Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:330/10.3BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:10/17/2019
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:IRC.
LIQUIDAÇÃO OFICIOSA.
DÚVIDA FUNDADA.
Sumário:Existindo fundadas dúvidas sobre a existência e a quantificação do facto tributário, as quais não foram superadas pela Administração tributária, impõe-se concluir que os actos de liquidação oficiosa em apreço devem ser anulados com este fundamento.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão
I- Relatório
J......., melhor identificado nos autos, veio deduzir IMPUGNAÇÃO JUDICIAL na sequência da notificação da decisão de indeferimento da reclamação por si interposta após citação na qualidade de responsável subsidiário da sociedade “D......., LDA”, contra os actos de liquidação oficiosa de IRC relativos aos exercícios de 1999 a 2003.
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, por sentença proferida a fls. 103 e ss., (numeração em formato digital – sitaf), datada de 15 de Maio de 2018, julgou improcedente a impugnação.
Nas alegações de fls. 139 e ss., (numeração em formato digital – sitaf), o recorrente formulou as conclusões seguintes:
«A) O Tribunal a quo, na sua douta sentença, ao decidir como improcedente o processo de impugnação e absolvendo a Fazenda Nacional do pedido, fez uma incorreta interpretação da Legislação aplicável, dos factos e dos documentos juntos aos autos;
B) O recorrente exerceu o direito de audição prévia, juntando aos autos cópias das declarações modelo 22 e declarações anuais, apresentadas fora de prazo, referentes aos exercícios de 1999 a 2003, balancetes de 1999 a 2003, balanços de 2002 e 2003 e demonstração de resultados de 2002 e 2003;
C) Pelo recorrente foi interposto recurso hierárquico, juntando cópias dos balancetes de 2000 a 2003, extratos do ano de 2000 a 2003, relação de faturação, cópias de faturas e diários de vendas dos anos de 2000 a 2001;
D) Em 10/03/2010, foi apresentada impugnação judicial, em que se apresentava duas questões a analisar e decidir: i) A verificação da caducidade do direito de liquidação das liquidações de IRC referentes aos exercícios de 1999 a 2003; ii) e a existência de errónea quantificação e qualificação dos rendimentos, tendo as duas questões anteriormente mencionadas sido julgadas improcedentes;
E) Na sentença de que ora se recorre, entendeu-se que a prova documental carreada para os autos, pelo ora recorrente, não era suficiente para se concluir pela veracidade dos valores declarados pelo impugnante, de forma a provar-se o vício de excesso de quantificação dos rendimentos;
F) Sucede que a prova documental nos presentes autos é vasta, clara e credível, e inclui cópias das declarações modelo 22 e declarações anuais, mesmo que apresentadas fora de prazo, referentes aos exercícios de 1999 a 2003, balancetes de 1999 a 2003, balanços de 2002 e 2003, demonstração de resultados de 2002 e 2003, extratos do ano de 2000 a 2003, relação de faturação, cópias de faturas e diários de vendas dos anos de 2000 a 2001;
G) Os documentos apresentados pelo ora recorrente, mesmo sendo particulares, o que acontece com a maioria dos documentos contabilísticos, não deixam de ser idóneos como meio de prova;
H) Acresce que a testemunha arrolada frisou que desde 2000 os rendimentos da sociedade decaíram, tendo esta deixado de exercer atividade desse 2001;
I) Assim entre os documentos apresentados pelo impugnante, tivessem os mesmos sido considerados e ponderados, e pela prova testemunhal produzida, era possível ao tribunal a quo decidir pela existência de errónea quantificação e qualificação dos rendimentos, o que não fez;
J) A douta sentença violou, assim, o nº 3 do art. 74 da LGT;
K) A douta sentença chama á colação o nº 3 do art. 74 da LGT, considerando, assim, que estamos perante a determinação da matéria coletável por métodos indiretos, e como estamos perante a utilização de métodos indiretos, caímos no âmbito de aplicação do nº 2 do art. 45 da LGT, na redação aplicável, que refere que o prazo de caducidade para liquidação de tributos é de 3 anos;
L) Estamos perante o IRC que é um imposto periódico, iniciando-se a contagem do prazo de caducidade a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, conforme nº 4 do art. 45 da LGT;
M) As liquidações foram emitidas em 24/10/2003 (ano de 1999), 20/09/2004 (ano de 2000), 06/06/2005 (ano de 2001), 18/07/2005 (ano de 2003 e 31/05/2005 (ano de 2003);
N) No caso dos autos a sentença considerou os prazos de caducidade eram os seguintes: Para o ano de 1999 o prazo de caducidade era em 31/12/2003; para o ano de 2000 em 31/12/2004; para o ano de 2001 em 31/21/2005; para o ano de 2002 em 31/12/2006 e para o ano de 2003 em 21/12/2007;
O) Salvo melhor opinião em contrário, atendendo-se que a liquidação foi efetuada por métodos indiretos, os prazos corretos de caducidade, considerando o disposto no nº 2 e 4 do art. 45 da LGT são: Para o ano de 1999, o termo do ano é 31/12/1999 e o prazo de caducidade é 31/12/2002; para o ano de 2000, o termo do ano é 31/12/2000 e o prazo de caducidade é 31/12/2003; para o ano de 2001, o termo do ano é 31/12/2001 e o prazo de caducidade é 31/12/2004; para o ano de 2002, o termo do ano é 31/12/2002 e o prazo de caducidade é 31/12/2005 e para o ano de 2003, o termo do ano é 31/12/2003 e o prazo de caducidade é 31/12/2003;
P) Assim, quando aos anos de 1999 (liquidado em 24/10/2003), 2000 (liquidado em 20/09/2004) e 2001 (liquidado em 18/07/2005), verifica-se a caducidade do direito de liquidar as liquidações, o que devia ter sido apreciado e declarado procedente;
Q) A douta sentença violou, assim, o nº 2 do art. 45 da LGT, na redação aplicável.
Termos em que deverá ser concedido provimento ao presente recurso, com as legais consequências, fazendo-se assim a costumada JUSTIÇA.»
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A recorrida, FAZENDA PÚBLICA, devidamente notificada para o efeito, optou por não apresentar contra alegações.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal, notificado para o efeito, juntou aos autos parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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II- Fundamentação.
2.1.De Facto.
A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes:
«A. A 24.10.2003 foi emitida a liquidação oficiosa de IRC n.º 2003.8….., e correspondentes juros compensatórios, referentes ao exercício de 1999, em nome da sociedade “D......., LDA.”, nipc 5……, no montante de €5.120,62, com data limite de pagamento a 15.12.2003 [cf. fls. 46 e 47 do PAT em apenso].
B. A liquidação identificada no ponto anterior foi remetida por carta com o registo n.º RY1….., recebida a 07.11.2003 [cf. fls. 29 do processo de reclamação graciosa em apenso].
C. A 20.09.2004 foi emitida a liquidação oficiosa de IRC n.º 2004.8……, e correspondentes juros compensatórios, referentes ao exercício de 2000, em nome da sociedade “D......., LDA.”, nipc 5……., no montante de €4.820,30, com data limite de pagamento a 27.10.2004 [cf. fls. 52 do PAT em apenso].
D. A liquidação identificada no ponto anterior foi remetida por carta com o registo n.º RY2……., recebida a 30.09.2004 [cf. fls. 32 do processo de reclamação graciosa em apenso].
E. A 06.06.2005 foi emitida a liquidação oficiosa de IRC n.º 2005.8….., e correspondentes juros compensatórios, referentes ao exercício de 2001, em nome da sociedade “D......., LDA.”, nipc 5….., no montante de €4.820,30, com data limite de pagamento a 14.07.2005 [cf. fls. 58 do PAT em apenso].
F. A liquidação identificada no ponto anterior foi remetida por carta com o registo n.º RY2….., recebida a 11.08.2005 [cf. fls. 33 do processo de reclamação graciosa em apenso].
G. A 18.07.2005 foi emitida a liquidação oficiosa de IRC n.º 2005.8……., e correspondentes juros compensatórios, referentes ao exercício de 2002, em nome da sociedade “D......., LDA.”, nipc 5………, no montante de €4.452,40, com data limite de pagamento a 24.08.2005 [cf. fls. 64 do PAT em apenso].
H. A liquidação identificada no ponto anterior foi remetida por carta com o registo n.º RY2……T, recebida a 11.08.2005 [cf. fls. 33 do processo de reclamação graciosa em apenso].
I. A 31.08.2005 foi emitida a liquidação oficiosa de IRC n.º 2005.8….., e correspondentes juros compensatórios, referentes ao exercício de 2003, em nome da sociedade “D......., LDA.”, nipc 5……, no montante de €4.453,36, com data limite de pagamento a 31.08.2005 [cf. fls. 70 do PAT em apenso].
J. A liquidação identificada no ponto anterior foi remetida por carta com o registo n.º RY2……., recebida a 28.09.2005 [cf. fls. 35 do processo de reclamação graciosa em apenso].
K. Por falta de pagamento voluntário das liquidações identificadas em A), C), E), G), I) supra foi instaurado contra a sociedade “D......., LDA.”, o processo de execução fiscal n.º 334……. e apensos [cf. fls. 46 a 75 do PAT em apenso].
L. Por despacho de 12.01.2009, do Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 11 foi determinada a reversão do processo de execução fiscal n.º 334……. e apensos contra os responsáveis subsidiários da sociedade “D......., LDA.” [cf. fls. 17 dos autos].
M. Por ofício n.º 1….., de 19.01.2009, do Serviço de Finanças de Lisboa 11 foi o Oponente citado em sede do processo de execução fiscal n.º 33…… e apensos [cf. fls. 15 a 32 dos autos].
N. A 14.04.2009 foi apresentada reclamação graciosa contra as liquidações identificadas em A), C), E), G), I) supra, interposta pelo agora Impugnante, instaurada com o n.º 33……, no Serviço de Finanças de Lisboa 11 [cf. fls. 2 do processo de reclamação graciosa em apenso, prova testemunhal].
O. Por despacho de 17.08.2009, do Chefe de Divisão da Justiça Administrativa de Direcção de Finanças de Lisboa, foi proposta a decisão de indeferimento da reclamação identificada no ponto anterior, determinando a notificação do reclamante para o exercício do direito de audição prévia [cf. fls. 36 a 41 do processo de reclamação graciosa em apenso].
P. Por requerimento apresentado em 02.09.2009, foi pelo reclamante exercido o direito de audição prévia, juntando aos autos cópias das declarações modelo 22 e declarações anuais, apresentadas fora de prazo, referentes aos exercícios de 1999 a 2003, balancetes de 1999 a 2003, balanços de 2002 e 2003, e demonstração de resultados de 2002 e 2003 [cf. fls. 44 a 95 do processo de reclamação graciosa em apenso].
Q. Por despacho de 11.09.2009, do Chefe de Divisão da Justiça Administrativa de Direcção de Finanças de Lisboa, foi indeferida a reclamação identificada no ponto anterior [cf. fls. 97 a 103 do processo de reclamação graciosa em apenso].
R. A 16.10.2009 foi pelo Impugnante interposto recurso hierárquico da decisão identificada no ponto anterior, instaurado sob o n.º 2/2010, no Serviço de Finanças de Lisboa 11, juntando cópias dos balancetes de 2000 a 2003, extractos do ano de 2000 a 2003, relação da facturação, cópias de facturas e diário de vendas dos anos de 2000 e 2001 [cf. fls. do processo de recurso hierárquico em apenso, prova testemunhal].
S. A presente impugnação judicial foi apresentada em 10.03.2010 [cf. carimbo aposto a fls. 3 dos autos].
*
Nada mais se provou com interesse para a decisão a proferir.
Assenta a convicção deste Tribunal no exame dos documentos constantes dos presentes autos e no processo instrutor, não impugnados, referidos a propósito de cada alínea do probatório.
Pelo tribunal foi ouvida a testemunha R......., sócio gerente da sociedade “D......., LDA.”, cujo depoimento pouco acrescentou aos factos já provados por prova documental, reconhecendo a inércia da gerência na falta de entrega das declarações de rendimentos e da cessação da actividade da sociedade, frisando que desde 2000 os rendimentos da sociedade decaíram, tendo esta deixado de exercer actividade em 2001.»
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Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:
T. A sociedade “D......., LDA.” foi tributada em IRC, nos anos de 1999, 2000, 2001, 2002 e 2003, através de liquidação que teve por base a falta de entrega da declaração de rendimentos e a matéria colectável de €13.229,76, a qual foi apurada pela aplicação do coeficiente de 20% à base tributável do ano de 1999, para efeitos de IVA – acordo.
U. Na reclamação graciosa referida em N., o reclamante invocou o seguinte: «Sucede que o ano de 1999, ano de início de actividade da devedora originária, foi o melhor ano de facturação da mesma, sendo que no ano de 2000 e 2001, a facturação foi muito inferior (docs. 1, 2 e 3). // A empresa deixou de ter actividade no ano de 2002, e tanto assim é que as declarações de IVA referentes aos anos de 2002 e 2003 (último ano entregue) foram entregues sem qualquer valor (docs. 4 a 11 que se juntam), declarações essas que foram entregues em tempo» - fls. 1/4 da RG.
V. Em sede de audição prévia do procedimento de reclamação graciosa, o reclamante juntou os elementos seguintes: «a) Exercício de 1999 – Modelo 22 e declaração anual, entregues fora do prazo (docs. 1 e 2 e Balancete (doc. 3); // b) Exercício de 2000 – Modelo 22 e Declaração anual, entregues fora de prazo (docs. 4 e 5) e Balancete (doc. 6); // Exercício de 2001 – Modelo 22 e Declaração anual, entregues fora do prazo (docs. 7 e 8) e Balancete (doc. 9); // Exercício de 2002 – Modelo 22 entregue fora de prazo (doc. 10, Demonstração de resultados (doc. 11), Balanço (doc. 12) e Balancete (doc. 13); // Exercício de 2003 – Modelo 22 entregue fora de prazo (doc. 14), Demonstração de resultados (doc. 15), Balanço (doc. 16) e Balancete (doc. 17)» - fls. 44/95, da RG.
X. Em sede de recurso hierárquico, o reclamante juntou os elementos seguintes: «a) Relação de facturação, cópias de facturas e diário de vendas do ano de 2000 (doc. 1), // b) Extractos de conta do ano de 2000 (doc. 2 e 3), // c) Relação de facturação, cópias de facturas e diário de vendas do ano de 2001 (doc. 4); // d) Extractos de contas do ano de 2001 (docs. 5 e 6); // e) Extractos do ano de 2002, sem movimento de exploração (doc. 7); // f) Extractos do ano de 2003, sem movimento de exploração (doc. 8); // g) Balancetes em 31/12/2001 e resultados líquidos de 2000 (doc. 9); // h) Balancetes em 31/12/2001 e resultados líquidos de 2001 (doc. 10); // i) Balancetes em 31/12/2002 e resultados líquidos de 2002 (doc. 11); // j) Balancetes em 31/12/2003 e resultados líquidos de 2003 (doc. 12)» - RH, não numerado.

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2.2. De Direito
2.2.1. Nos presentes autos, é sindicada a sentença proferida a fls. 103 e ss., (numeração em formato digital – sitaf), datada de 15 de Maio de 2018, que julgou improcedente a impugnação, deduzida por J......., na sequência da notificação da decisão de indeferimento da reclamação por si interposta após citação na qualidade de responsável subsidiário da sociedade “D......., LDA”, contra os actos de liquidação oficiosa de IRC relativos aos exercícios de 1999 a 2003.
2.2.2. A presente intenção recursória centra-se sobre o alegado erro de julgamento em que terá incorrido a sentença sob escrutínio, seja no que respeita ao cômputo do prazo de caducidade do direito à liquidação (i), seja no que respeita ao excesso na quantificação da matéria colectável (ii).
2.2.3. No que respeita ao fundamento da caducidade do direito à liquidação (i), o recorrente insurge-se contra o entendimento vertido na instância. Invoca que tendo sido aplicada a avaliação por métodos indirectos, o prazo de caducidade é de três anos, nos termos do artigo 45.º/2, da LGT, pelo que no que respeita aos exercícios de 1999, 2000 e 2001, verifica-se a caducidade do imposto.
Por seu turno, para julgar improcedente a presente imputação, a sentença assentou na argumentação seguinte:
«Sendo assente que estamos perante um imposto periódico – IRC, o prazo de caducidade inicia a sua contagem a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, o que significa, no caso dos autos, que será o dia 31.Dez.1999, 31.Dez.2000, 31.Dez.2001, 31.Dez.2002 e 31.Dez.2003, respectivamente para os exercícios de 1999 a 2003, que marca o início do prazo de caducidade – cf. artigos 45.º, n.º 4 da LGT, e artigo 8.º, n.º 1 do CIRC.
Definida a data do início da contagem do prazo de caducidade, importa agora determinar qual o seu termo, pela aplicação do prazo de quatro anos, nos termos do n.º 1 do artigo 45.º da LGT, que conduz aos prazos de 31.Dez.2003 (1999), 31.Dez.2004 (2000), 31.Dez.2005 (2001), 31.Dez.2006 (2002) e 31.Dez.2007 (2003).
Resultando provado que as liquidações de IRC foram emitidas em 24.10.2003 (1999), 20.09.2004 (2000), 06.06.2005 (2001), 18.07.2005 (2002) e 31.05.2005 (2003) [cf. als. A), C), E), G), I) dos factos assentes], impõe-se concluir pelo respeito pelo prazo de caducidade estabelecido no n.º 1 do artigo 45.º da LGT».
Vejamos.
Do probatório resulta que a sociedade “D......., LDA.” foi tributada em IRC, nos anos de 1999, 2000, 2001, 2002 e 2003, através de liquidação que teve por base a falta de entrega da declaração de rendimentos e a matéria colectável de €13.229,76, a qual foi apurada pela aplicação do coeficiente de 20% à base tributável do ano de 1999, para efeitos de IVA (alínea T) do probatório.
Estatui o artigo 45.º, n.º 1, da LGT, que «[o] direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro». Nos termos do n.º 4, do artigo 45.º da LGT, «[o] prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário (…)».
Mais resultam do probatório os elementos seguintes:
a) A liquidação de IRC de 1999 foi notificada em 07.11.2003 (alíneas A) e B).
b) A liquidação de IRC de 2000 foi notificada em 30.09.2004 (alíneas A) e D).
c) A liquidação de IRC de 2001 foi notificada em 11.08.2005 (alíneas E) e F).
d) A liquidação de IRC de 2002 foi notificada em 11.08.2005 (alíneas G) e H).
e) A liquidação de IRC de 2003 foi notificada em 28.09.2005 (alíneas E) e F).
Considerando o regime da caducidade do direito à liquidação (artigo 45.º/1 e 4, da LGT) e atendendo aos elementos coligidos no probatório, verifica-se que a notificação de cada liquidação ocorreu em momento anterior ao esgotamento do prazo de caducidade respectivo, pelo que o imposto em causa (em relação a cada um dos exercícios em presença) não se mostra caduco. Recorde-se que o prazo de três anos previsto no artigo 45.º/2, da LGT, não tem aplicação ao caso em exame, dado que estamos em presença de liquidações oficiosas, emitidas ao abrigo do disposto no artigo 83.º/b) e c), do CIRC, as quais não se subsumem no normativo em apreço. Pelo que o prazo aplicável é o do artigo 45.º/1, da LGT (4 anos).
Ao julgar no sentido referido, a sentença recorrida não incorreu erro, pelo que deve ser mantida na ordem jurídica, nesta parte.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.
2.2.4. No que respeita ao alegado erro de julgamento, por referência ao excesso na quantificação da matéria colectável (ii). O recorrente invoca que dos autos resulta demonstrado o excesso na quantificação da matéria colectável. Alega que a «prova documental nos presentes autos é vasta, clara e credível, e inclui cópias das declarações modelo 22 e declarações anuais, mesmo que apresentadas fora de prazo, referentes aos exercícios de 1999 a 2003, balancetes de 1999 a 2003, balanços de 2002 e 2003, demonstração de resultados de 2002 e 2003, extratos do ano de 2000 a 2003, relação de faturação, cópias de faturas e diários de vendas dos anos de 2000 a 2001»; que os documentos apresentados pelo ora recorrente, mesmo sendo particulares, o que acontece com a maioria dos documentos contabilísticos, não deixam de ser idóneos como meio de prova.
A este propósito, consignou-se na sentença recorrida o seguinte:
«(…)no caso dos autos, a sociedade devedora originária não apresentou a declaração de rendimentos dentro do prazo previsto na lei, razão que motivou a emissão das liquidações oficiosas, da iniciativa da AT.
Competia assim ao Impugnante apresentar prova que refutasse os valores encontrados pela AT, prova essa que não se bastava com apresentação de uma declaração de rendimentos modelo 22, com os valores apurados pelo Impugnante, uma vez que esta já não poderia aproveitar da presunção de veracidade do declarado.
Assim, tendo aquela apresentado reclamação graciosa visando a reapreciação da liquidação oficiosa feita pela AT, estava despoletada uma primeira oportunidade para desenvolver uma específica actuação tendente a demonstrar que a quantificação assumida era excessiva, tarefa que nem seria particularmente complicada na medida em que, pelo menos, sempre importava apresentar a assunção de custos e proveitos e comprová-los para que tal quantificação fosse relevantemente atingida, dado não haver inscrito qualquer montante a este título.
Porém, o Impugnante não trouxe para a ribalta prova idónea sobre este aspecto, apresentando apenas em sede de direito de audição prévia as declarações modelo 22 e declarações anuais, fora de prazo, referentes aos exercícios de 1999 a 2003, balancetes de 1999 a 2003, balanços de 2002 e 2003, e demonstração de resultados de 2002 e 2003. Tudo documentos particulares sem que conjuntamente com os mesmos tenham sido apresentados os documentos de suporte.
Em sede de recurso hierárquico, o Impugnante já veio apresentar mais alguns elementos contabilísticos – juntando cópias dos balancetes de 2000 a 2003, extractos do ano de 2000 a 2003, relação da facturação, cópias de facturas e diário de vendas dos anos de 2000 e 2001.
Contudo, qualquer um destes elementos contabilísticos importam o tratamento da contabilidade, ou seja, partem da informação obtida pelos documentos de suporte – facturas/recibos, e documentos internos, para espelhar a situação contabilística da sociedade.
Estes elementos per si não são suficientes para demonstrar a veracidade dos valores declarados, uma vez que sem que se demonstre a materialidade da contabilidade de suporte não será possível aferir da veracidade dos valores constantes nos documentos apresentados».

Apreciando.
Determina o artigo 83.º, n.º 1, do CIRC, que, «[b)]Na falta de apresentação da declaração a que se refere o artigo 112.º, a liquidação é efectuada até 30 de Novembro do ano seguinte àquele a que se respeita ou, no caso previsto no n.º 2 do referido artigo, até ao fim do 6.º mês seguinte ao do termo do prazo para a apresentação da declaração aí mencionada e tem por base a totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada. // [c)] Na falta de liquidação nos termos das alíneas anteriores, a mesma tem por base os elementos de que a administração fiscal disponha».
A este propósito, não sofre dúvida que «[i]ndependentemente do direito de a Administração Tributária lançar mão do disposto no artigo 83º, nº1, al. b) do CIRC e, nesse caso, perante a falta de apresentação de declaração de rendimentos, liquidar imposto com base na matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada, a verdade é que essa pretensão não pode sobrepor-se à constatação, resultante de acção de fiscalização (prévia) desencadeada para o efeito, do facto de aí se ter fixado o lucro tributável em zero e, bem assim, de aí a Administração se ter abstido de efectuar qualquer correcção à matéria colectável»(1). Por outras palavras, «[n]ão dispondo de elementos que permitam uma maior aproximação à situação real do contribuinte, em nome do princípio da igualdade tributária que se impõe pelo respeito devido aos contribuintes cumpridores, a administração tributária não deixará de produzir uma liquidação oficiosa, justificada também pelo princípio da verdade material. (…) Mas se o fisco dispõe de elementos que permitam uma configuração mais aproximada da realidade tributária do sujeito passivo, então torna-se mister que os mesmos sirvam de base à avaliação da matéria colectável»(2).
No caso, do probatório resulta que em relação aos exercícios em causa (1999 a 2003) foram emitidas liquidações oficiosas, por falta de apresentação atempada da declaração de rendimentos do exercício. Concretamente, a sociedade “D......., LDA.” foi tributada em IRC, nos anos de 1999, 2000, 2001, 2002 e 2003, através de liquidação que teve por base a falta de entrega da declaração de rendimentos e a matéria colectável de €13.229,76, a qual foi apurada pela aplicação do coeficiente de 20% à base tributável do ano de 1999, para efeitos de IVA(3).
Sucede, porém, que, em sede de procedimento de reclamação graciosa e de recurso hierárquico, o recorrente apresentou as referidas declarações de rendimentos, bem como os mapas contabilísticos e facturas de suporte dos mesmos(4). Tais elementos foram desconsiderados pela AT, sem que para tal exista qualquer fundamentação expressa, o que consubstancia preterição do dever de apuramento da verdade material do rendimento (princípio do inquisitório – artigo 58.º da LGT). As liquidações em crise foram emitidas sem se atender à dúvida fundada sobre se existiram rendimentos passíveis de tributação nos exercícios de 2000 a 2003, bem como se o rendimento apurado, em relação a todos os exercícios em causa, se adequa ou não aos elementos da contabilidade que foram presentes à AT. Na verdade, existem fundadas dúvidas sobre a existência e a quantificação do facto tributário, as quais não foram superadas pela administração tributária, pelo que impõe-se concluir que os actos de liquidação em apreço devem ser anulados com este fundamento (artigo 100.º/1 do CPPT).
Ao julgar em sentido discrepante, a sentença recorrida incorreu em erro, pelo que não se pode manter na ordem jurídica, devendo ser substituída por decisão que julgue procedente a impugnação e anule os actos tributários impugnados.
Termos em que se impõe conceder provimento ao recurso.
DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, na parte referida em 2.2.4. e julgar procedente a impugnação, com base na fundamentação aí consignada.
Custas pela recorrida, com dispensa de taxa de justiça devida em recurso, por não ter contra-alegado.
Registe.
Notifique.

(Jorge Cortês - Relator)

(1º. Adjunto)
(Lurdes Toscano)
(2º. Adjunto)
(Benjamim Barbosa)


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(1) Acórdão do TCAN, de 09.02.2012, P. 0175/05.2.BEPRT

(2) Paulo Marques, Joaquim Miranda Sarmento e Rui Marques, IRC, Problemas Actuais, AAFDL, 2017, pp. 147/148.
(3) Alínea T), do probatório.
(4) Alíneas U), V) e X), do probatório.