Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2550/04.0BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:02/25/2021
Relator:ANTÓNIO ZIEGLER
Descritores:LIQUIDAÇÃO OFICIOSA DE IRC.
POSTERIOR APRESENTAÇÃO DECLARAÇÃO MODELO 22.
DOCUMENTOS CONTABILÍSTICOS E DE SUPORTE
Sumário:I) No caso como dos autos em que a A.T.A. procedeu a uma liquidação oficiosa de IRC, por ausência de apresentação, dentro do prazo legal, da respectiva D.P. Modelo 22, a sua posterior entrega não obsta à sua consideração, caso a mesma permita o apuramento do lucro tributável do s.p.
II) Tal será o caso quando a sua determinação se baseie na contabilidade que cumpra o disposto no nº 3, do artº 17º, do CIRC, e que se encontrem apoiadas em documentos de suporte que satisfaçam as condições apostas no nº3, do artº 98º, do mesmo Código.
III) Cabe à Adm. Fiscal, no âmbito dos princípios do inquisitório e da descoberta da verdade material ( artº 58, da LGT), proceder ao apuramento da situação tributária do s.p.- cfr artº 63º da mesma Lei.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes que constituem a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I Relatório

P….., LDA., com os sinais nos autos, , vem deduzir recurso da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, a qual julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra a liquidação Oficiosa de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas (CIRC) referente aos anos 1996, no montante de €22.665,77 e juros compensatórios no montante de €1.178,56, tendo para o efeito apresentado as seguintes conclusões :

“1. A recorrente é uma sociedade por quotas que exerce a sua actividade desde 1987.

2. No ano de 1996, a recorrente não apresentou tempestivamente a sua declaração de rendimentos – MOD 22 de IRC.

3. Por tal facto, a Autoridade Tributária (AT), procedeu à quantificação da matéria colectável, nos termos do disposto no (ao tempo) art. 94º, nº 1, alínea b) do CIRC (i.e, com base na aplicação de métodos indirectos de quantificação), propondo uma matéria colectável de € 54.260,63, mediante liquidação oficiosa data de 25/09/2001.

4. Em 27/12/2001, a recorrente, apresentou declaração de rendimentos – Mod. 22 – para o exercício de 1996, apresentando um lucro tributável de € 71.590,19, a qual, deduzidos os prejuízos fiscais, determinou uma matéria colectável no montante de € 45.091,80, ou seja, inferior à matéria colectável apurada oficiosamente pela AT, em cerca de € 9.000,00.

5. A recorrente interpôs, em 08/02/2002, reclamação graciosa do acto de liquidação oficiosa do imposto, com fundamento no excesso de quantificação, que foi indeferida por decisão de 22/09/2004, com o fundamento da falta de cumprimento pela impugnante do ónus da prova que lhe competia, considerando insuficiente a junção de documentos contabilísticos, sem os respetivos suportes.

6. A ora recorrente de impugnou judicialmente o acto de liquidação ofícios ade IRC do ano de 1996, em 26/10/2004.

7. No âmbito da impugnação, a ora recorrente apresentou prova documental: Balanço, Demonstração de resultados, Balancete analítico do razão, reportados a 31/12/ 1996, mapas de mais-valias, mapas de provisões e de amortizações e a declaração Mod. 22 de 27/12/2001

8. E elaborou um mapa discriminativo dos documentos produzidos e recebidos no ano em causa e referiu que os documentos de suporte aos lançamentos contabilísticos apresentados (1038 documentos) estavam à disposição do Tribunal e da AT, para verificação.

9. Em 01/05/2006 foi proferida sentença desfavorável à pretensão da impugnante pelo Mmº Juíz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, que considerou que a impugnante não comprovou o que alegou , como seria seu dever, não tendo juntando ao processo os documentos que poderiam apoiar a sua versão, pelo que, nos termos do art. 74º, nº 1 da LGT, a falta de apresentação de elementos que contraditem a liquidação impugnada acarretou a improcedência impugnação.

10. Não se conformando com o teor da sentença, a ora recorrente intentou, em 20/06/2006, recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul.

11. Por acórdão de 30/10/2007, foi dado provimento ao recurso interposto, anulando-se a sentença recorrida e ordenando “(...) a baixa do processo à 1ª instância a fim de que, procedendo-se, nos termos supra referidos [produção da prova documental mencionada - documentos da contabilidade comprovativos e que suportem os lançamentos contabilísticos], à produção da mencionada prova documental, se profira nova decisão de acordo com o que então for apurado.”

12. Em cumprimento da determinação do TCA Sul, em 04/06/2008, a recorrente juntou aos autos 1038 documentos contabilísticos, separados de acordo com os diários de lançamentos nomeados no art. 52º da PI, que serviram de base aos valores inseridos na Declaração de Rendimentos 22 e nos demais documentos mencionados no art. 43º da PI.

13. Em 08/04/2013 as partes foram notificadas para, face à documentação junta, alegarem no prazo de 30 dias.

14. A ora recorrente apresentou as suas alegações em 06/08/2013, escalpelizando, movimento a movimento, a correcção dos lançamentos contabilísticos efectuados e que deram origem à declaração de rendimentos Mod. 22 e ao lucro aí apurado e – novamente – juntou os documentos contabilísticos já juntos com a PI, demonstrativos dos lançamentos contabilísticos.

15. Em 12/09/2013, o M.P. promoveu que, face aos novos elementos dos autos, a AT se pronunciasse “(...) fundamentadamente se a liquidação, ora sindicada, poderá ser corrigida, com a consequente reposição ou devolução das diferenças apuradas.”. (negrito nosso)

16. A AT, em requerimento de 17/02/2015, informou o processo nos seguintes termos: ‘...através dos elementos exibidos, e perante a falta dos lançamentos de abertura e de encerramento (Operações diversas), livros selados, em especial a acta de aprovação de contas, inexistência dos Diários e dos extractos de conta, não nos permite aferir da legalidade da contabilidade, pelo que a Liquidação deverá ser mantida.’ “

17. E juntou Informação elaborada pela Divisão de Justiça Contenciosa, de 30/10/2014, subscrita pelo Técnico J….., cujo teor consta dos autos e se dá por reproduzido para os devidos efeitos, na qual se manifesta, em resumo, que a falta de elementos documentais no processo impossibilita o controlo claro e inequívoco da contabilidade da impugnante.”

18. Concluindo a dita Informação referindo no ponto 6.7 que “se verifica dos elementos disponíveis (juntos aos autos) não são suficientes para aferir da veracidade dos elementos declarados Mod. 22 de IRC, referente ao ano de 1996.

19. A recorrente pronunciou-se sobre esta informação da AT em 21/04/2015 e requereu a junção aos autos de 554 documentos, que consubstanciam todos aqueles que a AT referiu não possuir na sua informação de 30/10/2014, designadamente os documentos que suportaram o lançamento correspondente ao Doc. de suporte 1036 (o único especificamente mencionado pela AT), numerados de 550 a 554, que se encontram juntos aos autos e dão por reproduzidos para os devidos efeitos.

20. Nesta altura, o processo ficou dotado de TODA a contabilidade da impugnante referente ao ano de 1996.

21. A AT exerceu o seu direito ao contraditório em 11/04/2016, mediante ofício junto aos autos e que se dá por reproduzido, alegando a inadmissibilidade processual da junção de documentos e peticionando, em consequência o respectivo desentranhamento dos autos, não se tendo pronunciado sobre os documentos em si.

22. No final do requerimento de 11/04/2016, a AT refere: “E porque a informação elaborada pela Divisão de Justiça Contenciosa, reflecte a posição da AT, junto se remete para a mesma para os devidos e legais efeitos” e junta um documento, junto aos autos e que se dá por reproduzido, contendo uma informação, de 30/10/2014 e subscrita pelo técnico J….., onde se lê:

“13º - Assim, a impugnante apresenta os restantes documentos contabilísticos de elevada relevância, nomeadamente, elementos auxiliares de registos dos documentos, só agora chegados ao conhecimento da AT, isto é, entre outros, os registos nos Diários de lançamento, Extractos de conta, balancetes analíticos, e sintéticos.”

Mais adiante, lê-se:

“16º - Do exposto, verifica-se que agora a totalidade dos elementos colocados à disposição do Tribunal (que integram os autos), permitirão aferir da legalidade tributária na Mod. 22 de IRC, nomeadamente a matéria colectável, referente ao exercício de 1996, porém, afigura-se-nos que a entidade mais qualificada para uma análise integral e abrangente dos elementos contabilísticos, bem como para, afectuar a sua validação serão os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa.” (negrito nosso)

23. De registar que esta informação foi elaborada pelo mesmo técnico e com a mesma data, da informação junta com o requerimento da AT de 17/02/2015, segundo a qual “Dos elementos constantes nos autos inexistem os diários e extractos contabilísticos. Pelo que não se pode validar os saldos das várias contas constantes na Demonstração de resultados e no Balanço, referente ao exercício de 1996 (...)”!

24. Por despacho de 23/06/2016, o Tribunal Tributário de Lisboa indeferiu o pedido para desentranhamento dos documentos e ordenou que os mesmos fossem objecto de perícia.

25. Foi produzido e apresentado Relatório Pericial, datado de 14/07/2017, cujo teor se dá por reproduzido, que conclui que “(...) somos de opinião de que os elementos apresentados pela impugnante e constantes do processo, não nos permitem aferir, que a contabilidade seja fiável e inequívoca, pelo que consideramos ser legítima e correcta a liquidação oficiosa emitida pela Administração Fiscal.”

26. Esta conclusão do Relatório Pericial fundamenta-se em cinco pontos, que se dão por reproduzidos, os quais, em resumo referem:

a) Os documentos apresentados são meros registos contabilísticos que não contém as respectivas provas documentais;

b) Os livros selados obrigatórios não apresentam a data do termo de Abertura e o registo na Conservatória tem data posterior aos registos efectuados pela impugnante e respeitantes ao exercício de 1996

c) A aprovação contas de 1996 foi efectuada a 27 de Março de 1997, pelo que não se compreende por que razão a impugnante só apresentou a modelo 22 no Serviço de Finanças em 27/12/2001

d) O único documento de prova documental apresentado foi uma regularização efectuada na nota de lançamento nº 8 datada de Dezembro de 1996 e que se refere a um proveito contabilizado em duplicado no ano de 1994, não sendo possível efectuar, neste momento, o cruzamento de informações com o cliente em causa devido aos anos já decorridos e viola o princípio do art. 18º, nº 2 CIRC. A impugnante deveria ter efectuado circularização de saldos em 1994 ou 1995 e detectado essa anomalia.

e) A análise do Mod. 22 e à aprovação de contas do exercício de 1996 só podiam ser certificadas como fiáveis e inequívocas se tais documentos tivessem sido objecto de uma circularização a todos os saldos das contas de Clientes e Fornecedores, sendo que tal não foi realizado e/ou não foi junta aos autos.

27. Este relatório de Perícia foi notificado à ora recorrente em 18/10/2017, para sobre ele se pronunciar, querendo.

28. Mediante articulado de 01/11/2017, a impugnante pugnou pela desconsideração do relatório pericial para efeito de prova, evidenciando vícios formais e substanciais do mesmo e rebatendo cada uma das razões alegadas pelo referido relatório, para a impossibilidade de verificação da contabilidade da recorrente.

29. Em resumo, a impugnante defendeu, desde a primeira hora que o Relatório Pericial contém evidências várias de que os elementos documentais não foram devidamente analisados pelos peritos, suscitando dúvidas até junto do Mmo Juíz a quo.

30. Consta do processo que o Mmo Juíz a quo, em 11/02/2018, ordenou a notificação dos peritos para “informar o tribunal se a conclusão do relatório pericial teve em conta a verificação e análise dos referidos 1038 documentos.”

31. O Sr. Perito A….., respondeu ao Tribunal, por e-mail de 22/02/2018, dizendo o seguinte:

“Em resposta à not. Ref. ….., sou a informar que foram analisados todos os elementos disponíveis e levados em consideração no relatório pericial.”

32. Em 27/03/2018 foi proferida sentença pelo Mmo Juíz do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou a impugnação improcedente.

33. A sentença dá como provados 08 factos, de alíneas A) a H), que se dão por reproduzidos, cumprindo evidenciar, da Fundamentação de facto as alíneas F) e G):

F) Em 21/04/2015 a impugnante veio juntar aos autos 554 documentos contabilísticos referentes ao exercício de 1996, que alegadamente serviram de base ao preenchimento da declaração Modelo 22 de IRC, tendo os mesmos sido sujeitos a peritagem.

G) Do relatório Pericial constam as seguintes conclusões: transcrevendo na íntegra, em seguida, as conclusões elencadas de a) a e) no Relatório Pericial, as quais se dão por reproduzidas.

34. Considera a sentença recorrida que não se provam outros factos com relevância para a decisão.

35. A douta sentença recorrida, no ponto “Fundamentação de Direito”, lança mão do disposto no art. 83º, nº 1, al. b) do CIRC, vigente à data dos factos, que determina que a liquidação de imposto neste caso se faça por referência ao exercício mais próximo, in casu, 1995 e ao disposto no art. 74º da LGT, concluindo que à impugnante cabia a prova do excesso de quantificação da matéria colectável que serviu de base à liquidação oficiosa.

36. Conclui a sentença recorrida que a impugnante não fez prova, como lhe competia, nos termos do art. 74º da LGT, pelo que soçobram os fundamentos por ela invocados, devendo a liquidação oficiosa sindicada manter-se na ordem jurídica, o que implica a improcedência da impugnação.

37. No entender da recorrente, a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, incorre em vários erros: errado julgamento da matéria de facto, erro na apreciação da prova produzida e, consequentemente, errada apreciação da matéria de facto, violando o preceituado na Lei, designadamente o vertido nos n.° 2 e 3 do artigo 100° do CPPT.

38. A prova produzida pela impugnante foi de molde a comprovar a correcção e legalidade do rendimento por si declarado, não tendo a AT actuado de acordo com a sua obrigação legal, no sentido de colocar em causa tal apuramento, porquanto sobre o mesmo não se pronunciou, assim como não houve pronúncia no âmbito do Relatório Pericial, existindo, assim a fundada dúvida quanto ao facto tributário de liquidação oficiosa que impõe a respectiva anulação.

39. Dispõe o número 1 do Artigo 662.º do CPC que “1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”

40. O presente recurso tem por objecto a impugnação da decisão sobre a matéria de facto dada como provada, designadamente:

(i) o errado julgamento da matéria de facto, em face da prova produzida, designadamente, dos documentos juntos aos autos: o errado julgamento dos factos dados como provados F) e G);

(ii) o erro na apreciação da prova produzida, designadamente quanto ao valor probatório atribuído ao Relatório perícial e

(iii) a errada apreciação da matéria de facto, por via dos factos considerados provados na sentença recorrida e consequente errada fundamentação de direito.

Errado julgamento da matéria de facto, em face da prova produzida, designadamente, dos documentos juntos aos autos: o errado julgamento dos factos dados como provados F) e G)

41. A sentença recorrida julga erradamente como provado o facto levado fundamentação de facto designado alínea F: “Em 21/04/2015 a impugnante veio juntar aos autos 554 documentos contabilísticos referentes ao exercício de 1996, que alegadamente serviram de base ao preenchimento da declaração Modelo 22 de IRC, tendo os mesmos sido sujeitos a peritagem.”

42. Quanto à primeira parte do facto – “Em 21/04/2015 a impugnante veio juntar aos autos 554 documentos contabilísticos referentes ao exercício de 1996, que alegadamente serviram de base ao preenchimento da declaração Modelo 22 de IRC” - compulsados os autos, verifica-se que a impugnante, procedeu à junção dos seguintes documentos, aceites e não impugnados:

• PI de impugnação de 26/10/2004: o Balanço, Demonstração de Resultados, Balancete Analítico do razão referente a Dezembro de 1996, mapas de mais-valias, de Provisões e de amortizações, (Anexos 5 a 5F) - Docs. 5 a 5F. (Vide art. 43º da PI);

• Na sequência da determinação do TCA, em 04/06/2008: junção de 1038 documentos contabilísticos que serviram de base aos valores inseridos na Mod. 22 e nos demais documentos mencionados no art. 43º da PI

• Alegações em 1ª instância em 06/08/2013: junta, novamente, cópia dos documentos que havia junto com a PI (Doc. 2 a 9), para maior facilidade de análise e

• Na sequência da falta de documentos invocada pela AT em Fevereiro 2015: junta 554 documentos - que se encontram juntos aos autos, por linha (vol. 2 e 3).

43. Quanto à 2ª parte do facto F – “tendo os mesmos sido sujeitos a peritagem” - não há prova nos autos que os Srs. peritos tenham analisado toda a documentação junta aos autos pela impugnante, designadamente os documentos juntos em 21.04.2015 sobre os quais, nem os Srs. Peritos, nem a AT se pronunciaram.

44. O teor do Relatório evidencia de tal forma a falta de análise dos documentos, que o Juíz a quo coloca a dúvida directamente aos peritos, solicitando-lhes a confirmação da efectiva análise dos 1038 documentos juntos aos autos por apensação, em 06 pastas autónomas.

45. O Sr. Perito respondeu de forma lacónica que “foram analisados todos os documentos disponíveis no processo” ... não respondendo ao que, directamente, lhe é perguntado, pelo que, fica a certeza evidenciada pelo teor do relatório que os documentos não foram vistos e muito menos analisados.

46. A conclusão da não apreciação dos documentos pelos Srs. peritos extrai-se do teor do próprio relatório de perícia, mormente das alíneas a) e d) (levadas aos factos provados da sentença recorrida sob alínea G), as quais parafraseiam quase por completo, as informações da AT de 17/02/2015 e a de 11/04/2016 sendo que destas, a 1ª foi proferida numa altura em que os autos não continham os últimos 554 documentos e a segunda repete argumentos para não apreciação.

47. As evidências de não apreciação de documentos pelos Srs. Peritos estão, igualmente, patentes nas alíneas a) e d) do Capitulo “II – Conclusões” do respectivo Relatório:

48. O vertido na alínea a), consiste em factos falsos (maioritariamente copiados da informação da AT de 17/02/2015), permitindo-se os Srs. Peritos referir que os documentos juntos aos autos são meros registos e que “tais registos não contêm as respectivas provas documentais”!

49. É manifesta a contradição com os elementos que constam dos autos porquanto neles se encontram (em 06 pastas de arquivo à parte) 1038 documentos de suporte dos registos contabilísticos (estes, sim, juntos ao processo por linha – Vol. 2 e 3), pelo que deve o teor desta alínea ser desconsiderado, por falso, implicando, também que não se possa considerar provada a última parte do facto provado F.

50. O vertido na alínea d) do Relatório de Perícia, permite concluir que os Srs. peritos não analisaram – como lhes competia – a documentação existente nos autos. 51. Tal alínea refere-se à falta de suporte do teor do documento de suporte 1036, em clara cópia da informação da AT de 17/02/2015, e contradiz a existência nos autos dos referidos suportes documentais, juntos em Abril de 2015, sobre os quais a AT se recusou pronunciar, não existindo, por isso, mais informação que pudesse ser objecto de cópia pelos Srs. Peritos.

52. Mal se percebe porque é que os Srs. Peritos não comentaram os referidos documentos de suporte, juntos aos autos sob Doc. 550 a 554 do requerimento do dia 21.04.2015, a não ser que, efectivamente, não tenham lido o processo nem analisado os documentos e optado por fazer mera cópia das informações que a AT prestou no processo.

53. A referência feita a este documento 1036 no Relatório de Perícia, indicia claramente que não foram analisados documentos, porquanto, o que o Relatório refere na alínea d) é que “O único documento de prova documental apresentado, foi uma regularização efectuada na nota de lançamento nº 8 datada de Dezembro de 1996...”. É notório que foram apresentados vários lotes de documentos, destacando-se, desde logo, os lotes compostos por 1038 e por 554 documentos e não um único documento documental apresentado.

54. A formulação pelo Tribunal recorrido do facto provado “F”, assenta em factos comprovadamente falsos e/ou contraditórios com a prova documental junta aos autos e não impugnada.

55. Deverá ser considerada provada a totalidade da junção de prova documental pela impugnante e a sua idoneidade para aferir da legalidade da declaração de rendimentos apresentada pela impugnante, devendo o facto provado F ter a seguinte redacção:

“F – A impugnante veio juntar aos autos toda a documentação da contabilidade referente ao exercício de 1996, designadamente em 26/10/2004 com a petição inicial, em 04/06/2008, em 06/08/2013 (repetição dos documentos já juntos com a PI) e em 21/04/2015, os quais não foram impugnados e cujo teor se dá por reproduzido, que constituem a integralidade dos registos contabilísticos da impugnante, daquele exercício, e permitem aferir da legalidade tributária da Modelo 22 apresentada pela impugnante.”

56. A sentença recorrida julga erradamente como provado o facto levado à fundamentação de facto designado alínea G, cujo teor se dá por reproduzido.

57. O vertido na alínea G) da sentença recorrida – que se subsume às conclusões do relatório de Perícia - não pode ser julgado provado, porquanto traduz factos falsos e contraditórios com a prova documental existente nos autos.

58. O teor do Relatório Pericial não pode ser dado como provado in totum, em virtude dos erros que a seguir se alegam e demonstram relativamente a cada uma das alíneas das respectivas conclusões:

• alíneas a) e d) ab initio) – o teor é frontalmente contra a prova documental existente nos autos,

• alínea b) - consubstancia errado fundamento para a desconsideração da contabilidade da impugnante, pois que o seu teor não está de acordo com as disposições legais sobre o tema,

• alínea c) - consiste em mera manifestação de dúvida com juízo de valor implícito que se contesta e sem nexo causal com a correcção e/ou legalidade da contabilidade da impugnante,

• alíneas d) in fine e e) - padecem de erros técnicos grosseiros.

59. Relativamente às alíneas a) e d) dando-se por reproduzido tudo quanto supra se referiu acerca destas alíneas em concreto – conclusões 48 a 53 - e conclui-se que são meras cópias de peças constantes do processo da autoria da AT, contendo a opinião desta entidade a qual, é datada relativamente ao momento processual em que é apresentada e, portanto, quem a copia, evidencia que não analisou os documentos posteriormente juntos aos autos.

60. Relativamente à alínea c) do Relatório Pericial, trata-se da manifestação de uma dúvida dos peritos, que dela não extraem outra consequência que não a consequência global do relatório de que os elementos apresentados pela impugnante não permitem aferir que a contabilidade seja fiável e inequívoca, não explicitando qualquer nexo causal entre a questão e a conclusão o que, por si só, torna o teor desta alínea insusceptível de constar dos factos considerados provados, por não se tratar mero juízo de valor e não de facto que importe à decisão da causa.

61. Relativamente às alíneas b) e e), as mesmas contêm erros técnicos grosseiros, que serão melhor identificados adiante no ponto referente à errada valoração do Relatório Pericial como elemento probatório, dando-se aqui por reproduzida a argumentação aí expendida.

62. Os factos constantes das alíneas a) a e) das Conclusões do Relatório Pericial deverão ser considerados como não provados, porque estão em contradição com a prova documental existente nos autos, suprimindo-se, em consequência, a alínea G dos factos provados da douta sentença recorrida.

Erro na apreciação do valor probatório do Relatório Pericial. Violação do disposto no art. 607º, nº 4 e 5 – princípio da livre apreciação da prova CPC (aplicável ex vi do disposto no art. 2º CPPT)

63. A sentença recorrida incorre em erro quanto à valoração do Relatório Pericial, como meio idóneo a servir de prova nos autos e a fundamentar a decisão do Tribunal, incorrendo em violação do disposto no artigo 607º, nº 4 e 5 do CPC (aplicável ex vi do disposto no art. 2º CPPT).

64. O relatório pericial não pode ser considerado como provado nem servir de base à fundamentação da sentença, pois padece de erros formais e vícios substanciais que o tornam inidóneo a fazer prova da validade ou invalidade dos elementos contabilísticos da impugnante vertidos na sua declaração de rendimentos.

65. A douta sentença recorrida deu como provados - na alínea G dos factos provados - os factos constantes do Relatório Pericial (alíneas a) a e) do capítulo II - Conclusão), bem como a conclusão do mesmo, que refere: “Assim, tendo em conta os factos atrás descritos, somos de opinião de que os elementos apresentados pela impugnante e constantes no processo, não nos permitem aferir, que a contabilidade seja fiável e inequívoca, pelo que consideramos ser legítima e correcta a liquidação oficiosa emitida pela Administração Fiscal.”

66. Na fundamentação de direito da sentença recorrida refere-se que “O resultado da perícia, como resulta do probatório determinou que em face dos elementos apresentados pela impugnante e constantes dos volumes juntos aos autos, não permitiu ao perito nomeado pelo Tribunal aferir que a contabilidade fosse fiável e inequívoca. Mormente por os mesmos serem meros registos contabilísticos, nomeadamente, balancetes gerais e analíticos; extractos de contas; diários de movimentos; ata de aprovação de contas e registos nos livros selados obrigatórios, registos, esses, que não contêm as respectivas provas documentais.” (negrito nosso).

67. Este último trecho deste parágrafo da sentença é uma cópia do vertido na alínea a) do capítulo “CONCLUSÃO” do Relatório Pericial.

68. Mais se refere na sentença recorrida que “Assim, em face das conclusões do relatório pericial, vertidas no probatório em G [e não em “I”, como certamente por lapso se refere na sentença], e, como vimos supra, sendo legalmente obrigatório que todos os lançamentos da contabilidade devem estar apoiados em documentos justificativos, não se encontrando desta forma a contabilidade da impugnante com resulta dos documentos juntos, podemos concluir que a matéria colectável apurada e inscrita na declaração Mod. 22 de IRC, entregue pela impugnante relativamente ao exercício de 1996, não se encontra legalmente demonstrada.”

69. A sentença recorrida, ao estribar a sua convicção no teor do relatório pericial incorreu em erro de julgamento, porquanto valorou erradamente o valor probatório da perícia.

70. Quanto à referida valoração, deve respeitar-se a máxima segundo a qual o juiz é o perito dos peritos e também o princípio da livre a apreciação da prova, e, portanto, o princípio da liberdade de apreciação do juiz, vertido no artº 389º do Código Civil: A força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal.

71. O valor da prova pericial civil não vincula o critério do julgador, que a pode rejeitar, independentemente de sobre ela fazer incidir uma crítica material da mesma natureza, ou seja, dito de outro modo, os dados de facto que servem de base ao parecer estão sujeitos ao princípio da livre apreciação.

72. Da análise crítica do Relatório pericial, com base em critérios de bom senso e razoabilidade, verifica-se que os peritos emitiram uma opinião fundamentada, apenas, na posição assumida nos autos pela AT e sem verificar os documentos constantes dos autos.

73. A posição que a AT assume ao longo do processo é manifestamente violadora dos princípios da boa fé e da primazia da substância perante a forma, escudando-se em alegadas questões formais para se furtar à apreciação substancial do apuramento feito pela impugnante, como lhe competia.

74. Os peritos nomeados pelo Tribunal com vista a dilucidar a questão e apreciarem criticamente e mediante juízo técnico fundamentado aquilo que a AT se recusou a apreciar, acabaram por elaborar um relatório que mais não é do que uma cópia das informações vertidas pela AT, nem se dando ao trabalho de adaptar tais posições áquilo que, efectivamente, consta dos autos.

75. O objectivo do Relatório Pericial era analisar e verificar “Os elementos/documentos relativos ao exercício de 1996 [e não 2002, como, certamente por lapso, se refere na sentença recorrida] que serviram de base ao preenchimento da declaração Modelo 22 entregue pela impugnante, por determinação do Tribunal” e, em concreto “(...) confirmar ou infirmar se os documentos e valores, resultantes da contabilidade da impugnante, correspondem aos que foram inscritos na declaração Mod.22 de IRC do ano de 1996 (...)”, com vista a confirmar ou infirmar a materialidade da liquidação oficiosa.

76. Nestes autos não está em causa a liquidação oficiosa de imposto, dado que ela é uma consequência da falta de declaração tempestiva da ora recorrente.

77. O que está em causa é que a recorrente, tendo apresentado uma declaração de rendimentos (ainda que tardiamente e tendo pago as multas legalmente previstas por isso), onde apura um lucro tributável inferior ao efectuado pela AT, não possa aceder ao direito que legalmente lhe assiste, de ver apreciada a veracidade e legalidade da sua contabilização, com base em argumentos de índole meramente formal e com base em juízos de valor.

78. A AT e os Peritos nunca analisam a totalidade dos elementos contabilísticos da ora recorrente, efectuando um autêntico juízo de valor moral, de condenação à partida, considerando e expressando o entendimento de que se a impugnante apresentou tardiamente a Mod. 22, tem de se conformar com o resultado da liquidação oficiosa, ao arrepio dos direitos que legalmente assistem à impugnante e dos deveres de busca da verdade que impendem sobre a AT.

79. As alíneas referidas nas conclusões do Relatório Pericial consistem em factos falsos ou incorrectos:

80. Alínea a) - Dá-se, neste ponto, por reproduzido tudo quanto alegado quanto à mesma no ponto precedente destas conclusões nº 41 a 55, concluindo-se pela contradição notória entre o vertido nesta alínea e a demais prova existente nos autos.

81. Alínea b) - Sobre os Livros selados, aponta-se a discrepância entre datas de abertura e documentos lançados para estribar aa falta de veracidade da acta de aprovação de contas. Esta afirmação é, em parte, falsa e a discrepância de datas não afecta a legalidade das actas aí vertidas.

82. Os termos de abertura e encerramento têm data de 25 de junho e também comprovam o pagamento dos emolumentos obrigatórios, nomeadamente o imposto do selo e coima devida.

83. A veracidade dos registos contabilísticos não pode ser posta em causa pelo atraso na abertura dos livros selados, nem atestar que a contabilidade e montantes apurados na declaração modelo 22 não são fiáveis e inequívocos, por aplicação do disposto no DL 216/94 de 02 de Agosto e do Decreto – lei n. º 257/96, de 2 de Agosto, alterou o artigo 32. º do Código Comercial, permitindo a legalização de livros já escriturados, desde que, além do Imposto do Selo devido, fosse igualmente paga a coima devida.

84. O DL 216/94, de 2 de Agosto, atribuiu competência às Conservatórias do Registo Comercial para a legalização dos livros obrigatórios dos comerciantes (incluindo os livros de actas), apondo o termo de abertura e de encerramento. A legalização deveria ser precedida do pagamento do imposto do selo.

85. Carece, pois, de qualquer fundamento técnico, ou legal, o vertido na alínea b) do relatório pericial.

86. Alínea c) Dão-se por reproduzidas as conclusões acima – conclusões 58 e 60, além de que, o teor desta alínea não pode ser considerado provado por ser a expressão de uma dúvida pessoal dos peritos, sem nexo de causalidade com a conclusão que pretende estribar, não contendo, além disso, factos que interessem à decisão da causa.

87. Alínea d): “O único documento de prova documental apresentado, foi uma regularização efetuada na nota de lançamento nº 8 datada de Dezembro de 1996 e que se refere a um proveito contabilizado em duplicado no ano de 1994. Esta situação não nos permite efectuar neste momento, o cruzamento de informações com o cliente em causa devido aos anos já decorridos...”

88. Sobre este 1º trecho da alínea d), dá-se por reproduzido tudo quanto acima se referiu - conclusão 50 e 53.

89. Do ponto de vista substancial, ainda que não se considerasse válida a justificação do referido lançamento, impunha-se tão só que, por causa disso, a regularização contabilística efectuada não fosse considerada, não sendo considerado tal documento e, consequentemente, tal valor não sendo levado em conta para efeitos do apuramento da matéria colectável.

90. Não é, portanto, legal ou tecnicamente correcto, o procedimento adoptado pelos Peritos que consistiu em utilizar este exemplo – sem mais nenhuma análise – para a desconsideração de todos os documentos apresentados pela impugnante.

91. Continuação da alínea d) referindo “..., e viola o princípio do nº 2 art. 18º CIRC, respeitante à periodização do lucro tributável.

92. Este segundo trecho desta alínea versa sobre a periodização do lucro tributável - questão em causa quanto à aceitação deste documento e sua contabilização.

93. As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a exercícios anteriores só são imputáveis ao exercício, quando na data do encerramento das contas daquele a que deveriam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.

94. Este documento refere-se a uma regularização de um proveito considerado em duplicado em 1994 e não de um custo de 1994 e, à data do fecho desse ano era completamente desconhecida esta contabilização em duplicado e apenas foi feita em 1996, aquando do seu conhecimento.

95. O Plano Oficial da Contabilidade (POC) estabelece que estas correcções são registadas na conta “69 – Custos e perdas extraordinários” e subconta “697 – Correcção de exercícios anteriores”.

96. A recorrente procedeu de acordo com o princípio da especialização dos exercícios (artº 18º do CIRC) e este documento foi registado na conta “69”, na subconta “698” por não se tratar de um custo do exercício, mas sim de uma regularização de proveito.

97. Em 1994, a impugnante foi tributada duplamente por um proveito e procedeu à sua regularização de modo a que as demonstrações financeiras apresentem de forma verdadeira e apropriada a situação financeira e os resultados da empresa.

98. Esta operação contabilística não só é tecnicamente correcta como permite regularizar erros do passado, de forma a determinar e apresentar resultados verdadeiros.

99. Não poderá ser considerada válida, portanto, a apreciação efectuada pelos peritos quanto a este concreto ponto, além do mais, porquanto o entendimento vertido é contrário aos princípios e regras contabilísticas.

100. Os Peritos, tendo à sua disposição os documentos de suporte deste lançamento, optaram por não se pronunciar sobre os mesmos, preferindo alegar o decurso do tempo para fundamentar a impossibilidade de análise.

101. Alínea e) – Aponta a circularização de saldos como único meio para apurar a veracidade de elementos constantes da Mod. 22 apresentada pelo contribuinte – Caso o entendimento vertido nesta alínea fosse correcto estaríamos, porventura, no domínio da prova impossível pelo decurso do tempo. Sendo certo que estes autos decorrem já por longo tempo, também é certo que esse tempo não pode dar causa à derrogação das regras aplicáveis, designadamente quanto ao ónus da prova, em prejuízo das partes.

102. Do ponto de vista técnico, ainda que tal circularização fosse efetuada em 1995, a situação era idêntica ao que se passou em 1996, e os registos seriam os mesmos.

103. A obrigatoriedade da circularização de clientes é tarefa dos Revisores Oficiais de Contas para a elaboração da Certificação Legal das Contas, nas sociedades anónimas.

104. A impugnante/recorrente, é uma sociedade por quotas, sem Revisor Oficial de Contas (não sendo, nem nunca tendo sido, legalmente obrigada a tal, nos termos do art. 413º do CSC), logo, tal argumento frisado no relatório não tem qualquer cabimento ou aplicação neste caso concreto.

105. A conclusão mencionada no Relatório é errada, porquanto faz tábua rasa de todos os demais elementos documentais juntos aos autos, e que – esses sim- serviram de base à declaração Mod. 22.

106. O relatório pericial não contém elementos idóneos do ponto de vista factual ou técnico, não se pronuncia concretamente sobre nenhum documento (para além do documento 1036) e desconsidera totalmente o objectivo da diligência, conforme determinado pelo Mmo Juíz a quo e os princípios que enformam o direito tributário.

107. Pelo exposto, no entender da recorrente, os peritos habilitados a pronunciar-se sobre a validade (ou não) dos rendimentos apresentados pela impugnante, com o objectivo “de confirmar ou infirmar se os documentos e valores, resultantes da contabilidade da impugnante, correspondem aos que foram inscritos na declaração Mod. 22 de IRC do ano 1996, em causa nos autos.”, conforme determinado ab initio pelo Tribunal.

108. A obrigação dos peritos era verificar se os lançamentos contabilísticos estavam condizentes com o vertido na Modelo 22 e, ainda que trabalhassem por amostragem, não poderiam cingir-se a 1 documento. 109. Pelo contrário, os peritos foram levianos na apreciação e na metodologia que não oferece garantias técnicas e não pode ser utilizada como meio idóneo de prova pelo julgador.

110. O julgador, neste caso, respeitando embora o princípio da livre apreciação da prova, deveria ter lançado mão de critério de razoabilidade e bom senso e não seguir de forma cega e acrítica o vertido num Relatório manifestamente insuficiente e errado.

111. No âmbito da sentença recorrida, o Mmo Juíz a quo não observou as regras da livre apreciação da prova pelo julgador, porquanto não se ateve a regras de experiência, lógica ou ciência, limitando-se a dar como provado e a seguir as conclusões do relatório Pericial, o apreciar criticamente, sendo evidentes as falhas e deficiências deste documento.

112. Tem sido entendimento maioritário da jurisprudência, quanto a este tema que, pese embora “o julgador seja livre no seu exercício de formação da sua convicção, não está dispensado de indicar os fundamentos onde aquela assentou por forma a que, com recurso às regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquele processo de formação da convicção sobre a prova ou não prova daquele facto, permitindo, assim, sindicar-se o processo racional da própria decisão.”

113. Tendo em conta tudo quanto supra exposto relativo à inidoneidade da prova pericial para servir de estribo à decisão do julgador nestes autos, deverá esse Venerando Tribunal alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, com as demais consequências legais.

Da errada apreciação da matéria de facto, por via dos factos considerados provados na sentença recorrida e consequente errada fundamentação de direito.

114. A sentença proferida pelo Tribunal a quo baseou-se, erradamente, no entendimento vertido no Relatório pericial (máxime nas conclusões deste), atribuindo-lhe valor probatório pleno ao arrepio de toda a prova dos autos e das regras da experiência e bom senso, como já se expendeu e comprovou.

115. A correcta apreciação da matéria de facto permitiria ao tribunal a quo concluir que os documentos contabilísticos da impugnante - que serviram de base à declaração modelo 22 por esta apresentada - nunca foram devidamente analisados, nem pela AT nem pelos Peritos.

116. A impugnante carreou para os autos os documentos idóneos a fazer prova da sua posição.

117. Apesar disso, viu-se impedida de exercer o direito à apreciação do seu apuramento de imposto, por falta de apreciação dos documentos/elementos pela contraparte, que permitisse a apreciação do excesso de quantificação da matéria colectável, contrapondo as duas liquidações efectuadas.

118. A AT e os peritos limitam-se a elencar aspectos de ordem formal nunca se pronunciando sobre a substância das declarações apresentadas pela impugnante, tal como determinou o TCA e o despacho judicial que determinou a perícia.

119. Dos autos decorre que a AT nunca pretendeu fazer uma apreciação crítica dos elementos contabilísticos da impugnante, de forma a cumprir o ónus que também a ela incumbe, por via do disposto no art. 83º do CIRC (actual art. 90º do CIRC), no sentido de se pronunciar fundamentadamente sobre se a liquidação posta em crise poderia ser corrigida, conforme douta promoção do Il. Procurador da República de 12/09/2013, nestes autos.

120. A AT desconsiderou sistematicamente os elementos juntos aos autos pela impugnante.

121. A prova disso é que existem nos autos duas informações com a mesma data – 30/10/14 - e subscritas pelo mesmo técnico da Divisão de Justiça Contenciosa em que uma refere que os elementos dos autos são suficientes para apreciação da liquidação efectuada pelo contribuinte e outra refere o contrário.

122. Num 1º momento a AT junta a informação que menciona a insuficiência de elementos para proceder a análise

123. Num 2º momento, pretendendo repetir essa informação, para fundamentar a manutenção de recusa de análise, junta informação do mesmo técnico e com a mesma data, mas que refere a suficiência de elementos para proceder à analise da liquidação do contribuinte, expondo, dessa forma, duas coisas:

• Que, efetivamente, os elementos que a impugnante juntou aos autos são suficientes para efectar a análise pretendida

• Que a AT tudo fez para escamotear a verdade dos autos e, ilegalmente privou o contribuinte da possibilidade de cumprir completamente o seu ónus probatório

124. A actuação da AT é determinada pela Lei e, entre outros, pelo princípios da boa fé e da prevalência da substância pela forma e pela busca da verdade tributária, os quais não respeitou no caso vertente.

125. Não existindo efectiva pronúncia pela AT ou pelos peritos acerca da liquidação efectuada pela recorrente, impunha-se ao Tribunal a quo a decisão com base nas concretas disposições legais aplicáveis ao apuramento da matéria colectável feito pela AT, nas circunstâncias concretas do processo e bem assim nas regras do ónus da prova.

126. Por aplicação do disposto no art. 83º, nº 1, al. b) do CIRC, vigente à data dos factos (em casos de falta de apresentação da declaração no prazo estabelecido na lei, a liquidação do imposto “terá por base a totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada”, in casu, 1995), o Tribunal a quo teria necessariamente que concluir pela falta de prova carreada pela AT de que cumpriu este critério.

127. A AT nunca colocou em causa, nestes autos ou fora deles, o declarado nos exercícios anteriores pela impugnante, em 1994 e 1995, pelo que, nunca poderia colher o argumento que apresenta como razão da sua impossibilidade de pronúncia o facto de não haver lançamentos de abertura, para poder fazer análise comparativa.

128. Ora, se a lei manda que se tenham por bom o último exercício para efeitos da utilização do método presuntivo, por maioria de razão, esse último exercício terá que ser considerado como bom para efeitos de apreciação da contabilidade, à luz da obrigação de descoberta da verdade material que deve nortear a AT.

129. Sendo manifesto que a divergência no apuramento da matéria colectável se traduz numa quantia na ordem dos € 9.000,00, certamente que não haverá tamanha dualidade de critérios para apuramento, entre a AT e o contribuinte.

130. A sentença recorrida alude ao preceituado no artigo 74º da LGT que define as regras do ónus da prova, concluindo que à impugnante cabia a prova do excesso de quantificação da matéria colectável que serviu de base à liquidação oficiosa.

131. Por aplicação do nº 3 do art. 74º da LGT é esse o ónus que cabe à impugnante.

132. Todavia, no caso vertente, dada a sucessão dos acontecimentos e o supra alegado e provado, a única forma que a impugnante teria para cumprir o ónus que sobre ela impendia era demonstrar, através de apuramento por si efectuado que a liquidação oficiosa quantificou em excesso a matéria colectável.

133. A impugnante juntou ao processo a Declaração Mod. 22 entregue em Dezembro de 2001, documento autêntico e onde está resumida a situação de custos e proveitos da impugnante.

134. Só pela análise dos valores apurados pela impugnante – ora recorrente – por comparação com os valores apurados oficiosamente, se poderia concluir pelo excesso (ou não) de quantificação desta.

135. Desde a fase graciosa a AT alegou sempre impossibilidade de verificação da declaração da impugnante por falta de elementos/documentos contabilísticos e de suporte, mas, tal como lhe competia, não manifestou qualquer interesse ou sugeriu ou ordenou que os mesmos fossem juntos, para apreciação, mantendo a mesma postura na fase contenciosa do processo.

136. A AT agiu com base num juízo moral que perpassa e é patente ao longo de todo o processo: o contribuinte não cumpriu o prazo para apresentação de declaração de rendimentos e, por isso, tem de se conformar com a liquidação oficiosa efectuada, seja qual for o resultado!

137. Este juízo moral manifesta-se, em geral, na recusa sistemática em apreciar a liquidação feita pela recorrente e, como esta depende da AT para cumprir o ónus da prova do art. 74º, nº 3, se a AT nunca apreciar a liquidação feita pelo onerado/recorrente, nunca poderá haver comparação entre as duas e conclusão sobre (eventual) excesso de quantificação.

138. Assim, no caso vertente, e por tudo quanto se expôs, o ónus da prova corre por conta da AT: a impugnante juntou todos os elementos documentais que possui e serviram de base ao seu apuramento e a AT deve procurar obter a verdade tributária, não sendo lícita a sua conduta adoptada nestes autos em sistematicamente se escusar a pronunciar-se.

139. Foi este o entendimento propugnado por esse Venerando Tribunal, no acórdão proferido nestes autos em 30/10/2007, onde expressamente se refere que “embora a AT tenha, em regra, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos que pretender exercer no procedimento, isso não significa que a AT apenas deva procurar carrear para o procedimento prova dos factos que aproveitem à sua posição, pois, nessa matéria, mantém-se o seu dever, derivado do principio do inquisitório, de realizar todas as diligências necessárias à descoberta da verdade, mesmo a que tenham por objectivo provar factos invocados pelos interessados (art. 58º LGT).” (sublinhado nosso)

140. Assim, no caso vertente, cumprirá fazer uso da disciplina do art. 100º do CPPT o qual, sob a epígrafe “Dúvidas sobre o facto tributário e utilização de métodos indirectos”, dispõe que:

“1 - Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado.

2 - Em caso de quantificação da matéria tributável por métodos indirectos não se considera existir dúvida fundada, para efeitos do número anterior, se o fundamento da aplicação daqueles consistir na inexistência ou desconhecimento, por recusa de exibição, da contabilidade ou escrita e de mais documentos legalmente exigidos ou a sua falsificação, ocultação ou destruição, ainda que os contribuintes invoquem razões acidentais.

3 - O disposto no número anterior não prejudica a possibilidade de na impugnação judicial o impugnante demonstrar erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada.” (negrito nosso)

141. A recorrente apresentou TODOS os documentos da sua contabilidade, nunca recusou, ocultou ou fosse por que meio fosse protelou a exibição dos documentos da sua contabilidade.

142. Em alegações proferidas em 1ª instância, a impugnante explicou o seu critério de classificação e contabilização de documentos e esclareceu todas as questões que foram sendo apresentadas pela AT à medida que eram juntos documentos aos autos.

143. A AT recusou pronunciar-se e nunca faz uma apreciação crítica e comparativa entre os documentos juntos com a PI, os 554 documentos de lançamento, os respetivos documentos de suporte (1038) e o vertido na Modelo 22; não servindo sequer para suportar eventual argumento de análise por amostragem a menção ao documento 1036, porque na altura em que ele foi visto pela AT, o processo não estava munido com os 554 documentos, os quais nunca mereceram qualquer comentário.

144. Assim, a AT não cumpriu o ónus que sobre ela impendia.

145. Esta postura processual da AT colocou a impugnante numa ingrata posição: por um lado, está onerada com o ónus da prova do erro ou manifesto excesso da quantificação da matéria coletável feita oficiosamente pela AT, por outro lado, não tem a capacidade para “obrigar” a AT a pronunciar-se sobre o critério que presidiu à sua quantificação ou sobre os erros que imputa à quantificação feita pela impugnante!

146. A recorrente actuou sempre de forma clara e de boa fé e esperou o mesmo dos demais intervenientes no processo, no entanto, o seu interlocutor principal, no que à apreciação dos documentos respeita, não enformou a sua acção nos mesmos princípios:

• numa fase inicial, nenhum elemento ou documento era suficiente para satisfazer as necessidades de apreciação da AT,

• num segundo momento, a AT opta por não se pronunciar sobre os documentos juntos, escudando-se em apreciações parcelares e em informação da Divisão de Justiça Tributária – a qual se manifesta totalmente contraditória com outra versão do mesmo documento, junta posteriormente aos autos – e,

• num terceiro momento, vê-se confrontada com um relatório pericial que decalca as suas conclusões das apreciações parcelares e não fundamentadas da AT, não se pronunciando, também, sobre nenhum elemento documental em concreto (a não ser no mesmo sobre o qual a AT se havia pronunciado, num acervo de mais de 1500 documentos, entre registos contabilísticos e suportes documentais.).

147. Entende, pois, a recorrente que, neste caso, está verificada a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, pelo que, por aplicação do vertido no nº 2 do art. 100º CPPT, a contrario sensu, deverá o acto impugnado ser anulado.

148. Uma vez que estão verificados os pressupostos para o efeito, deverá ser alterada a decisão de facto proferida pelo Tribunal a quo, proferindo-se a decisão que se impõe, face aos factos provados nos autos, no sentido da procedência da impugnação.

Nestes termos e demais de direito e sempre com o douto suprimento de V. Exas. deverá ser dado provimento ao presente recurso, alterando-se a decisão de facto proferida, assim fazendo V. Exas. a habitual JUSTIÇA!”

A AT não apresentou contra alegações.

*

A Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto Parecer no qual refere que:

“Afigura-se-nos, salvo o devido respeito por opinião contrária, que os fundamentos do recurso não permitem abalar os fundamentos de facto e de direito constantes da douta sentença recorrida.

Com efeito, face à natureza das questões suscitadas no recurso, acompanhamos os argumentos constantes do Parecer do Ministério Público da 1ª Instância, proferido em a fls.898 a 900 do processo físico, com os quais concordamos integralmente pelo que nos dispensamos de os reproduzir, dando-os aqui por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.

Em consequência, analisada a sentença sob recurso, em nossa opinião, verifica-se que fez uma correcta análise da matéria fáctica assim como foi correcta a subsunção jurídica da factualidade apurada, não padecendo dos vícios que lhe são imputados.

Assim, emito parecer no sentido da improcedência do recurso.”

*

Dispensados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

*

Na decisão recorrida foi a decisão sobre a matéria de facto a seguinte:

“A)

A impugnante é uma sociedade que se encontra enquadrada, para efeitos de Imposto Sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas (IRC), no Regime Geral tributação, tendo a atividade que exerce o Código de Atividade Económica 72200 – Gestão e Informatização de Empresas;

(cfr. Doc.2 junto com a PI)

B)

Em 25.09.2001 foi efetuada uma liquidação oficiosa de IRC n.º ….., relativa ao exercício de 1996, com recurso ao disposto, no art.º83 n.º1 al. b), do CIRC, no montante de €22.665,77, com data limite de pagamento de 12.11.2001;

(cfr. Doc. 1 junto com a PI e fls, 20 do Processo de Reclamação Graciosa)

C)

A Declaração Modelo 22 de IRC, respeitante ao exercício de 1996 foi entregue pela impugnante, em 27.12.2001;

((cfr. Doc. 3 junto com a PI)

D)

Em 08.02.2002 a impugnante deduziu Reclamação Graciosa da Liquidação identificada em B), com fundamento de que havia entregue a declaração de IRC com apuramento da matéria coletável e respetivos prejuízos fiscais;

(cfr. fls. 4 dos autos)

E)

O indeferimento da Reclamação Graciosa teve como fundamento o seguinte entendimento:

«(…)

Nos termos do disposto no art.º74 da Lei Geral Tributária o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos recai sobre quem os invoca.

Ora no caso em concreto, cabe à reclamante, através da junção dos documentos que suporta, os lançamentos contabilísticos, bem como através dos correspondentes livros selados, demonstrar como apurou o lucro tributável da empresa. (…)»

(cfr. fls, 21 do Processo de Reclamação Graciosa)

F)

Em 21.04.2015, a impugnante veio juntar aos autos 554 documentos contabilísticos referentes ao exercício de 1996, que alegadamente serviram de base ao preenchimento da declaração Modelo 22 de IRC, tendo os mesmos sido sujeitos a peritagem;

(cfr. doc. 1 a 554 de fls.249 a 802 e 878 dos autos)

G)

Do relatório pericial constam as seguintes conclusões:

( conforme documento junto aos autos que se dá aqui por reproduzido)

(cfr. fls. 879 a 888 dos autos)

H)

A impugnante deu entrada da petição de impugnação no Tribunal em 26.10.2004

Conforme fls. 2 dos autos;”

Quanto a factos não provados, refere a decisão recorrida que: “Não se provam outros factos com relevância para a presente decisão.”

Em matéria de motivação, mais refere a decisão recorrida que: “A decisão da matéria de facto provada efetuou-se com base na análise crítica dos documentos, não impugnados que constam dos autos, referenciados em cada uma das alíneas do probatório, na posição assumida pelas partes nos articulados, bem como da prova pericial produzida nos autos.”

[Fundamentação de direito da 1.ª Instância]

“Importa agora fazer a subsunção dos factos provados ao direito aplicável, em ordem a oferecer solução jurídica à questão decidenda dos autos.

Estando em causa uma liquidação efetuada pela AT com recurso à presunção estabelecida, nos termos do disposto da al. b) do n.º1 do art.º 83 do CIRC importa, desde logo verificar da sua legalidade face à prova produzida nos autos.

Estabelecia, à data dos factos, o art.º 83 do CIRC, sob a epígrafe «Procedimento e forma de liquidação»

1 - A liquidação do IRC processar-se-á nos termos seguintes:

a*) Quando a liquidação deva ser feita pelo contribuinte nas declarações a que se referem os artigos 96º e 97º, terá por base a matéria colectável que delas conste;*Redacção do Decreto-lei n.º 7/96, de 7 de Fevereiro

b*) Na falta de apresentação da declaração a que se refere o artigo 96º, a liquidação será efectuada até 30 de Novembro do ano seguinte àquele a que respeita ou, no caso previsto no nº 2 do referido artigo, até ao fim do 6º mês seguinte ao do termo do prazo para a apresentação da declaração aí mencionada e terá por base a totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada; *Redacção do Decreto-lei n.º 7/96, de 7 de Fevereiro (…)

Vejamos.

Vem invocada pela impugnante a impraticabilidade do procedimento que pretende a AT em que aquela junte e apresente todos os elementos que serviram de base para efetuar a contabilidade do exercício de 1996 e que deu origem ao respetivo preenchimento da Declaração Modelo 22 de IRC, entregue fora de prazo legal.

Nesse contexto, sustenta a impugnante que os referidos documentos de suporte da contabilidade servirão de meio probatório por excelência mas, devem ser conferidos e fiscalizados na sede da sociedade já que a AT possui os meios próprios para que, com a sua análise, atestar dos números inscritos na referida declaração de rendimentos.

No ordenamento jurídico fiscal, vigora o princípio da verdade declarativa, que coloca na esfera de atuação dos contribuintes a iniciativa no procedimento de apuramento, fixação e pagamento dos impostos, é o que nos diz o art.º 75.º da Lei Geral Tributária (LGT) quando refere no seu n.º1 que:

«Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes, apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal».

A AT está vinculada a liquidar os impostos tendo por base a declaração e os elementos contabilísticos dos contribuintes, sem prejuízo do direito que lhe assiste, de proceder à sua verificação, à posteriori, se assim o entender.

Decorre do probatório que a impugnante não havia efetuado a entrega da declaração Modelo 22 de IRC, respeitante ao exercício de 1996.

A obrigação legal de entrega da referida declaração e a consequente auto liquidação de imposto (IRC), ocorreu em 30.05.1997.

Detectada a omissão da referida declaração, em 25.09.2001, os serviços da AT efetuaram uma liquidação oficiosa, n.º ….., nos termos previstos na al. b) do n.º1 do art.º83 do CIRC, ou seja, com base na totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontrava determinada.

Não obstante, a impugnante procedeu à entrega da declaração em falta em 27.12.2001, tendo apurado a matéria coletável, através de proveitos e prejuízos, alegadamente através dos elementos e documentos contabilísticos que juntou aos autos.

Nos termos do disposto no art.º 115 n.º3 a) do CIRC à data dos factos, «todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos datados e suscetíveis de serem apresentados sempre que necessário.»

Os elementos/documentos relativos ao exercício de 2002 que serviram de base ao preenchimento da declaração Modelo 22 entregue pela impugnante, por determinação do tribunal, foram sujeitos a análise e verificação através de perícia efetuada aos mesmos.

O resultado da perícia, como resulta do probatório determinou que em face dos elementos apresentados pela impugnante e constantes dos volumes juntos aos autos, não permitiu ao perito do nomeado pelo tribunal aferir que a contabilidade fosse fiável e inequívoca, mormente por os mesmos serem meros registos contabilísticos, nomeadamente, balancetes gerais e analíticos; extratos de contas; diários de movimentos; ata de aprovação de contas e registos nos livros selados obrigatórios, registos, esses que não contêm as respetivas provas documentais.

Assim, em face das conclusões do relatório pericial, vertidas no probatório em I), e, como vimos supra, sendo legalmente obrigatório que todos os lançamentos da contabilidade devem estar apoiados em documentos justificativos, não se encontrando desta forma a contabilidade da impugnante com resulta dos documentos juntos, podemos concluir que a matéria coletável apurada e inscrita na declaração Mod. 22, de IRC, entregue pela impugnante relativamente ao exercício de 1996, não se encontra legalmente demonstrada.

Nos termos previstos no preceituado do art.º74 da Lei Geral Tributária, sob a epígrafe «Ónus da Prova», «(…) 1 - O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.

2 - Quando os elementos de prova dos factos estiverem em poder da administração tributária, o ónus previsto no número anterior considera-se satisfeito caso o interessado tenha procedido à sua correcta identificação junto da administração tributária.

3 - Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação. (…)»

Por outro lado, não obstante, a liquidação ter sido efetuada por método presuntivo ou indireto, impunha-se à impugnante a prova do excesso da quantificação da matéria coletável que serviu de base à liquidação oficiosa, o que pelo exposto, não logrou fazer.

Neste conspecto, não tendo a impugnante efetuado prova, como lhe competia, nos termos do citado art.º74 da LGT, soçobram os fundamentos invocados, devendo a liquidação oficiosa sindicada manter-se na ordem jurídica, o que implica a improcedência da impugnação.

Pela solução dada à questão concretamente conhecida fica prejudicado o conhecimento de outras questões.”

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Suscitado nos autos errado julgamento da matéria de facto, impugnando a matéria de facto e alegados erros de facto, tanto na vertente da apreciação das provas por erro na avaliação de um concreto meio de prova e sobre os factos quer estão assim representados, concretizada nas operações judiciais de análise crítica das provas, na medida em que , nos documentos juntos aos autos e da sua apreciação pelo respectivo Relatório Pericial, assim como da subsunção da factualidade dada como provada assim julgada como representada em tais meios de prova, tal como foi fixada nos respectivos factos materiais da causa , por efeito da falta da consideração de todo o acervo documental, a saber:

- A PI de impugnação de 26/10/2004: documentado pelo Balanço, Demonstração de Resultados, Balancete Analítico do razão referente a Dezembro de 1996, mapas de mais-valias, de Provisões e de amortizações, (Anexos 5 a 5F) - Docs. 5 a 5F. (Vide art. 43º da PI);

- Na sequência da determinação do TCA, em 04/06/2008: junção de 1038 documentos contabilísticos que serviram de base aos valores inseridos na Mod. 22 , incluindo 6 pastas com os respectivos documentos de suporte, que se traduzem em facturas , recibos , notas de créditos e de débitos , depósitos , contractos , inventários, extractos bancários, documentos de despesas, remunerações, documentos de registo, seguros, cheques, letras , títulos , transferências .

- Na sequência da falta de documentos invocada pela AT em Fevereiro 2015, junta 554 documentos - que se encontram juntos aos autos, por linha (vol. 2 e 3), consubstanciado na “Acta de Aprovação de Contas”, os respectivos livros selados, O Diário / Razão, Diário e Lançamento de Abertura e de Apuramento, balancetes analíticos e do razão, diários de fornecedores e de clientes, e caixa, bancos, operações diversas, extractos de contas, facturas e recibos relativos ao lançamento nº8 datado de Dezembro de 1996 . Assim,

Houve lugar à impugnação da matéria de facto e foram cumpridos os pressupostos do artigo 640.º do CPC .

De facto a anterior alínea F) era conclusiva e opinativa, portanto deve proceder-se à sua alteração, pelo que modifica-se o facto dado como provado referenciado à respectiva alínea f), do probatório, passando a constar do mesmo o seguinte:

“F – A impugnante veio juntar aos autos os elementos da contabilidade, assim como os documentos de suporte da mesma relativo a facturas, recibos, notas de crédito e de débito, depósitos, contractos, extractos bancários , documentos de despesas, remunerações documentos de registo, seguros, cheques, letras , títulos , transferências, referentes ao exercício de 1996, designadamente em 26/10/2004 com a petição inicial, em 04/06/2008, e em 21/04/2015, respectivamente, os quais serviram de base ao preenchimento da declaração Modelo 22 de IRC, tendo-se determinado a realização de uma peritagem aos elementos e documentos contabilísticos, com vista a apurar se os mesmos sustentam a declaração Modelo 22 entregue pelo interessado .- (cfr. doc. 6 a 6 c, de fls 37 a 42,, doc. nº 1 a 554 de fls.249 a 802, seis caixas apresentados com documentos e guardados em arquivo conforme Termo de Apensação constante de fls 242, e Despacho de fls 821 a 823, dos autos. ).

Também da análise efectuada aos referidos documentos de suporte, foi possível apurar o seguinte, que é igualmente aditado ao probatório:

“F-1- Os documentos de suporte dos lançamentos contabilísticos referidos supra, estão regularmente organizados e por ordem cronológica , não apresentando diferenças face aos respectivos registos contabilísticos. – cfr conteúdo das seis caixas apresentados com documentos e guardados em arquivo conforme Termo de Apensação constante de fls 242, dos autos.

Quanto ao vertido na alínea G), do probatório, elas traduzem-se nas conclusões elaborados pelos respectivos peritos, segundo a percepção dos factos como foi entendida pelos mesmos , pelo que nada há a alterar nessa sede.

Também no âmbito da realização da perícia realizada , resultou o seguinte que ora se adita como alínea G)-1 e G)-2

G) -1 “As conclusões do relatório pericial referido supra, tiveram por base a análise dos registos contabilísticos referidos em “F”, supra, de acordo com os lançamentos da contabilidade ,tendo considerado os seguintes elementos, a saber: do Balanço, Demonstração de Resultados, Balancete Analítico do razão referente a Dezembro de 1996, mapas de mais-valias, de Provisões e de amortizações, assim como, na “Acta de Aprovação de Contas”, os respectivos livros selados, O Diário / Razão, Diário e Lançamento de Abertura e de Apuramento, balancetes analíticos e do razão, diários de fornecedores e de clientes, e caixa, bancos, operações diversas, extractos de contas, e relativamente ao lançamento nº 8 ,datado de Dezembro, a respectiva factura e recibo ”- Cfr conteúdo do relatório, de fls 885 a 888, dos autos.

G)-2 “Os documentos de suporte dos registos contabilísticos a que se refere a alínea F) supra, não foram analisados pelos peritos”.

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Uma vez estabilizada a matéria de facto vejamos se procede o erro de julgamento.

Face aos elementos ora carreados aos autos, e de acordo com o disposto no artº 389º do C.Civil, importa apreciar da correcção de um acto de avaliação de tais documentos apresentados pelo recorrente quanto à sua materialidade , ora impugnada nos autos quanto à força probatória da posição assumida pelos ditos peritos que realizaram a prova pericial, a qual é apreciada livremente por este Tribunal.- cfr nesse sentido J.Lopes de Sousa , in “CPPT Anotado”, 4ª Ed. 2003, pags 509 e segs.

Ora, atento que o relatório assim elaborado pelos respectivos peritos, não procedeu à análise dos documentos de suporte de tais lançamentos contabilísticos contantes do acervo documental arquivado no T.T. e a que se refere o termo de Apensação constante de fls 142, dos autos, e a que se referem as alíneas f) 1 e g) 1 e g) 2, ora acrescentados ao probatório e conforme melhor resulta do respectivo conteúdo , na medida em que afirma o seguinte “ os documentos apresentados …são meros registos contabilísticos … registos esses que não contêm as provas documentais ( vd alínea a), da Resposta do referido Relatório) , apenas mencionando uma nota de lançamento datado de 8.12. 1996 que foi junto com os elementos da contabilidade apresentados em 21.04.2015 ( alínea d), do mencionado relatório), assim sustentando as deficiências apontadas ao referido relatório quanto aos documentos de suporte dos respectivos lançamentos contabilísticos invocados pelo recorrente,( atento para mais que na metodologia seguida pelos peritos se indica expressamente que os elementos analisados foram “ os Documentos apresentados pelo Impugnante e constante do processo”), não existindo qualquer referência aos documentos que foram arquivados em seis caixas de arquivo;

E ainda que o mesmo aponte a falta de data do termo da abertura dos livros selados, e atento a data do seu registo na Conservatória do Registo Comercial os quais importam às normas relativas às formalidades comerciais de escrituração dos livros obrigatórios ao abrigo do C.Comercial, os quais cumprem o disposto no art.º 31º do C.Comercial, sendo que o atraso na abertura dos livros selados e do respectivo registo na C.R.C. , não se julga como suficiente para considerar como afectando a validade dos registos contabilísticos.

Também assim com a existência de um documento de regularização de um proveito insusceptível de confirmação através da necessária circularização dos clientes por extemporânea, não permitem, de “per si” afirmar, como concluiu a sentença sub judice, que na determinação do lucro tributável da recorrente não foram observadas as normas legais quanto à organização da contabilidade de acordo com a normalização contabilística, não reflectindo todas as operações realizadas pelo s.p. , efectuada nos termos do disposto nos nºs 1 e 3, do artº 17º do CIRC, e com a observância do disposto no nº 3, do artº 98º, todos do CIRC.

Quanto à circunstância referida do desfasamento temporal entre a aprovação das contas da sociedade ( a 27.03.1997), e a declaração entregue ( em Dezembro de 2001), nada releva quanto à regularidade dos ditos lançamentos contabilísticos e da veracidade da referida D.P. em causa nos autos.

Observa ainda aquele Relatório, na respectiva alínea e), que a aprovação de contas do exercício e da análise da D.P. respectiva, só serão susceptíveis de serem certificadas como fiáveis e inequívocas se tais documentos forem objecto de uma circularização de todos os saldos de contas de fornecedores e clientes, o que não foi realizado ,ou junta aos autos.

É certo que , em matéria de obrigações contabilísticas das empresas que exercem a título principal uma actividade comercial, industrial ou agrícola, tal pressupõe que a mesma disponha de contabilidade devidamente organizada de modo a permitir o controlo do lucro tributável. ( cfr nº2, do artº 31º da LGT). Nessa sede , os direitos e deveres dos s.p. das relações jurídico- tributárias estão especialmente regulados nas normas daquela LGT e demais leis tributárias, sendo que , em matéria do procedimento tributário estabelece o nº 1, do artº 75º daquela lei geral que se presumem verdadeiros e de boa-fé , ao que ora nos importa, os dados e apuramento inscritos na sua contabilidade, desde que as mesmas estiverem organizados de acordo com a legislação comercial e fiscal , sendo que cessa tal presunção se a escrita revelar indícios fundados de que se encontra impedido o conhecimento da matéria tributável real do s.p. ( cfr alínea a), do nº2, do artº 75º, da LGT).

Para tal desiderato necessário se torna “…. que se encontre “…. Inviabilizada a confirmação dos factos e valores declarados à Adm. Fiscal…”, nas palavras do Ilte Jurista A. Lima Guerreiro, in “LGT Anotada”, 2001, pags 332. Ora, tal constatação compete à ATA quanto ao apuramento da situação tributária do contribuinte, nos termos do disposto no artº 63º, nº1, da LGT, sendo que a solicitação de colaboração de terceiros, ou por meio de inspecção dirigida a terceiros com quem mantinha relações económicas, nos termos do disposto na alínea d) , do nº1 e nº3, “in fine”, ou ainda a confirmação dos pressupostos de quaisquer direitos invocados pelo ora recorrente por meio de uma inspecção a que alude aquele mesmo nº 3, do preceito, eram susceptiveis de serem realizadas na data em que o contribuinte se disponibilizou a apresentar tais elementos da contabilidade ( cfr artº 42ºda p.i), o que aliás determinou a prolacção do Acórdão de 30.10.2007, Recurso nº 1625/07, constante dos autos a fls 126 a 132, sabendo-se que tais documentos de suporte dos livros e registos contabilísticos deverão ser conservados em boa ordem pelo prazo de 10 anos a que se refere o então nº5, do artº 98º, do CIRC, pelo que não lhe sendo exigível tal certificação das contas, nem da obrigatoriedade de circularização dos referidos saldos de fornecedores e clientes, competindo à Adm. fiscal examinar tais elementos susceptíveis de esclarecer a sua situação tributária, ainda que obtidos junto de terceiros, entende-se que se encontra devidamente sustentada a D.P. de imposto do recorrente, pelo que, verificado a correspondência entre a contabilidade e o declarado, face à apresentação do balanço, da Demonstração dos Resultados e demais documentos contabilísticos e respectivo suporte documental .

Assim aplicando tais preceitos legais incorrectamente aos factos, ( erro de direito na vertente da estatuição da dita regra de direito), porquanto tais deficiências detectadas reportadas às regras de periodização do lucro tributável concretamente apuradas, ou da verificação da congruência dos saldos das contas de clientes e fornecedores susceptíveis de se aferirem pelos elementos disponibilizados pelo s.p., ter-se-ão de considerar como válidos, como assim se entendeu supra, apenas podendo, eventualmente, serem susceptiveis de correcção, nos termos do CIRC, pelo que , constatando-se que haveria que se aferir da validade dos documentos de suporte daqueles lançamentos contabilísticos, os quais tinham sido junto aos autos e alvo de arquivo do respectivo acervo conforme “Termo de Apensação” constante de fls 242, dos autos, entende-se que efectivamente ficou demonstrado nos autos o cumprimento das obrigações contabilísticas por banda do recorrente, pelo que se entende como válida a D.P. por si apresentada para aquele referido exercício, pelo que será de julgar procedente o presente recurso, decisão a que se procede na parte dispositiva da presente sentença.

Dispositivo

Nos termos expostos entende-se dar provimento ao recurso, sendo revogada a decisão proferida no Tribunal “A Quo”, sendo anulado o acto tributário de liquidação oficiosa de imposto do exercício de 1996.

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Custas pela F.P.

Notifique.

[O relator consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Senhores Desembargadores Mário Rebelo e Patrícia Manuel Pires ]