Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06492/13
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:11/27/2014
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:CUSTAS; REFORMA DO ACÓRDÃO; DISPENSA DO PAGAMENTO DO REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA
Sumário:i) Nos termos do artigo 616.º, n.º 1, do CPC qualquer das partes pode pedir ao tribunal que proferiu a decisão a sua reforma quanto a custas e multa, competindo este pedido, designadamente, naqueles casos em que a distribuição da responsabilidade se não ache estabelecida de acordo com os critérios fixados na lei. Porém, como decorre do n.º 3 daquele preceito, cabendo recurso da decisão que condene em custas ou multa, o requerimento previsto no n.º 1 deverá ser feito na alegação.

ii) Em conformidade com o disposto no art. 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais, pode a parte requerer que nas causas de valor superior a EUR 275.000,00, o remanescente da taxa de justiça seja considerado na conta final.

iii) Se a especificidade da situação o justificar o juiz pode, de forma fundada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar aquele pagamento.

iv) Deve existir, ainda que não em termos absolutos, correspectividade entre os serviços prestados e a taxa de justiça cobrada aos cidadãos que recorrem aos tribunais, de acordo com o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 2.º da Constituição, pelo que para o apuramento do montante da taxa de justiça devida a final (nas acções de valor superior a EUR 275.000,00) não pode ser tido em consideração exclusivamente o valor atribuído à acção.

v) E os valores da taxa de justiça não podem ser de tal forma elevados que possam pôr em causa o acesso ao direito constitucionalmente consagrado no artigo 20.º da Constituição.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Do objecto da reforma

A Fazenda Pública, Recorrente nos autos e ora Requerente, não concordando com o Acórdão proferido por este TCAS nos autos que negou provimento ao recurso por si interposto da decisão do TT de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade Parque …….. – Investimentos ……., S.A. (Recorrida nos autos), contra a liquidação adicional de IRC e juros compensatórios do ano de 2005, no montante de EUR 12.551.769,05, e condenou a ora Requerente em custas, do mesmo veio deduzir o presente incidente peticionando:

i. A reforma do Acórdão nestes autos proferido, com fundamento, no disposto no art. 536.º, n.º 1, do CPC;

ii. A dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida, ao abrigo do disposto no art. 6.º, n.º 7, in fine, do RCP.

Para fundamentar o seu pedido a Requerente invoca o seguinte:

1. No seu entendimento, no momento da interposição do recurso a demanda era fundada deixando, no entanto, de o ser por circunstância superveniente não imputável à Fazenda;

2. Pelo que deverá alterar-se a condenação em custas efectuada, com a repartição da responsabilidade das custas por ambas as partes e em partes iguais, de acordo com o disposto no art. 536.º, n.º 1, do CPC.

Por outro lado,

3. A ora Requerente adoptou no presente processo um comportamento processual irrepreensível de colaboração com os Tribunais, não promovendo quaisquer expedientes de natureza dilatória ou praticando actos inúteis, guiando-se pelos princípios da cooperação e da boa fé;

4. Apenas apresentou as peças processuais consideradas essenciais para a descoberta da verdade material da causa, a contestação e o recurso, sem usar qualquer articulado ou alegação prolixas,

5. A fixação de custas no valor de EUR 227.817,00 em ambas as instâncias ou em valor semelhante viola, em absoluto, o princípio do acesso ao direito e aos tribunais e da proporcionalidade entre os serviços prestados e a taxa de justiça cobrada;

6. Deverá ser julgada inconstitucional qualquer interpretação dos n.ºs 1 e 2 do art. 6.º do RCP que leve à aplicação de do cálculo das custas judiciais sem tomar em atenção o limite máximo estipulado no mesmo RCP (EUR 275.000,00), por violação do art. 20.º da RCP, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos art.s 2.º e 18.º, n.º 2, segunda parte da mesma lei fundamental;

7. Pelo que se deverá ordenar a reforma quanto a custas, tendo em conta o máximo de EUR 275.000,00 fixado na tabela I do RCP, desconsiderando-se o remanescente aí previsto.


Notificada a Recorrida, não contra-alegou no incidente.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto, tendo tido vista do processo, emitiu parecer concluindo que a petição poderia merecer provimento quanto à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça.


Foram dispensados os vistos, dada a simplicidade da questão.


II. Fundamentação

II.1. De facto

Para a decisão do presente incidente, na sequência da consulta do processado, importa fixar as seguintes ocorrências processuais:

1. A presente impugnação judicial intentada em 24.02.2010, constitui um processado com 340 folhas até à sentença, com 3 volumes e 1 processo administrativo apenso (este com 222 folhas).

2. A petição inicial tem 76 artigos.

3. A contestação da Fazenda tem 75 artigos e não foram suscitadas excepções.

4. Foi efectuada audiência de julgamento, sessão única (duração de 2h:40m), com inquirição de 5 testemunhas (cfr. acta a fls. 169-172)

5. A ora Requerente comunicou ao TT de Lisboa que o TCAS havia declarado a nulidade da permuta celebrada com a Impugnante (cfr. fls. 289).

6. Em 31.10.2012 foi proferida sentença com 15 páginas, na qual, conhecendo de mérito, se apreciou os vícios alegados na p.i.: “erro sobre os pressupostos de facto e de direito na correcção efectuada à permuta dos imóveis”; “ilegalidade da liquidação de juros compensatórios, por violação do disposto no art. 35.º da LGT” (cfr. fls. 341 e s.).

7. Foi fixado o valor à acção de EUR 12.548.845,00.

8. O recurso interposto pela ora Requerente tem 36 artigos e 14 conclusões (cfr. fls. 382 e s.).

9. Por acórdão deste TCAS de 12.12.2013 foi suspensa a presente instância, “até que ocorra a decisão, com trânsito em julgado, da revista pendente no STA, relativa ao Ac. TCAS, de 29.03.2012, rec. n.º 07476/11” (cfr. fls. 427 e s.).

10. Pelo referido acórdão deste TCAS de 29.03.2012 havia sido, entre o mais, concedido “provimento ao recurso subordinado interposto da decisão de anulação do contrato de permuta celebrado em 5.07.2005, revogando, nessa parte o acórdão recorrido e declarando a nulidade de tal contrato”.

11. Por decisão do STA de 9.06.2014, transitada em julgado, foi homologado o acordo celebrado entre as partes no âmbito do processo 1862/05.0BELSB, que se encontrava em fase de recurso no STA (recurso n.º 1355/12) e extinta a instância (cfr. fls. 450-452), o que foi comunicado pela Recorrida nos autos (cfr. fls. 449 e s.).

12. Pelo acórdão deste TCAS de 18.09.2014 foi negado provimento ao recurso interposto pela ora Requerente e confirmada a sentença recorrida.



II.2. De direito

II.2.1. Da condenação em custas

Comecemos por apreciar o pedido de reforma do acórdão quanto à condenação em custas. Alega neste ponto a Requerente que de acordo com o disposto no art. 536.º, n.º 1, do CPC a distribuição da responsabilidade quanto a custas deveria efectuar-se por ambas as partes e em partes iguais.

Vejamos.

Dispõe o art. 616.º do CPC (como já antes dispunha o art. 669.º no que respeita à reforma), sob a epígrafe “Reforma da sentença” o seguinte:

1- A parte pode requerer, no tribunal que proferiu a sentença, a sua reforma quanto a custas e multa, sem prejuízo do disposto no n.º 3.

2- Não cabendo recurso da decisão, é ainda lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz:

a) Tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos;

b) Constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida.

3- Cabendo recurso da decisão que condene em custas ou multa, o requerimento previsto no n.º 1 é feito na alegação.

Ou seja, segundo este artigo 616.º, do CPC qualquer das partes pode pedir ao tribunal que proferiu a decisão, a sua reforma quanto a custas (e multa), competindo este pedido, designadamente, naqueles casos em que a distribuição da responsabilidade se não ache estabelecida de acordo com os critérios fixados na lei. Porém, como decorre do n.º 3 daquele preceito, cabendo recurso da decisão que condene em custas (ou multa), o requerimento previsto no n.º 1 deverá ser feito na alegação.

Para além de que a reforma de acórdão somente pode ter lugar quando se verifique um lapso notório do tribunal na determinação da norma aplicável ao caso sob apreciação ou na qualificação jurídica dos factos, não sendo autorizado, através deste incidente processual, alterar as posições jurídicas assumidas no acórdão com base nos elementos existentes no processo, isto é, não poderão corrigir-se eventuais erros de julgamento que não derivem de lapso notório derivado de violação de lei expressa.

Continuando, conforme se retira do exame do requerimento de fls. 569 e s., consiste o mesmo em requerimento autónomo, que não em recurso interposto do acórdão proferido nos autos.

Ora, o acórdão exarado a fls. 548 e s. é passível de recurso ordinário, portanto recurso que deve ser interposto antes do trânsito em julgado da decisão, como seja o recurso por oposição de acórdãos previsto no art. 284.º do CPPT e o recurso de revista consagrado no art.150.º do CPTA (cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 6.ª ed., IV Vol., 2011, p. 485 e seg.; v. ainda o recentíssimo ac. deste TCAS de 13.11.2014, proc. n.º 6995/13).

O recurso do acórdão (e da sentença) está, como é óbvio, sujeito a prazos processuais, findos os quais a decisão proferida se torna imodificável, transitando em julgado. É que uma vez prolatado o acórdão (ou proferida a sentença), imediatamente se esgota o poder jurisdicional do tribunal relativamente à matéria sobre que versa (art.s 613.º, n.º 1, e 666.º do CPC), excepcionando-se a possibilidade de reclamação com o objectivo da rectificação de erros materiais, suprimento de alguma nulidade processual, ou a sua reforma quanto a custas ou multa (art.s. 613.º, n.º 2, e 616.º, n.º 1, e 666.º do CPC).

Assim, a reforma do acórdão, motivada na alegada errada aplicação do regime jurídico atinente à responsabilidade pelas custas previsto no art. 536.º, n.º 1, do CPC, devia ter sido fundamento de eventual recurso ordinário a interpor pela ora Requerente, sob pena de a decisão transitar em julgado e o vício em causa se considerar sanado – o que terá, inclusive, já ocorrido atendendo ao lapso de tempo transcorrido, não existindo notícia nos autos de interposição de recurso que haja sido efectuada. De resto, tal era o regime que se encontrava anteriormente sancionado no art. 669.º, n.º 2, do CPC (cfr. ac.s do STA de 19.03.2013, proc. n.º 1214/09, e de 10.07.2013, proc. n.º 205/12; na doutrina: Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. Ed., 2009, p. 65 e s., Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. Ed., 2009, p. 41 e s., J. Cardona Ferreira, Guia de Recursos em Processo Civil, 5.ª ed., 2010, p. 75 e s.).

Concluindo nesta parte, face ao exposto terá o presente pedido de reforma de acórdão quanto à condenação em custas que ser indeferido.


II.2.2. Do pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Vem a Requerente peticionar, também, a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Vejamos então deste pedido, ao que nada obsta por se entender que o mesmo é susceptível de ser deduzido autonomamente, como efectivamente o foi por via do identificado requerimento.

De acordo com o disposto no art. 6.º, n.º 7, do RCP (redacção dada pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro), “nas causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.

Ou seja, sempre que a acção ou o recurso exceda o valor de EUR 275.000,00, as partes apenas terão de efectuar o pagamento da taxa correspondente a esse valor, sendo o remanescente contabilizado a final, nos termos do nº 7, a não ser que o juiz dispense esse pagamento mediante a prévia ponderação da especificidade da situação, da complexidade da causa e da conduta das partes o justificarem.

Está conexionado com o que se prescreve na tabela I, ou seja, que para além de 275.000 euros ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada 25.000 euros ou fracção três unidades de conta, no caso da coluna A, uma e meia unidade de conta no caso da coluna B, e quatro e meia unidade de conta no caso da coluna C.

É esse o remanescente, ou seja, o valor da taxa de justiça correspondente à diferença entre 275.000 euros e o efectivo e superior valor da causa para efeito de determinação daquela taxa que deve ser considerado na conta final, se não for determinada a dispensa do seu pagamento.

A referida decisão judicial de dispensa, excepcional, depende segundo o estabelecido neste normativo da especificidade da situação, designadamente da complexidade da causa e da conduta processual das partes.

A referência à complexidade da causa e à conduta processual das partes significa em concreto a sua menor complexidade ou simplicidade e a positiva atitude de cooperação das partes.

Importa pois apreciar se, para além do requisito relativo ao valor da causa que efectivamente se verifica uma vez que esta tem o valor tributário de EUR 12.548.845,29, existem razões objectivas para a dispensa do pagamento, designadamente atendendo à complexidade da causa e à conduta processual das partes.

Relativamente à conduta processual das partes, adianta-se já que não existe qualquer aspecto negativo a apontar: compulsados os autos, tal como resulta do por nós evidenciado supra, considera-se ter sido esta uma conduta normal de litigantes sem que se encontra qualquer conduta censurável. As partes não suscitaram questões desnecessárias e não fizeram uso de expedientes dilatórios.

Já quanto à falta de complexidade do caso, importa pois, à míngua de critérios constantes no RCP, objectivar o grau de complexidade dos autos recorrendo, desde logo, aos critérios indiciários constantes do actual artigo 530.º do CPC (anteriormente o art. 447.º-A) que dispõe que se consideram de especial complexidade as acções e os procedimentos cautelares que:

a) Contenham articulados ou alegações prolixas;

b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou

c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.

De igual modo, haverá que concatenar estes critérios com uma adequada filosofia de justiça distributiva no âmbito da responsabilização/pagamento das custas processuais, conjuntamente com o princípio da proporcionalidade, concretamente na sua vertente de proibição do excesso, bem como com o direito de acesso aos tribunais.

Como se referiu no Acórdão da Relação de Lisboa de 20.05.2010, proc. n.º 491/05:

Porém, ainda que não em termos absolutos, deve existir correspectividade entre os serviços prestados e a taxa de justiça cobrada aos cidadãos que recorrem aos tribunais designadamente da taxa de justiça, de acordo com o princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 2º CRP, e do direito de acesso à justiça acolhido no artigo 20º CRP.

Ao estabelecer o custo do serviço público de justiça, o legislador ordinário tem de equacionar diversos factores.

Desde logo há que ter presente que está em causa um serviço público essencial vocacionado para a concretização do direito de acesso aos tribunais com assento no artigo 20º da CRP. E o custo da justiça não pode ser tão elevado que não seja acessível ao comum das pessoas, ao cidadão médio, pelo que o legislador não pode adoptar soluções de tal modo onerosas que impeçam o cidadão médio de aceder à justiça.

De igual modo, apontando para uma regra de proporcionalidade, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 471/2007, de 25.09.2007, processo nº 317/07:

“(…) o facto do valor da taxa de justiça acompanhar automática e ilimitadamente o aumento do valor da causa, permitia que se atingissem taxas de justiça de elevadíssimo montante, flagrantemente desproporcionadas relativamente ao custo do serviço prestado, não podendo as mesmas, em regra, ser aferidas com o benefício obtido, uma vez que no nosso sistema processual, em matéria de responsabilidade pelo pagamento de custas, vigora o princípio da causalidade, segundo o qual quem paga as custas é quem não obtém vencimento na causa, dela não retirando qualquer benefício”.

Como ensinam Jorge Miranda e Rui Medeiros (in Constituição Portuguesa anotada, ed. 2005, tomo I, p. 183):

A lei não pode (…) adoptar soluções de tal modo onerosas que na prática, impeçam o cidadão médio de aceder à justiça. Ou seja, salvaguardada a protecção jurídica para os mais carenciados, as custas não devem ser incomportáveis em face da capacidade contributiva do cidadão médio, não sendo constitucionalmente admissível a adopção de soluções em matéria de custas que, designadamente nos casos de maior incerteza sobre o resultado do processo, inibam os interessados de aceder à justiça (…).

Concretamente, se é certo que nada impede que o montante das custas seja variável, a verdade é que o estabelecimento de um sistema de custas cujo montante aumente directamente e sem limite na proporção do valor da acção coloca pelo menos, dois tipos de problemas.

Por um lado, não está excluído que, rompida a proporcionalidade entre as custas cobradas e o serviço de administração da justiça prestado, se deixe de estar perante verdadeiras taxas e se entre, pelo contrário, no domínio dos impostos.

Por outro lado, no plano estritamente material, a solução em causa pode, na prática, consubstanciar-se na imposição de um sistema de custas excessivas inaceitável em face do artº 20.º.”.

Ou seja, tal como se refere afinal no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, que aprovou o Regulamento das Custas Processuais:

O valor da acção não é um elemento decisivo na ponderação da complexidade do processo e na geração de custos para o sistema judicial. Pelo que, procurando um aperfeiçoamento da correspectividade da taxa de justiça, estabelece-se agora um sistema misto que assenta no valor da acção, até um certo limite máximo, e na possibilidade de correcção da taxa de justiça quando se trate de processos especialmente complexos, independentemente do valor económico atribuído à causa” [sublinhados nossos].

Em síntese, parece não haver assim qualquer dúvida de que para o apuramento do montante da taxa de justiça devida a final (nas acções de valor superior a 275.000 euros) não pode ser tido em consideração apenas o valor atribuído à acção, pois, caso contrário, poderá chegar-se ao apuramento de montantes exorbitantes, por vezes incompatíveis com o trabalho desenvolvido pelo tribunal e incomportáveis para quem não tenha acesso ao apoio judiciário (cfr., neste sentido, o ac. do TRL de 3.12.2013, citado; também o acórdão deste TCAS de 29.05.2014, proc. n.º 7270/13, por nós relatado).

Ora, compulsados os autos e tendo presentes os critérios indiciários apontados, verifica-se que a especialidade da causa não é de molde a afastar o limiar do valor de EUR 275.00,00, dado que a complexidade ou especificidade não justificam a imposição de encargos dissuasores do acesso à justiça. E embora tenham sido inquiridas testemunhas (em número de 5), a audiência de julgamento durou apenas 2 horas e 40 minutos (única sessão), o que demonstra não só uma tramitação simples da causa, como a ausência de diligências de produção de prova morosas e/ou sequer complexas.

O mesmo se diga do comportamento processual das partes, em particular da ora Requerente, o qual se pautou pelo cumprimento do dever de boa fé processual.

Por outras palavras, atendendo à lisura do comportamento processual das partes e considerando a relativa complexidade do processo, o qual findou por via da declaração judicial de nulidade do contrato de permuta em questão e (mera) aplicação do regime jurídico contido no art. 289.º, n.º 1, do C. Civil, afigura-se ser de deferir o pedido quanto à dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça na conta final.

Por fim, considerando o trabalho realizado neste processo, afigura-se que o montante das custas já pagas e que o Estado irá arrecadar é proporcional ao serviço prestado sendo que o valor a pagar de remanescente ultrapassará, e em muito há que afirmá-lo, aquilo que é razoável e aceitável.

Para além de que, como se disse supra, não existe qualquer aspecto negativo a apontar relativamente à conduta processual das partes, concretamente da ora Requerente.

Assim, não perdendo de vista que deve existir correspectividade entre os serviços prestados e a taxa de justiça cobrada aos cidadãos que recorrem aos tribunais, de acordo com o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 2.º CRP e atendendo ainda ao direito de acesso à justiça acolhido no artigo 20.º igualmente da CRP, tudo visto e ponderado, na sequência do exposto, deverá deferir-se o requerido neste ponto, devendo a conta de custas a elaborar desconsiderar o remanescente da taxa de justiça.



III. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

- Indeferir o pedido de reforma do acórdão quanto à condenação em custas;

- Deferir o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça devida, nos termos do artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento de Custas Processuais.

Custas pelo incidente do pedido de reforma quanto a custas, a cargo da Fazenda, com taxa de justiça que se fixa no mínimo legal.

Lisboa, 27 de Novembro de 2014

Pedro Marchão Marques
Jorge Cortês
Pereira Gameiro