Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:888/17.6BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:06/09/2021
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores:REVISÃO DO ATO TRIBUTÁRIO
TEMPESTIVIDADE
Sumário:Ocorre nulidade da sentença por omissão de pronúncia quando o juiz não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento, nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - Relatório

O Ministério Público e a Autoridade Tributária e Aduaneira, não se conformando com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que julgou procedente a ação deduzida pelo B..., SA – Em liquidação contra o ato de indeferimento dos quatro pedidos de revisão oficiosa por si efetuados referentes à liquidação da Verba 28.1 da Tabela Geral de Imposto de Selo no valor global de € 77.985,72, dela vieram recorrer para este Tribunal Central Administrativo Sul.

Nas alegações de recurso apresentadas, o Recorrente Ministério Púbico formula as seguintes conclusões:

1. A presente ação administrativa foi instaurada pelo “B..., S.A - EM LIQUIDAÇÃO" antes de mais ao abrigo do disposto na alínea p) do n° 1 e do n° 2 do artigo 97.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário e contra “os actos de indeferimento dos processos de revisão oficiosa n.°s. 21602017020…, 21432017020…, 220820170200… e 21942017 02000…, praticados por órgão pertencente à Autoridade Tributária e Aduaneira", como consta do introito da respetiva petição inicial.

2. Dispõem a aludida alínea p) do n.° 1 e o n.° 2 do artigo 97.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, com a epígrafe "Processo judicial tributário" e reportando-se ao recurso contencioso que corresponde atualmente, devido ao consignado no artigo 191.° do CPTA, à ação administrativa:
"1 - O processo judicial tributário compreende:
p) O recurso contencioso do indeferimento total ou parcial ou da revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, quando dependentes de reconhecimento da administração tributária, bem como de outros atos administrativos relativos a questões tributárias que não comportem apreciação da legalidade do ato de liquidação;
(…)
2 - O recurso contencioso dos atos administrativos em matéria tributária, que não comportem a apreciação da legalidade do ato de liquidação, da autoria da administração tributária, compreendendo o governo central, os governos regionais e os seus membros, mesmo quando praticados por delegação, é regulado pelas normas sobre processo nos tribunais administrativos" (destaques e sublinhados nossos).

3. Por sua vez, no final do referido articulado que deu origem à atual ação, surge como primeiro pedido o seguinte:
a) Serem anuladas as decisões de indeferimento proferidas no âmbito dos processos de revisão oficiosa n.os 21602017020…, 2143201702…, 220820170200… e 21942017020…;

4. Ora, se percorrermos as decisões de indeferimento dos processos de revisão oficiosa contra as quais foi interposta a presente ação, constatamos que as mesmas não contêm a apreciação da legalidade de qualquer ato de liquidação, da qual não chegaram a conhecer por nelas se ter concluído pela verificação do obstáculo da intempestividade a tal apreciação - cfr. o doc. 3 junto à petição inicial, de fls. 39 a 53 dos autos (suporte físico).

5. Dúvidas não subsistem, portanto, de que estamos perante atos administrativos "relativos a questões tributárias que não comportem apreciação da legalidade do ato de liquidação" - cfr. os supra citados n.° 1, alínea p) e n.° 2 do artigo 97.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

6. Por essa razão - e corretamente na nossa perspetiva - foi intentada ação administrativa contra tais atos e não ação de impugnação judicial.

7. Este tem sido também o entendimento das recentes doutrina e jurisprudência dos tribunais superiores, preconizado nomeadamente por Jorge Lopes de Sousa, no Acórdão do TCA Norte proferido no Processo n.° 00207/15.6BEMDL e datado de 25/01/2018 e no Acórdão do TCA Sul proferido no Processo n.° 01919/10.6 BESNT e datado de 21/06/2018.

8. Sucede que, em desconsideração pelo primeiro dos pedidos feitos em sede de petição inicial e ao arrepio das citadas lei, doutrina e jurisprudência, na sentença sob recurso foram ignoradas as decisões de indeferimento dos processos de revisão oficiosa n.°s. 216020170200…, 214320170…, 2208201702… e 219420170200… contra as quais a presente ação administrativa foi instaurada, não tendo havido qualquer apreciação dos respetivos conteúdos. Ou seja, da aludida questão da intempestividade, única sobre a qual tais decisões versam.

9. Na verdade, não obstante no relatório inicial da sentença a Mm.ª Juíza a quo referir ser a presente “Acção Administrativa” intentada “contra o acto de indeferimento dos quatro pedidos de revisão oficiosa por si efectuados”, em trecho nenhum aborda o específico teor deste ato e no excerto atinente aos "FACTOS NÃO PROVADOS” chega mesmo a reportar- se à presente ação como “impugnação”. Prosseguindo efetivamente na subsequente parte da sentença, denominada “QUESTÕES JURÍDICAS A SOLUCIONAR” como se de uma ação de impugnação judicial se tratasse, mencionando ter, nos presentes autos, “que aferir legalidade do acto de liquidação de Imposto de Selo, verba 28”.

10. Sendo efetivamente essa aferição da legalidade o que é efetuado de seguida na sentença sub judice, sendo citado em “C) DO DIREITO”, o Acórdão do STA de 19/04/2017, proferido no Processo n.° 01343/15. Acórdão esse que versa sobre uma ação de impugnação judicial, diversamente do que sucede no caso concreto em que estamos no âmbito de uma ação administrativa.

11. Deveria, portanto, a Mm.ª Juíza a quo ter-se pronunciado sobre as decisões de indeferimento dos processos de revisão oficiosa n.°s. 216020170200…, 214320170200…, 2208201702… e 21942017020…, apreciando o específico teor das mesmas e assim abordando a questão da intempestividade aí em causa.

12. Ao omitir tal pronúncia, incorreu a sentença lavrada na nulidade prevista no artigo 615.°, n.° 1, alínea d) do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 2.°, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, desrespeitando ainda a norma contida no artigo 95.°, n.° 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

13. Não se revelando a legalmente imposta pronúncia sobre as decisões de indeferimento dos processos de revisão oficiosa como uma questão prejudicada pela solução dada a outras, designadamente pela solução dada à tratada questão da legalidade dos atos de liquidação. Pelo contrário.

14. Na verdade, ainda que se entendesse que cumpriria no âmbito da presente ação apreciar a legalidade dos atos de liquidação de tributos, o raciocínio a efetuar deveria ser o inverso, ou seja, impor-se-ia a apreciação prévia da questão da tempestividade da revisão oficiosa apresentada, uma vez que a solução dada a esta questão, esta sim, seria suscetível de prejudicar a apreciação daquela outra. Isto porque caso o entendimento fosse no sentido de que os pedidos de revisão oficiosa foram apresentados intempestivamente, em sintonia com o decidido pela Autoridade Tributária, não teria já lugar a apreciação dos pedidos de anulação dos atos de liquidação de tributo devido a ilegalidade e de restituição dos valores das liquidações por resultarem prejudicados.

15. Aliás, a nosso ver, mesmo concluindo-se terem os pedidos de revisão oficiosa sido apresentados tempestivamente, cumpriria determinar que a apreciação da legalidade do tributo fosse efetuada pela Autoridade Tributária em sede de procedimento de revisão oficiosa de tributo. Procedimento esse que é da competência exclusiva da Autoridade Tributária nos expressos termos do artigo 10.°, n.° 1, alínea b) do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

16. Só após uma decisão relativa à legalidade da liquidação do tributo por parte da Autoridade Tributária, passaria quanto a nós o Tribunal a deter poderes para sindicar de tal legalidade e no âmbito da apropriada ação de impugnação judicial.

17. Ora, impondo-se legalmente a nosso ver a apreciação do específico teor das decisões de indeferimento dos processos de revisão oficiosa n.°s. 216020170..., 214320170200…, 220820170200… e 2194201702…, a matéria de facto que foi fixada na sentença sob recurso revela-se quanto a nós insuficiente.

18. Na verdade, importaria estar fixado a tal título o concreto conteúdo de tais decisões, nomeadamente a respetiva fundamentação que conduziu à conclusão pela intempestividade dos pedidos de revisão oficiosa apresentados.

19. Bem como deveria constar a orientação genérica emanada da Autoridade Tributária a que corresponde a Instrução de Serviço n.° 40047, Série I, de 16/02/2017, da Direção de Serviços do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis.

20. Isto porque, na presente ação administrativa, pretende a Autora ter pedido a revisão dos atos tributários no prazo de reclamação administrativa que, no caso, se iniciou em 16/02/2017, aquando da divulgação da aludida Instrução de Serviço n.° 40047 que, para ela, equivale ao "documento superveniente" para efeitos do consignado no n.°. 70.°, n.° 4 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, tendo nessa perspetiva os pedidos de revisão que apresentou em 27/04/2017 dado entrada dentro dos 120 dias a que alude o reproduzido n.° 1 do mesmo preceito.

21. Pelo que é de concluir pela insuficiente fixação da matéria de facto para decidir em relação à focada argumentação da Autora, ponderando em simultâneo a posição adotada pela Autoridade Tributária nas mencionadas decisões de indeferimento.

22. Como já salientado, ao aferir no âmbito de ação administrativa da legalidade das liquidações e, face a tal aferição, ao determinar a restituição dos valores das mesmas, não tendo considerado a ocorrência de erro na forma de processo quanto aos correspondentes pedidos, a Mm.- Juíza a quo tratou aqui de matéria legalmente excluída da ação administrativa e destinada por lei à apreciação em sede de impugnação judicial. Deste modo contrariando o estabelecido seja no citado artigo 97.°, n.° 1, alínea p) e n.° 2 do Código de Procedimento e Processo Tributário seja na alínea a) do n.° 1 do mesmo preceito.

23. Assim, caso no âmbito da presente ação administrativa tivesse sido apreciada a questão da tempestividade dos pedidos de revisão oficiosa em apreço e decidida a correspondente procedência, seria subsequentemente de concluir pela ocorrência de erro parcial na forma de processo em relação aos pedidos de anulação dos atos tributários de liquidação e de condenação da Autoridade Tributária à restituição dos valores das liquidações formulados na petição inicial.

24. Este é o entendimento que emana do Acórdão do TCA Norte proferido no Processo n.° 00207/15.6BEMDL e datado de 25/01/2018.

25. Perante tal constatação e no seguimento das mais avisadas doutrina e jurisprudência, sempre seria de ter sem efeito os pedidos de anulação dos atos tributários de liquidação e de condenação da Autoridade Tributária à restituição dos valores das liquidações em apreço, tendo-se como parcialmente nulo o processo no que aos mesmos concerne.

26. A decisão sob recurso padece, pois, de nulidade por falta de pronúncia sobre questão que deveria ter sido apreciada, nos termos do disposto no artigo 615.°, n.° 1, alínea d) do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 2.°, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário. Tal determinou violação do disposto nos artigos 95.°, n.° 1 do CPTA e 97.°, n.° 1, alínea p) e n.° 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário. Assim como acarretou insuficiente fixação da matéria de facto.

27. Por outro lado, a efetuada aferição da legalidade das liquidações do tributo e a subsequente determinação de restituição dos valores pagos a esse título - em detrimento da legalmente correta decisão pela verificação de erro na forma de processo quanto aos correspondentes pedidos - implicaram ainda a violação do consignado na alínea a) do n.° 1 do mesmo artigo 97.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, com desconsideração pelo consignado no artigo 97.°, n.° 2 da Lei Geral Tributária.

Nestes termos e nos demais de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deverá o presente recurso jurisdicional ser julgado totalmente procedente, com todas as devidas e legais consequências.


A também Recorrente, Autoridade Tributária e Aduaneira, devidamente notificada para o efeito, apresentou as suas alegações, tendo formulado as conclusões seguintes:

A. Nos termos do artigo 615°, n.° 1, d), do CPC, aplicável ex vi art. 1° do CPTA, a Recorrente vem arguir, desde logo, a nulidade da referida Sentença, por dois motivos:

B. Excesso de Pronúncia - porque o Tribunal a quo conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento, concretamente apreciou a legalidade das liquidações de imposto de selo, subjacentes aos quatro pedidos de revisão oficiosa.

C. Omissão de Pronúncia - porque o Tribunal a quo não se pronunciou sobre a questão que deveria ter apreciado, concretamente não apreciou a validade dos quatro atos administrativos que consubstanciaram os despachos de indeferimento, por intempestividade, dos pedidos de revisão oficiosa apresentados.

D. Ora, a Recorrente não conforma com a Sentença, especificamente com a questão jurídica a solucionar, identificada erradamente pelo tribunal, respetiva fundamentação de direito, conclusões e decisão, pelos motivos que se passarão a enunciar.

E. Considera a Recorrente que a Sentença enferma de nulidade, por excesso de pronúncia, porquanto foi apreciada (e apenas) a legalidade das liquidações de IS, aqui residindo a grande causa de nulidade da Sentença.

F. Com efeito, a fls. 24 da Sentença, na secção “Questões Jurídicas a Solucionar” considerou-se: “Nos presentes autos teremos que aferir legalidade do acto de liquidação de Imposto de Selo, verba 28.”

G. Ora, estamos perante uma ação administrativa, e não perante uma impugnação.

H. Pelo que é basilar a constatação de que a questão jurídica a conhecer nos presentes autos não é, nem pode ser, por não ser sequer o meio processual próprio para o efeito, nos termos dos art°s 97°, n° 1, al. d) e p) e n° 2 do CPPT, a questão da legalidade dos atos de liquidação de IS.

I. Como é consabido, a utilização do processo de impugnação judicial ou ação administrativa especial, depende do conteúdo do ato impugnado: se comporta ou não a apreciação da legalidade de um ato de liquidação.

J. E, “O meio processual próprio para reagir contra despacho de indeferimento de pedido de revisão oficiosa com fundamento em extemporaneidade do pedido é a ação administrativa especial, uma vez que não comporta a apreciação da legalidade do acto de liquidação.” (cfr. sumário do Acórdão do TCA Norte, P.° 01886/09.9BEPRT, de 12/05/2016).

K. Ainda, a jurista designada não tem competência para representar a AT numa ação de impugnação, pois tal competência está atribuída por lei à Representação da Fazenda Pública.

L. A única questão identificada, e que veio a ser solucionada e decidida, não é nem pode ser objeto dos autos, pelo que toda a fundamentação de direito incorre em excesso de pronúncia, pois se limita a apreciar a legalidade daqueles atos de liquidação quando não o poderia ter feito, por não serem os presentes autos de ação administrativa, o meio processual próprio para tal.

M. Assim sendo, considera a Recorrente que a Sentença é nula, o que se invoca

N. Entende a Recorrente que a Sentença incorre, simultaneamente, em omissão de pronúncia, pois não ponderou, nem decidiu em conformidade com o pedido e causa de pedir formulada, nem apreciou e resolveu todas as questões submetidas à sua apreciação.

O. Tendo a ação sido interposta contra os atos de indeferimento dos pedidos de revisão oficiosa, cuja anulação é o objeto imediato dos presentes autos, todavia, nada consta, na sentença, sobre a validade ou invalidade dos mesmos.

P. São estes os atos impugnados, cujo indeferimento por intempestividade (e os respetivos fundamentos) constituem a causa de pedir da presente ação, cf. artigo 15.° da PI., e cuja anulação é o pedido constante da al. a) do pedido final da PI (cf. PI, in fine).

Q. “São estes os despachos sob impugnação na presente ação, de acordo com os quais os pedidos de revisão oficiosa apresentados ao abrigo do art. 78° da Lei Geral Tributária (LGT) foram liminarmente rejeitados por intempestivos, dado que foram apresentados em 27.04.2017, mais de quatro anos decorridos desde a data das liquidações (21.03.2013).” (cf. artigo 3.° da contestação).

R. A questão identificada pela Recorrente é a questão central (e única) a decidir nos autos, a qual nem foi abordada pelo douto Tribunal a quo, donde a omissão de pronúncia é por demais evidente.

S. Face ao exposto, considera a Recorrente que a Sentença é nula, o que se invoca.

T. A questão a solucionar era a da tempestividade dos pedidos de revisão oficiosa, uma vez que a legalidade das liquidações subjacentes não foi sequer apreciada pela AT, estando tal apreciação (sempre) dependente da tempestividade dos pedidos.

U. Conforme, aliás, bem reconhecido no douto parecer do Ministério Público proferido nos autos, com o qual se concorda inteiramente, e para o qual se remete: “(...) a matéria controvertida resume-se (...) à questão da aplicabilidade do n.° 4 do art. 70.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário à situação em análise. (...) , tendo nessa perspetiva o pedido de revisão dado entrada dentro dos 120 dias a que alude o reproduzido n.° 1 do mesmo preceito.”

V. Ainda que o Tribunal a quo tivesse apreciado (como deveria) a validade/legalidade das decisões de indeferimento dos pedidos de revisão oficiosa apresentados, e concluísse pela anulação das decisões (o que apenas por mera hipótese aqui se considera), ainda assim, este tribunal a quo não poderia conhecer do mérito das liquidações.

W. E não o podia fazer porque está em causa o indeferimento, por intempestividade, dos pedidos de revisão oficiosa apresentados; não estando em causa a apreciação da legalidade dos actos tributários que lhe estavam subjacentes.

X. Até porque a AT nunca apreciou nem se pronunciou sobre a legalidade daquelas liquidações.

Y. Em suma, não podendo o douto tribunal pronunciar-se sobre a legalidade das liquidações, é manifesto o excesso de pronúncia, com a consequente nulidade da Sentença, que se invoca.

Z. Sem prescindir, e na eventualidade de assim não ser entendido, a Recorrente vem recorrer da Sentença, por entender que a mesma enferma de erro de julgamento e, bem assim, de erro na interpretação e aplicação do direito, como se passará a referir:

AA. A Recorrente entende que a Sentença padece de erro de julgamento (na secção B) Questões Jurídicas a Solucionar e secção C) Do Direito do capítulo III Fundamentação, e capítulo IV - Decisão) e implicitamente de erro na interpretação e aplicação do direito, concretamente das normas da verba 28.1 da TGIS, conforme se passa a enunciar.

BB. Em primeiro lugar, a Sentença recorrida padece de erro de julgamento na secção B do capítulo III (Questões Jurídicas a Solucionar) ao afirmar que “Nos presentes autos teremos que aferir legalidade do acto de liquidação de Imposto de Selo, verba 28.”

CC. Sobre este aspeto, reafirma-se aqui todo o exposto nas alíneas precedentes destas Alegações (em que se invocou duas causas de nulidade da Sentença), em que a Recorrente alicerça também os agora invocados erros de julgamento e de interpretação e aplicação de direito.

DD. Em suma, a questão a decidir seria aferir da legalidade dos quatro despachos de indeferimento liminar, por intempestividade, dos pedidos de revisão oficiosa.

EE. Ao invés, foi apreciada a legalidade dos atos de liquidação de IS objeto dos pedidos de revisão oficiosa, questão que não é nem pode ser objeto dos presentes autos, nem os presentes autos constituem meio processual próprio a tal apreciação, cfr. já demonstrado supra.

FF. Desta forma, a Sentença, nos excertos que adiante se referirão, bem como na decisão, fez, implicitamente, errónea aplicação das normas aplicáveis in casu, mais concretamente as que regem o âmbito do processo tributário e a forma de processo, mais concretamente as constantes dos art°s 97°, n° 1, al. d) e p) e n° 2 do CPPT, apreciando a legalidade dos atos de liquidação que não são objeto da presente ação administrativa, e não apreciando o verdadeiro objeto da mesma.

GG. A Sentença recorrida padece de erro de julgamento na secção C do capítulo III, 2.° parágrafo e ss., ao proclamar que: “Sobre uma questão idêntica à dos autos já se pronunciou o STA, nomeadamente no seu Acórdão de 19/04/2017, proferido no âmbito do processo n° 1343/15, com o qual se concorda pelo se passa a transcrever: (…)”

HH. E, bem assim, nos parágrafos subsequentes a esta citação, a saber: “Tal como no caso do Acórdão transcrito, também aqui concluímos que os lotes de terreno não integram o âmbito da verba 28 do IS. Vem também a A. requerer a devolução do imposto por si pago indevidamente acrescida de juros indemnizatórios. Sendo certo que o imposto pago não era devido, deverá o mesmo ser restituído à A. acrescida de juros indemnizatórios, nos termos do disposto no artigo 43° da LGT. Assim sendo, terá de se julgar procedente a presente Acção"

II. Porquanto, não estando em causa nos autos a legalidade das liquidações de IS, a questão sobre a qual se pronunciou o STA no acórdão aí referido (a legalidade das liquidações de IS), não é, de forma alguma, idêntica à dos autos.

JJ. Muito pelo contrário, é questão completamente diversa daquela que se coloca nos presentes autos, e que se prende com a tempestividade daqueles pedidos de revisão oficiosa.

KK. Face ao exposto, a Sentença enferma, ainda, nos referidos excertos, implicitamente, de erro na interpretação e aplicação do direito, concretamente das normas da verba 28.1 da TGIS (quanto à legalidade das liquidações) e artigo 43.° da LGT (quanto aos juros indemnizatórios), porquanto tais normas jurídicas não são aplicáveis à questão decidenda.

LL. Por último, entende-se que a Sentença enferma de erro de julgamento ao ter decidido que: “Em face de tudo o anteriormente exposto julga este Tribunal totalmente procedente, por provada, a presente acção e, consequentemente deverá ser devolvido o imposto indevidamente pago pela A. acrescido de juros indemnizatórios" (capítulo IV - Decisão, a fls. 8 e 9).

MM. Não tendo a Sentença apreciado os atos administrativos que indeferiram os pedidos de revisão oficiosa (por intempestivos), nem a fundamentação dos mesmos, inexistiu julgamento de direito sobre a questão jurídica em causa.

NN. Remete-se para o parecer do Ministério Público proferido nos autos, com o qual se concorda, que apreciou a pretensão do A. e concluiu: “Face ao exposto, entendemos bem ter andado a Autoridade Tributária ao indeferir os pedidos de revisão oficiosa apresentados com fundamento na correspondente intempestividade, indo em consequência o nosso parecer no sentido da improcedência da presente ação administrativa. ”

OO. Face ao exposto, considera-se que a Sentença está ferida de nulidade quer por omissão quer por excesso de pronúncia, e, subsidiariamente, caso assim não se entenda, considera-se que a mesma enferma de erro de julgamento e, bem assim, de erro na interpretação a aplicação do direito, nos termos supra referidos.

PP. Deve ser reconhecida a nulidade da sentença, e, subsidiariamente, serem reconhecidos os erros de julgamento e de interpretação e aplicação do direito,

QQ. E a Sentença ser revogada, devendo ser substituída por outra que, apreciando a validade dos despachos de indeferimento dos pedidos de revisão oficiosa apresentados pelo Autor em 27.04.2017, sobre as liquidações da Verba 28.1 da TGIS, do ano de 2012, emitidas em 21.03.2013, conclua pela intempestividade daqueles pedidos e consequente validade dos atos impugnados, julgando totalmente improcedente a ação.

Nestes termos e com o mui douto suprimento de V. Exas, deve a arguição das nulidades invocadas, por excesso e por omissão de pronúncia, serem consideradas procedentes, e, subsidiariamente, caso assim não venha a ser entendido, deve o presente recurso ser considerado procedente, e a douta Sentença revogada, assim se fazendo Justiça.


Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público teve vista nos autos.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II – Fundamentação

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso, sendo as de saber se a sentença recorrida sofre de nulidade por omissão e excesso de pronúncia e por ter condenado a Entidade Demandada em objeto diverso do pedido, bem como insuficiência da matéria de facto para apreciar a matéria da tempestividade do pedido de revisão e, por fim de erro de julgamento na interpretação e aplicação do direito.


II.1- Dos Factos

O Tribunal recorrido considerou como provada a seguinte factualidade:

1. A A. é proprietária de vários lotes de terreno para construção que correspondem aos artigos matriciais n° U00... e U005... da freguesia de Alcochete, U002... da freguesia do Barreiro, U002118 da freguesia de Canha e U01... da freguesia de Palmela (cfr. docs. de fls. 38 a 52 dos autos);

2. Em 21/03/2013 foi efectuada a liquidação de Imposto de Selo, verba 28 do artigo matricial n° U00... da freguesia de Alcochete (cfr. doc. junto a fls. 38 a 40 dos autos);

3. Em 21/03/2013 foi efectuada a liquidação de Imposto de Selo, verba 28 do artigo matricial n° U005... da freguesia de Alcochete (cfr. doc. junto a fls. 41 a 43 dos autos);

4. Em 21/03/2013 foi efectuada a liquidação de Imposto de Selo, verba 28 do artigo matricial n° U002... da freguesia do Barreiro (cfr. doc. junto a fls. 44 a 46 dos autos);

5. Em 21/03/2013 foi efectuada a liquidação de Imposto de Selo, verba 28 do artigo matricial n° U002118 da freguesia de Canha (cfr. doc. junto a fls. 46 a 49 dos autos);

6. Em 21/03/2013 foi efectuada a liquidação de Imposto de Selo, verba 28 do artigo matricial n° U01... da freguesia de Palmela (cfr. doc. junto a fls. 50 a 52 dos autos);

7. A A. efectuou o pagamento do Imposto de selo, conforme liquidações identificadas nos pontos anteriores (facto que se retira dos docs. junto a fls. 55 a 83 dos autos);

8. Em 27/04/2017 a A. apresentou quatro pedidos de revisão oficiosa das liquidações identificadas nos pontos 2 a 6 deste probatório (facto que se retira dos docs. junto a fls. 55 a 83 dos autos);

9. Os pedidos de revisão oficiosa identificados no ponto anterior foi indeferidos (cfr. docs. de fls. 25 a 36 dos autos)


Quanto a factos não provados, na sentença exarou-se o seguinte:

Dos factos constantes da impugnação, todos objectos de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.


E quanto à Motivação da Decisão de Facto, consignou-se:

A decisão da matéria de facto com base no exame das informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos constam, todos objecto de análise concreta, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.


II.2 Do Direito

O A., ora Recorrido, na sequência da emissão da instrução de serviço nº 40047 da DSIMT, solicitou junto da Autoridade Tributária e Aduaneira a revisão dos atos de liquidação de imposto do selo emitidos ao abrigo da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, respeitantes ao ano de 2012.

Notificado do indeferimento dos pedidos de revisão com fundamento na sua extemporaneidade deduziu ação administrativa especial na qual termina pedindo a anulação das decisões de indeferimento, a anulação dos atos de liquidação do Imposto do Selo, objeto dos pedidos de revisão e a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira na restituição do montante pago, acrescido de juros indemnizatórios.

Notificados da sentença que julgou a ação procedente e condenou a Entidade Demandada a devolver o imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, da mesma interpuseram recurso a Autoridade Tributária e Aduaneira e o Ministério Público, arguindo nulidades por omissão e excesso de pronúncia, por ter condenado a ora Recorrida, em objeto diverso do pedido, bem como insuficiência da matéria de facto dada como provada e erro de julgamento na apreciação dos factos e de interpretação e aplicação do direito.

Vejamos, então, em primeiro lugar, da nulidade da sentença por omissão e excesso de pronúncia e por ter condenado a administração fiscal “em objeto diverso do pedido” e ainda por carência da matéria de facto dada como provada.

Nas alegações, os Recorrente referem que a sentença recorrida ao ter conhecido da legalidade da liquidação do tributo e ao ter condenado a Ré ao pagamento de juros indemnizatórios, é nula e fez uma incorreta interpretação e aplicação da lei aos factos, motivo pelo qual não pode ser mantida.

Nas conclusões 4 a 12 o Recorrente Ministério Público alega que a ação foi interposta contra o indeferimento dos pedidos de revisão oficiosa, que não apreciou da legalidade do ato de liquidação, e por isso mesmo foi intentada ação administrativa contra tais atos e não ação de impugnação judicial, e que a sentença não apreciou o primeiro dos pedidos do A., ou seja, a questão da intempestividade. Concluindo que a sentença recorrida ao omitir tal pronuncia incorreu na nulidade prevista no artigo 615/1.d) do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi artigo 2.e) CPPT, desrespeitando ainda a norma contida no artigo 95.°, n° 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

A Recorrente Autoridade Tributária e Aduaneira, nas conclusões A a Z, imputa a sentença o mesmo vício que o Recorrente Ministério Público quanto à omissão de pronúncia, mas também o vício de nulidade por excesso de pronúncia por ter conhecido de questões de que não podia tomar conhecimento, concretamente apreciou a legalidade das liquidações de imposto de selo, subjacentes aos quatro pedidos de revisão oficiosa.

Com efeito, como vimos supra, na petição inicial o A. pediu em primeiro lugar a anulação das decisões de indeferimento dos pedidos de revisão e, só depois a anulação dos atos de liquidação do Imposto do Selo e condenação da Entidade Demandada na restituição do montante pago, acrescido de juros indemnizatórios.

A nulidade por omissão de pronúncia prevista no artigo 615/1.d) do CPC, apenas ocorre quando o Tribunal não tenha decidido alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra questão submetida à apreciação do Tribunal.

Por questões submetidas à apreciação do Tribunal deve entender-se aqui as que se referem aos pedidos formulados, atinentes à causa de pedir ou às exceções alegadas, não se confundindo, pois, com as razões jurídicas invocadas pelas partes em defesa do seu juízo de valoração, porquanto as mesmas correspondem a simples argumentos e não constituem verdadeiras questões para os efeitos preceituados na norma citada.

Nas palavras de Alberto dos Reis(1), são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer questões de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal qualquer questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão

É consabido que sentença não pode condenar em objeto diverso do pedido, nulidade que deriva da violação da regra do artigo 609/1 CPC, nulidade que só se pode verificar em relação a pedidos de condenação e a decisões condenatórias: haverá nulidade se a condenação exceder quantitativamente aquilo que havia sido pedido ou modificar a qualidade do pedido, condenando a parte vencida em objeto diferente do que foi pedido.

Não se verifica, pois, excesso de pronuncia, na justa medida em que o tribunal se pronunciou sobre pedido que lhe foi dirigido pelo Autor, todavia, tal não significa que, no caso, se não se tenha verificado erro de julgamento, questão diversa da alegada nulidade da sentença por excesso de pronuncia.

Todavia, apesar de não subsistirem quaisquer dúvidas de que a sentença não se pronunciou sobre o indeferimento do pedido de revisão do ato tributário, não extrapolou o que fora peticionado na petição inicial da presente ação administrativa.

Ora, a sentença recorrida não só não apreciou esta questão do indeferimento do pedido de revisão do ato tributário, como não justificou que dela não podia tomar conhecimento, nem indica razões para essa omissão. E da decisão também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio.

Nestas condições, conclui-se que a sentença recorrida enferma de nulidade por omissão de pronúncia.

Procede, nesta parte, o recurso.

Cumpriria agora apreciar se os autos contêm os elementos para decidir em substituição.

Contudo, nas alegações de recurso, o Ministério Público suscita precisamente a questão da insuficiência da matéria de facto levada ao probatório para a decisão da questão relativa à tempestividade da reclamação apresentada pelo Contribuinte (cf. conclusões 17 a 21).

Precisando nas suas alegações que não consta da matéria de facto nem o concreto conteúdo das decisões de indeferimento proferidas pela Administração, nomeadamente a respetiva fundamentação nem a orientação genérica emanada da Autoridade Tributária e Aduaneira a que corresponde a Instrução de Serviço nº 40047, de 2017.02.16, da Direção de Serviços do Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis.

Ora, a possibilidade de o Tribunal de recurso se alterar o julgamento da matéria de facto, encontra-se delimitada pelo que estatui o artigo 662º do CPC, aplicável, com a epígrafe modificabilidade da decisão de facto; assim, o tribunal de recurso apenas tem a faculdade legal de alterar o julgamento de facto feito em primeira instância, pela decisão recorrida, pela sua reponderação, reexame ou mesmo anulação, no pressupostos que ocorrem circunstâncias de facto relevantes à decisão a proferir que não foram valoradas pelo Tribunal “a quo”, no caso de o processo conter todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa.

Nestes casos, os poderes da relação são usados no âmbito de um recurso de reponderação (porque não há elementos novos trazidos ao processo) e de substituição (porque esse tribunal substitui a decisão recorrida) (2)

É o caso dos autos, do processo constam os elementos de prova elencados pelo Recorrente Ministério Público.

Pelas razões expostas, visto o artigo 662/1 CPC, aplicável ex vi artigo 280/1 CPPT, adita-se ao probatório:


10. Os pedidos de revisão oficiosa foram indeferidos por despacho de 2017.08.25, da Diretora de Finanças, ao abrigo de subdelegação de competências, Despacho nº 9007/2016, publicado no DR II Série nº 134, de 2016.07.14, (cf. doc. nº 003...857 registado em 08-03-2018 às 13:12:48). Deste despacho transcreve-se:
«Imagem no original»

11. Da referida informação de 2017.07.03, da Divisão de Justiça Tributária de Direção de Finanças de Setúbal, para que remete o despacho identificado na alínea que antecede, constante de doc. nº 003...857 registado em 08-03-2018 às 13:12:48, que aqui se dá como integralmente reproduzido, transcreve-se:

(…)
V- Apreciando
Os requerentes efetuam o pedido ao abrigo do art, 78°, n° 1, da LGT, alegando a existência de erro imputável aos serviços.
O n° 1 do art. 78° determina que:
"A revisão dos atos tributários peia entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade ou por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços”
O que significa que, quando a iniciativa caiba ao sujeito passivo, o pedido pode ter qualquer fundamento, mas deverá ser apresentado no prazo da reclamação graciosa.
Entendem os requerentes que o pedido tem enquadramento no nº 2 do art,° 70° do CPPT, porquanto só em 2017/02/16, a AT alterou a posição perfilhada sobre a matéria de direito controvertida no pedido, divulgada através da Instrução de Serviço n° 40047, Série I, de 16/02/2017, da DSIMT, pelo que o prazo de reclamação só teria início em tal data.
Afigura-se-nos, no entanto, que não estamos aqui perante qualquer facto ou documento superveniente.
Efetivamente, embora a Administração Tributária, na sequência de reiteradas decisões dos tribunais superiores, tenha revisto a posição doutrinária sobre a tributação em sede de IS verba 28.1, dos terrenos para construção, nada impedia os requerentes de, em tempo próprio, terem reclamado ou impugnado as liquidações objeto dos autos.
A instrução de Serviço n° 40047 - Série I, de 16/02/2017, é um documento interno, destinado a uniformizar os procedimentos dos serviços relativamente à posição a adotar e às decisões a proferir no âmbito dos procedimentos e processos pendentes que tenham por objeto liquidações de imposto do selo da verba 28.1, sobre os terrenos para construção.
Os fundamentos do pedido ora apresentado não assentam num documento/facto superveniente mas sim numa diferente interpretação da lei, pelo que a Instrução de Serviço da AT não constitui, a nosso ver, um documento superveniente, para efeitos de contagem do prazo de reclamação, porquanto o exercício dos direitos de defesa dos contribuintes não é determinado pela posição doutrinal assumida pela Administração Tributária,
Na verdade, é a lei que determina os pressupostos objetivos e subjetivos da incidência do imposto, sendo irrelevante o que as entidades administrativas entendem ou deixam de entender nessa matéria.
As circulares e as instruções administrativas não têm força de lei e apenas vinculam os serviços na ordem interna de determinada hierarquia e, por isso, nem vinculam os tribunais, nem os particulares, limitando-se a isentar estes de responsabilidade por atos praticados de acordo com estas instruções, quanto aos seus deveres fiscais acessórios,
Nessa medida, considerando que a data limite de pagamento da 1ª prestação foi 2013-04-30 e que o pedido deu entrada na UGC em 2017/04/27, o prazo de reclamação já se encontra ultrapassado, nos termos do disposto no art. 70° n° 1 do CPPT e do n° 2 do art.° 129° do CIMI, aplicáveis por remissão do artº 49° do CIS.
Nada impediria, no entanto, que, embora desencadeada a pedido do contribuinte, a Administração Tribuária procedesse à revisão da liquidação, desde que reconhecesse a existência de erro imputável aos serviços e o fizesse, no prazo de quatro anos ou, se o imposto ainda não tiver sido pago, a todo o tempo.
Ora, o imposto objeto dos autos foi pago durante o ano 2013, pelo que o prazo previsto na lei para a revisão por- iniciativa da Administração Tributária (ainda que desencadeada pelo contribuinte) é de quatro anos após a liquidação.
Do que resulta que, tendo a liquidação sido efetuada em 2013/03/21 e o pedido apresentado em 2017/04/27, se encontra igualmente ultrapassado o prazo legal de revisão do ato tributário por iniciativa da Administração.
Extinto o direito, o procedimento de revisão oficiosa não deverá produzir efeitos, pelo que não nos pronunciaremos quanto à matéria controvertida.
(…)
12. Da instrução de serviço nº 40047, de 2017.02.16, constante de fls. 53 de doc. nº 003...857 registado em 08-03-2018 às 13:12:48, transcreve-se:
«Imagem no original»




Vejamos agora se a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação se pode manter.

Diz o artigo 78/1 da LGT:
1. A revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

Este artigo prevê assim a revisão do ato tributário «por iniciativa do sujeito passivo» ou «da administração tributária», aquela «no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade», e esta «no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços».

Todavia, como tem sido mencionado em inúmeros acórdãos: tal não significa que o contribuinte não possa, no prazo da revisão oficiosa, pedir esta mesma revisão.

Com efeito, é entendimento pacífico que a revisão do ato tributário, por iniciativa da administração tributária, pode efetuar-se a pedido do contribuinte, como resulta dos artigos 78/6, da LGT e do artigo. 86/4.a) do CPPT, bem como dos princípios da legalidade, justiça, igualdade e imparcialidade – artigos 266/2, da CRP.

Tradicionalmente, da interpretação do artigo 78º da LGT, resultam dois tipos fundamentais de revisão do ato tributário (cf. acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 15 de abril de 2009, proferido no processo n.º 65/09, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de setembro de 2009
– um em que a revisão é pedida pelo contribuinte no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade;
– há outro em que a revisão é da iniciativa dos serviços ou é pedida pelo contribuinte, que se denomina sempre «revisão oficiosa», que pode ser efectuada no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços

Ora, o prazo (dies a quo) para o sujeito passivo pedir a revisão conta-se da liquidação do tributo.

Para considerar o pedido de revisão intempestivo, a Autoridade Tributária e Aduaneira considerou como data relevante a data de emissão da nota ou documento de cobrança.

O artigo 54/1.b) da LGT, diz-nos que o procedimento tributário compreende toda a sucessão de atos dirigida à declaração de direitos tributários, designadamente (…) a liquidação dos tributos quando efetuada pela administração tributária.

Embora em linguagem corrente por vezes se confundam os conceitos de liquidação e cobrança são, na verdade, fases diversas do procedimento tributário.

Tanto assim é que no CPPT, no Título II, relativo ao procedimento tributário, o capítulo III, tem por epígrafe, Do procedimento de liquidação e o capítulo VII tem por epígrafe a cobrança. Com isso se indicando que são fases diferentes do procedimento tributário: a liquidação e a cobrança.

O ato de liquidação cuja revisão se pretende é relativo a imposto do selo.

A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, alterou o Código do Imposto do Selo e aditou à Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), a verba 28 (cf. artigo 4º).

No artigo 6/2 desta lei nº 55-A/2012, dispunha-se que no ano de 2013, a liquidação do imposto do selo previsto na verba n.º 28 da respetiva Tabela Geral deve incidir sobre o mesmo valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre imóveis a efetuar nesse ano.

O Código do Imposto do Selo (CIS), no artigo 23/7, dizia: tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba nº 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada um dos prédios urbanos pelos serviços centrais da Autoridade tributária e Aduaneira, aplicando-se com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI.

Quanto à notificação rege o artigo 36º CIS: feita ou reformada a liquidação, devem os interessados ser dela notificados nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a fim de efetuarem o pagamento ou utilizarem os meios de defesa aí previstos.

Sobre o prazo da liquidação do imposto municipal sobre imóveis, diz o artigo 113/2 CIMI: a liquidação (…) é efetuada nos meses de fevereiro e março do ano seguinte.

Contudo, estas regras que acabamos de ver, não têm aplicação relativamente ao ano de 2012.

Com efeito, o mesmo artigo 6º da Lei nº 55-A/2012, no nº 1, diz-nos que a liquidação do imposto de selo previsto na verba 28 no ano de 2012 deve observar as seguintes regras:

1 - Em 2012, devem ser observadas as seguintes regras por referência à liquidação do imposto do selo previsto na verba n.º 28 da respetiva Tabela Geral:
a) O facto tributário verifica-se no dia 31 de outubro de 2012;
b) O sujeito passivo do imposto é o mencionado no n.º 4 do artigo 2.º do Código do Imposto do Selo na data referida na alínea anterior;
c) O valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis por referência ao ano de 2011;
d) A liquidação do imposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira deve ser efetuada até ao final do mês de novembro de 2012;

No caso em análise, as notas de cobrança respeitantes a Imposto do Selo foram emitidas em 2013, por referência ao ano de 2012.

É assim pacífico que relativamente à questão da data em que se considera verificado o facto tributário este tem de se considerar verificado a 31 de outubro de 2012 [nesse sentido citamos: Ac. TCAS, CT -2º Juízo, de 2014.07.10, Proc. nº 07648/14 (Rel.: Desembargador Joaquim Condesso), Ac. STA, 2ª Seção, de 2014.10.08, Proc. nº 805/14 (Rel.: Conselheiro Pedro Delgado), Ac. STA, 2ª Seção, de 2014.10.08, Proc. nº 806/14 (Rel.: Conselheiro Pedro Delgado), Ac. STA, de 2014.10.29, 2ª Seção, Proc. 0529/14 (Rel.: Conselheira Isabel Marques da Silva), Ac. STA, 2ª Seção, de 2014.10.29, Proc. nº 0865/14 (Rel.: Conselheira Isabel Marques da Silva), Ac. STA, 2ª Seção, de 2014.11.26, Proc. nº 899/14 (Rel.: Conselheiro Ascensão Lopes), Ac. STA, 2ª Seção, de 2014.12.03, Proc. nº 01018/14 (Rel.: Conselheira Ana Paula Lobo), Ac. STA, 2ª Seção, de 2015.01.14, Proc. nº 01084/14 (Rel.: Conselheiro Aragão Seia), Ac. STA, 2ª Seção, de 2015.02.05, Proc. nº 0993/14 (Rel.: Conselheiro Francisco Rothes), Ac. STA, 2ª Seção, de 2017.02.15, Proc. nº 01347/16 (Rel.: Conselheiro Casimiro Gonçalves), Ac. STA, 2ª Seção, de 2017.03.15, Proc. nº 0119/15 (Rel.: Conselheira Dulce Neto), todos disponíveis em www.dgsi.pt].

Todavia, nos acórdãos citados e por referência ao ano de 2012, foram efetuadas duas liquidações, cumulativamente com anterior liquidação do mesmo imposto e relativa ao mesmo prédio e ao mesmo ano

Urge, assim, esclarecer se a liquidação cuja revisão se pretende foi liquidada até ao final do mês de novembro de 2012, ou se foi efetuada em 2013, por referência ao ano de 2012, e se sim, em que data.

Ora, os autos não contêm os elementos que nos permitam aferir desta questão para podermos verificar, depois, se o pedido de revisão foi ou não tempestivamente apresentado.

Impõe-se assim, ordenar a baixa dos presentes autos de molde a permitir que, o Tribunal a quo, efetue as diligências de prova que se mostrem adequadas e necessárias ao esclarecimento, dos factos apontados e decida dos aludidos vícios.

Em face do exposto, resulta assim prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas [artigo 608/2 CPC aplicável ex vi artigo 2.e) CPPT].


Sumário/Conclusões:

Ocorre nulidade da sentença por omissão de pronúncia quando o juiz não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento, nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio.


III - Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento a ambos os recursos, declarar nula a sentença recorrida; e:
- Ordenar a baixa dos autos ao tribunal recorrido para instruir os autos com os elementos factuais pertinentes ao conhecimento da questão omitida, com prolação de nova decisão conforme.

Sem custas.

[Nos termos e para os efeitos do artigo 15º-A do DL nº10-A/2020, de 13 de março, o Relator atesta que os Juízes Adjuntos - Excelentíssimos Senhores Juízes Desembargadores Vital Lopes e Luísa Soares - têm voto de conformidade.]


Lisboa, 9 de junho de 2021

SUSANA BARRETO

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(1) Aut Cit, CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: anotado, Vol. V, pág. 143
(2) SOUSA, Miguel Teixeira de, ESTUDOS SOBRE O NOVO PROCESSO CIVIL, Lex, 2ª edição, pág. 415