ficou a dever-se à expetativa da Administração da devedora originária de que continuaria, tal como no passado recente a ter o apoio da Banca, do Estado Português, através da PME Investimentos e de parceiros de negócio como a S.......... MC.

59. De 2010 a 7/1/2014 nenhum credor requereu a Insolvência de qualquer empresa do Grupo, dada a confiança que existia que o mesmo poderia ser bem sucedido na reestruturação

60. Quem teve apoios de cerca de 20 milhões de euros da Banca, durante 2011 e 2012, para a reestruturação, conforme consta do probatório da Sentença recorrida, esperava que esses apoios se mantivessem, especialmente no PER.

61. Daí que a decisão de pedir o PER foi um ato de boa gestão, responsabilidade e procura de solver compromissos.

62. E note-se que entre o PER e a Declaração de Insolvência mediaram 16 meses. Hoje, mais de 10 anos volvidos ainda não se encontra encerrado o processo de Insolvência das empresas (conforme é verificável no portal eletrónico das insolvências no CITIUS (https://www.citius.mj.pt/portal/consultas/consultascire.aspx).

63. Caso tivesse sido pedida a Insolvência no momento em que foi requerido o PER, em que medida seria melhor acautelado o pagamento do crédito tributário, ou teria sido evitado que o património não fosse suficiente para pagamento das dívidas tributárias? Em medida nenhuma. Não seria acautelada nenhuma das situações, pois se não houve apoios no PER não haveria logo na insolvência e o processo iria durar o que está a durar com avolumar de dívidas e juros por incumprimentos vários.

64. Não foram seguramente os 16 meses do PER, que podem ter conduzido à ausência de património para pagamento das dívidas tributárias ora em apreço.

65. Não há qualquer conduta que possa ser censurável à Administração da devedora originária.

66. Houve cuidado, empenho, disponibilidade, competência técnica, ordenada, de lealdade, dirigida à sustentabilidade da sociedade. Houve cuidado, empenho e disponibilidade ao atuar logo após a nacionalização de Agosto de 2010, apresentando um Plano de restruturação, 2 meses depois. Foram inúmeros os contactos e envolvimento com todos os credores, em especial com a Banca, mas com parceiros de negócio - S..........- e com o Estado através da PME Investimentos

67. Houve competência técnica, com o apoio e acompanhamento de várias consultoras internacionais E&Y e a PWC, e a atuação for ordenada e organizada, com um Plano, desde o início tecnicamente bem elaborado e com calendários bem definidos, com identificação de meios e aplicações.

68. Houve lealdade de sempre dar a conhecer todos os passos aos parceiros – incluindo à AT, mesmo perante a indicação do Administrador Judicial Provisório em serem suspensos os pagamentos dos prestacionais.

69. Apesar de tudo o que foi feito pela Administração das sociedades, malogradamente não foi possível recuperar as empresas, pois “…não podemos apontar uma única causa para a situação de insolvência, mas um conjunto de factores adversos que isoladamente até poderiam ser combatidos mas, evidenciando-se em simultâneo, tornam incontrolável a manutenção da saúde económica e financeira de qualquer empresa” conforme concluiu no seu Relatório o Administrador de Insolvência que acompanhou o Grupo desde o PER.

70. Assim, fica demonstrado à saciedade a gestão criteriosa, preocupada, cuidada e tecnicamente válida da Administração da devedora originária, afastando a presunção de culpa prevista na al. b) do n.º 1 do art. 24.º da LGT, o que deve conduzir à anulação da decisão de reversão.

TERMOS EM QUE DEVE SER NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELA FAZENDA PÚBLICA E MANTIDA A SENTENÇA RECORRIDA OU SUBSTITUIDA POR DECISÃO QUE ACORDE NA PROCEDÊNCIA DA OPOSIÇÃO E ANULAÇÃO DA EXECUÇÃO POR REVERSÃO


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O Exmo. Magistrado do Ministério Público (EMMP) pronunciou-se no sentido de ser negado provimento do recurso.

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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.

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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:


“A) Pelo averbamento da inscrição Ap. 30, de 01.02.1991, foi registada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa a constituição da sociedade anónima com a denominação de “Ponto F........ - Supermercados, S.A.” e o seguinte objeto social: “O exercício da actividade comercial de importação, exportação e distribuição de produtos alimentares, de higiene, limpeza e outros produtos de consumo particular em supermercados; representação de interesses e marcas de produtos nacionais e estrangeiros” (cfr. certidão permanente a fls. 51 a 59 dos autos em suporte de papel);

B) A sociedade identificada na alínea A) que antecede obrigava-se: “a) pela assinatura do presidente do conselho de administração; b) pela assinatura de dois administradores; c) pela intervenção de um administrador delegado, dentro dos limites da delegação do Conselho de Administração; d) pela assinatura de um administrador e de um procurador com poderes para a categoria de actos na qual se inclua aquele em que intervém; e) pelas assinaturas de dois procuradores, conjuntamente, com poderes para a categoria de actos na qual se inclua aquele em que intervém; f) pela assinatura de um procurador com poderes especiais” (cfr. certidão permanente a fls. 51 a 59 dos autos em suporte de papel);

C) A sociedade identificada em A) supra faz parte do grupo de sociedades designado por G......., do qual fazem parte, para além daquela sociedade, as sociedades G....... – Gestão …………, SGPS, S.A., G....... On Line – Distribuição …………, S.A., G....... – Sociedade ……, S.A., G…… – Gestão …………, S.A. e a sociedade G....... – Sociedade ……., S.A. (cfr. “business plan” de fls. 835 a 888, relatório a fls. 900 a 932 e “Memorando de Entendimento” de fls. 1077 a 1093, todas dos autos);

D) O “Grupo G.......”, identificado na alínea anterior, dedica-se à atividade de logística e distribuição, por grosso e a retalho, nas áreas alimentares e não alimentares (cfr. “business plan” de fls. 835 a 888, relatório a fls. 900 a 932 e “Memorando de Entendimento” de fls. 1077 a 1093, todas dos autos);

E) Até 2006, o “Grupo G.......” desenvolvia a sua atividade essencialmente em Portugal (cfr. relatório a fls. 900 a 932 dos autos);

F) A partir de 2006, o “Grupo G.......” passou a desenvolver a sua atividade também no mercado angolano, no âmbito da criação e gestão do denominado “PRESILD – Programa de Reestruturação de Logística e Distribuição de Meios Essenciais à População” (cfr. relatório a fls. 900 a 932 dos autos);

G) Em 10.10.2007, foi celebrado entre o “Grupo de Coordenação do Presild – ……………” e o “Grupo G......./P…………. – Consultores ………., Lda.”, em representação de “G....... Angola – Gestão ……………., S.A.” e “EAA – Entreposto Aduaneiro de Angola, E.P.”, o denominado “Contrato de Gestão Integrada por Objectivos”, relativo à “conceptualização, implementação e gestão da Rede Integrada de Logística e Distribuição, de uma Nova Rede Comercial de Proximidade, das Lojas Pedagógicas para o Setor do Comércio e do Desenvolvimento da Produção Interna, tudo no âmbito do Programa de Reestruturação do Sistema de Logística e de Distribuição de Produtos Essenciais à População – Presild – Nova Rede Comercial” (cfr. “Contrato de Gestão Integrada por Objectivos” a fls. 1258 a 1313 dos autos);

H) O negócio de Angola significava 50% do volume de negócio do grupo G....... (cfr. relatório junto a fls. 900 a 932 dos autos e depoimento das testemunhas J …………….. e T ………………..);

I) Em agosto de 2010, o Estado Angolano rescindiu unilateralmente o contrato identificado na alínea G) supra com o grupo G....... (facto não controvertido, que se extrai da carta remetida pela sociedade G....... – Gestão ……………, SGPS, S.A.” ao ………. B………., a fls. 832 a 834 dos autos, que integra o doc. 3 junto com a petição inicial, e depoimento das testemunhas J ……………… e T ………………);

J) Na sequência da rescisão unilateral do contrato identificado na alínea G) supra, o “Grupo G.......” perdeu cerca de 50% do respetivo volume de negócios (facto que se extrai do “Business Plan” e do relatório juntos a fls. 835 a 888 e 900 a 932 dos autos, que integram o doc. 3 junto com a petição inicial);

K) O “Grupo G.......” ficou com um crédito sobre entidades angolanas de cerca de dezassete milhões de euros (cfr. facto que se extrai do “Plano Financeiro” anexo ao “Business Plan”, a fls. 890 a 899, e do relatório de fls. 900 a 932 dos autos, que integram o doc. 3 junto com a petição inicial, e é confirmado pelo depoimento da testemunha M …………………………);

L) Em outubro de 2010, o “Grupo G.......” apresentou junto de entidades bancárias um plano de reestruturação de toda a atividade do grupo (cfr. “Business Plan” e respetivo “Plano Financeiro”, a fls. 835 a 899 dos autos);

M) Em 13.12.2010, foi aprovada a disponibilização ao “Grupo G.......” da denominada “linha confirming”, no valor de oito milhões de euros (cfr. facto que se extrai do relatório a fls. 900 a 932 dos autos, que integra o doc. 3 junto com a petição inicial);

N) Por deliberação de 01.02.2011, registada na Conservatória do Registo Predial/Comercial do Seixal em 16.02.2011, o Oponente foi designado como vogal do Conselho de Administração da sociedade identificada em A) supra, para o triénio 2011/2013 (cfr. certidão permanente a fls. 51 a 59 dos autos em suporte de papel);

O) Em data não concretamente apurada, o “Grupo G.......” encetou negociações com o IAPMEI com vista à participação do Estado, através da “PME Investimentos, S.A.” e do “Fundo Autónomo à Concentração e Consolidação de Empresas” («FACCE»), no apoio à tesouraria do grupo (facto que se extrai do “Memorando de Entendimento” e respetivo Anexo I, a fls. 1077 a 1095 dos autos, integrante do doc. 4 da petição inicial);

P) Em 31.08.2011, foi assinado um “Memorando de Entendimento” entre C…….. ........., G....... – Gestão ……….., SGPS, S.A., G....... Online – Distribuição ………., S.A., G…….. – Gestão de Plataformas ………….., S.A., G....... – Sociedade ……….., S.A., P………..F........ – Supermercados, S.A., G....... – Sociedade ……………., S.A. e Banco …………., S.A., Banco ………., S.A., Banco ….., S.A. e B……….. – Banco ……………………, S.A., no qual foram estabelecidos os termos e condições de “alteração dos financiamentos existentes e contratação de novos financiamentos”, do qual consta, designadamente, que o grupo de empresas se candidatou ao “Fundo Autónomo de Apoio à Concentração e Consolidação de Empresas” gerido pela PME Investimentos, S.A. (cfr. “Memorando de Entendimento” e respetivo Anexo I, a fls. 1077 a 1095 dos autos, integrante do doc. 4 da petição inicial);

Q) Prevê o “Memorando de Entendimento” mencionado na alínea anterior que os compromissos assumidos pelas entidades bancárias ficariam sujeitos, entre outros, à nomeação de um “CFO” (“chief financial officer”), para intervir em todas as operações com impacto financeiro no “Grupo G.......”, e à nomeação da “E....... & Y.....”, enquanto revisor oficial de contas de todas as sociedades do “Grupo G.......” (cfr. “Memorando de Entendimento” e respetivo Anexo I, a fls. 1077 a 1095 dos autos, integrante do doc. 4 da petição inicial);

R) Em 04.10.2011, foi instaurado no Serviço de Finanças de P............, contra a sociedade identificada na alínea A) supra, o processo de execução fiscal n.º ……………..200, por dívida de IVA relativo ao período de 2011/07, no valor de 95.692,16 EUR (39.984,22 EUR, aquando da reversão), tendo como data limite de pagamento voluntário o dia 12.09.2011 (cfr. documentos de fls. 1 dos autos e fls. 1 a 2 verso do processo de execução fiscal apenso aos autos);

S) Em 14.11.2011, o conselho de administração da sociedade P…….. F........ – Supermercados, S.A., identificada na alínea A) supra, em reunião em que participaram o seu presidente, C........... …. ........., e o ora Oponente, deliberou, por unanimidade, nomear, para “CFO” da sociedade, J ………………(cfr. ata n.º 12, junta a fls. 1161 dos autos);

T) Em 17.11.2011, foi celebrado entre a sociedade G....... – Gestão …………… SGPS, S.A. e a S.......... MC – …………, SGPS, S.A. um “Acordo”, no qual foram estabelecidos “os principais termos e condições de uma relação de natureza duradoura entre sociedades pertencentes aos dois grupos” (cfr. documento junto a fls. 1133 a 1147 dos autos);

U) Em 25.11.2011, foi celebrado entre as sociedades G....... Online – Distribuição ………, S.A., G....... – Gestão ……………, SGPS, S.A., Banco …………., S.A. e Banco ………….., S.A. um “Contrato de Abertura de Crédito”, nos termos do qual cada um dos bancos concedeu à sociedade G....... Online – ……………., S.A., que aceitou, “uma abertura de crédito em conta corrente até ao montante total máximo de um milhão e novecentos mil euros”, “ambos os montantes para reembolso integral na data de vencimento”, ficando os pedidos de utilização, em tranches mínimas de quinhentos mil euros, sujeitos a apreciação dos bancos (cfr. documento junto a fls. 1113 a 1132 dos autos);

V) Em 28.12.2011 foi celebrado um aditamento ao Contrato de Abertura de Crédito – Contrato Umbrella Grupado - celebrado em 29.12.2004, entre o Banco ……………, S.A., a G....... – Gestão de ………….., SGPS, S.A., a G....... – Sociedade ………., S.A., a G....... Online – Distribuição ………….., S.A., G…….. – Gestão de ……………., S.A., P……… F........ – Supermercados, S.A. e a sociedade G....... – Sociedade ……….., S.A., sendo disponibilizado um crédito de 10.000.000,00 EUR que se vencia em 31.12.2013, podendo ser prorrogado por prazos sucessivos de noventa dias, sendo que todas as utilizações de crédito teriam de ser autorizadas pelo Banco (cfr. documento junto a fls. 1243 a 1250 dos autos);

W) O ora Oponente assinou, na qualidade de administrador da sociedade P……….. F........ - Supermercados, S.A., identificada em A) supra, os documentos mencionados nas alíneas P) e V) supra (cfr. documentos juntos a fls. 1077 a 1093 e 1243 a 1250 dos autos);

X) Aos 14.11.2011, o ora Oponente assinou, na qualidade de administrador da sociedade P………..F........ - Supermercados, S.A., identificada em A) supra, a Ata n.º 12, da qual consta a nomeação do Dr. J …………….. como CFO da referida sociedade (cfr. documento junto a fls. 1161 dos autos);

Y) Os acordos e decisões a que se reportam os documentos mencionados nas alíneas W) e X) supra eram negociados e/ou decididos pelo presidente do concelho de administração da sociedade identificada em A) supra, C........... ………… (cfr. declarações constantes do documento de fls. 21 do processo de execução fiscal apenso aos autos);

Z) Era o presidente do concelho de administração da sociedade identificada em A) supra, C........... ………….., quem tomava todas as decisões de gestão da referida sociedade (cfr. declarações constantes do documento de fls. 21 do processo de execução apenso aos autos e depoimento da testemunha José Soares Barroso);

AA) A administração do grupo G......., no âmbito do contrato de “confirming”, elaborava listas de pagamentos que tinha que efetuar e o CFO/supervisor financeiro nomeado para todas as empresas do grupo validava e autorizava os pagamentos dessas empresas, de acordo com as instruções da Banca (cfr. relatório a fls. 900 a 932 dos autos, depoimento da testemunha José da Silva Pereira e declarações de J …………… e C…………. ........., prestadas no âmbito do processo de execução fiscal n.º …………..201, juntas a fls. 52 e 55 do processo de execução fiscal apenso aos autos);

BB) Em 29.02.2012, foi registada na Conservatória do Registo Comercial de Setúbal a “cessação de funções” do Oponente como vogal do conselho de administração da sociedade identificada em A) supra, por renúncia em 27.01.2012 (cfr. certidão permanente a fls. 51 a 59 dos autos em suporte de papel);

CC) Em 30.03.2012, foi emitida a ata n.º 16, relativa a reunião do conselho de administração da sociedade identificada na alínea A) supra, da qual conta que, na referida reunião, C…….. ........., na qualidade de presidente do conselho de administração, declarou que “o não cumprimento das obrigações da sociedade perante o Fisco e a Segurança Social, ocorrido entre Maio de 2011 e Fevereiro de 2012, resultou de decisões que ele próprio tomou e negociou no âmbito dos acordos de reestruturação discutidos com os Bancos, em consequência da situação económica e financeira da sociedade e do grupo” e que “tais decisões são da sua inteira e exclusiva responsabilidade já que os Administradores da sociedade ascenderam da sua condição de quadros superiores a este cargo num enquadramento de subordinação funcional” e que “todas as opções de gestão e administração adoptadas na sociedade são da sua exclusiva responsabilidade, não tendo nelas participado materialmente os restantes administradores (cfr. documento de fls. 21 do processo de execução fiscal apenso aos autos);

DD) A sociedade identificada em A) supra intentou um processo especial de revitalização, que correu termos no 3.º Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa, sob o n.º 1523/12.4TYLSB (cfr. documento n.º 4, para que remete o despacho de reversão, junto a fls. 68 a 71 dos autos em suporte de papel);

EE) Em 10.09.2012, no âmbito do processo especial de revitalização referido na alínea anterior, foi nomeado como administrador judicial provisório Jorge ……………….. (cfr. documento n.º 4, para que remete o despacho de reversão, junto a fls. 68 a 71 dos autos em suporte de papel);

FF) No âmbito do processo especial de revitalização a que se referem as alíneas anteriores, o administrador judicial provisório emitiu “Parecer” no sentido de que a sociedade identificada na alínea A) supra se encontrava em situação de insolvência, dele resultando que “verificados os elementos contabilísticos, conclui-se que o activo da sociedade é substancialmente inferior ao seu passivo”, encontrando-se inativa (cfr. documento n.º 6 – páginas 4 a 9 – para que remete o despacho de reversão, junto a fls. 86 a 91 dos autos em suporte de papel);

GG) Por indicação do administrador judicial provisório identificado em EE) supra, foram suspensos todos os pagamentos a que a sociedade devedora originária estava vinculada (cfr. depoimentos de C........................... e J …………….);

HH) Em 07.01.2014, foi declarada a insolvência da sociedade identificada em A) supra, por sentença proferida pelo Tribunal de Comércio de Lisboa, 2.º Juízo, no âmbito do processo n.º1133/11.3TYLSB, tendo sido nomeado administrador da insolvência Jorge …………… (cfr. documento n.º 5, para que remete o despacho de reversão, junto a fls. 76 a 82 dos autos em suporte de papel);

II) Por despacho datado de 25.06.2014, a Chefe do Serviço de Finanças de P............ determinou a reversão da execução fiscal identificado em R) supra contra C…………........ (cfr. documento de fls. 65 a 82 do processo de execução fiscal apenso aos autos);

JJ) Em 04.12.2014, foi proferido pela Chefe do Serviço de Finanças de P............ o denominado “Projecto de Decisão”, no qual foi determinada a notificação do Oponente para o exercício do direito de audição prévia à reversão contra o mesmo do processo de execução fiscal identificado em R) supra, constando do mesmo o seguinte:

« Texto no original»

(cfr. documento de fls. 92 a 104 do processo de execução fiscal apenso aos autos);

KK) Em cumprimento do despacho reproduzido na alínea anterior, o Serviço de Finanças de P............ remeteu ao Oponente ofício de “NOTIFICAÇÃO AUDIÇÃO PRÉVIA (Reversão)”, datado de 04.12.2014 (cfr. documentos de fls. 106 processo de execução fiscal apenso aos autos); LL) Em 08.01.2015, o Oponente apresentou junto do Serviço de Finanças de P............, no âmbito do processo de execução referido na alínea R) supra, requerimento “para o exercício de audição prévia”, no qual requer a “anulação do presente processo de reversão”, com as seguintes conclusões:


“CONCLUINDO

102. Atento o exposto, é evidente que não existe culpa do Requerente ou do Dr. C........... ......... pela alegada falta de pagamento das dívidas exequendas, sendo ilidida a presunção legal, porquanto, ocorreu um evento inesperado e não controlável que levou à inexistência de tesouraria para fazer face ao normal desenvolvimento da actividade e aos compromissos a ela inerentes, colocando em causa a subsistência do grupo.

103. Por via disso, foi necessário elaborar um plano de reestruturação e vincular as decisões do grupo e acção do Dr. C........... ......... aos circunstancialismos e constrangimentos no mesmo assumidos.

104. Por seu turno, os compromissos assumidos no próprio plano de reestruturação, levavam a que a tesouraria ficasse dependente da vontade de terceiros.

105. O Dr. C........... ......... foi sempre um escrupuloso gestor, cumpridor de todas as obrigações fiscais das empresas do grupo que presidia, tendo ocorrido o pagamento de vários milhões de euros em tributos ao Estado.

106. As presente dívidas ficam a dever-se a motivos que lhe são estranhos e que se lhe impuseram de forma inexorável, que o mesmo não conseguiu, apesar de tudo ter feito, ultrapassar, porquanto:

a. Perdeu a área de negócios desenvolvida com Angola, o que lhe ocasionou sérias repercussões a nível económico, pelo volume de negócios realizado, e a nível financeiro pelos créditos detidos;

b. Apesar tais factos, os impostos directos referentes às exportações e prestações de serviços a Angola foram pagos;

c. Imediatamente o Dr. C........... ......... logrou apurar se era possível recuperar o grupo e honrar os respectivos compromissos, tendo sido apresentado em menos de 1 mês um projecto de recuperação aos parceiros de negócio;

d. Os parceiros aceitam em princípio de apoio apoiar a recuperação;

e. São acordados contractos de financiamento - Confirming - com a Banca;

f. A gestão da tesouraria das empresas do grupo deixa de depender apenas do Dr. C........... .........; g. Problemas no circuito bancário atrasam a execução do projecto de recuperação;

h. O Estado português aceita associar-se e apoiar a recuperação;

i. Contudo, o estado do País atrasa a formalização dos contractos de apoio com o Estado, sem que nada mais o Dr. C........... ......... pudesse fazer para acelerar o processo;

j. Foram firmados novos contractos de financiamento com a Banca, em Agosto de 2011, com perda integral da determinação de pagamentos nas empresas do grupo;

k. O Estado finalmente aceita formalmente participar na recuperação;

l. O Dr. C........... ......... acredita que o processo de recuperação se viabilizará e que começarão a ser cumpridos todos os compromissos;

m. O PER esgota o calendário sem acordo final;

n. O Administrador Judicial Provisório impede a realização de pagamentos ao Estado, tal como as dívidas ora em execução;

107. Fica assim mais que demonstrada a ausência de culpa do Requerente e do Dr. C........... ......... no pagamento das dívidas exequendas;

108. Pelo que, não pode proceder a presente reversão contra o Requerente sob pena de violação frontal do disposto no art. 24.° n.° 1 al. b) da LGT;

109. Para prova dos pontos anteriores, designadamente prova da ausência de culpa na falta de pagamento das dívidas exequendas, requer-se que sejam atendidas nos autos as declarações já referidos prestados pelo Dr. P ………….. e do Dr. C........... ........., os outros dois elementos nomeados para o Conselho de Administração da devedora originária, bem como do Dr. S …………., responsável pela B………., a empresa auditora da devedora originária e do grupo G......., prestadas no âmbito do processo executivo …………….201.

110. Logo, por todo o vertente, a presente proposta de reversão deverá ser totalmente anulada”

(cfr. documento a fls. 108 a 116 do processo de execução apenso aos autos);

MM) Por despacho datado de 08.01.2015, a Chefe do Serviço de Finanças de P............ determinou a reversão contra o Oponente do processo de execução fiscal identificado na alínea R) supra, constando do mesmo o seguinte:

«Texto no original»


(…)” (cfr. documento de fls. 119 a 130 do processo de execução fiscal apenso aos autos);

NN) O Serviço de Finanças de P............ remeteu ao Oponente, por carta registada com aviso de receção, o denominado ofício de “citação (reversão)”, datado de 08.01.2015, e rececionado pelo Oponente em 13.01.2015, comunicando o despacho mencionado na alínea anterior (cfr. documentos de fls. 132 a 136 do processo de execução fiscal apenso aos autos).


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FACTOS NÃO PROVADOS: não existem factos a dar como não provados com interesse para a decisão.

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A decisão da matéria de facto relevante para a decisão da causa, salvo quanto aos factos assentes nas alíneas H), I), K), Y), Z), AA) e GG) do probatório, efetuou-se, exclusivamente, com base no exame dos documentos constantes dos presentes autos e do processo de execução fiscal apenso, não impugnados, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.

Quanto à factualidade vertida nas alíneas H), I), K), Y), Z), AA) e GG) do probatório, a convicção do tribunal formou-se com base nos documentos aí especificados, bem como nas declarações de J …………….. e C………. ........., prestadas no âmbito do processo de execução fiscal n.º ………..201, juntas a fls. 52 e 55 do processo de execução fiscal em causa nos presentes autos, nas declarações de C………. ........., constantes da ata junta a fls. 21 do processo de execução fiscal apenso aos autos, e nos depoimentos das testemunhas J ………….., T …………, M …………, José ………… e C........... …….. ......... (produzidos no âmbito dos processos de oposição n.ºs 669/14.9BEALM e 722/14.9BEALM, prova aproveitada no presente processo), testemunhas que demonstraram ter um conhecimento direto dos factos relatados.

Quanto ao facto dado como provado na alínea H) do probatório, a convicção do Tribunal formou-se, não só pela análise do documento mencionado para fundamentação do referido facto, junto a fls. 900 a 932 dos autos, mas também com base no depoimento das testemunhas José …………..e T ………….

A testemunha José ……………. foi revisor oficial de contas de todo o “Grupo G.......”, nos anos de 2010 e 2011, tendo acompanhado o mesmo até à entrada do administrador judicial provisório.

Já quanto a T ……………., declarou ser responsável de controlo de gestão, tendo trabalhado na sociedade Gestão ………….., SGPS, S.A., desde agosto de 2007 até novembro de 2011.

Ambas as testemunhas corroboraram a informação constante do relatório junto a fls. 900 a 932 dos autos, declarando de forma expressa e segura que o negócio de Angola significava cerca de 50% do volume de negócio do “Grupo G.......”. Tendo, assim, a conjugação do teor do mencionado documento com o depoimento das referidas testemunhas, permitido a fixação do facto assente em H) do probatório.

O depoimento das referidas testemunhas, J ……………. e T ………….., relevaram também para a fixação do facto assente em I) do probatório, ao confirmaram a ocorrência da rescisão unilateral pelo Estado Angolano do contrato identificado em G) do probatório, também mencionada no documento a fls. 832 a 834 dos autos.

Relativamente aos factos assentes em Y) e Z) do probatório, relevaram as declarações do presidente do concelho de administração da sociedade devedora originária, C……......., constantes da ata n.º 16 da referida sociedade, a fls. 21 do processo de execução apenso aos autos, parcialmente reproduzidas em CC) dos factos provados, bem como o depoimento da testemunha J …………, prestado em consonância com as referidas declarações.

C……….. ........., enquanto presidente do conselho de administração de todas as sociedades do “Grupo G.......”, incluindo a sociedade devedora originária, tendo um conhecimento privilegiado dos factos.

Nas mencionadas declarações do presidente do concelho de administração da sociedade devedora originária, este confirma que “todas as opções de gestão e administração adoptadas na sociedade são da sua exclusiva responsabilidade, não tendo nelas participado materialmente os restantes administradores”.

Mais declara que foi ele próprio que tomou e negociou as decisões no âmbito dos acordos de reestruturação discutidos com os bancos, onde se enquadram os três atos de gestão em que participou, com a sua assinatura, o ora Oponente, correspondentes às decisões/acordos identificados nas alíneas P), V) e S) do probatório, conforme assente em W) e X) do mesmo probatório.

Mais confirmando que “tais decisões são da sua inteira e exclusiva responsabilidade já que os Administradores da sociedade ascenderam da sua condição de quadros superiores a este cargo num enquadramento de subordinação funcional”. Esclarecendo, assim, que o Oponente, enquanto administrador da sociedade devedora originária, manteve a relação de “subordinação” a que estava sujeito em relação ao presidente do conselho de administração da referida sociedade, colocando em causa o seu poder de decisão e independência nas funções exercidas.

Estas declarações são corroboradas pelo depoimento da testemunha J ………….. que declarou que era o presidente do conselho de administração da sociedade, Dr. C........... ........., que tomava as decisões, sendo com o mesmo que reunia.

Quanto ao facto dado como provado em AA) do probatório, relevou aqui, para além do relatório junto a fls. 900 a 932 dos autos, o depoimento da testemunha J …………., o qual assume ter trabalhado para o “Grupo G.......” desde meados novembro de 2011, como supervisor financeiro, nomeado pelos Bancos M………… e B., e declarou que toda e qualquer disponibilização de meios financeiros por parte dos bancos para o Grupo dependia do seu parecer favorável.

Sendo a testemunha o próprio CFO/supervisor financeiro em causa no facto dado como provado, a mesma tem um conhecimento direto e privilegiado do mesmo, mostrando-se credível o seu depoimento.

No mesmo sentido vão as declarações de J …………., prestadas no âmbito do processo de execução fiscal n.º …………..201, juntas ao processo de execução fiscal em referência (fls. 55 e 55 verso), o qual afirmou que, no seguimento do processo de reestruturação da sociedade, a Banca “nomeou um responsável que validava e autorizava todos os pagamentos tendo em conta todo o passivo”.

As citadas declarações mostram-se também em consonância com as declarações de C......................., prestadas no âmbito do processo de execução fiscal n.º ………….201, juntas a fls. 52 e 52 verso do processo de execução fiscal em referência, quando afirmou que o “gestor financeiro indicado no plano de reestruturação Dr. S ………… (…) passou a coordenar/supervisionar e obter autorização do banco líder do consorcio das autorizações de pagamento”.

Também para a fixação do facto assente em GG) do probatório concorreram os depoimentos das testemunhas C........... …….. e J …………., tendo o primeiro declarado que o administrador judicial provisório nomeado no âmbito do PER lhe comunicou, na primeira reunião que tiveram, “que não se podia pagar nada para trás”, tendo aquela segunda testemunha afirmado que, por indicação do administrador judicial provisório, “deixou de fazer os pagamentos”, por se ter considerado que, a partir do momento em que estavam no âmbito de um PER, esses pagamentos também podiam ser suspensos.

A coerência e objetividade dos depoimentos mencionados supra, revelando um conhecimento direto e convergente dos factos, permitiu (em alguns casos, corroborando outros elementos de prova) dar como provados os factos assentes nas alíneas H), I), K), Y), Z), AA) e GG) do probatório.”


*

- De Direito

A sentença que aqui vem posta em causa julgou a oposição procedente e, em consequência, determinou a extinção da execução fiscal quanto ao Oponente.

Foram vários os fundamentos de oposição invocados na p.i, tendo a sentença iniciado a sua análise pela alegada falta de prova quanto à insuficiência patrimonial da devedora originária. Tal fundamento foi julgado improcedente. Seguidamente, o TAF de Almada passou a apreciar o vício correspondente à ilegitimidade, assente na falta de exercício de facto da administração da sociedade devedora originária e, quanto a este fundamento, deu razão ao Oponente. Assim sendo, ficou prejudicado o conhecimento dos demais fundamentos da oposição.

Vejamos, então, o recurso que nos vem dirigido.

A primeira questão que se impõe que decidamos prende-se com a invocada nulidade da sentença por os seus fundamentos estarem em oposição com a decisão. A este propósito sustenta a Recorrente que “Os fundamentos vertidos ao longo da douta sentença deveriam conduzir necessariamente a uma decisão de sentido diferente, decorrendo da interpretação dos factos provados uma interpretação jurídica diversa da fixada na sentença recorrida, razão pela qual se invoca desde já a nulidade prevista no n.º 1 do art. 125º do CPPT e art. 615º, nº 1, al. c) do CPC”.

Vejamos.

Fazendo uma síntese sobre o alcance da nulidade em causa, convoca-se o acórdão do STJ proferido no processo nº 3167/17.5T8LSB.L1.S1, em 14/04/21. Aí se escreveu:

“Dispõe o artigo 615º, nº 1, al. c) do C.P.C. “é nula a sentença quando (…) os fundamentos estejam em oposição com a decisão (…)”.

É pacífico na doutrina e jurisprudência o entendimento segundo o qual a nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão aí contemplada pressupõe um erro de raciocínio lógico consistente em a decisão emitida ser contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito de que o juiz se serviu ao proferi-la: a contradição geradora de nulidade ocorre quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto ou, pelo menos, de sentido diferente (cf. nesse sentido, na doutrina Professor Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, , Vol. V, pág. 141, Coimbra Editora, 1981, Amâncio Ferreira, Manual de Recursos no Processo Civil, 9ª edição, pág. 56 e Lebre de Freitas e Isabel Alexandra, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 3ª edição, pág. 736-737, e na jurisprudência, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Secção Social, de 28.10.2010, Procº nº 2375/18.6T8VFX.L1.S3, 21.3.2018, Procº nº 471/10.7TTCSC.L1.S2, e 9.2.2017, Procº nº 2913/14.3TTLSB.L1-S1).

É igualmente pacífico o entendimento de que a divergência entre os factos provados e a decisão não integra tal nulidade reconduzindo-se a erro de julgamento.

Neste sentido afirmou-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 30.5.2013, Procº nº 660/1999.P1.S1, que:

“I- A contradição a que a lei impõe o efeito inquinatório da sentença como nulidade, é a oposição entre os fundamentos e a decisão – art.º 668º, nº 1, al. d) do CPC.
II- Porém, para que tal ocorra, não basta uma qualquer divergência inferida entre os factos provados e a solução jurídica, pois tal divergência pode consubstanciar um mero erro de julgamento (error in judicando) sem a gravidade de uma nulidade da sentença. Como escreve Amâncio Ferreira «a oposição entre os fundamentos e a decisão não se reconduz a uma errada subsunção dos factos à norma jurídica nem, tão pouco, a uma errada interpretação dela. Situações destas configuram-se como erro de julgamento» (A. Ferreira, Manual de Recursos em Processo Civil, 9ª edição, pg. 56).

III- A contradição entre os fundamentos e a decisão prevista na alínea c) do nº 1 do art.º 668º, ainda nas palavras do citado autor, verifica-se quando «a construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos pelo Juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente».

Mais recentemente, em sentido idêntico, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Secção Social, de 18.1.2018, Procº nº 25106/15.8T8LSB.L1.S1, afirmou-se que “a nulidade prevista no artº 615º, nº 1, al. c), do CPC consiste na contradição entre os fundamentos exarados pelo juiz na fundamentação da decisão e não entre os factos provados e a decisão”.” – fim de citação.

No caso em análise, é patente que tal contradição não existe; o que acontece é que – isso, sim – a Recorrente entende que face à matéria de facto provada e em face daquela que (em seu entendimento) deveria ser a correta apreciação crítica da prova, a solução jurídica a que o TAF deveria ter chegado era outra. Concretizando, entende a Recorrente que, face ao julgamento de facto, a decisão do Mmo. Juiz só poderia ter sido no sentido de o Oponente ser considerado administrador de facto da devedora originária e, como tal, ser parte legítima na execução fiscal contra si revertida.

Está bom de ver que o assim dito o que encerra é – porventura - um erro de julgamento. Para a Recorrente, partindo do circunstancialismo apurado o desfecho só podia ser no sentido da responsabilização do Oponente. Temos, pois, nesta perspetiva, que a Recorrente vislumbra aqui um erro de julgamento.

Com efeito, partindo dos factos apurados (que não vêm impugnados), a sentença alcança uma solução jurídica distinta da defendida pela Recorrente, sendo evidente a coerência do raciocínio adotado pelo Juiz a quo. Para o TAF de Almada “não obstante o Oponente ter praticado alguns, poucos, atos concretos que poderiam indiciar o exercício das funções de administrador, analisando o contexto da matéria de facto provada, verifica-se que o Oponente não estava a dirigir a vontade e destino da sociedade devedora originária, mas que se limitava a assinar documentos negociados e decididos pelo presidente do conselho de administração”.

Como está bem de ver, a conclusão alcançada pelo Tribunal recorrido pode até estar errada; é isso, aliás, que vamos apreciar seguidamente. Contudo, a leitura da sentença, apreciados os seus fundamentos e a decisão, não se revela minimamente contraditória.

Em suma, a sentença não padece da nulidade que lhe vem apontada, improcedendo, assim, esta primeira questão.

Prosseguindo.


*

Como resulta das conclusões, a Fazenda Pública “considera existir erro de julgamento quanto à matéria de facto e de direito, por errada valoração dos elementos constantes dos autos, deficiente análise crítica das provas e consequente erro na aplicação do disposto na alínea b), do n.º 1, do art. 24.º da LGT”. A este propósito refere, ainda, a Recorrente que estamos “perante uma errada valoração dos elementos constantes nos autos, mais concretamente dos factos dados como provados sob as letras B, P, V, W e X, os quais impunham decisão diversa da recorrida”.

Vejamos o que dizer a este propósito, sendo evidente que a discordância da Recorrente com o julgamento da matéria de facto se apresenta, a todos os títulos, vaga e genérica e, como tal, sem a densificação legalmente exigível para os efeitos visados.

Na decisão sobre a matéria de facto o juiz a quo aprecia livremente as provas, analisa-as de forma crítica e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, especificando os fundamentos que foram decisivos para a formação de tal convicção, exceto quando a lei exija formalidades especiais para a prova dos factos controvertidos, caso em que tal prova não pode ser dispensada.

É, pois, pela fundamentação invocada para a decisão que normalmente se afere a correção do juízo crítico sobre as provas produzidas.

Assim, assentando a decisão da matéria de facto na convicção criada no espírito do juiz e baseada na livre apreciação das provas testemunhal e documental que lhe foram apresentadas, a sindicância de tal decisão não pode deixar de respeitar a liberdade da 1ª instância na apreciação dessas provas.

Como se aponta no acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 05/05/11 (processo nº 334/07.3 TBASL.E1), “O erro na apreciação das provas consiste em o tribunal ter dado como provado ou não provado determinado facto quando a conclusão deveria ter sido manifestamente contrária, seja por força de uma incongruência lógica, seja por ofender princípios e leis científicas, nomeadamente, das ciências da natureza e das ciências físicas ou contrariar princípios gerais da experiência comum (sendo em todos os casos o erro mesmo notório e evidente), seja também quando a valoração das provas produzidas apontarem num sentido diverso do acolhido pela decisão judicial mas, note-se, excluindo este.

Não basta, pois, que as provas permitam dentro da liberdade de apreciação das mesmas, uma conclusão diferente, a decisão diversa a que aludem os artºs 690-A nº 1 al. b) e 712º nº 1 al. a) e b), terá que ser única ou, no mínimo, com elevada probabilidade e não apenas uma das possíveis dentro da liberdade de julgamento.”

O que constatamos da leitura das alegações de recurso e das respetivas conclusões é que não vem minimamente ensaiado qualquer erro quanto à apreciação crítica da prova, o qual, de resto, este Tribunal não vislumbra em face da extensa motivação adotada na sentença.

Por seu turno, e como se disse no acórdão desta TCA, de 19/11/20, no processo nº 1102/05.2BELSB:

“A alteração pelo TCA da decisão da matéria de facto pressupõe que, para além da indicação dos pontos de facto considerados incorrectamente julgados, sejam indicados os concretos meios de prova constantes do processo ou de gravação realizada que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (artigo 640.º, n.º 1, alíneas a) e b) do CPC).

Ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no artigo 662.º, n.º 1 do CPC, incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.

Analisadas as conclusões e alegações de recurso constata-se que a Recorrente não preenche o ónus de impugnação da matéria de facto, que sobre ela recaía, indicando com exactidão os meios de prova - as passagens concretas da gravação do depoimento da testemunha e os documentos -, que impunham …”.

Não é admissível o recurso genérico contra a decisão da matéria de facto, não podendo a Recorrente quedar-se pela avaliação fragmentada de cada elemento probatório ou de cada meio de prova isolado.


*

Como deixámos dito, é para nós patente, a ora Recorrente, Fazenda Pública, não impugnou, nos termos legalmente exigidos, a extensa matéria de facto, pelo que a mesma mostra-se estabilizada.

Avançando.

A sentença que aqui vem posta em causa julgou a oposição procedente e, em consequência, determinou a extinção da execução fiscal quanto ao Oponente, ora Recorrido, por considerar a ilegitimidade da pessoa citada para a execução fiscal.

Com efeito, o Mmo. Juiz, após fazer o enquadramento legal e jurisprudencial da questão da responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes, concluiu que F……………………., não pode ser responsabilizado pelas dívidas em causa, já que não ficou “demonstrado que o Oponente, designadamente no período a que respeita a dívida exequenda ou em que esta se venceu, era administrador de facto da sociedade devedora originária”.

Para assim concluir, o Mmo. Juiz alinhou, no que para aqui releva, o seguinte discurso fundamentador:

“(…)

No caso dos autos, o Oponente foi designado como vogal do conselho de administração da sociedade devedora originária, para o triénio 2011/2013, por deliberação de 01.02.2011, registada em 16.02.2011. Tendo mantido essa qualidade até à sua renúncia a esse cargo, em 30.11.2011, facto registado em 29.12.2011 [cfr. alíneas N) e BB) do probatório].

É certo que, conforme resulta, ainda, da factualidade provada [cfr. alíneas P), V), W) e X)], num período curto (quatro meses) e circunstanciado de reestruturação da sociedade, entre 31.08.2011 e 28.12.2011, o Oponente assinou 3 documentos em nome da sociedade devedora originária, conforme referido pelo órgão de execução fiscal, traduzindo-se em 2 contratos e uma nomeação de um CFO/supervisor financeiro para a sociedade devedora originária.

Contudo, para além do curto período em que se inserem estes atos, resulta demonstrado nos autos, tal como deixado assente na factualidade dada como provada, que os acordos/contratos ou decisões a que se reportam os mencionados documentos eram negociados e/ou decididos pelo referido presidente do concelho de administração da sociedade, pois era este quem negociava em nome da sociedade e tomava todas as decisões de gestão [cfr. alíneas Y) e Z) da factualidade assente].

Isto mesmo foi já assumido pelo presidente do concelho de administração da sociedade devedora originária, em termos que constam no documento reproduzido na alínea CC) do probatório, a fls. 21 do processo de execução fiscal apenso aos autos. Tendo o mesmo confirmado que “todas as opções de gestão e administração adoptadas na sociedade são da sua exclusiva responsabilidade, não tendo nelas participado materialmente os restantes administradores”.

Mais tendo declarado que ele próprio que tomou e negociou as decisões no âmbito dos acordos de reestruturação discutidos com os bancos, onde se enquadram os três atos de gestão em que participou, com a sua assinatura, o ora Oponente, correspondentes às decisões/acordos identificados nas alíneas P), V) e S) do probatório, conforme assente em W) e X) do mesmo probatório.

Decorrendo ainda das referidas declarações que o Oponente, enquanto administrador da sociedade devedora originária, manteve a relação de “subordinação funcional” a que estava sujeito em relação ao presidente do conselho de administração da referida sociedade, colocando em causa o seu poder de decisão e independência nas funções exercidas.

Em suma, o Oponente não participava nas decisões e definição das orientações e linhas estratégicas da sociedade.

É, assim, entendimento do Tribunal que, não obstante o Oponente ter praticado alguns, poucos, atos concretos que poderiam indiciar o exercício das funções de administrador, analisando o contexto da matéria de facto provada, verifica-se que o Oponente não estava a dirigir a vontade e destino da sociedade devedora originária, mas que se limitava a assinar documentos negociados e decididos pelo presidente do conselho de administração.

Como decidiu o Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão de 8 de março de 1995, no processo n.º 018834 (publicado em 31 de julho de 1997 no Apêndice do Diário da República, e disponível para consulta em www.dre.pr) “Não exerce tal gerência de facto um membro da administração que apenas desempenha funções de director-técnico comercial, sem qualquer intervenção na parte administrativa e financeira da sociedade, não participando nas reuniões da administração nem sequer sendo ouvido quanto às decisões ali tomadas”.

O mero gerente/administrador de direito pode praticar atos formais de gerência/administração; fazendo-o, porém, na dependência do gerente/ administrador efetivo que lhe determina a oportunidade, o que, o como e o quando fazer. A sua função esgota-se nas assinaturas e não pode (porque não tem o poder) ir para além disso.

Assim, no caso como o dos autos, se o administrador de direito se limite a assinar dois ou três documentos que o verdadeiro administrador de facto lhe diz para assinar, e não tem qualquer controlo sobre os destinos da sociedade, ou seja, não compra, não vende, não contrata, nada sabe sobre o assunto, sendo tudo decidido por quem efetivamente administra a sociedade, não se pode considerar aquele administrador um gerente de facto para efeitos do disposto no artigo 24.º da LGT.

Face a todo o exposto, não tendo sido demonstrado que o Oponente, designadamente no período a que respeita a dívida exequenda ou em que esta se venceu, era administrador de facto da sociedade devedora originária, antes pelo contrário, impõe-se decidir pela procedência da alegação de ilegitimidade em apreciação, com a consequente procedência da oposição.”.

A Recorrente, em resumo, discorda de tal conclusão, acentuando que “os factos dados como provados sob as letras B, P, V, W e X (…) impunham decisão diversa da recorrida”. Para a Recorrente, importa destacar que “A sociedade devedora originária foi constituída em 1991, tendo sido o oponente nomeado membro do conselho de administração a 01.02.2011, com mandato vigente para o triénio de 2011/2013, e tendo renunciado ao cargo a 27.01.2012”; consta a “a assinatura pelo oponente de diversa documentação na qualidade de administrador da sociedade devedora originária, vinculando-a, e assumindo invariavelmente aquela qualidade de administrador perante terceiros”; por seu turno, “não colhe qualquer justificação para a intervenção do oponente que decorra de uma eventual obrigatoriedade legal advinda dos estatutos, como estipula a sentença”. Para a Recorrente, o Oponente, aqui Recorrido, “ao assinar documentos da sociedade na qualidade de representante legal, seja nas suas relações com a Autoridade Tributária, seja em relação a situações que afetem a situação bancária da empresa, (…) estava a exteriorizar a vontade da sociedade, vinculando-a e representando-a perante terceiros”. Defende a Recorrente que “inexistem dúvidas de que se apresentam como atos de gerência todos aqueles que consubstanciam decisões condicionadoras do rumo da sociedade, isto é, todos aqueles que são praticados com animus decidendi no exercício de uma gerência de direito devidamente formalizada”. Neste entendimento, “o oponente tomou decisões condicionadoras do destino da sociedade, praticando atos efetivos de gestão, de forma voluntária e intencional, e não somente justificada por uma obrigatoriedade legal advinda dos estatutos, como estipula a sentença”.

Em suma, “entende a Fazenda Pública que o Tribunal a quo errou no seu julgamento de facto e direito, enfermando a sentença de uma errónea apreciação dos factos relevantes para a decisão e de uma errada interpretação da lei aplicável ao caso em apreço, devendo a sentença ser revogada”.

Adiante-se, desde já, que o sentido da decisão, isto é, a procedência da oposição com base na ilegitimidade do revertido, atento o não exercício da administração da devedora originária, não nos merece censura. Aliás, evidenciamos, desde já, que esta tem sido a jurisprudência deste TCA em processos que opõem o mesmo Recorrido à Administração Tributária, em sede de reversão de diferentes dívidas respeitantes à mesma devedora originária; são disso exemplo, os processos nºs 747/15, 749/15, ambos com origem no TAF de Almada.

Vejamos as razões para assim concluirmos.

A AT reverteu a execução fiscal contra F.................. …………….., com base na administração de facto da apontada sociedade comercial, invocando, para tanto, o disposto no artigo 24º, nº1, alínea b) da LGT, nos termos do qual:

«1 - Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

(…)

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento».

Ora, a reversão operada ao abrigo do apontado artigo 24º, nº1 da LGT pressupõe sempre - independentemente de se tratar da alínea a) ou b) – o exercício efetivo das funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados, o que resulta claramente da inclusão na disposição apontada das expressões “exerçam, ainda que somente de facto, funções” ou, também, da alusão ao “período de exercício do seu cargo”.

Por conseguinte, é fácil concluir que, para efeitos de efetivação da responsabilidade subsidiária dos gerentes e administradores, não basta, para a responsabilização das pessoas aí indicadas, a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respetivas funções.

Assim, desde logo se vê que a responsabilidade subsidiária depende, antes de mais, do efetivo exercício da gerência ou administração.

A este propósito, deixamos transcritas as considerações feitas no acórdão do TCAN, de 30/04/14, no processo nº 1210/07.5, as quais assumem aqui inteira pertinência:

“(…)

Pois bem, e tal como se aponta no Ac. do S.T.A. de 02-03-2011, Proc. nº 0944/10, www.dgsi.pt, “… Na verdade, há presunções legais e presunções judiciais (arts. 350.º e 351.º do CC). As presunções legais são as que estão previstas na própria lei. As presunções judiciais, também denominadas naturais ou de facto, simples ou de experiência são «as que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos». (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 486; Em sentido idêntico, MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 215-216, e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 2.ª edição, página 289.).

De facto, não há qualquer norma legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito.

No entanto, como se refere no acórdão deste STA de 10/12/2008, no recurso n.º 861/08, «o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.

E, eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e provas produzidas ou não pela revertida e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que isso, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte (certeza jurídica) de essa gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ela tenha acontecido. (Sobre esta «certeza» a que conduz a prova, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 191-192.).

Mas, se o Tribunal chegar a esta conclusão, será com base num juízo de facto, baseado nas regras da experiência comum e não em qualquer norma legal.

Isto é, se o Tribunal fizer tal juízo, será com base numa presunção judicial e não com base numa presunção legal.»

Todavia, ainda que não seja possível partir-se do pressuposto de que com a mera prova da titularidade da qualidade de gerente que a revertida tinha não se pode presumir a gerência de facto, é possível efectuar tal presunção se o Tribunal, à face das regras da experiência, entender que há uma forte probabilidade de esse exercício da gerência de facto ter ocorrido.

Mas, por outro lado, na ponderação da adequação ou não de uma tal presunção em cada caso concreto, nunca há num processo judicial apenas a ter em conta o facto de a revertida ter a qualidade de direito, pois há necessariamente outros elementos que, abstractamente, podem influir esse juízo de facto, como, por exemplo, o que as partes alegaram ou não e a prova que apresentaram ou deixaram de apresentar” (fim de citação).

Ora, da factualidade apurada resulta, desde logo, que:

- em 01/02/91, foi averbada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa a constituição da sociedade anónima com a denominação de “P……… F........ - Supermercados, S.A.”

- A referida sociedade obrigava-se: “a) pela assinatura do presidente do conselho de administração; b) pela assinatura de dois administradores; c) pela intervenção de um administrador delegado, dentro dos limites da delegação do Conselho de Administração; d) pela assinatura de um administrador e de um procurador com poderes para a categoria de atos na qual se inclua aquele em que intervém; e) pelas assinaturas de dois procuradores, conjuntamente, com poderes para a categoria de atos na qual se inclua aquele em que intervém; f) pela assinatura de um procurador com poderes especiais”;

- Por deliberação de 01.02.2011, registada na Conservatória do Registo Predial/Comercial do Seixal em 16.02.2011, o Oponente foi designado como vogal do Conselho de Administração da mencionada sociedade, para o triénio 2011/2013.

Até aqui, daquilo que se trata, no que vem evidenciado, é da administração de direito e, como é pacífico, da administração de direito não se retira a de facto.

A Fazenda Pública, ciente do ónus que lhe compete quanto ao exercício efetivo da gerência/administração, sublinha um circunstancialismo fático que, na sua tese, aponta no sentido do concreto exercício da administração, a saber:

- Em 31.08.2011, o ora Oponente assinou, na qualidade de administrador da sociedade P……..F........ - Supermercados, S.A., identificada em A) supra, o “Memorando de Entendimento” mencionado na alínea P);

- Em 14.11.2011, o ora Oponente assinou, na qualidade de administrador da sociedade P…..F........ - Supermercados, S.A., a Ata n.º 12, pela qual foi nomeado o Dr. José . ………. como CFO da referida sociedade (alínea X do probatório);

- Em 25.11.2011, o ora Oponente e C…........... assinaram, na qualidade de administradores da sociedade P….. F........ - Supermercados, S.A., o denominado “contrato de prestação de serviços” mencionado na alínea T do probatório;

- Em 28.12.2011, o Oponente assinou, na qualidade de administrador da sociedade P….. F........ - Supermercados, S.A, o denominado “Aditamento ao Contrato de Abertura de Crédito – Contrato Umbrella Grupado - celebrado em 29.12.2004”, mencionado na alínea V do probatório.

Vejamos, tendo presente que tais atuações se situam num curto período de 4 meses, concretamente entre agosto de 2011 e dezembro desse mesmo ano.

Fazendo uso do que se escreveu no acórdão deste TCA, de 21/05/15, no processo nº 8445/15, aí se diz sobre a responsabilidade subsidiária o seguinte:

“(…)

Mas que responsabilidade é esta. Segundo a opinião que defendemos, a responsabilidade do gerente pela violação das normas que impõem o cumprimento da obrigação fiscal radica no instituto da responsabilidade por facto ilícito assente em culpa funcional, isto é, em responsabilidade civil extracontratual (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/12/2004, rec.28/04, in Revista Fiscal, Vida Económica, Fevereiro, 2006, pág.28; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).

O estatuto do gerente/administrador advém-lhe por virtude da sua relação negocial com a sociedade, iniciada com a sua nomeação para o exercício do cargo de gerente e consequente aceitação do mesmo, em virtude do que assume uma situação de garante das dívidas sociais, embora com direito à prévia excussão dos bens da empresa (cfr.artº.146, do C.P.C.Impostos; artº.239, nº.2, do C.P.Tributário; artº.153, nº.2, do C.P.P. Tributário).

A lei não define, precisamente, em que é que se consubstanciam os poderes de gerência, mas, em face do preceituado nos artºs.259 e 260, do Código das Sociedades Comerciais, parece dever entender-se que serão típicos actos de gerência aqueles que se consubstanciam na representação da sociedade perante terceiros e aqueles através dos quais a sociedade fique juridicamente vinculada e que estejam de acordo com o objecto social (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 3/5/1989, rec.10492;ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.465 e seg.).

É no artº.64, do C. S. Comerciais, que se encontra consagrado o dever de diligência dos administradores/gerentes de sociedade, nos termos do qual estes devem actuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores.

A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr.objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos (cfr.artºs.260, nº.1, e 409, nº.1, do C.S.Comerciais). O gerente/ administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Raúl Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Sociedades por Quotas, III, Almedina, 1991, pág.128 e seg.; Rui Rangel, A vinculação das sociedades anónimas, Edições Cosmos, Lisboa, 1998, pág.27 e seg.)”.

Não percamos de vista, como deixámos aflorado, que a chamada gerência/administração de facto de uma sociedade comercial consistirá no efetivo exercício das funções que lhe são inerentes e que passam, nomeadamente, pelas relações com os fornecedores, com os clientes, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade.

Para que se verifique a gerência/administração de facto é indispensável que o gerente use, efetivamente, dos respetivos poderes, que seja um órgão atuante da sociedade, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros - nestes termos, Rúben Anjos de Carvalho, Francisco Rodrigues Pardal, Código de Processo das Contribuições e Impostos, Anotado e Comentado, 2ª Edição, Coimbra, 1969, pág. 139 - citado, entre outros, nos acórdãos do TCAN de 18/11/2010 e 20/12/2011, Processos 00286/07 e 00639/04, respetivamente; vide, também, o acórdão do TCA Norte, de 27/03/14, processo nº 808/11.1BEPNF que aqui seguimos de perto.

No caso, da avaliação que fazemos do julgamento de facto, e na linha seguida na sentença, concluímos que a factualidade trazida aos autos - em concreto a nomeação como administrador do Revertido e a assinatura dos documentos a que aludem os pontos P, S, U e V do probatório - apesar de prima facie ser indiciadora do real e efetivo exercício da administração por parte do revertido, mostra-se insuficiente para efeitos da sua responsabilização, pois o que a matéria de facto (não impugnada) também demonstra é que o Recorrido não exerceu de facto funções de administração da devedora originária, no período a que respeitam as dívidas exequendas.

Vejamos.

Vem demonstrado, que:

- o Oponente foi nomeado vogal do conselho de administração da sociedade devedora originária pela necessidade de preencher o órgão colegial, nos termos definidos pelo pacto estatutário; sendo exigido mais de um gestor, o critério de escolha para tal cargo residia na designação de bons operacionais;

- o Oponente exercia funções de diretor da área operacional da sociedade P……….. F........ – Supermercados, S.A., na área de retalho, tratando de questões logísticas; o Oponente era um funcionário, operacional da sociedade devedora originária, que liderava a equipa na componente operacional;

- apesar de administrador, o Oponente mantinha um enquadramento de subordinação funcional.

- era o presidente do concelho de administração da sociedade P…… F........, C........... ………….. ........., quem negociava e tomava todas as decisões de gestão da referida sociedade; a este propósito destaca-se a declaração proferida por C........... ......... e o seu depoimento testemunhal, no sentido de que todas as opções de gestão e administração adotadas na sociedade são da sua exclusiva responsabilidade, não tendo nelas participado materialmente os restantes administradores. Destaca-se do seu testemunho que o Oponente não tinha poderes de decisão, sendo um diretor operacional. A administração da sociedade encontrava-se completamente centralizada na pessoa de presidente do conselho de administração, Dr. C........... .......... Todas as decisões eram tomadas por este.

- o modelo de administração da devedora originária centrava-se na pessoa do presidente do conselho de administração, C…… .........;

Temos, pois, face à da análise que fazemos de toda a extensa prova produzida e atentas as especificidades do caso concreto, que a assinatura pelo Recorrido dos apontados documentos, num curto período de 4 meses, num momento de restruturação da sociedade, surge num contexto de dependência funcional relativamente ao administrador C........... ........., evidenciando a prática de atos pontuais, a pedido, e, como tal, sem o alcance que a Fazenda Pública lhes imputa.

Com efeito, apesar da factualidade indiciadora da administração da P……… F........ que o órgão de execução fiscal, em sede do procedimento de reversão elencou (acompanhado pela Recorrente, neste recurso jurisdicional), no caso dos autos foram dados como provados outros factos que permitem, com segurança, afastar a conclusão que o Oponente foi administrador de facto da sociedade devedora originária.

Efetivamente, tal como resulta do probatório, o Oponente, apesar de formalmente ter sido designado administrador da sociedade devedora originária, manteve-se a exercer as funções que sempre desempenhou, enquanto diretor da área operacional da P…… F........ – Supermercados, S.A., na área de retalho, tratando de questões logísticas.

Mostram-se provadas as efetivas funções do ora Recorrido, enquanto mero diretor operacional, demonstrando-se que era C........... ......... quem, após tomar as decisões relevantes para a gestão da empresa, solicitava a assinatura de diversos documentos aos administradores, sem que os mesmos neles tivessem qualquer intervenção. De resto, era o C........... ........., tal como resulta da prova efetuada, que concentrava em si todos os poderes de administração, tomando as decisões, dando ordens e instruções (inclusive aos administradores), decidindo pagamentos e representando a sociedade perante terceiros. Neste sentido, o TAF recorrido ficou convencido, e este TCA nisso o acompanha, que a assinatura dos documentos em causa foi feita num contexto de obediência funcional a C........... ……….. ........., sem intervenção no processo negocial correspondente ou na escolha das opções tomadas. Ou seja, a assinatura da apontada documentação foi feita a pedido do presidente do conselho de administração, C........... ………. ........., que era a pessoa que concentrava em si toda a gestão e desenvolvimento estratégico da sociedade devedora originária.

Na prática, era o C........... ......... quem administrava sozinho, de forma centralizadora, a sociedade, o que equivale a dizer, no caso, e perante a abundante prova, que o Oponente, em termos de facto/ materiais, não exercia, de nenhum ponto de vista, a administração da P…… F.........

Ora, não é demais lembrar que o exercício efetivo da administração é facto constitutivo de um pressuposto da responsabilidade subsidiária que se pretende efetivar através da reversão e a lei não estabelece, nesse domínio, qualquer presunção que inverta o ónus da prova.

Não obstante a Fazenda Pública ter carreado para os autos alguns elementos que podiam ser indiciadores do exercício da administração por parte do Recorrido, a verdade é que a prova produzida, designadamente a testemunhal, corrobora a alegação do Oponente, no sentido de que, apesar de ter figurado como administrador de direito da P………. F........, jamais assumiu a administração da mesma. Trata-se – repete-se – de um circunstancialismo amplamente demonstrado nos autos, assente em prova sólida e que não foi impugnada pela Recorrente. De resto, resulta para nós evidenciado que C........... ......... era o único administrador de facto da sociedade devedora.

Assim, e não obstante o Oponente ter praticado atos que tipicamente são suscetíveis de traduzirem atos de administração, fê-lo, contudo, desacompanhado dos inerentes poderes de gestão nos quais os gerentes e administradores se encontram investidos. Isto é, praticou atos vazios no seu conteúdo decisório, sem o animus de um administrador, na justa medida em que não era o Oponente que lhes dava uso, alheando-se por completo da administração da sociedade, a qual era assegurada e centrada na pessoa do presidente do conselho de administração, C………… .......... Era este que, de facto, detinha o poder efetivo de controlar os destinos da sociedade. Ao Oponente faltava, na certeira expressão utilizada no acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 16.04.2015, proferido no proc. n.º 01417/05.0BEVIS, “a densidade substantiva do cargo” (disponível em www.dgsi.pt).

Deste modo, e sem necessidade de mais nos alongarmos face ao julgamento de facto e ao entendimento adotado na sentença que deixámos parcialmente transcrita, há que concluir, com o TAF de Almada, que não pode o Recorrido ser responsabilizado, a título subsidiário, pelo pagamento das dívidas exequendas ao abrigo do artigo 24º da LGT, nº1, alínea b) da LGT. É, pois, parte ilegítima na execução fiscal – artigo 204º, nº1, alínea b) do CPPT.

Por conseguinte, a sentença, que assim decidiu, é de manter, com a consequente procedência da oposição, deixando prejudicado o conhecimento dos demais fundamentos de oposição invocados.

Improcedem, pois, as conclusões da alegação de recurso e, nessa medida, há que negar provimento ao mesmo.


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III - DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais, da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 24/01/24

(Catarina Almeida e Sousa)

(Isabel Fernandes)

(Hélia Gameiro)