Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul
I – RELATÓRIO
A A …………….- SISTEMAS ……………….. LIMITADA, notificada do acórdão deste TCA Sul proferido em 20 de junho de 2022, veio, nos termos do disposto nos artigos 195º, 199º, 616º e 685º, todos do Código de Processo Civil (CPC), e do artigo 125.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), “arguir a nulidade do sobredito Acórdão”.
Em ordem a sustentar a nulidade arguida invocou os seguintes fundamentos que infra se transcrevem na sua totalidade, por esta ser, nestes termos, relevante para a integral compreensão do que virá a ser decidido:
“A. Considerações introdutórias e enquadramento factual relevante
1. O recurso que culminou na prolação do presente acórdão, cuja nulidade a Requerente vem arguir nesta sede, foi interposto pela Fazenda Pública na sequência da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa (Doravante desigando, indistintamente, por “ Tribunal de primeira instância “ ou “ Tribunal a quo”) em 6 de julho de 2020, no âmbito do processo de impugnação judicial despoletado pela Requerente, em que a mesma peticionava a anulação dos atos de liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) com os n.ºs …………371, …………377, ……386, bem como dos atos de liquidação de juros compensatórios com os n.ºs ……….372, ……….373, ………….367, ………..368, ………..369, ……….370, ………….374, …………375, …………..376, ………..384 e ………….385, todos respeitantes aos períodos de 1999, 2000 e 2001, totalizando o montante de EUR 162.802,18.
2. O Tribunal Tributário de Lisboa julgou procedente a impugnação judicial intentada pela ora Requerente, concluindo verificar-se “[e]m parte (…) [o] erro respeitante às correções de IVA referente aos anos de 1999 e 2001, relativamente às quais ficaram demonstradas as transmissões intracomunitárias, por força do qual se impõe a anulação da liquidação de 1999 e a anulação parcial da liquidação de IVA de 2001, relativamente e ao IVA apurado nas transmissões efetuadas para a sociedade “I ………….. B.V.”, e a anulação parcial das liquidações de juros compensatórios na parte correspondente à anulação das referidas liquidações de IVA”,
3. concluindo também pela procedência do vício de incompetência relativa “da Diretora de Finanças que sancionou as conclusões do relatório de inspeção tributária, o qual, por se projetar diretamente, com natureza invalidade, sobre as subsequentes liquidações, impõe a anulação da totalidade das liquidações impugnadas” (cf. a página 69 do acórdão cuja nulidade ora se argui, sublinhado da Requerente).
4. Mais referiu o Tribunal Tributário de Lisboa na sentença proferida que “[a]tendendo às soluções dadas às questões conhecidas supra ficou prejudicado o conhecimento das demais”, deixando assim de conhecer os restantes fundamentos impugnatórios suscitados pela ora Requerente (cf. a página 68 do acórdão cuja nulidade ora se argui).
5. Na sequência da referida decisão, totalmente favorável à Requerente, a Fazenda Pública interpôs recurso da mesma para o Tribunal Central Administrativo Sul, de harmonia com o disposto nos artigos 280.º e seguintes do CPPT, por entender que “a douta decisão do Tribunal a quo (…) não faz, salvo o devido respeito, total e acertada aplicação das normas legais aplicáveis ao caso sub judice e, bem assim, uma correcta apreciação da matéria de facto relevante” (cf. o artigo 3.º das alegações de recurso apresentadas pela Fazenda Pública em 25 de setembro de 2020, bem como o ponto II. das respetivas conclusões, disponíveis a fls. 901 do Sistema Informático de Suporte à Atividade dos Tribunais Administrativos e Fiscais - Sitaf).
6. Note-se que a Fazenda Pública circunscreveu o recurso por si interposto, apenas e só, à temática da incompetência relativa assacada à Sra. Diretora de Finanças Adjunta Esmeralda Santos Pinto, invocando que, não obstante a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa considere “que a diretora (…), nomeada em 10-01-2003, não é competente não obstante o despacho de nomeação tenha sido publicado em 23-01-2003” (…) [a] nomeação foi efetuada ao abrigo da Lei 49/99, que prevê regras de nomeação de dirigentes aquando da criação de serviços, como foi o caso (…) dispondo o n.º 3 do artigo 3.º do citado diploma legal que o despacho de nomeação, devidamente fundamentado, é publicado no Diário da República juntamente com o currículo do nomeado” (cf. os artigos 12.º e 13.º das alegações de recurso apresentadas pela Fazenda Pública em 25 de setembro de 2020, em como o ponto X. das respetivas conclusões, disponíveis a fls. 901 do Sistema Informático de Suporte à Atividade dos Tribunais Administrativos e Fiscais - Sitaf).
7. Assim, da análise das alegações de recurso apresentadas pela Fazenda Pública resulta que a mesma considera que deve “ser aditado aos factos provados que o despacho de nomeação da referida diretora foi publicado no Diário da República de 23-01-2003, bem como que o ofício de notificação do relatório de inspeção tem data de 28-01-2003 (cf artigo 55º da p.i. e doc 27 anexo à p.i.)” (cf. o artigo 8.º das alegações de recurso apresentadas pela Fazenda Pública em 25 de setembro de 2020, bem como o ponto VI. das respetivas conclusões, disponíveis a fls. 901 do Sistema Informático de Suporte à Atividade dos Tribunais Administrativos e Fiscais - Sitaf).
8. No entanto, cumpre chamar a atenção para o facto de esta intenção de ver aditada factualidade por parte da Fazenda Pública, na qualidade de Recorrente, ser, desde logo, efetuada en passant,
9. além de mesma se apoiar, para supostamente justificar o seu intento, num segmento da alegação da ora Requerente em sede da sua petição inicial que, em rigor, não é capaz de conduzir a qualquer conclusão contrária à pretensão da mesma, beneficiando, desse modo, a Fazenda Pública.
10. O artigo 55.º da petição inicial apresentada pela Requerente, evocado pela Fazenda Pública aquando da impugnação da matéria de facto assente, dispõe que “[a]cresce que o Relatório Final de Inspecção assinado em 22.10.2003, mas apenas notificado à Impugnante em 29.01.2003 (citado Doc. 27), estava sancionado por Despacho assinado por Esmeralda Santos Pinto, a qual se apresenta na qualidade de Directora de Finanças Adjunta, quando, na verdade, nessa data (22.01.2003) a mesma ainda não tinha sido formalmente nomeada, uma vez que o despacho de nomeação apenas foi publicado em Diário da República em 23.01.2003” (cf. o artigo 55.º da petição inicial apresentada pela Requerente, disponível a fls. 1 do Sistema Informático de Suporte à Atividade dos Tribunais Administrativos e Fiscais – Sitaf, negrito do original).
11. O Tribunal de recurso, por seu turno, considera que “[p]onderadas, de forma articulada, as conclusões com a fundamentação do recurso, conclui-se que a alegação de recurso apresentada pela Recorrente respeita minimamente as exigências dos artigos 639.º e 640.º do CPC, necessárias para que este Tribunal cumpra com os poderes que lhe estão atribuídos pelo artigo 662.º do CPC” (cf. a página 53 do acórdão cuja nulidade ora se argui).
12. E, nessa senda, entende que “[n]o que respeita à notificação do relatório de inspecção tributária, é de deferir a pretensão da Recorrente, desde logo pelas consequências que a Recorrente pretende extrair dessa data”, ao passo que“[q]uanto ao despacho de nomeação, o Mmo. Juiz a quo optou por o transcrever na fundamentação de direito”, “prática [que] não é a mais consentânea com a boa prática processual emanada, designadamente dos artigos 607.º, n.º 3 do CPC e 125.º, n.º 1 do CPPT, pelo que, vai ser aditado à matéria de facto assente” (cf. a página 53 do acórdão cuja nulidade ora se argui, sublinhado da Requerente).
13. Isto posto, aquele Tribunal envereda, desde logo, por aquilo que designa por “aditamento oficioso à matéria de facto assente”, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 662.º do CPPT, aditando assim ao probatório o seguinte facto: “33) O Diretor de Finanças de Lisboa, por despacho de 16/06/2003, publicado do Diário da República nº 175, II Série, de 31/07/2003 [Aviso (extrato) n.º 8116 (2.ª Série] delegou, entre outros, na Diretora de Finanças Adjunta, E ……………………….., competências próprias, com produção de efeitos a partir de 10/01/03, ratificando os atos e despachos praticados, com o seguinte teor: (…)” (cf. as página 47 e 48 do acórdão cuja nulidade ora se argui, sublinhado do original).
14. A final, e quanto ao aditamento do facto supra, o Tribunal ad quem menciona que o mesmo deriva do “conhecimento por dever de ofício, em função da intervenção como Adjunta no acórdão proferido no processo nº 1075/05.1 BELSB, a fls. 2243 a 2244 desses autos)” (cf. as página 47 e 48 do acórdão cuja nulidade ora se argui).
15. Considerando, nessa parte, procedente o recurso interposto, o Tribunal de recurso – aderindo para o efeito à fundamentação expendida pelo Tribunal Central Administrativo Sul no processo n.º 1075/05.1BELSB - entendeu adicionalmente que “ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 1 do CPC, importa ainda aditar ao probatório a seguinte matéria que igualmente se encontra provada”, procedendo ao aditamento dos pontos que numera de 34) e 35), que abaixo se reproduzem (cf. as páginas 53 a 56 53 do acórdão cuja nulidade ora se argui, negrito do original): “34) Através de ofício, datado de 28/01/2003, subscrito pela Diretora de Finanças Adjunta, E ………………….., registado com aviso de receção, a impugnante foi notificada do seguinte:
«Assunto: Notificação do Relatório de Inspecção Tributária. Notificação da fixação da matéria tributável de I.R.C. com recurso a métodos indirectos. Notificação do apuramento do I.V.A. com recurso a métodos indirectos. Fica(m) V.a<s) Ex.a(s), por ste meio notificado(s): Nos termos do art.° 77° da LGT e do art.° 61° do RCPIT, do Relatório de Inspecção Tributária e do teor do(s) despacho(s) que sobre ele recaiu(iram), que se anexa(m) como parte integrante da presente notificação.
Nos termos do art.° 53° do C.I.R.C. e dos arts 36° e 38°, n° 1 do C.P.P.T., da fixação da matéria tributável de IRC, apurada por métodos indirectos nos termos previstos nos artigos 87° a 90° da LGT e artigos 51° e 52° do CIRC, no(s) seguinte(s) exercício(s):
Matéria Tributável fixada: (1999) 158.372,19 Euros (2000) 124.786,49 Euros (2001) 200.799,14 Euros
Nos termos do art° 36° e 38° n° 1 do C.P.P.T., da fixação do IVA apurado por métodos indirectos nos termos previstos nos artigos 87° a 90° da LGT e artigo 84° do CIVA, nos seguinte(s) exercício(s):
Imposto em falta (1999) 19.841,99 Euros (2000) 14.824,80 Euros (2001) 27.496,72 Euros
A(s) decisão(ões) tomada(s) referida(s) no(s) ponto(s) anterior(ores) tem (têm) por base os factos, motivos e fundamentos e, bem assim os critérios e cálculos que originaram os valores acima referidos, expressamente desenvolvidos no Relatório da Inspecção Tributária, que faz parte integrante da presente notificação.
Nos termos do art.° 91° da L.G.T. poderá V.a Ex.a, solicitar a revisão da(s) matéria(s) tributável(eis) ou imposto fixado por métodos indirectos, numa única petição devidamente fundamentada, dirigida ao Director de Finanças da 2a Direcção de Finanças de Lisboa, a apresentar no Serviço de Finanças da área da sede no prazo de 30 (trinta) dias a contar da data da assinatura do aviso de recepção que acompanha esta notificação, com indicação do Perito que o represente (nome, NIF e domicílio fiscal), e, eventualmente, o pedido de nomeação de perito independente nos termos do n° 4 do mesmo artigo.
A avaliação indirecta não é susceptível de impugnação contenciosa directa, salvo quando não dê origem a qualquer liquidação de imposto (art° 86° n° 3 e art° 95° da Lei Geral Tributária).
Das correcções meramente aritméticas efectuadas à matéria tributável e/ou ao imposto, sem recurso a métodos indirectos, cujos fundamentos constam do Relatório da Inspecção Tributária, que se anexa, como parte integrante da presente notificação, será a breve prazo, notificado da liquidação pelos competentes Serviços da DGCI onde constará indicação dos prazos e meios de defesa contra a liquidação.
Da presente notificação das correcções efectuadas e dos fundamentos, não cabe qualquer reclamação ou impugnação.
Com os melhores cumprimentos
A Directora de Finanças Adjunta (…)» (cfr. doc. n.º 27 da p.i.).
35) O despacho de nomeação de E ……………………… como Diretora de Finanças Adjunta, foi publicado no Diário da República n.° 19/2003, Série II, de 23/01/03, com o seguinte teor:
«Despacho n.° 1366/2003 (2.ª série). - Com entrada em vigor do Decreto-Lei n.°262/2002, de 25 de novembro, que criou a Direção de Finanças de Lisboa, encontram-se vagos os lugares correspondentes ao cargo de diretor de finanças-adjunto.
Por forma a assegurar o bom funcionamento e organização dos serviços, e até que esses lugares possam ser providos por concurso, importa, desde já, proceder à nomeação de pessoal com aptidão e experiência profissional adequada ao exercício das respetivas funções.
Assim:
Nos termos no disposto no n.° 9 do artigo 4.° da Lei n.° 49/99, de 22 de junho, nomeio a inspetora tributária principal, do quadro de pessoal da DGCI, E ……………….. no cargo de diretora de finanças-adjunta da Direção de Finanças de Lisboa. (...)
10 de janeiro de 2003. - A Ministra de Estado e das Finanças, M …………………………..»”
16. Mais refere aquele Tribunal que “[o] conhecimento em substituição depende de o Tribunal de recurso dispor dos elementos necessários ao conhecimento substituição”, sendo que “lida a p.i, o que resulta é que a questão que não foi conhecida em 1ª instância se prende com a invocada ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, em concreto o vício concernente à falta de fundamentação da mesma, falta esta que a Recorrida defende resultar de não terem sido levados em consideração os novos elementos por si apresentados em sede de direito de audição (…)” (cf. as páginas 69 e 70 do acórdão cuja nulidade ora se argui).
17. Todavia, por entender que se trata “de questão que, face aos elementos constantes dos autos e à matéria já fixada (…) pode, em abstrato, conhecer. Sucede, porém, no que a esta questão respeita, que a leitura atenta da p.i permite concluir que essa linha argumentativa defendida pela ora Recorrida se reconduzia a aspetos relacionados com a ação inspetiva na parte em que visou as liquidações relativas ao ano de 1999 e tais atos tributários de liquidação adicional foram já anulados” (cf. as páginas 69 e 70 do acórdão cuja nulidade ora se argui).
18. O Tribunal de recurso encarrila, portanto, pela ação de substituição ao Tribunal de primeira instância, embora do excerto acima transcrito pareça resultar, porque assim afirma, que a mesma, na prática, sempre seria inócua.
19. No entanto, a Requerente não considera que tal corresponda à realidade, na medida em que, efetivamente, o Tribunal de recurso se substitui ao Tribunal de primeira instância noutro conspecto que não o relativo a aspetos relativos às tais liquidações respeitantes ao período de 1999.
20. O Tribunal Central Administrativo Sul, sem assacar expressamente o vício de nulidade à sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, atua no sentido de confirmar a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão recorrida, promovendo uma atuação ao abrigo do disposto no artigo 665.º do CPC, aplicável ex vi do disposto na alínea e) do artigo 2.º do CPPT.
21. Ainda que assim não se entenda, aquele Tribunal viola, em todo o caso, o princípio do contraditório (cf. o disposto no n.º 3 do artigo 3º do CPC, aplicável ex vi do disposto na alínea e) do artigo 2.º do CPPT), enquanto princípio basilar que enforma o processo civil e, do mesmo modo, o processo tributário,
22. ainda para mais num cenário cuja observância de todos os comandos legais e constitucionais de pendor garantístico, e conformadores de um processo salutar, se revela ainda mais premente, na medida em que está em causa um processo judicial com mais de 17 anos, cujos atos de liquidação sob escrutínio - pelo menos os mais antigos - datam de há cerca de 23 anos.
23. De facto, e como adiante se esmiuçará, “[a] realização da justiça no caso concreto deve ser conseguida no quadro dos princípios estruturantes do processo civil, como são os princípios do dispositivo, do contraditório, da igualdade das partes e da imparcialidade do juiz, travesmestras do princípio fundamental do processo equitativo proclamado no artigo 20.º, n.º 4,da Constituição da República” (cf. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de janeiro de 2017, proferido no processo n.º 873/10.9T2AVR.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt).
24. Tais vicissitudes, acima elencadas em termos gerais, conduzem à nulidade do acórdão em crise, conforme a Requerente passará a esclarecer, o que não poderá deixar de ser devidamente examinado e confirmado por este Tribunal.
Vejamos:
B. Da nulidade do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul no presente processo
(i) Da nulidade por omissão de ato ou formalidade legalmente prescrito(a), suscetível de influir no exame/decisão da causa: da violação do disposto no n.º 3 do artigo 665.º do CPC, aplicável por força da alínea e) do artigo 2.º do CPPT
25. De acordo com o disposto no artigo 195.º do CPC, aplicável na presente sede por força da alínea e) do artigo 2.º do CPPT, “a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa” (sublinhado da Requerente).
26. No presente caso, a Requerente entende que é flagrante a produção de nulidade imputável ao Tribunal Central Administrativo Sul, no contexto da prolação do acórdão em crise, na medida em que ocorreu a omissão de determinante ato ou formalidade legalmente prescrito, visivelmente suscetível de influir a decisão da causa - o que, in casu, se verifica, porquanto se refletiu na adoção de entendimento em sentido oposto àquele perfilhado pelo Tribunal de primeira instância, inesperado para a Requerente.
27. Embora o Tribunal de recurso evoque reiteradamente, ao longo do acórdão em crise, o artigo 662.º do CPC, que dispõe sobre a modificabilidade da decisão de facto, nomeadamente o seu n.º 1, que prevê que “[a] Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”,
28. não é menos verdade que, na realidade, reconduz à sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, em conformidade com o disposto no artigo 125.º do CPPT, (i) reprovando a conduta processual do Tribunal a quo e (ii) substituindo-se ao mesmo, na conformação e dissecação da matéria de facto relevante para a decisão da causa, nos termos do que dispõe o n.º 1 do artigo 665.º do CPC.
29. Tal é expressamente por si apontado, quando refere que, “[q]uanto ao despacho de nomeação, o Mmo. Juiz a quo optou por o transcrever na fundamentação de direito”, entendendo, e assim afirmando, “que tal prática não é a mais consentânea com a boa prática processual emanada, designadamente dos artigos 607.º, n.º 3 do CPC e 125.º, n.º 1 do CPPT, pelo que, vai ser aditado à matéria de facto assente, promovendo o aditamento dos factos 34) e 35), acima reproduzidos (cf. a página 53 do acórdão cuja nulidade ora se argui, sublinhado da Requerente).
30. Ora, a Requerente não desconhece que “[o] Tribunal da Relação [e, por maioria de razão, o Tribunal Central Administrativo Sul, que ocupa posição análoga na hierarquia dos Tribunais administrativos e fiscais] pode substituir-se à 1ª Instância, regra da substituição do tribunal recorrido, conforme art. 665º, do CPC, só não o fazendo quando não disponha dos elementos necessários e, “só nesta eventualidade se justifica a devolução do processo para o tribunal a quo” – Cfr. Abrantes Geraldes in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª ed., pág.335” (cf. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de janeiro de 2022, proferido no processo n.º 6798/16.7T8LSB-A.L2.S1, disponível em www.dgsi.pt).
31. Como se pode ler no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 9 de janeiro de 2020, proferido no processo n.º 14584/19.6T8LSB-C.L1-2, disponível em www.dgsi.pt, “[s]e o tribunal [de primeira instância] não especifica os fundamentos de facto (os factos) que justificam a decisão, a decisão é nula (art. 615/1-b do CPC)”, com a ressalva de que “[s]e for possível ao tribunal de recurso, com base nos elementos de prova constantes do processo, decidir quais os factos que estão provados, o tribunal de recurso deve substituir-se ao tribunal recorrido (art. 665/1 do CPC)” (sublinhado e negrito da Requerente).
32. In casu, e também face ao facto de a Ilustre Relatora do acórdão em crise ter integrado o coletivo responsável pelo julgamento do processo n.º 1075/05.1BELSB, o Tribunal ad quem dispunha, pelo menos em abstrato, dos elementos necessários para proceder à substituição respetiva ao Tribunal a quo neste conspecto.
33. E evidentemente entendeu ser necessário fazê-lo, pois caso contrário, a sua atuação, no que respeita à modificação da decisão de facto, ter-se-ia cingido ao alegado pela Fazenda Pública em sede de recurso.
34. Mas não: o Tribunal ad quem foi mais além, carreando para os autos elementos que não constavam do acervo de factualidade dada como provada pelo Tribunal de primeira instância, nem sobre os quais a Requerente havia tido a possibilidade de se defender convenientemente.
35. Desde logo porque a vingar a decisão nestes moldes, a mesma é tomada sem que a Requerente se tenha pronunciado sobre os seus fundamentos – nesta parte - e esse resultado é, por si só, de rejeitar, por impedir a prossecução dos princípios processuais em que assenta a tutela jurisdicional efetiva.
36. Tanto assim é que, aquando da impugnação da matéria de facto em sede de recurso, nomeadamente quando cura de (tentar) especificar os elementos capazes de justificar o aditamento de um facto novo à factualidade relevante nos autos, a Fazenda Pública remete para um único ponto da alegação da Requerente em sede de petição inicial que é particularmente parco e que não consubstancia um desenvolvimento da temática em crise, na qual se baseou o Tribunal ad quem para indeferir, in totum, a pretensão da aqui Requerente.
37. Ao ampliar a matéria de facto nos termos em que o fez, o Tribunal ad quem determinou, oficiosamente, a discussão da questão jurídica relevante (incompetência relativa da Sra. Diretora de Finanças Adjunta E ………….. e eventual sanação da mesma) de um prisma distinto e, naturalmente, de modo mais aprofundado, o que até então as partes não haviam feito nos seus articulados.
38. Essa nova abordagem jurídica que passou a impor-se (a título superveniente), até então não perspetivada pelas partes - pelo menos, não nesses exatos termos -, obriga ao chamamento das partes para pronúncia, ao abrigo do princípio do contraditório, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 665.º do CPC, aplicável ex vi do disposto na alínea e) do artigo 2.º do CPPT.
39. No que respeita, por sua vez, ao processo n.º 1075/05.1BELSB, a Requerente não poderia antever quando contra-alegou no recurso em apreço que o Tribunal ad quem viesse a perfilhar, nos presentes autos, entendimento semelhante àquele aí adotado, em sede de recurso, no que respeita à questão da incompetência relativa da Sra. Diretora de Finanças Adjunta Esmeralda Santos Pinto, na medida em que à data da apresentação das contra-alegações de recurso no presente processo ainda não tinha conhecimento da decisão do processo n.º 1075/05.1BELSB, por não ter sido ainda proferida.
40. Além disso, e retomando o raciocínio supra, o próprio Tribunal ad quem que considera que a discussão não se coloca, apenas e só, numa dimensão “de direito”, antes se situando, numa primeira fase, numa dimensão fática, com repercussões posteriores na interpretação dos comandos legais aplicáveis.
41. Sendo esse entendimento que o leva a qualificar como violadora do disposto no artigo 125.º do CPPT a conduta processual do Tribunal a quo e, nessa medida, promovendo a alteração oficiosa da matéria de facto e pronunciando-se, no que respeita à apreciação de direito, sobre esses factos, em clara substituição daquele.
42. Posto isto, e tendo-se o Tribunal ad quem servido, ainda que discretamente, do disposto no artigo 665.º, n.º 1 do CPC no presente caso, a disciplina desse mesmo preceito legal obriga à audição das partes (cf. o n.º 3) antes de ser proferida decisão, nos termos expostos.
43. No fundo, o Tribunal de recurso faz claro uso de uma determinada prerrogativa legal cuja disciplina impõe a realização de um ato ou formalidade adicional para o sucesso da sua utilização - o chamamento das partes a pronunciarem-se, ao abrigo do princípio do contraditório.
44. Todavia, aquele Tribunal não curou de fazer observar tal fase, omitindo-a, e inquinando o acórdão por si lavrado de nulidade processual, na medida em que se furtou à prática de ato ou formalidade a que se encontrava obrigado por lei (nomeadamente, a notificação das partes para se pronunciarem sobre a questão da incompetência relativa da Sra. Diretora de Finanças Adjunta E………………….., nos termos por si “delineados”, após reconfiguração da factualidade assente), obviando ao cabal exercício do direito ao contraditório, para o que ora releva, pela Requerente.
45. Importa, feita a exposição que antecede, chamar à colação o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de fevereiro de 2017, proferido no processo n.º 5384/15.3T8GMR.G1.S1,disponível em www.dgsi.pt, que prescreve o seguinte (sublinhado da Requerente):“O incumprimento pelo tribunal da relação do disposto no art.º 655.º n.º 1 do CPC é suscetível de integrar a prática da nulidade processual prevista no art.º 195.º n.º 1 do mesmo diploma legal, pois foi omitido um ato que a lei prescreve, que consistia em dar a possibilidade às partes de exercer o contraditório.
(…) A intensidade desta violação é tal, uma vez que se trata de um princípio estruturante do direito processual civil, que a decisão final ao dar cobertura a esse desvio processual acaba por assumi-lo, ficando ela própria contaminada.
3. Esta nulidade processual coberta pelo acórdão, ainda que não se configure como uma das nulidades previstas no art.º 615.º n.º 1 do CPC, acaba por inquinar o mesmo, ferindo-o de nulidade.”
46. Embora o citado aresto diga respeito a normativo distinto daquele ora em causa (o n.º3 do artigo 665.º do CPC), o entendimento vertido no mesmo tem aplicação análoga ao caso sub judice, na medida em que, na presente situação, caberia ao Tribunal de recurso, no contexto da substituição ao Tribunal recorrido, “antes de ser proferida decisão, ouv[ir] cada uma das partes”,
47. tendo antes perpetrado a omissão consciente de uma formalidade prescrita por lei, essencial para dar cumprimento a tal relevante trave-mestra do processo judicial tributário (o princípio do contraditório).
48. Importa ter presente que “[a] correcta compreensão do princípio do contraditório não se basta com a garantia de que as partes tenham a possibilidade de intervir no processo, tendo conhecimento e possibilidade de pronúncia quanto aos pedidos que deduzem ou contra si são deduzidos, antes implica ainda que possam pronunciar-se sobre quanto a questões determinantes para a decisão a proferir que, constituindo novidade no processo, não tenham sido objecto de pronúncia no decurso do normal contraditório previsto na tramitação processual” (cf. o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10 de outubro de 2019, proferido no processo n.º 26411/11.8T2SNT-D.L1-6, disponível em www.dgsi.pt, sublinhado da Requerente e negrito do original).
49. De facto, com este chamamento pretende evitar-se que as partes se defrontem, sem oportunidade de pronúncia prévia, com uma interpretação judicial que não poderiam antecipar - em muito, no presente caso, motivada pela ampliação da factualidade dada como provada e, segundo o Tribunal a quo, relevante para a decisão da causa, que obrigou à discussão da matéria de direito em termos distintos daqueles até então efetuados pelas partes.
50. E cumpre reiterar que, na situação vertente, essa “antecipação” era difícil, para não dizer impossível, porquanto até à apresentação das contra-alegações de recurso pela aqui Requerente, no presente processo, (i) não só não era conhecida qualquer pronúncia em sentido contrário àquele propugnado pelo Tribunal a quo a respeito da questão da incompetência relativa da Sra. Diretora de Finanças Adjunta E………………….., (ii) como a Requerente tinha a confiança legítima e fundada de que a solução dada ao litígio pelo Tribunal de primeira instância era a adequada, face à factualidade dada como provada e atenta a interpretação e subsunção das normas jurídicas relevantes à mesma que, aliás, não fora posta em causa pela Fazenda Pública.
51. Assim, atuando o Tribunal ad quem em clara substituição do Tribunal recorrido, o exercício do contraditório, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 665.º do CPC - em reflexo do disposto no n.º 3 do artigo 3.º do CPC -, tornou-se necessário, dadas as nuances na apreciação do mérito da causa, potenciadas pela alteração da factualidade relevante, pelas mãos do Tribunal a quo, que entendeu que a mesma não se encontrava devidamente especificada pelo Tribunal de primeira instância - o que, como se viu, afirma expressamente, reconduzindo tal conduta, ainda que apenas virtualmente, à figura da nulidade (da sentença).
52. Com efeito, o acórdão em crise decidiu da questão da incompetência relativa da Sra. Diretora de Finanças Adjunta E……………………., materialmente, com fundamento não devidamente ponderado pelas partes, tendo a Requerente ficado, em sede de recurso, prejudicada na oportunidade de tomar devida posição sobre a questão.
53. Com o referido preceito, o legislador teve em vista assegurar o pleno exercício do direito ao contraditório, que é decorrência natural do princípio da igualdade das partes - na medida em que garante às mesmas uma igualdade no que concerne à possibilidade de pronúncia sobre os elementos suscetíveis de influenciar a decisão -, o qual está consagrado no n.º 3 do artigo 3.º do CPC.
54. Este é um princípio basilar do processo (civil e tributário), que ultrapassou a conceção clássica que estava associada ao exercício do direito de resposta, assumindo-se hoje como uma garantia de participação efetiva das partes no desenrolar de todo o processo, conferindo às partes a possibilidade de influirem em todos os elementos que se liguem ao objecto da causa, sendo que “[s]egundo este princípio, o juiz não deve decidir qualquer questão, de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem, pois só assim se assegura a participação efectiva das partes no desenvolvimento do litígio e na busca da justiça da decisão” (cf. o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 25 de novembro de 2015, proferido no processo n.º 0839/15, disponível em www.dgsi.pt).
55. Na estruturação de um processo justo, o Tribunal - in casu, o Tribunal de recurso – deve prevenir e, dentro da medida do possível, evitar que os pleiteantes sejam surpreendidos com decisões para as quais as suas exposições, factuais e jurídicas, não foram tomadas em consideração.
56. Com relevo para o que se discute, referem JOSÉ LEBRE DE FREITAS e ARMINDO RIBEIRO MENDES, in Código de Processo Civil Anotado, Volume 3.º, Coimbra Editora, 2003, pág. 104 “[n]o caso de ser omitida esta formalidade, a parte prejudicada por arguir nulidade, nos termos do art. 205 [atual artigo 199.º do CPC], não podendo impugnar directamente a omissão no recurso que interpuser da decisão”.
57. No mesmo sentido vai o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de outubro de 2010, proferido no processo n.º 673/03.2TTBRR.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt, que refere que “(…) [a] omissão do cumprimento, pelo Tribunal da Relação, do disposto no art. 715.º, n.º3, do Código de Processo Civil, configura uma omissão ou irregularidade consubstanciada numa nulidade processual secundária, uma vez que a mesma pode influir no exame e decisão da causa, nulidade essa a conhecer mediante reclamação do interessado, a deduzir no prazo geral de 10 dias, contados do respectivo conhecimento (arts. 201.º, n.º 1, 202.º, 203.º, n.º1, 205.º, n.º 1 e 153.º, do Código de Processo Civil)”.
58. No caso concreto verifica-se que a falta de notificação da Requerente (na qualidade de Recorrida), bem como da Fazenda Pública, para se pronunciarem antes da prolação do acórdão emanado pelo Tribunal Central Administrativo Sul, nos termos do n.º 3 do artigo 665.º do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT, comprometeu a discussão do mérito da causa, na medida em que impossibilitou a Requerente de, oportunamente, nesta instância (Tribunal superior), expor, aditar ou complementar, as razões, sobretudo de direito sobre a questão (substantiva) que veio a ser apreciada, em moldes evidentemente distintos (e mais aprofundados) face ao exame que havia sido feito pelo Tribunal a quo, na sentença proferida em sede de primeira instância.
59. Ademais, a intervenção do Tribunal Central Administrativo Sul, no que respeita à alteração da factualidade, extravasou aquilo que havia sido efetivamente peticionado, em sede de impugnação da matéria de facto, pela Fazenda Pública, na qualidade de Recorrente.
60. Nessa medida, constatando-se que a omissão de notificação das partes (in casu, da Requerente), nos termos e para os efeitos do n.º 3 do artigo 665.º do CPC, aplicável por força da alínea e) do artigo 2.º do CPPT, influiu claramente no exame da decisão da causa (decidida em sentido adverso face ao propugnado pelo Tribunal Tributário de Lisboa), na medida em que na mesma não se atenderam aos eventuais argumentos dos intervenientes processuais, numa ótica de contraditório, é forçoso concluir que o Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 30 de junho de 2022 padece de irregularidade, configuradora de uma nulidade processual, com consequências anulatórias dos termos subsequentes a tal omissão, e dela absolutamente dependentes, nos termos do disposto no artigo 195.º do CPC, também aplicável por força da mencionada alínea e) do artigo 2.º do CPPT.
61. Atento o exposto, deverá o mencionado acórdão ser declarado nulo, nos termos do disposto no artigo 125.º do CPPT e, bem assim, do disposto nos artigos 195.º e 199.º do CPC, aplicáveis por força da alínea e) do artigo 2.º do CPPT, tudo com as legais consequências.
(ii) Da nulidade por violação do princípio do contraditório, mediante prolação de decisão-surpresa, pelo Tribunal Central Administrativo Sul
62. Como a Requerente acima referiu, ainda que não se entenda que se está diante de uma efetiva violação do disposto no n.º 3 do artigo 665.º do CPC, na sequência da substituição, pelo Tribunal de recurso, ao Tribunal recorrido, a realidade é que aquele primeiro violou, de forma gritante, o princípio do contraditório plasmado no n.º 3 do artigo 3.º do CPC, legitimando a prolação de uma verdadeira decisão-surpresa no caso sub judice.
63. De acordo, entre outros, com o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 2 de dezembro de 2019, proferido no processo n.º 14227/19.8T8PRT.P1, disponível em www.dgsi.pt, “[e]xiste, presentemente, uma conceção ampla do princípio do contraditório, a qual teve origem em garantia constitucional da República Federal Alemã, tendo a doutrina e jurisprudência começando a ligar ao princípio do contraditório ideias de participação efectiva das partes no desenvolvimento do litígio e de influência na decisão, passando o processo visto como um sistema, dinâmico, de comunicações entre as partes e o Tribunal” (negrito do original).
64. Desse modo, e como atrás já foi mencionado, incumbe ao juiz respeitar e fazer observar o princípio do contraditório ao longo de todo o processo, incluindo a fase recursória, não lhe sendo lícito conhecer de questões (de facto ou de direito) sem dar a oportunidade às partes de, antes da prolação de decisão contendo a sua apreciação, sobre as mesmas se pronunciarem, proibindo-se, portanto, as decisões-surpresa.
65. A decisão-surpresa não tem, de acordo com o citado aresto, de ser imprevisível - até porque, em rigor, não há decisões totalmente imprevisíveis, dada a ampla liberdade de conformação da solução a dar ao litígio de que gozam os Tribunais.
66. No entanto, a decisão-surpresa é perspetivada como a “solução dada a uma questão que (…) não tenha sido configurada pela parte [ou, pelo menos, não especificamente configurada nos termos então conformados pela instância superior], sem que a mesma tivesse obrigação de a prever”.
67. Na situação em apreço, dadas as circunstâncias também já descritas – nomeadamente o facto de, à data da apresentação pela Requerente das contra-alegações de recurso, tomar como paradigma as soluções favoráveis dada aos litígios em que também era parte, com contornos semelhantes, e que lhe haviam sido favoráveis -, torna-se evidente que não impendia sobre a Requerente qualquer obrigação (ou possibilidade!) de prever tal desfecho (ou seja, uma decisão desfavorável, proferida em sede de recurso).
68. Ademais, cumpre salientar que a Requerente, na qualidade de parte vencedora na ação, após prolação da sentença pelo Tribunal Tributário de Lisboa, não dispunha de legitimidade ativa para reagir contra a decisão em causa, impulsionando, por exemplo, o julgamento das questões cujo conhecimento ficou prejudicado.
69. Nem tão-pouco, encontrando-se integralmente satisfeita a sua pretensão, e não prevendo, nos termos referidos, qualquer alteração de entendimento pelo Tribunal superior, alargar o objeto da discussão, sobretudo no que respeita ao mérito.
70. Posto isto, agora confrontada com o acórdão em crise, a Requerente considera que além da violação do mencionado princípio do contraditório, também viu posto em risco o direito de acesso aos Tribunais garantido pela Constituição da República Portuguesa (cf. o artigo 20.º deste diploma).
71. Sobre esta questão discorreu de forma lapidar o Tribunal da Relação do Porto em acórdão de 10 de janeiro de 2008, proferido no processo n.º 0736877, disponível em www.dgsi.pt, referindo que (sublinhado da Requerente):
“O direito de acesso aos tribunais é, na verdade, dominado por uma ideia de igualdade, uma vez que o princípio da igualdade vincula todas as funções estaduais, jurisdição incluída (acórdão do TC nº 147/92, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 21º vol., pp. 623 e ss.) - vinculação que significa igualdade perante os tribunais, donde decorre que "as partes têm que dispor de idênticos meios processuais para litigar, de idênticos direitos processuais" (acórdão do TC nº 223/95, DR, II série, de 27.6.95).
O princípio do contraditório - escreveu-se no acórdão do TC nº 177/2000, DR, II série, de 27.10.2000 -, enquanto princípio reitor do processo civil, exige que se dê a cada uma das partes a possibilidade de - deduzir as suas razões (de facto e de direito)", de "oferecer as suas provas", de "controlar as provas do adversário" e de "discretear sobre o valor e resultados de umas e outras" (cfr. Manuel de Andrade, "Noções Elementares de Processo Civil", 1956, p. 364).”
72. O desígnio primeiro do princípio do contraditório deixou, pois, de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à atuação alheia, para passar a ser a (capacidade) de influenciar, i.e., no efetivo direito de influir de modo ativo (ou diga-se mesmo reativo) no desenvolvimento e no êxito do processo.
73. Focando o plano das questões de direito que assomam na sequência de alterações da factualidade relevante, como sucede no caso vertente, esta norma proíbe as designadas decisões-surpresa. No fundo, obsta a que as partes se vejam surpreendidas por decisões baseadas em fundamentos que, no todo ou em parte, não hajam sido, prévia e devidamente, considerados pelas partes.
74. A dispensa de concretização do princípio do contraditório só é permitida em casos de manifesta desnecessidade, como decorre do n.º 3 do artigo 3.º do CPC, considerando-se que ocorre tal situação se as partes, nas alegações e/ou contra-alegações do recurso interposto, tiverem antecipado o debate sobre as questões omitidas e/ou consideradas prejudicadas, acautelando a hipótese de o recurso proceder.
75. No caso, não só a Requerente não antecipou (como não podia, razoavelmente, antecipar) essa possibilidade, como não lhe foi, concomitantemente, dada a chance de se pronunciar sobre esta súbita alteração de entendimento propugnada pelo Tribunal ad quem.
76. Ainda para mais num contexto em que não mais é possível recorrer, a título ordinário, da decisão que viesse a ser proferida, após tantos e longos anos de contenda judicial.
77. Cumpre chamar ainda a atenção para a disciplina ínsita à alínea c) do n.º 2 do artigo 5.º do CPC, na medida em que a mesma prevê a possibilidade de consideração pelo Tribunal dos factos de que “o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções”.
78. De facto, atentos os contornos do caso sob análise resulta que o ponto 33), aditado pelo Tribunal ad quem, resultou justamente do conhecimento que a ora Relatora tinha de processo idêntico àquele ora analisado, em que havia intervido.
79. Sucede que, refere a jurisprudência, “[q]uando o tribunal se socorra de factos de que tenha conhecimento por virtude do exercício das suas funções (…), deve fazer juntar ao processo documento que os comprove e cumprir o princípio do contraditório”, assim dando “às partes a possibilidade de influenciarem todas as suas decisões” (cf. o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 19 de dezembro de 2017, proferido no processo n.º 347/17.7BELRS, disponível em www.dgsi.pt, sublinhado da Requerente).
80. Em face do exposto, e atendendo a que a factualidade aditada e a discussão, no plano de direito, que adveio do seu aditamento vieram a integrar a base da decisão, deveria ter ocorrido a audição das partes, nomeadamente da Requerente (para o que releva no presente âmbito), sob pena de se estar diante de uma inaceitável decisão-surpresa.
81. Atendendo à violação de tal formalidade essencial do direito processual, está-se invariavelmente perante uma nulidade processual, nos termos previstos no artigo 195.º do CPC, aplicável por força do disposto na alínea e) do artigo 2.º do CPPT.
82. Atento o exposto, deverá o mencionado acórdão ser declarado nulo, nos termos do disposto no artigo 125.º do CPPT e, bem assim, do disposto nos artigos 195.º e 199.º do CPC, aplicáveis por força da mencionada alínea e) do artigo 2.º do CPPT, tudo com as legais consequências.
Nestes termos, e nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o acórdão proferido nos presentes autos ser declarado nulo, em conformidade com o disposto no artigo 125.º do CPPT e, bem assim, nos artigos 195.º, 199.º, 616. e 685.º do CPC (aplicável ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT), tudo com as legais consequências.
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A Fazenda Pública foi notificada e nada disse.
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O EMMP teve conhecimento da arguição de nulidade.
Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.
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- De Direito
Uma vez proferida a sentença (ou acórdão), imediatamente se esgota o poder jurisdicional do Tribunal relativo à matéria sobre que versa (cfr. artº.613, nº.1, do CPC, na redação da Lei 41/2013, de 26/6). Exceciona-se a possibilidade de reclamação com o objetivo da retificação de erros materiais, suprimento de alguma nulidade processual, esclarecimento da própria sentença ou a sua reforma quanto a custas ou multa (cfr.artºs.613, nº.2, e 616, nº.1, do CPC, na redação da Lei 41/2013, de 26/6; artº.125, do CPPT).
Tanto a reclamação, como o recurso, passíveis de interpor face a sentença (ou acórdão) emanada de órgão jurisdicional estão, como é óbvio, sujeitos a prazos processuais, findos os quais aqueles se tornam imodificáveis, transitando em julgado. A imodificabilidade da decisão jurisdicional constitui, assim, a pedra de toque do caso julgado (cfr.artºs.619 e 628, do CPC, na redação da Lei 41/2013, de 26/6).
A possibilidade de dedução do incidente de nulidade da sentença (acórdão) visa satisfazer a preocupação de realização efetiva e adequada do direito material e o entendimento de que será mais útil à paz social e ao prestígio e dignidade que a administração da Justiça coenvolve, corrigir do que perpetuar um erro juridicamente insustentável, conforme se retira do preâmbulo do dec.lei 329-A/95, de 12/12 (cfr. ac.S.T.A.-2ª.Secção, 24/2/2011, rec.400/10; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 19/10/2011, rec.497/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 9/4/2013, proc.3013/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 9/7/2013, proc. 5594/12; Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 6ª. edição, II Volume, Áreas Editora, 2011, pág.356 e seg.; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2ª. Edição Revista e Atualizada, 2008, Almedina, pág.321 e seg.; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, CPC anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.133 e seg.).
Tal como as sentenças de 1ª. Instância, os acórdãos proferidos pelos Tribunais Superiores podem ser objeto de arguição de nulidade. Além das nulidades previstas nas diferentes alíneas do artº.615, nº.1, do CPC, surgem-nos ainda duas situações decorrentes da colegialidade do Tribunal que profere o acórdão e que dão origem a nulidades específicas deste: o acórdão ser lavrado contra o vencido e, por outro lado, sem o necessário vencimento (cfr.artº.666, nº.1, e 667, do CPC; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 9/7/2013, proc.5594/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/6/2014, proc.7094/13; Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 6ª. edição, II Volume, Áreas Editora, 2011, pág.356 e seg.; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, CPC anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.133 e 134; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.59 e seg.).
Feito este enquadramento, vejamos o caso concreto.
O Tribunal, no acórdão proferido, aditou, ao probatório, dois factos, tal como vinha peticionado pela Recorrente e fê-lo tendo considerado que a impugnação da matéria de facto respeitava minimamente as exigências dos artigos 639º e 640º do CPC. Com efeito, foram aditados ao probatório os pontos 34 e 35, o primeiro respeitante à notificação do relatório de inspeção e o segundo relativo à publicação no DR do despacho de nomeação de Esmeralda Santos Pinto, como Diretora de Finanças Adjunta.
Por outro lado, no acórdão deste TCA foi ainda aditado ao probatório o ponto 33, com fundamento no artigo 662º, nº1 do CPC, factualidade esta respeitante ao seguinte: “O Diretor de Finanças de Lisboa, por despacho de 16/06/2003, publicado do Diário da República nº 175, II Série, de 31/07/2003 [Aviso (extrato) n.º 8116 (2.ª Série)] delegou, entre outros, na Diretora de Finanças Adjunta, Esmeralda Francisca Neutel de Sousa dos Santos Pinto, competências próprias, com produção de efeitos a partir de 10/01/03, ratificando os atos e despachos praticados, com o seguinte teor: (…)”. Tal aditamento foi justificado pelo conhecimento por dever de ofício, da Relatora, em função da sua intervenção como Adjunta no acórdão proferido no processo nº 1075/05.1 BELSB, a fls. 2243 a 2244 desses autos”.
Vejamos por partes.
A Requerente defende que o Tribunal violou o artigo 665º do CPC, em particular o seu nº3. Relembremos o que aí se dispõe:
“1 - Ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação.
2 - Se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários.
3 - O relator, antes de ser proferida decisão, ouve cada uma das partes, pelo prazo de 10 dias”.
Como está bem de ver, o TCA, no acórdão posto em causa, nem declarou nula a sentença recorrida, nem chegou a conhecer qualquer questão em substituição do TT de Lisboa, pelo que não tem aqui cabimento a invocação do artigo 665º do CPC.
No que para aqui importa, interessa evidenciar que o TT de Lisboa, para decidir, fundamentou-se na ilegalidade atinente à falta de competência hierárquica da Diretora de Finanças Adjunta que sancionou as conclusões do relatório de inspeção tributária, por não ser hierarquicamente competente para o efeito e por não se ter provado que tal ato haja sido ratificado, ilegalidade que, entendeu, se projeta diretamente, com a mesma natureza invalidante, sobre as subsequentes liquidações.
Ora, atenta a delimitação do objeto do recurso feita pela Recorrente, estava em causa este fundamento de incompetência com respeito à liquidação de 2000 e a parte de 2001. E foi isto que este Tribunal apreciou, ainda que em moldes não coincidentes com a pretensão da Requerente. Com efeito, o que se decidiu a final foi que “os actos praticados no procedimento inspectivo estão conforme os normativos legais supra citados, bem como o acto do Director de Finanças de Lisboa, enquanto titular de poderes dispositivos sobre a matéria, pelo que há que concluir pela validade do acto praticado em 22/01/2003 pela directora de finanças adjunta. Face ao exposto, não pode a decisão da primeira instância ser mantida”.
Diga-se, ainda, que o Tribunal ponderou, face ao desfecho do recurso, o conhecimento em substituição e considerou até ter elementos para tal e, nessa medida, que à partida nada se opunha a tal. Contudo, explicou que, no caso, tal apreciação mostrava-se inútil, pelo facto de as liquidações que podiam ser analisadas com base no fundamento que ficou por apreciar, terem já sido anuladas com outro fundamento.
Com efeito, lê-se no acórdão posto em crise o seguinte:
“Aqui chegados, há que indagar, de acordo com o artigo 665.º, n.º 2, do CPC, aplicável nos termos do artigo 2º, alínea e) do CPPT, se no presente processo se poderá exercer a regra da substituição do Tribunal ad quem ao Tribunal recorrido, quanto às questões cujo conhecimento ficou prejudicado.
O conhecimento em substituição depende de o Tribunal de recurso dispor dos elementos necessários ao conhecimento em substituição.
No caso concreto, lida a p.i, o que resulta é que a questão que não foi conhecida em 1ª instância se prende com a invocada ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, em concreto o vício concernente à falta de fundamentação da mesma, falta esta que a Recorrida defende resultar de não terem sido levados em consideração os novos elementos por si apresentados em sede de direito de audição (artigo 60º, nº 7 da LGT - Os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão).
Trata-se de questão que, face aos elementos constantes dos autos e à matéria já fixada, este Tribunal pode, em abstrato, conhecer.
Sucede, porém, no que a esta questão respeita, que a leitura atenta da p.i permite concluir que essa linha argumentativa defendida pela ora Recorrida se reconduzia a aspetos relacionados com a ação inspetiva na parte em que visou as liquidações relativas ao ano de 1999 e tais atos tributários de liquidação adicional foram já anulados.
Nessa medida, é inútil, para a economia da decisão, a apreciação de tal questão”.
A clareza do assim escrito é total, importando não esquecer que o juiz e os Tribunais estão impedidos de praticar atos inúteis.
Por outro lado, também, como é bom dever, não foi declarada a nulidade da sentença, como decorre de forma simples da leitura do acórdão.
A propósito da nulidade da sentença, deve dizer-se que nenhuma razão tem a Requerente ao defender que o este TCA reconheceu a nulidade da sentença por falta de especificação da matéria de facto, na medida em que reconheceu que a sentença recorrida fez apelo a um elemento de facto que, porém, não havia sido integrado no probatório.
Com efeito, no acórdão aqui visado escreveu-se o seguinte: “Quanto ao despacho de nomeação, o Mmo. Juiz a quo optou por o transcrever na fundamentação de direito. Embora o despacho de nomeação se mostre suficientemente discriminado e especificado, entendemos que tal prática não é a mais consentânea com a boa prática processual emanada, designadamente dos artigos 607.º, n.º 3 do CPC e 125.º, n.º 1 do CPPT, pelo que, vai ser aditado à matéria de facto assente.”
Como a Requerente bem deve saber, os Tribunais uniformemente têm entendido que apenas a total ausência ou absoluta falta de fundamentação de facto e não a errada, incompleta ou insuficiente fundamentação, afeta o valor legal da sentença, provocando a respetiva nulidade por falta de fundamentação da matéria de facto.
Ora, no caso, pelas razões que ficaram bem explicadas, o acórdão, verificando a incompletude da sentença e não deixando de apontar a adoção de uma menos boa prática, sanou essa deficiência, fazendo incluir no probatório um facto que, na verdade, já constava na fundamentação jurídica.
Esta atuação do TCA não traduz o reconhecimento da nulidade da sentença, nem, por outro lado, traduz qualquer violação do contraditório (repita-se, o facto era conhecido e constava da sentença), nem extravasa qualquer poder que à segunda instância esteja conferido, no que à matéria de facto respeita.
Tanto basta para que se conclua que, diferentemente daquilo que pretende a Requerente, não tem aqui aplicação o disposto no artigo 665º do CPC, em particular o seu nº3 que exige a audição das partes antes da tomada de decisão.
Prosseguindo.
Também não se aceita a crítica feita ao acórdão e as consequências que daí se pretendem retirar quando se afirma que “o Tribunal ad quem determinou, oficiosamente, a discussão da questão jurídica relevante (incompetência relativa da Sra. Diretora de Finanças Adjunta E…………………….. e eventual sanação da mesma) de um prisma distinto e, naturalmente, de modo mais aprofundado, o que até então as partes não haviam feito nos seus articulados”, insistindo-se na violação do princípio do contraditório e até que a opção tomada pelo TCA configura uma verdadeira decisão surpresa.
Salvo o devido respeito, o Tribunal Central moveu-se na análise do fundamento que já havia sido apreciado em 1ª instância, ainda que o tivesse apreciado de forma diversa, porventura em termos bem diferentes daquilo que pretendia a Requerente. A análise do TCA pode ser reputada de errada pela Requerente; o que não pode é ser apontada como surpreendente e violadora do contraditório, pois que, a nenhum título, pode uma parte legitimamente esperar que o Tribunal de recurso decida de acordo com a sua posição (tendo “como paradigma as soluções favoráveis dada aos litígios em que também era parte, com contornos semelhantes, e que lhe haviam sido favoráveis ou sem recorrer a um discurso argumentativo diverso daquele que foi adotado para decidir”) a mesma questão de direito analisada em 1ª instância (e sublinhe-se, “a mesma questão”).
Por fim, dir-se-á que não é de aceitar a crítica feita ao aditamento do ponto 33 do probatório e ao seu conhecimento derivar do exercício de funções da Relatora. Daquilo que se tratou foi de fazer constar dos factos provados o teor do despacho do Diretor de Finanças de Lisboa, de 16/06/2003, publicado do Diário da República nº 175, II Série, de 31/07/2003 [Aviso (extrato) n.º 8116 (2.ª Série)], no qual aquele delegou, entre outros, na Diretora de Finanças Adjunta, E…………………………………, competências próprias, com produção de efeitos a partir de 10/01/03, ratificando os atos e despachos praticados.
Trata-se de facto efetivamente conhecido pelo Tribunal em função da sua intervenção noutro processo, no qual a ora Requerente também era parte (tendo, pois, conhecimento de tal factualidade). Para mais, daquilo que se tratava era de matéria de facto pressuposta e considerada pela Fazenda Pública ao longo de todo processo, atento o seu início.
Nesta medida, nenhuma surpresa pode ter causado a sua consideração por parte deste Tribunal.
Em suma, a Requerente pode discordar com o decido, com o desfecho do processo e pode até reputar a decisão de errada. Mas isso não equivale à nulidade do acórdão, nem, por outro lado, se vislumbra qualquer nulidade processual que inquine a atuação do TCA que desembocou no acórdão ora posto em crise.
Atento tudo quanto ficou relatado, e sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente incidente de nulidade de acórdão, ao que se provirá na parte dispositiva que se segue.
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III – Decisão
Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em INDEFERIR A REQUERIDA NULIDADE DO ACÓRDÃO.
Condena-se a Requerente em custas pelo presente incidente, fixando-se a taxa de justiça em uma (1) U.C. (cfr.artº.7 e Tabela II, do R.C.Processuais).
Oportunamente, será proferido despacho sobre o recurso jurisdicional que vem interposto do acórdão.
Registe. Notifique.
Lisboa, 13/07/22
(Catarina Almeida e Sousa)
(Isabel Fernandes)
(Jorge Cortês) |