Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1836/15.3BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:10/22/2020
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:RCO
NULIDADES INSUPRÍVEIS
NOTIFICAÇÕES ELETRÓNICAS
DIREITO DE DEFESA
ALERTAS CORRESPONDÊNCIA
Sumário:I- As nulidades insupríveis da decisão administrativa de aplicação de coima podem ser conhecidas até à decisão final de todo o processo, mas tal não implica que possam ser arguidas a todo o tempo. Se o legislador tivesse querido viabilizar a possibilidade de recurso judicial a todo o tempo, seguramente, tê-lo-ia feito de forma expressa, consignando essa excecional possibilidade no artigo 80.º, n.º 1, do RGIT.

II- A presunção constante do artigo 39.º, nº10, do CPPT é uma presunção iuris tantum, como decorre, desde logo, do disposto no n.º 11 do mesmo normativo.

III- Face à natureza da presunção, sendo esta ilidível, alcança-se, desde logo, o equilíbrio e respeito pelos direitos dos notificados, assegurando-se o respeito pelos seus direitos de defesa.

IV- Como tal, o regime em causa não atenta contra a presunção de inocência do arguido nem contra o seu direito de defesa.

V- O envio de alertas de correio não constitui um ato de caráter vinculativo, funcionado antes como informação facultativa e de apoio ao cumprimento, com indicação de que foi depositada uma notificação ou citação na CPE, recomendando, por essa via, a sua consulta. Não pode assacar-se à Administração Tributária qualquer responsabilidade pelo não envio de alertas, sendo que essa omissão, em nada releva para efeitos de perfeição da notificação efetuada.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:

I-RELATÓRIO

H….., veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou intempestivo o recurso apresentado contra a decisão administrativa de aplicação da coima proferida no processo de contraordenação nº …… que correu termos no Serviço de Finanças de Lisboa 2, pela prática da contraordenação prevista nos artigos 27.º, nº1 e 41.º, nº1, alínea b), ambos do Código de Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), e punida pelos normativos 114.º, n.ºs 2, 5, alínea a) e 26º, nº4, ambos do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT).

A Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

“A. O presente recurso vem interposto da sentença proferida nos autos supra indicados, que julgou improcedente o recurso judicial da decisão de aplicação de coima apresentado pela Recorrente com fundamento em intempestividade.

B. Devem ser aditados, a coberto do disposto no artigo 662.º, n.º 1 do CPC, novos factos à matéria de facto provada, são absolutamente essenciais à boa resolução da causa, pois foram oportunamente referidos nos artigos 1.º, 4.º, 5.º, 15.º, 16.º e 18.º a 21.º da p.i. e encontram-se provados por documentos ou não foram contestados pela Recorrida.

C. Para além do erro de julgamento de facto, consubstanciado no manifesto défice da matéria de facto dada como provada, como demonstrado supra, a sentença recorrida enferma ainda dos vícios de nulidade por omissão de pronúncia e de erro de julgamento de direito.

D. Com efeito, a sentença recorrida enferma de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do disposto nos artigos 125.º do CPPT e 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, na medida em que o Tribunal a quo, ao não conhecer questões que deveria ter apreciado (desde logo saber se é lícita a aplicação da presunção contida no artigo 39.º, n.º 10 do CPPT às notificações em processos de contraordenação), violou o disposto no artigo 608.º, n.º 2 do CPC.

E. Isto porque o Tribunal a quo ao pronunciar-se sobre a questão da tempestividade do recurso judicial da decisão de aplicação da coima, estava obrigado a pronunciar-se sobre se a aplicação da presunção vertida no artigo 39.º, n.º 10 do CPPT aos processos de contraordenação como o sub judice viola ou não a Constituição.

F. Note-se que a p.i. continha um capítulo intitulado “Da tempestividade do presente recurso” (cfr. parágrafos 26 a 41) onde a ora Recorrente pugnava pela não aplicação da presunção de notificação prevista no n.º 10 do artigo 39.º do CPPT, sob pena de inconstitucionalidade daquela norma, para além da sua errada interpretação.

G. Pois o Tribunal a quo decidiu pela intempestividade da ação sem sequer referir os fundamentos apresentados pela Recorrente contra tal decisão, mormente a questão da inconstitucionalidade da norma que o Tribunal a quo aplicou.

H. Assim, a sentença recorrida enferma de nulidade por omissão de pronúncia e, em consequência, deverá ser declarada a nulidade da sentença e ser esta substituída por uma decisão que aprecie os fundamentos invocados pela ora Recorrente (inconstitucionalidade da aplicação da presunção do artigo 39.º, n.º 10 do CPPT aos processos de contraordenação tributária), de modo a assegurar a mais eficaz tutela dos interesses do Recorrente, tal como prescrito pelo artigo 124.º do CPPT.

I. Ainda que assim não se entenda, o que somente se equaciona, sem conceder, por cautela de patrocínio, deverá a sentença recorrida ser anulada por erro de julgamento de direito, na medida em que aplicou mal o direito aos factos.

J. Com efeito, ao concluir pela intempestividade do recurso judicial da decisão de aplicação de coima com fundamento na aplicação da presunção vertida no n.º 10 do artigo 39.º do CPPT, o Tribunal a quo efetuou uma interpretação dessa norma que viola o disposto nos artigos 268.º, n.º 3 e 32.º, n.º 10, ambos da CRP.

K. Não sendo a presunção do artigo 39.º, n.º 10 do CPPT aplicável às notificações em processos de contraordenação, é forçosa a conclusão que (i) a ação é tempestiva e que (ii) a Recorrente não foi notificada para apresentar defesa em momento anterior à aplicação da coima, o que consubstancia uma nulidade insuprível nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 63.º do RGIT e fere de nulidade a própria coima aplicada à Recorrente.

L. Acresce que, ainda que se concluísse que a presunção do n.º 10 do artigo 39.º do CPPT seria aplicável aos processos de contraordenação (o que se equaciona, sem conceder, por dever de patrocínio), o Tribunal a quo, ao desconsiderar a ilisão daquela presunção por parte da Recorrente, violou ainda o disposto no n.º 11 do artigo 39.º do CPPT, que consagra a possibilidade de ilisão da presunção do n.º 10.

136. Com efeito, a Recorrente demonstrou nos autos que, contrariamente ao que é divulgado pela ViaCTT, não recebeu qualquer alerta relativo à existência de notificações/documentos naquela caixa postal, de quanto decorre que foi por causa não imputável à ora Recorrente que esta não acedeu à ViaCTT em momento anterior a 25.11.2014.

M. De quanto, por força do artigo 39.º, n.º 11 do CPPT, resulta ilidida a presunção vertida no n.º 10 do mesmo artigo.

N. O Tribunal a quo, ao não aceitar a ilisão da presunção pela Recorrente nos termos expostos violou frontalmente o disposto no artigo 39.º, n.º 11 do CPPT, razão pela qual deverá ser anulada a decisão recorrida e concluir-se pela tempestividade do recurso judicial da decisão de aplicação da coima apresentado em 09.12.2014, visto que a Recorrente só foi notificada da decisão de aplicação da coima em 25.11.2014.

O. In casu, a coima aplicada à Recorrente, no valor de € 2.991,50 (mais custas, o que perfaz € 3.029,75) é exorbitante, irrazoável e desproporcionada face à conduta da Recorrente e ao seu diminuto grau de culpa.

P. Com efeito, o atraso na entrega do IVA foi somente de dois meses, tendo a Recorrente procedido, voluntariamente, ao pagamento do imposto e dos juros de mora correspondentes.

Q. Acresce que o caso sub judice preenche todos os pressupostos para que seja aplicada à ora Recorrente a dispensa da coima ou, em alternativa, a sua substituição por uma admoestação ou, em alternativa, a sua atenuação especial.

R. Face a tudo quanto foi exposto e demonstrado, deve ser anulada a coima aplicada ilegalmente à ora Recorrente ou, em alternativa, ser declarada a dispensa da coima ou, em alternativa, a substituição da mesma por uma admoestação ou, em alternativa, a sua especial atenuação.

Termos em que, com o devido suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e, em consequência, anulando-se a coima aplicada à Recorrente ou, em alternativa, declarando-se a dispensa da coima ou, em alternativa, a substituição da mesma por uma admoestação ou, em alternativa, a sua especial atenuação.


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A Recorrida não apresentou contra-alegações.

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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

A. A 01.03.2014, no PCO n.º ……, foi proferida decisão de aplicação de coima e de fixação de custas administrativas – cfr. fls. 7 e 8 do PCO;

B. Por ofício de 28.08.2014, o Serviço de Finanças de Lisboa-2 expediu a notificação da decisão referida em A., para a caixa postal electrónica da Recorrente – cfr. fls. 9 do PCO;

C. A 03.11.2014, foi extraída certidão de dívida e instaurado o Processo de Execução Fiscal (PEF) n.º ……, tendo em vista a cobrança coerciva da coima e das custas administrativas fixadas no PCO mencionado em A. – cfr. doc. 5 junto à petição de recurso;

D. Por ofício de 12.11.2014, o órgão de execução fiscal expediu a citação da Recorrente para o PEF mencionado em C. – cfr. doc. 5 junto à petição de recurso;

E. A 25.11.2014, a recorrente acedeu à sua caixa postal electrónica da ViaCTT, tomando conhecimento da decisão referida em A. – confissão (cfr. artigos 14 e 20 da alegação);

F. A 09.12.2014, deu entrada, no Serviço de Lisboa-2, a petição inicial que motivou os presentes autos – cfr. fls 10 e seguintes do PCO.


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Ficou, igualmente, consignado na decisão recorrida que: “Nada mais se julgou ou é de julgar provado ou não provado, tendo o Tribunal formado a sua convicção a partir da análise crítica dos documentos juntos aos autos, bem como, quanto ao conhecimento do acto recorrido, na confissão da Recorrente.”

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III) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou intempestivo o recurso apresentado contra a decisão administrativa de aplicação da coima proferida no processo de contraordenação nº ……, pela prática da contraordenação prevista nos artigos 27.º, nº1 e 41.º, nº1, alínea b), ambos do CIVA, e punida pelos normativos 114.º, n.ºs 2, 5, alínea a) e 26º, nº4, ambos do RGIT.

Cumpre, desde já, relevar que em ordem ao consignado no artigo 411.º, do Código de Processo Penal (CPP) ex vi art.º 41.º, n.º 1, do RGCO, ex vi art.º 3.º, al. b), do RGIT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto importa, assim, decidir se:
- A sentença é nula por omissão de pronúncia;
- Padece de erro de julgamento de facto, por ter descurado factualidade relevante para a decisão da lide;
- Incorreu em erro de julgamento ao ter julgado intempestivo o recurso contraordenacional.

Apreciando.

Comecemos por analisar a arguida nulidade por omissão de pronúncia.

De harmonia com o consignado no artigo 379.º, nº1, alínea c), do CPP ex vi artigo 41.º, n.º 1, do RGCO, por remissão do artigo 3.º, al. b), do RGIT), sob a epígrafe de “nulidade da sentença”:

“1 - É nula a sentença:

c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

Atentando na letra do citado normativo resulta que apenas ocorre nulidade por omissão de pronúncia quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, sendo certo que não se tem por verificada quando o tribunal deixa de apreciar algum ou alguns dos argumentos invocados pela parte tendo em vista a decisão da questão ou questões que a mesma submete ao seu conhecimento.

Dir-se-á, neste particular e em abono da verdade que, as questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio. De notar para o efeito que, as questões não são passíveis de qualquer confusão conceptual com as razões jurídicas invocadas pelas partes em defesa do seu juízo de valoração, porquanto as mesmas correspondem a simples argumentos e não constituem questões na dimensão valorativa preceituada no citado normativo.

Conforme doutrinado por ALBERTO DOS REIS[1] “[s]ão, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”.

A Recorrente invoca como fundamento do recurso jurisdicional a nulidade da sentença na medida em que o Tribunal a quo, não conheceu da questão inerente à aplicação da presunção contida no artigo 39.º, n.º 10 do CPPT às notificações em processos de contraordenação e sua inconstitucionalidade, a qual foi expressamente convocada na p.i.

Densifica, para o efeito, que atentando na petição inicial verifica-se que existe um capítulo intitulado “Da tempestividade do presente recurso”, nos pontos 26. a 41., onde a Recorrente pugna pela não aplicação da presunção de notificação prevista no n.º 10 do artigo 39.º do CPPT, sob pena de inconstitucionalidade daquela norma, para além da sua errada interpretação, e a verdade é que foi decidida a intempestividade da ação sem analisar e refutar a aludida questão.

Vejamos, então.

Analisando a petição inicial, verifica-se que a Recorrente dedica, efetivamente, quinze artigos a justificar a tempestividade do recurso judicial da decisão administrativa de aplicação de coima, relevando, desde logo, que “atendendo aos especiais cuidados que devem revestir as notificações em processos de contraordenação, por ordem constitucional (artigo 32.º, nº 10 da CRP), a remissão efetuada pelo nº2 do artigo 70.º do RGIT não pode abranger as notificações eletrónicas recentemente estabelecidas ou, pelo menos, a presunção acima referida”.

Mais sustentando que tendo os serviços de finanças conhecimento imediato do não acesso à caixa postal eletrónica, “estavam obrigados a enviar as notificações de defesa e de aplicação de coima por via postal “normal”, nomeadamente durante um período transitório alargado”.

Concluindo, depois, que a assunção de posição contrária representa uma “autêntica armadilha legal que põe em causa os mais básicos princípios constitucionais, neste caso, de defesa e de recurso judicial contra a aplicação de sanções”.

Ora, atentando nas aludidas alegações e tendo presente o decidido pelo Tribunal a quo, entende-se, efetivamente, que a Recorrente convocou a insusceptibilidade de aplicação ao direito contraordenacional do regime do CPPT, mormente, das notificações eletrónicas arguindo, ainda que genericamente, violação de princípios constitucionais basilares.

E a verdade é que, no caso sub judice, o Tribunal a quo pese embora tenha analisado a questão jurídica atinente à exceção da caducidade do direito de ação, não analisou a problemática inerente à aplicação no direito sancionatório do regime das notificações eletrónicas e a sua conformação com a CRP.

E por assim ser, entende-se que nos encontramos, efetivamente, perante uma pretensão que a Recorrente submeteu à apreciação do tribunal, logo não tendo o juiz tomado posição sobre essa questão, não emitindo decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento, nem indicando as razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e não resultando, outrossim, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio, procede o arguido vício da nulidade da sentença.

Impõe-se, por isso, dela conhecer, em substituição (artigo 410.º, n.º 3, do CPP, ex vi art. 74.º, n.º 4, do RCGO, por remissão do artigo 3.º, al. b), do RGIT), porquanto nos encontramos perante uma questão jurídica e por os autos reunirem todos os elementos para o efeito, o que se fará, em sede própria[2].


***

Atentemos, ora, na impugnação da matéria de facto.

De harmonia com o disposto no artigo 412.º, n.º 3, do CPP, ex vi art.º 41.º, n.º 1, do RGCO, por remissão do artigo 3.º, al. b), do RGIT, a impugnação da matéria de facto tem de obedecer aos seguintes requisitos:

“3. Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;

c) As provas que devam ser renovadas”.

Como, claramente, doutrina o Aresto do STJ, proferido no processo nº 245/09.8 GBACB.C1, datado de 12 de setembro de 2012:

“No que se refere a requisitos formais, o recorrente que queira ver reapreciados determinados pontos da matéria de facto tem que dar cumprimento a um tríplice ónus, qual seja:

- Indicar, dos pontos de facto, os que considera incorrectamente julgados – o que só se satisfaz com a indicação individualizada dos factos que constam da decisão, sendo inapta ao preenchimento do ónus a indicação genérica de todos os factos relativos a determinada ocorrência;

- Indicar, das provas, as que impõem decisão diversa, com a menção concreta das passagens da gravação em que funda a impugnação – o que determina que se identifique qual o meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa, que decisão se impõe face a esse meio de prova e porque se impõe. Caso o meio de prova tenha sido gravado, a norma exige a indicação do início e termo da gravação e a indicação do ponto preciso da gravação onde se encontra o fundamento da impugnação (as concretas passagens a que se refere o n.º 4 do encimado art.º 412.º);

- Indicar que provas pretende que sejam renovadas, com a menção concreta das passagens da gravação em que funda a impugnação.

O que se pretende é a delimitação objectiva do recurso, com a fundamentação da pretensão e o esclarecimento dos objectivos a que o recorrente se propõe. Impõe-se-lhe o dever de tomar posição clara, nas conclusões, sobre o objecto do recurso, especificando o que, no âmbito factual, pretende ver reponderado, assim como na hipótese de renovação, especificando as provas que devem ser renovadas [alínea c) do n.º 3 do mesmo art.º 412.º].”

In casu, a Recorrente defende que o Tribunal a quo, incorreu em erro de julgamento de facto, porquanto deveria ter considerado como provada a factualidade alegada nos artigos 1.º, 4.º, 5.º, 15.º, 16.º e 18.º a 21.º da p.i., os quais se reputam essenciais para a descoberta da verdade material, e encontram-se provados por documentos ou não contestados pela Recorrida.

Sustentando, nessa medida, que sejam aditados dois factos, concretamente:
i. A Arguida nunca recebeu qualquer notificação por via postal relativa à instauração, contra si, do processo de contraordenação, no âmbito do qual foi aplicada a coima em causa nos autos, designadamente para apresentação de defesa e quanto à decisão de aplicação de coima (cfr. facto alegado nos artigos 15.º, 16.º, 18.º, 19.º e 20.º da p.i. e não impugnado).
ii. A Arguida não acedeu à caixa postal eletrónica em momento anterior a 25 de novembro de 2014, por nunca ter recebido qualquer alerta de correspondência no seu e-mail ou por via postal (cfr. facto alegado no artigo 21.º da p.i. e não impugnado).

Face aos requisitos contemplados no CPP, aplicáveis subsidiariamente no processo contraordenacional, entende-se da leitura das conclusões coadjuvada com as alegações de recurso que estão preenchidos, pelo menos em termos de exigência mínima, os requisitos legais para a apreciação do aditamento por complementação dos dois factos supra elencados.

Vejamos, então, se o Tribunal a quo errou ao não ter valorado a aludida factualidade alegada pela Recorrente.

Importa, desde já, relevar que o Juiz não está vinculado à fixação e atendibilidade no probatório de todos os factos alegados na p.i., apenas e só aqueles que reputou relevante para a descoberta da verdade material.

A fixação da matéria de facto deve ser norteada por todos os factos que se apresentem como potencialmente úteis para a decisão, contudo o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (e consignar se a considera provada ou não provada).

In casu, atento o objeto da presente lide e a factualidade que se encontra vertida no probatório entende-se que os aludidos dois factos que a Recorrente pretende que o Tribunal ad quem adite ao acervo fático assente, não revestem relevância para a presente lide. Aliás nem, tão-pouco, é densificada a sua concreta relevância, existindo apenas uma alegação genérica de que nos encontramos perante factos absolutamente essenciais à boa decisão da causa.

Senão vejamos.

Para apreciação da questão da caducidade do direito de ação, e conforme se analisará em momento ulterior, não releva a circunstância de ter sido remetida qualquer notificação via postal para efeitos de comunicação da instauração do processo de contraordenação e consequente notificação para defesa, e isto porque a tempestividade do recurso judicial da decisão administrativa de aplicação de coima, afere-se, como o próprio nome indicia, por reporte ao conhecimento da aludida decisão.

É certo que a Recorrente pode invocar como fundamento do recurso, a título de preterição de formalidade essencial, e enquanto nulidade insuprível, a falta de notificação da instauração do processo de contraordenação e bem assim para apresentação de defesa, mas a verdade que essa questão só passível de análise ultrapassado o crivo da tempestividade. Destarte, as aludidas questões sendo a jusante não relevam para efeitos de apreciação da questão jurídica que obstou ao conhecimento do mérito.

De sublinhar, neste particular, que não obstante a nulidade insuprível da decisão administrativa de aplicação de coima poder ser conhecida até à decisão final de todo o processo, a verdade é que tal não implica que possa ser arguida a todo o tempo.

Neste âmbito, vide o Aresto do STA, proferido no processo nº 0192/13, datado de 19 de fevereiro de 2014, o qual doutrina de forma clara que:

“O art. 63.º do RGIT enumera nulidades do processo de contra-ordenação tributário na fase administrativa, as quais, apesar de poderem ser arguidas até decisão final de todo o processo, incluindo as fases de recursos judicial e jurisdicional, em virtude de serem insupríveis, se reportam a vícios de natureza procedimental/processual, isto é, conexionados com a violação de ditames legais de natureza adjectiva e, sobretudo, de índole formal, cuja gravidade jamais se aproxima da que se detecta nos exemplos de actos nulos que o legislador registou nas diversas alíneas do n.º 2 do art. 133.º do CPA.

Se o legislador tivesse querido viabilizar a possibilidade de recurso judicial a todo o tempo, por certo não teria deixado de prever essa excepcional possibilidade no art. 80.º, n.º 1, do RGIT, à semelhança do que fez, no processo administrativo, com o art. 58.º, n.º 1, do CPTA.”

No concernente, ao segundo facto que a Recorrente pretende que seja aditado, entende-se, outrossim, que o mesmo não reveste importância para a boa decisão da causa, porquanto não só o mesmo já decorre da alínea E) da factualidade assente, como a circunstância de “nunca ter recebido qualquer alerta de correspondência no seu e-mail, ou por via postal” não releva para efeitos da tempestividade do recurso judicial da aplicação de coima, mormente, para efeitos de ilisão da presunção de notificação e sua imputabilidade, conforme demonstraremos, de seguida.

Improcede, assim, o aditamento da factualidade requerida pela Recorrente.

Aqui chegados, uma vez estabilizada a matéria de facto, atentemos, então, se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao ter decidido pela intempestividade do recurso contraordenacional.

A Recorrente defende que ao concluir pela intempestividade do recurso judicial da decisão de aplicação de coima com fundamento na aplicação da presunção vertida no artigo 39.º, nº 10, do CPPT, o Tribunal a quo efetuou uma interpretação desconforme com o disposto nos artigos 268.º, n.º 3 e 32.º, n.º 10, ambos da CRP.

E isto porque, sublinha não sendo a presunção do artigo 39.º, n.º 10 do CPPT aplicável às notificações em processos de contraordenação, é forçosa a conclusão que, por um lado, a ação é tempestiva e, por outro lado, que a Recorrente não foi notificada para apresentar defesa em momento anterior à aplicação da coima, o que consubstancia uma nulidade insuprível nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 63.º do RGIT, e fere de nulidade a própria coima aplicada à Recorrente.

Mais sustenta que, ainda que se concluísse que a presunção do n.º 10 do artigo 39.º do CPPT seria aplicável aos processos de contraordenação, a verdade é que o Tribunal a quo, ao desconsiderar a ilisão daquela presunção por parte da Recorrente, violou ainda o disposto no n.º 11 do artigo 39.º do CPPT, que consagra a possibilidade de ilisão da presunção do n.º 10.

E isto porque, a Recorrente demonstrou nos autos que, não recebeu qualquer alerta relativo à existência de notificações/documentos naquela caixa postal, de quanto decorre que foi por causa não imputável à ora Recorrente que esta não acedeu à ViaCTT em momento anterior a 25 de novembro de 2014.

Conclui, para o efeito, que o Tribunal a quo, ao não aceitar a ilisão da presunção pela Recorrente nos termos expostos violou frontalmente o disposto no artigo 39.º, n.º 11 do CPPT, razão pela qual deverá ser anulada a decisão recorrida e concluir-se pela tempestividade do recurso judicial da decisão de aplicação da coima apresentado em 09 de dezembro de 2014, porquanto a notificação da decisão administrativa de aplicação da coima apenas ocorreu, em 25 de novembro de 2014.

Por seu turno, a decisão recorrida fundamentou a intempestividade do recurso judicial da decisão administrativa de aplicação de coima, com base na interpretação conjugada nos normativos 70.º, nº2, do RGIT, 19.º, nº 10, da LGT, 38.º, nºs 9 a 11 do CPPT, ajuizando, designadamente, o seguinte:

“Dos normativos em causa resulta, desde logo, que qualquer tipo de notificação pode ser efectuada por transmissão electrónica de dados para a caixa postal do notificando, equivalendo a mesma à notificação por postal registado ou por postal registado com aviso de recepção, nada resultando da lei que imponha à Administração a utilização de um meio específico para as notificações em processos de contra-ordenação.

Neste caso, a notificação considera-se efectuada no dia em que o destinatário acede à sua caixa postal electrónica ou, não acedendo, no 25.º dia posterior ao do envio da notificação para essa caixa postal electrónica.

A presunção de notificação no 25.º dia posterior ao do envio da mesma para a caixa postal electrónica só não opera ou só pode ser ilidida quando, cumulativamente, o notificando demonstre que, não por sua culpa, a notificação ocorreu em momento posterior e que comunicou à Administração a alteração da sua caixa postal electrónica.”

Densificando, depois, relativamente ao caso dos autos que, “[v]erifica-se que a Recorrente foi notificada da decisão recorrida por meio de depósito, na sua caixa postal electrónica, do ofício datado de 28.08.2014 (facto provado B.), só vindo, efectivamente a aceder à sua caixa postal electrónica a 25.11.2014 (facto provado E.), ou seja, quase três meses depois, quando já havia sido instaurado o PEF e expedida a citação para o mesmo (factos provados C. e D.), atenta a circunstância de que o PEF só é instaurado depois de decorrido o prazo de 20 dias a que se refere o artigo 79.º do RGIT, para o pagamento da coima ou para o recurso judicial da decisão de aplicação da mesma.”

Concluindo, assim, que quando apresentou a petição de recurso já “[h]á muito que havia caducado o seu direito de deduzir recurso, porquanto tal facto, determinante do início da contagem do prazo de 20 dias a apresentação do recurso, ocorreu no 25.º dia posterior ao do depósito da notificação da decisão de aplicação da coima na sua caixa postal electrónica.”

Adensando, in fine, que “Não basta a «confirmação de que o contribuinte apenas acedeu à sua caixa postal electrónica numa data posterior»; além disso, é ainda necessário que ele alegue e demonstre cabalmente que não o pôde fazer num momento anterior por facto que não lhe é imputável.”

Apreciando.

Comecemos por convocar o quadro jurídico que para os autos releva:

Ab initio, importa convocar o disposto no artigo 80.º, n.º 1, do RGIT, o qual sob a epígrafe de “Recurso das decisões de aplicação das coimas” dispõe que:

“1 - As decisões de aplicação das coimas e sanções acessórias podem ser objeto de recurso para o tribunal tributário de 1.ª instância, no prazo de 20 dias após a sua notificação, a apresentar no serviço tributário onde tiver sido instaurado o processo de contraordenação.”

Mais importa ter presente o disposto no artigo 70.º, nº 2 do mesmo diploma legal, o qual, expressamente, evidencia que:

“Às notificações no processo de contraordenação aplicam-se as disposições correspondentes do Código de Procedimento e de Processo Tributário.”

Atenta a aludida remissão, há que considerar o preceituado nos artigos 38.º,  39.º e 41.º todos do CPPT, com a redação à data aplicável.

Dispunha o citado artigo 38.º, do CPPT, relativamente às notificações e suas formalidades que:

1 - As notificações são efetuadas obrigatoriamente por carta registada com aviso de receção, sempre que tenham por objeto atos ou decisões suscetíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes ou a convocação para estes assistirem ou participarem em atos ou diligências.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior a comunicação dos serviços postais para levantamento de carta registada remetida pela administração fiscal deve sempre conter de forma clara a identificação do remetente.

3 -As notificações não abrangidas pelo n.º 1, bem como as relativas às liquidações de tributos que resultem de declarações dos contribuintes ou de correções à matéria tributável que tenha sido objeto de notificação para efeitos do direito de audição, são efetuadas por carta registada.

4 -As notificações relativas a liquidações de impostos periódicos feitas nos prazos previstos na lei são efetuadas por simples via postal.

5 - As notificações serão pessoais nos casos previstos na lei ou quando a entidade que a elas proceder o entender necessário.

6 - Às notificações pessoais aplicam-se as regras sobre a citação pessoal.

7 - O funcionário que emitir qualquer aviso ou notificação indicará o seu nome e mencionará a identificação do procedimento ou processo e o resumo dos seus objetivos.

8 - As notificações referidas nos n.ºs 3 e 4 do presente artigo podem ser efetuadas, nos termos do número anterior, por telefax quando a administração tributária tenha conhecimento do número de telefax do notificando e possa posteriormente confirmar o conteúdo da mensagem e o momento em que foi enviada.

9 -As notificações referidas no presente artigo podem ser efetuadas por transmissão eletrónica de dados, que equivalem, consoante os casos, à remessa por via postal registada ou por via postal registada com aviso de receção.

10-revogado

11 - Quando se refiram a atos praticados por meios eletrónicos pelo dirigente máximo do serviço, as notificações efetuadas por transmissão eletrónica de dados são autenticadas com assinatura eletrónica avançada certificada nos termos previstos pelo Sistema de Certificação Eletrónica do Estado - Infraestrutura de Chaves Públicas.

12 - A administração fiscal disponibiliza no seu serviço na Internet os documentos eletrónicos de notificação e citação a cada sujeito passivo.”

Mais preceituava o artigo 39.º, nºs 9 a 11 do CPPT que:

“9 - As notificações efetuadas por transmissão eletrónica de dados consideram-se feitas no momento em que o destinatário aceda à caixa postal eletrónica.

10 - A notificação considera-se efetuada no 25.º dia posterior ao seu envio, caso o contribuinte não aceda à caixa postal eletrónica em data anterior.

11 - A presunção do número anterior só pode ser ilidida pelo notificado quando, por facto que não lhe seja imputável, a notificação ocorrer em data posterior à presumida e nos casos em que se comprove que o contribuinte comunicou a alteração daquela nos termos do artigo 43.º (…)”

De convocar, outrossim, o teor do citado artigo 41.º, nº1, do CPPT, o qual dispunha que:

“1 - As pessoas coletivas e sociedades são citadas ou notificadas na sua caixa postal eletrónica ou na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes, na sua sede, na residência destes ou em qualquer lugar onde se encontrem.”

In fine, importa chamar à colação o disposto no artigo 19.º da LGT, o qual a propósito do domicílio fiscal dispunha que:

“1 - O domicílio fiscal do sujeito passivo é, salvo disposição em contrário:

a) Para as pessoas singulares, o local da residência habitual;

b) Para as pessoas coletivas, o local da sede ou direção efetiva ou, na falta destas, do seu estabelecimento estável em Portugal.

2 - O domicílio fiscal integra ainda a caixa postal eletrónica, nos termos previstos no serviço público de caixa postal eletrónica. (…)

9 - Os sujeitos passivos do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas com sede ou direção efetiva em território português e os estabelecimentos estáveis de sociedades e outras entidades não residentes, bem como os sujeitos passivos residentes enquadrados no regime normal do imposto sobre o valor acrescentado, são obrigados a possuir caixa postal eletrónica, nos termos do n.º 2, e a comunicá-la à administração tributária no prazo de 30 dias a contar da data do início de atividade ou da data do início do enquadramento no regime normal do imposto sobre o valor acrescentado, quando o mesmo ocorra por alteração.

10 - O Ministro das Finanças regula, por portaria, o regime de obrigatoriedade do domicílio fiscal eletrónico dos sujeitos passivos não referidos no n.º 9.”

Ora, da interpretação conjugada dos normativos citados anteriormente resulta que a partir da alteração do artigo 19.º da LGT, o domicílio fiscal passou a integrar a caixa postal eletrónica, nos termos previstos no serviço público de caixa postal eletrónica.

De relevar, neste particular, que o serviço público de caixa postal eletrónica passou a constar das bases gerais da concessão do serviço postal universal em 2006, com a alteração efetuada a tais bases, aprovadas pelo DL n.º 448/99, de 4 de novembro, pelo DL n.º 112/2006, de 09 de junho, conforme resulta claramente do seu artigo 1.º.

Importando, outrossim, ter presente o preâmbulo do aludido diploma segundo o qual  “[o] presente decreto-lei vem, pois, alterar as bases da concessão do serviço postal universal e prever o cometimento à entidade concessionária de um novo serviço público, a caixa postal electrónica, com valor legal no domínio da comunicação entre o Estado, incluindo os tribunais, os serviços e organismos que integram a administração directa, indirecta ou autónoma do Estado e as entidades administrativas independentes, por um lado, e os cidadãos e as empresas, por outro, designadamente no campo dos procedimentos administrativos e dos processos judiciais, reservando e impondo à concessionária a concepção, construção, implementação e aplicação do sistema em termos que assegurem os objectivos e padrões inerentes ao serviço público em causa”.

Para o efeito, importa ter presente que a Caixa Postal Eletrónica é um serviço que permite receber correio em formato digital, com valor legal, respeitando as características definidas no n.º 1 do artigo 3.º da Lei do Comércio Eletrónico (DL n.º 7/2004, de 7 de janeiro, a qual destina-se, fundamentalmente, a realizar a transposição da Diretiva n.º 2000/31/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2000), que garante a integridade e a confidencialidade do seu correio.

De sublinhar, outrossim, que o aludido serviço está concessionado aos CTT, através do Serviço ViaCTT, por via de protocolo celebrado com a Administração Tributária, por forma a permitir a ativação da caixa postal eletrónica para o envio de notificações da entidade Administração Tributária, em sessão segura no Portal das Finanças, sem que seja necessário apresentar os documentos que habitualmente são solicitados pela ViaCTT, garantindo, por seu turno, e enquanto entidade certificadora, a integridade e a confidencialidade dos documentos, face ao uso de certificados digitais de autenticação, em obediência ao disposto no Decreto-Lei n.º 290-D/99.

Sendo que, como visto, as notificações eletrónicas consideram-se efetuadas no momento em que acede à sua caixa postal eletrónica, nos termos do n.º 9, do artigo 39.º do CPPT, e no caso de ausência de acesso à caixa postal eletrónica, a notificação considera-se efetuada no vigésimo quinto dia posterior ao seu envio, nos termos do n.º 10, do artigo 39.º CPPT.

Encontramo-nos, assim, perante uma presunção, que só pode ser ilidida pelo notificado quando, por facto que não lhe seja imputável, a notificação ocorrer em data posterior à presumida e nos casos em que se comprove que o contribuinte comunicou a alteração daquela nos termos do artigo 43.º do CPPT.

Feito o devido enquadramento legal, encontramo-nos em condições de responder afirmativamente à primeira questão colocada pela Recorrente, ou seja, da aplicabilidade do regime consignado nos artigos 38.º e 39.º do CPPT, densificado anteriormente, ao regime contraordenacional.

Como visto, a letra do artigo 70.º do RGIT é clara e inequívoca e faz uma remissão integral, sem qualquer limitação, para o regime das notificações constantes no CPPT.

Com efeito, em ordem ao consignado no artigo 9.º, nº2, do CC e seguindo os ensinamentos de BAPTISTA MACHADO, ter-se-á de ter como assente que o texto da lei, constitui o ponto de partida do processo hermenêutico e também um seu limite, na medida em que não é possível considerar aqueles sentidos que não tenham nas palavras da lei qualquer apoio, “um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.[3]

Note-se que se fosse intenção deliberada do legislador apartar as notificações eletrónicas no âmbito do direito contraordenacional, tê-lo ia feito de forma expressa e inequívoca, o que, como visto, não logrou fazê-lo.

Na tarefa hermenêutica não podem “distinguir-se situações que o legislador não distinguiu (ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus). O intérprete – no nosso caso, em primeira linha, a AT e, em segunda linha e sindicando a actuação desta, o tribunal – não pode relevar distinções que o legislador não estabeleceu, a menos que pudesse concluir com certeza que o pensamento do legislador fora atraiçoado na redacção da norma e, assim, que se impunha uma interpretação restritiva, o que, manifestamente, não é o caso, pois inexistem indícios no sentido de que o legislador tenha dito mais do que aquilo que queria dizer (Cfr. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1983, pág. 186, que refere ainda que «[o] argumento em que assenta este tipo de interpretação costuma ser assim expresso: cessant ratione legis cessat eius dispositivo (lá onde termina a razão de ser da lei termina o seu alcance)[4]”.

Não se vislumbrando, outrossim, qualquer fundamento legal para que seja afastada a aplicação da presunção contemplada no citado 39.º, nº 10 do CPPT, às notificações em processos de contraordenação. De resto, nem tão-pouco a Recorrente substancia e materializa, com o devido rigor e pormenor, os motivos pelos quais se deve apartar essa presunção.

Mais importa relevar que não se vislumbra de que forma e em que medida a aludida interpretação possa determinar a violação de princípios constitucionais basilares, mormente, os consignados nos artigos 268.º, nº3 e 32.º, nº10, ambos da CRP.

Senão vejamos.

Neste particular, socorremo-nos do Aresto deste Tribunal, proferido no processo nº 132/18.9BEALM, datado de 31 de outubro de 2019, no qual, a ora Relatora, interveio como 2ª Adjunta e ao qual se adere:

“[c]onsidera a Recorrente que a interpretação segundo a qual a notificação se presume feita nos termos consignados no art.º 39.º, n.º 10, do CPPT, é contrária aos mais elementares direitos de audiência e defesa do arguido, constitucionalmente consagrados em sede de processo de contraordenação, entendendo que deveria ser aplicado o disposto no art.º 38.º, n.º 1, do CPPT.

Nos termos do art.º 32.º da CRP:

“2. Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa.

(…) 10. Nos processos de contraordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa”.

Com efeito, como refere a Recorrente, em matéria contraordenacional a nossa Lei Fundamental expressamente prevê que sejam assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa.

A questão que se coloca é a de saber se a presunção de notificação prevista no art.º 39.º, n.º 10, do CPPT, posterga tal direito com assento na CRP.

Desde já se refira que se entende que a resposta é negativa.(…)

cumpre sublinhar que a referida presunção é uma presunção iuris tantum, como decorre, desde logo, do disposto no n.º 11 do mesmo art.º 39.º, no qual se faz expressa menção aos termos em que tal presunção de notificação pode ser ilidida.

Logo, sendo uma presunção ilidível, por esta via se alcança o equilíbrio e respeito pelos direitos dos notificados, assegurando-se o respeito pelos seus direitos de defesa.”

Esclarecendo, outrossim, que:

 “[o] regime das notificações efetuadas via correio postal, registado e/ou com aviso de receção, também ele contém presunções de notificação.

Assim, atento o disposto no art.º 39.º, n.º 1, do CPPT, as notificações efetuadas por carta registada presumem-se efetuadas no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando tal dia não seja útil. Tal presunção é ilidível, nos termos consignados no n.º 2 do mesmo art.º 39.º.

Já no que respeita às notificações efetuadas via correio postal registado com aviso de receção, encontramos também diversas presunções. Desde logo, atentando no n.º 3 do art.º 39.º, a notificação presume-se efetuada na pessoa do notificando, mesmo quando o aviso de receção haja sido assinado por terceiro presente no seu domicílio. Da mesma forma, nos casos previstos no n.º 5 do art.º 39.º está prevista uma presunção de notificação, no caso de a carta não ter sido recebida ou levantada. Todas estas presunções são ilidíveis.

O regime atinente à notificação efetuada por telefax ou via Internet contém igualmente uma presunção (art.º 39.º, n.º 7), no sentido de se presumir feita na data de emissão, presunção essa igualmente ilidível (cfr. art.º 39.º, n.º 8).

Deste quadro descritivo resulta que as formas de notificação a que nos referimos, sejam via eletrónica, sejam postais ou por telefax, têm previstas, no seu regime, presunções, opção que o legislador seguiu por forma a determinar, de objetivamente, o momento em que se considera, com grande probabilidade, o destinatário das comunicações notificado. No entanto, repetimos, porque se trata de presunções iuris tantum, e reflexo, aliás, da salvaguarda dos direitos dos notificandos, todas elas admitem afastamento, mediante prova em contrário.

Ora, considerando este contexto, não se vislumbra de que forma a notificação, através do Via CTT, e a presunção de notificação, prevista no n.º 10 do art.º 39.º do CPPT, atentam contra os direitos de defesa da Recorrente.

Como refere o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 439/2012, de 26 de setembro, “não são inconstitucionais as normas que prevejam a possibilidade de citação ou notificação de atos processuais por via postal simples e que presumam o seu conhecimento pelo destinatário, desde que tais presunções sejam rodeadas das cautelas necessárias a garantir a possibilidade de conhecimento efetivo do ato por um destinatário normalmente diligente, ou seja, desde que o sistema ofereça suficientes garantias de assegurar que o ato de comunicação foi colocado na área de cognoscibilidade do seu destinatário, em termos de ele poder eficazmente exercer os seus direitos de defesa”.

Ora, o acesso à caixa postal do Via CTT de forma sistemática é uma obrigação que cabe a todos aqueles que através dela sejam notificados, da mesma forma que o é o acesso à caixa postal física tradicional. Aliás, trata-se de um acesso mais simplificado, na medida em que o envio via correio registado, com ou sem aviso de receção, na ausência do destinatário, implica a emissão de um aviso por parte do distribuidor e o ulterior levantamento da comunicação na loja desse mesmo distribuidor, ao passo que o acesso ao Via CTT é imediato.

Da mesma forma que uma notificação via correio postal registado que não seja reclamada pelo destinatário se presume efetuada, a notificação eletrónica presume-se efetuada no quinto dia ulterior ao seu envio, presunção ilidível, se se demonstrar que a notificação ocorreu em momento ulterior por facto não imputável ao notificando. Ou seja, o legislador estabeleceu um prazo, o de cinco dias, no qual, segundo padrões de razoabilidade, concluiu que o notificando deveria aceder à Via CTT, presunção essa que pode ser ilidida, sendo certo que nada foi referido pela Recorrente a este propósito, decorrendo das suas alegações que o seu entendimento é o de que o momento a considerar é o do acesso à Via CTT, ainda que muito tempo depois e por motivo exclusivamente da sua responsabilidade (sendo que, como referido, foi considerado não provado que a gerência da Recorrente só tomou conhecimento da notificação 29.12.2017, por só então ter acedido à sua caixa postal eletrónica).

Não se vislumbra, pois, de que forma o regime em causa atenta contra a presunção de inocência do arguido e contra o seu direito de defesa, na medida em que a notificação é feita por uma via à qual o notificando aderiu e que, como tal, em relação à qual deveria ter o cuidado de aceder, como se acede a uma caixa postal física. (…)

O respeito pelo direito de defesa do arguido está, pois, salvaguardado com um regime que prevê um prazo razoável para efeitos de presunção de notificação (5 dias) e que prevê a possibilidade de tal presunção ser ilidida, não podendo ser a negligência da Recorrente confundível com a preterição de tais direitos.

Em suma: atento o regime em vigor, é de atender, ao nível das contraordenações aplicadas no âmbito do RGIT, ao regime de notificações previsto no CPPT, no qual se inclui a notificação eletrónica, a par das notificações postais. O art.º 39.º do CPPT permite à administração tributária utilizar qualquer das formas de notificação previstas, fazendo equivaler a notificação à remessa por via postal registada ou por via postal registada com aviso de receção. É ainda de sublinhar que tem sido entendimento do Supremo Tribunal Administrativo que as notificações das decisões de aplicação de coima se bastam com carta registada, por não se tratar de situação enquadrável no n.º 1 do art.º 39.º do CPPT.

O regime das notificações eletrónicas contém uma presunção, à semelhança do que sucede com as notificações postais, presunção essa ilidível.

Como tal, não se vislumbra que um regime como o vigente atente contra o art.º 32.º, n.ºs 2 e 10, da CRP, não existindo igualmente nem fundamento legal nem justificação do ponto de vista da segurança jurídica que exija que a notificação de tais decisões seja feita ao abrigo do art.º 39.º, n.º 1, do CPPT.” (destaques e sublinhados nossos).

Face ao supra aludido, e aderindo à aludida fundamentação, conclui-se que é aplicável ao regime contraordenacional o regime consignado nos artigos 38.º e 39.º, com a inerente aplicação da presunção consignada no citado artigo 39.º, nº10, da CRP, inexistindo, como visto, qualquer inconstitucionalidade decorrente da aludida interpretação.

Aqui chegados, importa, então, aferir se o presente recurso é, efetivamente, tempestivo por ilisão da presunção consignada no normativo que vimos analisando.

A Recorrente defende que demonstrou nos autos que, não recebeu qualquer alerta relativo à existência de notificações/documentos naquela caixa postal, de quanto decorre que foi por causa a si não imputável que esta não acedeu à ViaCTT em momento anterior a 25 de novembro de 2014.

Porém, mais uma vez não lhe assiste razão, porquanto a factualidade que aduz tendente a demonstrar que não teve conhecimento da notificação eletrónica em data anterior a 25 de novembro de 2014, não reveste a natureza de facto não imputável, contemplado no aludido normativo.

E isto porque, em conformidade com o que sucede com a caixa postal física, entenda-se correio tradicional, a ViaCTT deverá ser objeto de consulta diária.

É certo que, para o informar de que foi depositada uma notificação/citação na sua caixa postal eletrónica pode ser definido o envio de alertas que serão remetidos pela ViaCTT, no momento de disponibilização do documento, para um endereço de correio eletrónico indicado pelo próprio e/ou para um número de telefone (SMS), cujo serviço é parametrizado no site da ViaCTT.

Mas a verdade é que, o envio de alerta para o endereço de correio eletrónico e/ou para o telefone, via SMS não constitui, nem pode constituir um ato de carácter vinculativo, mas tão-só uma informação facultativa e de apoio ao cumprimento das suas obrigações fiscais apenas com a indicação de que foi depositada uma notificação ou citação na caixa postal eletrónica, recomendando, por conseguinte, a sua consulta.

Logo, os factos alegados não têm, de todo, aptidão para ilidir a presunção de notificação nos termos expostos.

Neste particular, importa chamar à colação o Aresto do STA, proferido no processo nº 0130/17, de 08 de março de 2017, que sobre esta matéria doutrina em sentido consonante com o supra exposto e que se transcreve na parte que para os autos releva:

O envio de alertas de correio não constitui um ato de caráter vinculativo, funcionado antes como informação facultativa e de apoio ao cumprimento, com indicação de que foi depositada uma notificação ou citação na CPE, recomendando, por essa via, a sua consulta.(…)”

(…)

Nestas circunstâncias a falta de consulta das mensagens electrónicas e no caso concreto a referente à(s) citação(ões) não pode ser considerada em favor do sujeito passivo titular da caixa postal para recepção de correio electrónico oriundo da administração fiscal, designadamente para lhe ampliar prazos de reacção judicial. Estas regras têm de ser claras como são e as consequências derivadas da sua não observância não integram a violação de qualquer direito constitucional designadamente de acesso ou tutela judicial ou o princípio da participação dos administrados no processo tributário, que na situação concreta pressupunha a consulta regular da caixa de correio electrónico.

Acresce referir, (…) que o ponto 2.9 das Condições Gerais de Prestação do Serviço ViaCTT, disponíveis em https ://www.viactt.pt/website/termos condições.html, expressamente refere que “O TITULAR é responsável pela atempada leitura de uma qualquer mensagem e/ou documento na sua caixa postal electrónica, por forma a praticar em tempo devido qualquer ato resultante de uma obrigação para com o remetente da mensagem e/ou documento”.

Por tudo o que ficou dito e na vigência/observância de normativos legais a que fizemos referência e que se sobrepõem a eventuais rotinas ou costumes relativos ao aviso de entrada de mensagens electrónicas na caixa de correio electrónico da recorrente, de resto não demonstrados, (como também não o é a existência do protocolo referido na conclusão E) recurso, aliás, a título hipotético) não pode proceder.

A concluir, expressamos concordância com a sentença recorrida quando refere que cabe aos CTT, assegurar o funcionamento do serviço ViaCTT nos termos acordados com os seus clientes, não podendo, assacar-se à AT qualquer responsabilidade pelo não envio do alerta a que vimos fazendo referência, sendo que essa omissão, em nada releva para efeitos de perfeição da citação efectuada.” (destaques e sublinhados nossos).

Assim, face a todo o exposto, regressando ao caso dos autos, dimanando do probatório que a Recorrida foi notificada da decisão administrativa de aplicação da coima por meio de depósito, na sua caixa postal eletrónica, de ofício datado de 28 de agosto de 2014 (facto provado B), só vindo, efetivamente, a aceder à sua caixa postal eletrónica a 25 de novembro de 2014 (facto provado E), ou seja, quase três meses depois, dimana inequívoco que, a 9 de dezembro de 2014, quando interpôs o competente recurso judicial há muito que tinha decorrido o prazo consignado no artigo 80.º do RGIT.

Pelo que, nenhuma censura merece a decisão recorrida que julgou o recurso intempestivo, absolvendo a Ré do pedido, com a consequente manutenção da decisão na ordem jurídica.


***

IV. DECISÃO

Nestes termos, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em:

a) Declarar a nulidade parcial do despacho decisório recorrido, por omissão de pronúncia, quanto à questão da aplicação no direito sancionatório do regime das notificações eletrónicas e a sua conformação com a CRP;

b) Conhecendo, em substituição, da questão omitida, julgar a mesma improcedente;

c) No mais, negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UC;

Registe e notifique.


Lisboa, 22 de outubro de 2020

[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Susana Barreto e Vital Lopes]

Patrícia Manuel Pires

_____________________
[1] Código de Processo Civil anotado, Volume V, Coimbra Editora, 1981 (reimpressão), pág. 143
[2] Vide, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/2019 Processo n.º 13/17.3T8PTB.G1 -A.S1, Recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, datado de 23.05.2019.
[3] Cfr. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1983, págs. 182, 188 e 189.
[4] In cit. Acórdão do STA, proferido no processo nº 0706/11, de 31.01.2012