Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:09806/13
Secção:CA-2º JUÍZO
Data do Acordão:04/24/2013
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:LEILÃO ELECTRÓNICO
FASE DE NEGOCIAÇÃO DAS PROPOSTAS
ARTIGO 259º, N.º 3, DO CCP
ACORDO-QUADRO
NORMA REMISSIVA
ARTIGO 54º, N.º 2, DA DIRECTIVA 2004/18/CE, DE 31.03.2004
PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
IMPOSSIBILIDADE ABSOLUTA, OU IMPOSSIBILIDADE TOUT COURT
ARTIGO 105º, N.º 5, DO CPTA
Sumário:I – Não é legalmente admissível “enxertar” uma fase de negociação das propostas num procedimento relativo a um contrato para aquisição de bens e serviços, aberto ao abrigo de um acordo quadro.

II - A lei, no artigo 149º do CCP, restringe a fase de negociação das propostas aos contratos de concessão de obras públicas ou de concessão de serviços públicos.

III – Querendo a Entidade adjudicante que os concorrentes melhorassem os atributos da sua proposta, considerando o tipo de concurso lançado, haveria que optar pelo leilão electrónico, que é o processo que vem previsto no CCP para o efeito, para o caso de contratos de aquisição de bens e serviços.

IV- Optando por tal procedimento, o leilão electrónico, ainda assim haveria de estar previsto clara e explicitamente nos documentos contratuais o recurso a tal opção.

V - A salvaguarda legal constante do artigo 259º, n.º 3, do CCP, relativa às «necessárias adaptações», não dá a liberdade à Entidade adjudicante de adoptar um outro tipo de procedimento para além do leilão electrónico, ou de “enxertar” uma nova fase não prevista e previamente não indicada aos concorrentes.

VI – Também a Directiva 2004/18/CE, de 31.03.2004, no artigo 54º, n.º 2, indica o leilão electrónico como o procedimento adequado para num concurso para a aquisição de bens e serviços se melhorar os atributos da proposta submetidos à concorrência.

VII - O princípio da adequação exige que a Entidade adjudicante exerça as suas faculdades de escolher o procedimento que julga o mais conveniente e adequado ao caso concreto, respeitando de entre os meios legalmente previstos, aquele que se mostra o mais idóneo a prosseguir o fim que almeja. Prevendo o CCP o leilão electrónico como a forma adequada para num concurso para a aquisição de bens e serviços se melhorar os atributos da proposta submetidos à concorrência, era esse o meio que haveria de ser escolhido, e não qualquer outro.

VIII – Verificando-se o decurso do ano em que o fornecimento haveria de ter lugar, não ocorre uma inutilidade superveniente da lide, pois tal inutilidade há que ser aferida juridicamente e não apenas em termos fácticos. Mas tal situação redunda numa impossibilidade absoluta, ou impossibilidade tout court, do objecto negocial ou do cumprimento da obrigação.

IX – Ocorrendo tal impossibilidade, estava o tribunal obrigado a accionar o artigo 105º, n.º 5, do CPTA, não proferindo sentença, mas antes convidando as partes a acordarem, no prazo de 20 dias, o montante da indemnização a que o autor tinha direito.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Recorrentes: Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, EPE (SPMS) e B…….. Portugal, SA
Recorrido: Laboratórios P…………, Lda
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul
Vêm interpostos recursos da decisão do TAF de Sintra, que julgou procedente a acção de contencioso pré-contratual e anulou o acto do Conselho de Administração (CA) dos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, EPE (SPMS), de 12.01.2012, que rectificou/sanou o acto de adjudicação de 21.12.2011, bem como este acto de adjudicação, na parte em que adjudicou à B….. os fornecimentos dos artigos E503 etinilestrafiol 0,03 mg e gestodeno (3/6 ciclos) e E505 etinilestrafiol 0,02 mg e gestodeno (3/6 ciclos), declarou a nulidade dos actos consequentes e condenou o SPMS a retomar as operações do procedimento a partir do primeiro relatório preliminar de 02.11.2011.
Em alegações são formuladas pelo Recorrente SPMS as seguintes conclusões:
« (…)».
Em alegações são formuladas pelo Recorrente Bayer as seguintes conclusões:
« (…)».

O Recorrido particular, Laboratórios P….., Lda, em alegações não apresentou conclusões.
A DMMP, no parecer que emitiu, que tem carimbo de entrada datado de 12.03.2013 (nota-se que o presente processo em suporte físico não está numerado, pelo que não nos é possível fazer a menção ao número de folhas respectivo), pronunciou-se pela procedência do recurso.
Sem vistos, vem o processo à conferência.
Os Factos
Na 1º instância foram dados por assentes, por provados, os seguintes factos, que ora não vêm impugnados:
«(…)»

Nos termos do artigo 712º, ns.º1 e 2 do CPC, acrescentam-se os seguintes factos provados:
cc) Os fornecimentos postos a concurso no procedimento pré-contratual com a referência P259-2011/12 deviam ser efectuados no ano de 2012 (acordo).
dd) Ocorreram, no espaço de tempo compreendido entre a adjudicação e a prolação da sentença, fornecimentos relativos aos artigos E503 e E505 (acordo; cf. docs. n.ºs 4 a 26, juntos com a contestação da Bayer).
ee) A PI da presente acção foi registada como tendo dado entrada no site do Sitaf em 15.02.2012 – cf. documento que antecede a PI (estes autos não foram numerados pelo TAF de Sintra).
ff) A sentença ora impugnada está datada de 30.11.2012 e foi comunicada às partes por ofícios datados de 04.12.2012 (cf. os correspondentes documentos insertos nos autos).
gg) O requerimento de recurso interposto pela SPMS foi registado como tendo dado entrada no site do Sitaf em 24.12.2012 e o da B……… tem registo de entrada de 26.12.2012 e ostenta a indicação de envio por fax, datada de 21.12.2012 (cf. os correspondentes documentos insertos nos autos).
hh) Foi publicado no DR, II série, de 16.11.2012, o anúncio de procedimento n.º 4522/2012, lançado pelo SPMS, relativo ao concurso público para a celebração de contratos públicos de aprovisionamento para a área da saúde, com vista ao fornecimento de contraceptivos orais, profiláticos e mecânicos às instituições e serviços do serviço nacional de saúde, que inclui os artigos E503 e E505, conforme anexos ao caderno de encargos, indicando-se no artigo 5º do correspondente caderno de encargos a possibilidade de recurso ao leilão electrónico nos procedimentos a realizar ao abrigo do artigo 259º do CCP (cf. docs. 1 a 3 anexos ao recurso apresentado pela B…..).
O Direito
Do recurso da SPMS
Alega a SPMS que a decisão recorrida errou e carece de fundamentos quando considerou violados os artigos 140º a 145º do Código dos Contratos Públicos (CCP) e os princípios da intangibilidade das propostas, da concorrência e da transparência, porque, no caso, a adopção do leilão electrónico era uma faculdade e não uma obrigação, já que a remissão do artigo 259º, n.º 3 do CCP, é também para a fase da negociação, prevista nos artigos 149º a 154º do CCP. Mais invoca o Recorrente, que a decisão sindicada não explica porque é que só o leilão electrónico salvaguardava aqueles princípios. Aduz também o Recorrente, que uma central de compras é por natureza e por imposição legal um sistema de negociação e de contratação centralizada, mas que não pode promover a celebração de contratos de concessão, pelo que terá de se dar um sentido útil à remissão do artigo 259º, n.º 3, do CCP, que permite a negociação pelas centrais, através da fase da negociação das propostas, previsto nos artigos 149º a 154º do CCP. Alega o Recorrente, que essa é também a interpretação que se retira do artigo 32º da Directiva 2004/17/CE.
Diga-se, desde já, que a decisão recorrida, nesta parte, ou com a fundamentação que adoptou, é para se manter, por estar correcta.
Conforme decorre da matéria assente, após o concurso público n.º 2011/20, para a selecção de fornecedores de contraceptivos orais, profiláticos e mecânicos, foi lançado pelo Recorrido SPMS, na qualidade de central de compras, em representação das cinco administrações regionais de saúde, o procedimento pré-contratual com a referência P259-2011/12, ora em questão.
No concurso público n.º 2011/20, na cláusula 4ª, n.º 2, do Caderno de Encargos, o único critério de adjudicação permitido pelo CPA, a coberto do qual o Procedimento P259-2011/12 foi lançado, era o do preço mais baixo.
O convite à apresentação das propostas teve o conteúdo provado na alínea e) dos factos assentes. Nesse convite é indicado, nomeadamente, no ponto 4. o seguinte: «4. Nos termos do n.º 3 do artigo 259.º do CCP ao presente procedimento é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 139.º e seguintes do mesmo Código:
4.1. Preparação da adjudicação e negociação:
a) Em representação das Administrações Regionais de Saúde a SPMS, EPE promoverá a elaboração de um relatório preliminar, onde proporão, provisoriamente, a ordenação das propostas apresentadas, nos termos do artigo 146.º do CCP.
b) Em seguida, será dado cumprimento ao previsto nos artigos 147.º e 148.º do CCP;
c) Os SPMS reservam-se o direito de pedir novas propostas aos mesmos concorrentes, no caso das condições constantes das propostas iniciais não revelarem níveis de economia adequados aos objectivos dos SPMS e/ou das entidades representadas;
d) No caso referido na alínea anterior, podem ser solicitadas apenas propostas nos termos indicados nos pontos 2.2 e 3 do presente convite;
e) As adjudicações ao abrigo de novas propostas, nos termos nas alíneas d) e e) do presente ponto, terão como limite o preço máximo apresentado pelos co-contratantes, para as mesmas posições, nas propostas iniciais;
f) A avaliação das propostas é feita, relativamente a cada artigo (cfr. Anexo I ao presente convite), pelo critério de adjudicação indicado no ponto 3 do presente convite.»
Entretanto, considerando que «as propostas apresentadas não relevam o nível de economia esperado», decidiu a Recorrida SPMS deliberar solicitando aos concorrentes «novas propostas» e publicitou o procedimento relativo à apresentação de novas propostas. A justificação de tal deliberação foi remetida para «o disposto no ponto 4.1 do Convite com a referência [P259/2011/11], de 25/11/2011». Neste convite é indicado que «só são admitidas as propostas que apresentem preços (líquidos) unitários iguais ou inferiores aos preços apresentados pelos concorrentes, para as mesmas posições, nas propostas iniciais” e que “a não apresentação de proposta em relação a alguma posição equivale à manutenção do preço vertido na proposta inicial».
Todos os concorrentes apresentaram novas propostas, excepto a Recorrente.
Ou seja, no caso ora em discussão, importa averiguar se poderia o Recorrido fazer inserir no convite o estipulado na alínea c) do n.º4 e abrir lugar a uma fase de negociação das propostas, seguindo a tramitação dos artigos 149º a 154º do CCP, por se dever entender que a remissão do artigo 259º, n.º 3, do CCP, também permite tal negociação.
Faça-se nota, que nestes autos não vem impugnada a legalidade daquela norma do convite, mas tão somente do acto de adjudicação final. Ou seja, o Recorrente não quis reagir relativamente àquela cláusula contratual. No despacho saneador, que não foi impugnado e não é alvo deste recurso, apreciou-se tal conduta do ora Recorrente a propósito da apreciação das excepções de «intempestividade da invocação de vícios do convite» e da caducidade do direito de acção. Portanto, tal questão é agora caso julgado, havendo apenas que se apreciar a legalidade do acto de adjudicação final e da aplicação concreta da referida cláusula.
A celebração de acordos quadros rege-se pelo estabelecido no título V, artigos 251º a 266º do CCP (acerca do regime que regula os acordos quadro, vide, Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, Concursos e Outros Procedimentos de Contratação Pública, Livraria Almedina, Coimbra, 2011, págs. 40 a 41 e Cláudia Viana, O Acordo Quadro, Revista de Direito Público e Regulação, Cedipre, Centro de Estudos de Direito Público e Regulação, Revista n.º 3, Setembro de 2009, in http://www.fd.uc.pt/cedipre/pdfs/revista_dpr/revista_3.pdf).
No caso em apreço, o acordo quadro assume a modalidade indicada no artigo 252º, alínea b), do CCP, regendo-se pelo artigo 259º do mesmo código, que no n.º 3, remete para «o disposto nos artigos 139º e seguintes» com «as necessárias adaptações».
No artigo 139º regula-se o modo de avaliação das propostas, prevendo-se nos artigos 140º a 145º o leilão electrónico. Nos artigos 146º a 148º regulamenta-se a «preparação da adjudicação» e no artigo 149º prevê-se, para o «caso de contratos de concessão de obras públicas ou de concessão de serviços públicos», a possibilidade de adopção de uma fase de negociações
Defende o Recorrente, que face à indicação constante do ponto 4 do convite, passou a Entidade Adjudicante a poder “enxertar” neste procedimento, aberto ao abrigo do acordo quadro, aquela fase de negociação das propostas, por a remissão do artigo 259º, n.º 3, do CCP, não o vedar e o regime remissivo, dos «artigos 139º e seguintes», aplicado com «as necessárias adaptações», assim o permitir.
Porém, a indicada fase da negociação das propostas, em primeiro lugar, destina-se unicamente aos «contratos de concessão de obras públicas ou de concessão de serviços públicos». Da fase prevista nos artigos 149º a 154º do CCP, exclui-se os contratos para a aquisição de bens e serviços.
Logo, a aplicação desta fase de negociação das propostas, não poderia ter lugar no caso do contrato em apreço nestes autos.
Não se trata aqui de aplicar um procedimento com «as necessárias adaptações». A lei, no artigo 149º do CCP, restringe esta fase de negociação das propostas aos contratos de concessão de obras públicas ou de concessão de serviços públicos. Consequentemente, nada há a adaptar, já que o procedimento em causa não foi pensado pelo legislador para outros e diversos contratos. Ou seja, para o legislador, a fase de negociação das propostas não é pura e simplesmente aplicável a outros contratos para além dos ali expressamente indicados.
Como corolário do antes afirmado, em segundo lugar, querendo a Entidade adjudicante que os concorrentes melhorassem os atributos da sua proposta, considerando o tipo de concurso lançado, haveria que optar pelo leilão electrónico, que é o processo que vem previsto no CCP para o efeito, para o caso de contratos de aquisição de bens e serviços.
Assim, pretendendo a Entidade adjudicante que o atributo preço fosse melhorado, restar-lhe-ia optar por aquele leilão electrónico (cf. Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, Concursos e Outros Procedimentos de Contratação Pública, Livraria Almedina, Coimbra, 2011, págs. 338 e 344; Vieira de Almeida e Associados, Código dos Contratos Públicos e Legislação Complementar, Guias de Leitura e Aplicação, Almedina, Coimbra, 2008 pág. 719; Cláudia Viana, O Acordo Quadro, Revista de Direito Público e Regulação, Cedipre, Centro de Estudos de Direito Público e Regulação, Revista n.º 3, Setembro de 2009, in http://www.fd.uc.pt/cedipre/pdfs/revista_dpr/revista_3.pdf, págs. 19 e 20).
Porém, para o efeito, sempre teria de se prever clara e explicitamente o recurso a esta fase facultativa, nos documentos contratuais, o que também não se fez, no caso sub judice.
Aliás, dos factos provados resulta que dos documentos contratuais nem sequer consta a indicação expressa ao recurso à fase de negociação das propostas (que como dissemos, sempre seria ilegal). Assim, em terceiro lugar, conforme factos provados nos autos, constata-se, que a Entidade adjudicante nem sequer indicou no convite, de forma clara e explícita, que iria recorrer a tal fase de negociação das propostas. Na verdade, da indicada cláusula 4., não resulta minimamente claro que se iria optar por recorrer ao procedimento indicado nos artigos 149º a 154º, “enxertando” aquela fase de negociação das propostas neste procedimento. Igualmente, tal possibilidade não terá sido indicada no programa do concurso público n.º 2011/20 (cf. artigos 132º, 150º e 259º, n.º 2, do CCP).
Ou seja, o recurso a esta fase de negociação das propostas, sempre constituiria um “procedimento-surpresa” ilegal, pois não estava expressa e claramente indicado nos documentos contratuais, não vem previsto no CCP para o concurso em apreço e também não era permitido por esse Código para um contrato de aquisição de bens móveis ou de contratos de aquisição de serviços.
A possibilidade de os concorrentes alterarem as propostas, inicialmente apresentadas, é manifestamente excepcional. O legislador previu para o tipo de concurso em apreço, caso a Entidade adjudicante julgasse conveniente e adequado que se procedesse a tal alteração, o modo como a mesma haveria de ocorrer – por leilão electrónico, seguindo as regras indicadas nos artigos 140º a 145º do CCP, ex vi artigo 259º, n.º 3 do mesmo Código.
A salvaguarda legal constante daquele artigo 259º, n.º 3, do CCP, relativa às «necessárias adaptações», não dá a liberdade à Entidade adjudicante de adoptar um outro tipo de procedimento para além do leilão electrónico, ou de “enxertar” uma nova fase não prevista e previamente não indicada aos concorrentes.
Neste procedimento de reabertura de concurso às partes de um acordo quadro, não terá querido o legislador conceder à Entidade adjudicante algo totalmente diverso daquilo que lhe era permitido se estivesse a iniciar um concurso público para a aquisição de bens e serviços, não antecedido de um acordo quadro. Apenas se visou «disciplinar relações contratuais futuras a estabelecer ao longo de um determinado período de tempo, mediante a fixação antecipada dos respectivos termos» (cf. artigo 251º do CCP), evitando a repetição de procedimentos e visando uma economia de meios e tempo.
Assim, também nesta óptica, nenhum sentido faz admitir-se aqui a possibilidade de se introduzir uma fase de negociação das propostas, quando essa fase estava vedada no caso de um concurso público não antecedido de um acordo-quadro (porque legalmente restrita aos contratos de concessão de obras públicas ou de concessão de serviços públicos). A introdução de tal fase não representa apenas um evitar da repetição de procedimentos, ou uma economia de meios, mas antes, constitui a criação de um novo procedimento, totalmente diverso daquele que poderia ter sido adoptado no concurso público para a aquisição de bens e serviços.
Em suma, nada há a apontar à decisão sindicada, quando entendeu que a deliberação em apreço violou os artigos 140º a 145º do CCP e os princípios da intangibilidade das propostas, da concorrência e da transparência.
Na verdade, conforme acima se afirmou, o “enxerto” de uma fase em que se negociou as propostas, diferente do leilão electrónico, sem que tivesse sido prévia e claramente prevista tal negociação nos documentos contratuais, é uma prática que não respeita os artigos 140º a 145º e 259º, n.º 3 do CCP, nem é transparente. É ainda uma prática que é susceptível de falsear a concorrência e que colide com o princípio da intangibilidade das propostas.
Como refere Maria João Estorninho «quer no caso de leilão electrónico (Art. 141º) quer no caso de haver fase de negociação de propostas (art. 150º) os respectivos programas de concurso devem prever, à partida, em que termos tais vicissitudes podem vir a ter lugar. Assim o exige, entre outros, o princípio da concorrência» (in Curso de Direito dos Contratos Públicos, Livraria Almedina, Coimbra, 2012, pág. 394; vide também págs. 412 e 413; cf., no mesmo sentido, Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, Concursos e Outros Procedimentos de Contratação Pública, Livraria Almedina, Coimbra, 2011, págs. 44, 338 e 339; Vieira de Almeida e Associados, Código dos Contratos Públicos e Legislação Complementar, Guias de Leitura e Aplicação, Almedina, Coimbra, 2008, págs. 544 a 578; Cláudia Viana, O Acordo Quadro, Revista de Direito Público e Regulação, Cedipre, Centro de Estudos de Direito Público e Regulação, Revista n.º 3, Setembro de 2009, in http://www.fd.uc.pt/cedipre/pdfs/revista_dpr/revista_3.pdf, pág. 19).
Quanto à invocada legislação comunitária, a Directiva 2004/18/CE, de 31.03.2004, reforça o antes afirmado. Nesse sentido, vide os seus considerandos 11 a 16 e artigos 32º, n.º 2 e 54º.
No n.º 2 do indicado artigo 54º da Directiva 2004/18/CE, de 31.03.2004, estipula-se que «o leilão electrónico pode ser utilizado aquando da reabertura de concurso às partes num acordo quadro contemplado no artigo 32º, n.º 4, segundo parágrafo, segundo travessão». Ou seja, determina a Directiva 2004/18/CE, de 31.03.2004, que este é o procedimento adequado para num concurso para a aquisição de bens e serviços se melhorar os atributos da proposta submetidos à concorrência, no caso, o preço (indicando, nesta fase de reabertura do concurso, a necessidade de garantia do «respeito pelos princípios gerais, incluindo o da igualdade de tratamento», vide Maria João Estorninho, Curso de Direito dos Contratos Públicos, Livraria Almedina, Coimbra, 2012, pág. 303).
Por último, a favor do entendimento ora explanado, refere-se, ainda, o princípio da adequação, que exige que a Entidade adjudicante exerça as suas faculdades de escolher o procedimento que julga o mais conveniente e adequado ao caso concreto, mas respeitando de entre os meios legalmente previstos, aquele que se mostra o mais idóneo a prosseguir o fim que almeja. Prevendo o CCP o leilão electrónico como a forma adequada para num concurso para a aquisição de bens e serviços se melhorar os atributos da proposta submetidos à concorrência, era esse o meio que haveria de ser escolhido, e não qualquer outro. Isto é, não respeita o princípio da adequação a escolha pela Administração do meio indicado nos artigos 149º a 154º, já que o mesmo se destina, por lei, unicamente aos «contratos de concessão de obras públicas ou de concessão de serviços públicos».
Como referem João Amaral e Almeida e Pedro Fernandez Sánchez «não pode ignorar-se que a liberdade de escolha que assiste à Entidade Adjudicante para escolher um determinado tipo de procedimento quando forma os seus contratos não dilui a sua vinculação ao principio da adequação, enquanto máxima de racionalidade que impede a Administração de adoptar procedimentos inaptos a prosseguir o fim que almeja alcançar no caso concreto. De facto, sempre que emite uma decisão de contratar a Administração opta pelo instrumento procedimental que deve assumir como o meio indicado ou preferível para satisfazer uma concreta necessidade (fim a atingir)» (in Temas de Contratação Pública, I, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, pág. 344; cf. também págs. 345 e 346).
Em suma, improcede o recurso apresentado pela SPMS.
Do recurso da B……
Diz a B….. no seu recurso que a decisão recorrida errou quando não determinou a convolação ao abrigo do artigo 102º, n.º 5, do CPTA e condenou o Recorrido a adjudicar à Pfizer os artigos E503 e E505, pois tais fornecimentos maioritariamente já ocorreram, conforme alegou e provou. Mais diz o Recorrente, que aquela decisão não atendeu, nem deu por provado, que os fornecimentos ao abrigo do procedimento pré-contratual com a referência P259-2011/12 deviam ser efectuados no ano de 2012, sendo a condenação algo de inexequível. Aduz ainda a B….., que a Entidade demandada lançou um outro concurso, que teve o n.º 2012/20, com vista à celebração de novos contratos públicos de aprovisionamento para a área da saúde, para fornecimento de contraceptivos orais, profiláticos e mecânicos, concurso que abrange os artigos destes autos, E503 e E505. Portanto, entende a Recorrente que a decisão errou no pedido condenatório, já que pela normalidade das coisas, tendo sido proferida a sentença no último dia do mês de Novembro de 2012, tal condenação não seria possível. Mais diz o Recorrente, que a decisão é nula porque nela se reconheceu que os fornecimentos não poderiam ser efectuados para além do ano de 2012 e se condenou o SPMS a retomar as operações do procedimento a partir do primeiro relatório preliminar de 02.11.2011.
Nos termos dos artigos 684º-A, n.º 2, e 685º-B, do CPC – aplicável ex vi do art.º 1.º do CPTA, podem as partes, nas respectivas alegações, impugnar a decisão proferida sobre determinados pontos da matéria de facto.
Mas o artigo 685.º-B, do CPC, estabelece como ónus a cargo da parte que impugne a decisão relativa à matéria de facto, a necessidade de especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
Ora, o Recorrente, apesar de pretender impugnar a matéria de facto indicada na decisão recorrida, limitou-se a remeter genericamente para os vários artigos da contestação que apresentou e respectivos documentos juntos como n.ºs 4 a 26, assim como, para o «Doc. N.º 5 junto com o requerimento inicial do processo cautelar apenso aos autos», sem indicar de forma totalmente clara e especificada, nas alegações de recurso e nas conclusões finais, quais os concretos pontos de facto que considerava incorrectamente julgados.
Porém, da leitura das indicadas alegações, nomeadamente do primeiro parágrafo de fls. 9 dessas alegações, é possível entender que o facto que o Recorrente diz estar mal julgado será o seguinte: «ocorreram, no espaço de tempo compreendido entre a adjudicação e a prolação da sentença, fornecimentos relativos aos artigos E503 e E505». Quanto aos concretos meios probatórios, constantes do processo que impunham que tal facto fosse dado por provado, remete o Recorrente para os documentos juntos com a contestação com os n.ºs 4 a 26.
Igualmente, pretende o Recorrente que seja provado que «os fornecimentos postos a concurso no procedimento pré-contratual com a referência P259-2011/12 devem ser efectuados no ano de 2012», conforme aduz no 3º parágrafo da página 9 das alegações de recurso. Remete a prova desse facto para o convite à apresentação das propostas, «Doc. N.º 5 junto com o requerimento inicial do processo cautelar apenso aos autos».
Compulsada a contestação apresentada pela B….., constata-se, que nos artigos 42º a 48º, a mesma alega os fornecimentos que já foram feitos até aquela data e respectivas quantidades. Os documentos juntos à contestação, com os n.ºs 4 a 26, são relativos às correspondentes notas de encomenda e facturas. Por seu turno, nos artigos 27º, 104º e 105º da contestação, indica a Bayer que aqueles fornecimentos deveriam «ser efectuados no ano de 2012».
Nas alegações apresentadas ao abrigo do artigo 91º do CPTA, a B….., nos artigos 19º a 25º e 40º, reafirma o antes alegado.
Na PI, a P….., indica logo no intróito que pretende impugnar o acto de adjudicação de um fornecimento «para o ano de 2012».
A ARS do Algarve, na contestação que apresentou, nos artigos 13º e 18º, também alega que o fornecimento em questão ocorreria em 2012.
A P….., na resposta às excepções suscitadas, nos artigos 34º, 35º dessa resposta e nas alegações apresentadas ao abrigo do artigo 91º do CPTA, nos artigos 106º a 110º, aceita aqueles fornecimentos, apenas alegando que relativamente ao contrato, na data, continuavam a haver fornecimentos a prestar, assim sustentando o seu interesse na manutenção do pedido condenatório.
Ou seja, do teor da PI, das várias contestações e das alegações apresentadas, ter-se-á que considerar como aceite por todas as partes os factos afirmados pela B………. de que «os fornecimentos postos a concurso no procedimento pré-contratual com a referência P259-2011/12 devem ser efectuados no ano de 2012» e que «ocorreram, no espaço de tempo compreendido entre a adjudicação e a prolação da sentença, fornecimentos relativos aos artigos E503 e E505».
Tais factos são ainda suportados pelas próprias cláusulas concursais e pelos documentos juntos à contestação da B……...
Igualmente, da normalidade das coisas deriva que sendo adjudicado o indicado fornecimento para o ano de 2012, após a celebração do respectivo contrato e com o decurso do ano em que o fornecimento deveria efectuar-se, iriam sendo feitas as entregas respectivas. Consequentemente, esgotar-se-iam, com a decorrência do tempo, os referidos fornecimentos, que haveriam de ocorrer faseadamente pelo ano de 2012.
Em suma, haveriam os factos supra indicados de ter sido dados por assentes, por provados, na decisão recorrida, desde logo porque na data em que a mesma foi prolatada, em Dezembro de 2012, aquele ano já estava a terminar.
Mais se note, que os factos aduzidos eram relevantes para a apreciação do pedido condenatório.
Assim, nos termos do artigo 712º, n.º 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 1º do CPTA, foram os indicados factos ora acrescentados, por se considerarem provados.
E nesta parte procede o recurso da B………..
É jurisprudência pacífica que só ocorre a nulidade da decisão por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 668, n.º1, alínea d), do CPC, quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devia apreciar, que são todas as que lhe forem submetidas e que não se encontrem prejudicadas pela solução dada a outras (cf. artigo 660º, nº 2, do CPC). Deve o juiz apreciar as questões respeitantes ao pedido e à causa de pedir, e ainda, os argumentos, as razões ou fundamentos invocados pelas partes para sustentarem a sua causa de pedir. Mas só a falta absoluta de fundamentação gera a nulidade da decisão.
Também nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 668º do CPC, a nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos e decisão, terá de ser grave, patente, implicando uma incongruência absoluta.
Ora, no caso em apreço, o tribunal ponderou as questões em litígio e decidiu-as. Para tanto, indicou o tribunal as razões de facto e de direito que levavam à sua decisão. Explicou o tribunal na decisão recorrida, com uma fundamentação completa, o seu raciocínio, entendendo que no caso não havia uma inutilidade jurídica, pelo que a inutilidade fáctica irrelevava. A simples leitura atenta da decisão, permitiria ao Recorrente entender as razões aduzidas pelo tribunal e compreender que não existia contradição alguma naquele raciocínio, com o qual podia, apenas, não concordar. Ou seja, no caso não há uma nulidade decisória, mas antes haverá um erro de julgamento.
Por conseguinte, falece a invocada nulidade da decisão.
Já quanto ao erro de julgamento, as alegações do Recorrente B……. procedem também parcialmente.
Nestes autos, verifica-se, que a PI foi apresentada em 15.02.2012 e nela visa-se impugnar um procedimento contratual que era relativo a um fornecimento que ocorreria durante o ano de 2012.
Em 30.11.2012 foi proferida a sentença recorrida, que foi comunicada às partes por ofícios datados de 04.12.2012. Em 21 e em 24.12.2012, foram interpostos os recursos e nesta data, já em 2013, está a ser proferido o presente acórdão.
Entretanto, já foi aberto um novo procedimento pela SPMS.
Face ao exposto, na presente data, a adjudicação em apreço esgotou os seus efeitos, por entretanto ter decorrido totalmente o ano de 2012.
Mas na data da prolação da decisão sindicada, em 30.11.2012, a quase totalidade daquele ano também já havia decorrido. Para o termo do ano de 2012, faltavam apenas os 31 dias do mês de Dezembro. Porque o dia 1 de Dezembro era domingo, a decisão só poderia ser comunicada às partes a partir do dia 2. Somados os 3 dias relativos à presunção de recebimento por correio da decisão proferida e os 10 dias a que acresciam necessariamente para o trânsito em julgado da decisão, nunca o mesmo ocorreria antes de 16.12.2012. E nessa data faltaria apenas 15 dias para o termo do ano.
Ou seja, a condenação da SPMS a retomar as operações do procedimento, a partir do primeiro Relatório Preliminar, de 02.11.2011, com vista a ser proferida uma nova decisão de adjudicação, já não conduziria a nenhuma utilidade efectiva, pois na data em que transitaria em julgado a decisão condenatória, os fornecimentos, na sua quase totalidade, já tinham ocorrido.
Ao proferir-se aquela condenação não se atentou no decurso do tempo entre a data da entrada da PI e a prolação da decisão, que inviabilizou o interesse do A. e Recorrido, a ver adjudicado a si o fornecimento posto a concurso e a proceder a esse fornecimento durante o ano de 2012.
Mas como se indica na decisão recorrida, nesta parte bem, não havia aqui uma inutilidade da lide, pois tal inutilidade há que ser aferida juridicamente e não apenas em termos fácticos. Enquanto a parte tem interesse jurídico, quanto a lide traz um benefício para a parte, não ocorre a sua inutilidade superveniente.
O que ocorre no caso presente é uma impossibilidade absoluta, ou impossibilidade tout court, do objecto negocial ou do cumprimento da obrigação, por já ter decorrido o ano em que o fornecimento teria de ocorrer. Ocorre tal impossibilidade, igualmente, porque na data em que foi proferida a decisão sindicada não seria fisicamente ou temporalmente possível que pudessem ser retomadas as operações do procedimento partir do primeiro Relatório Preliminar, de 02.11.2011, e ainda assim se conseguisse que o ano de 2012 não decorresse na sua totalidade. Como antes se assinalou, a decisão recorrida nunca poderia transitar em julgado antes de 16.12.2012, 15 dias antes do termo desse ano. Logo, seria impossível antes do fim do ano de 2012 retomar e concluir as operações do procedimento, podendo ainda vir a ser adjudicado durante esse ano de 2012, ao Recorrido, o fornecimento em apreço.
Esta matéria já foi alvo de diversas decisões do STA, nomeadamente nos Acs. do STA n.º 0648/10, de 16.12.2010, n.º 992/12, de 04.12.2012 e n.º 941/10, de 20.10.2011 (todos em www.dgsi.pt).
Seguindo-se agora tal jurisprudência superior, para ela remetemos.
E remete-se especialmente para o Ac. do STA, proc. n.º 0648/10, de 16.12.2010 (in www.dgsi.pt), no qual se decidiu o seguinte: «A impossibilidade absoluta é o impedimento absoluto da Administração praticar os actos jurídicos ou as operações materiais em que deveria consistir a execução da sentença (Simões de Oliveira, Contencioso Administrativo, Braga, pág.241).
A impossibilidade absoluta, ou impossibilidade tout court, do objecto negocial ou do cumprimento da obrigação é a situação em que, física ou juridicamente, aquele objecto é irrealizável ou irrealizável é o cumprimento da obrigação (cfr. Ana Prata, in Dicionário Jurídico, vol. 1º, pág.732). Ou nas palavras de Freitas do Amaral “é uma situação em que o devedor de todo em todo se encontra impedido de cumprir” (A Execução das Sentenças dos Tribunais Administrativos, pág. 125).
Também o STA entende que “a impossibilidade absoluta na execução de acórdão não tem a ver com a sua maior ou menor dificuldade, maior ou menor onerosidade da execução mas sim com a existência de um obstáculo de natureza material ou legal inultrapassável (Ac. de 14/7/2008-Proc. nº35910-B).
Igualmente, decidiu este mesmo Supremo que terá de existir um obstáculo de natureza material ou legal à execução do julgado que se traduza em impedimento inultrapassável (Acórdão de 9/12/2004-Proc. nº30373).
Neste sentido tinha já trilhado o STA no seu acórdão de 22/6/1993 ao decidir que “a impossibilidade como causa legítima de inexecução das decisões dos tribunais administrativos não se confunde com a dificuldade ou onerosidade da prestação que se haja de realizar. Só pode ter-se por impossível aquela a que em absoluto se oponha um impedimento irremovível” (Proc. nº26594-A).
Foi seguido este mesmo caminho nos acórdãos do STA de 1/6/1993-Proc. nº25294-A e de 2/4/1998-Proc. nº19815-A).
No presente caso, entende-se que há um obstáculo material que impede a satisfação do interesse da autora e que consiste no facto de já ter expirado o prazo durante o qual devia vigorar o contrato de fornecimento de alimentação para a Unidade Local de Saúde da Guarda (ano de 2009), EPE, para o qual fora aberto o concurso. Na verdade, é materialmente impossível a reversibilidade do tempo. Estamos, por isso, perante uma impossibilidade de facto (ver: Ac. do STA de 28/5/1987-Proc. nº13328-A).
Impossibilidade de facto resultante por se haver esgotado o objecto do contrato (corpo do acórdão do STA de 7/10/2009-Proc. nº823/08).
Várias têm sido as decisões dos nossos tribunais superiores neste sentido.
Neste sentido decidiu já o TCA-Sul, ao considerar que tendo já sido celebrado o contrato a que respeitava um determinado concurso e tendo decorrido já o prazo da sua vigência, tal determina a impossibilidade absoluta da satisfação da recorrente (Ac. de 21/1/2010-Proc. nº4949/09).
Igualmente este STA decidiu que “existe impossibilidade de execução do acórdão anulatório da adjudicação de sistema de TV por cabo feita pela câmara municipal a empresa privada se o contrato que se lhe seguiu se mostra cumprido, com o fornecimento completado – independentemente de se apurar se a Administração podia, neste caso, prosseguir nessa execução ou se devia ter suspendido os termos do concurso e da contratação com o requerimento da medida provisória e o respectivo decretamento” (Ac. do STA de 17/1/2006-Proc. nº404/2005).
Por acórdão do STA foi decidido que “não obstante a anulação do acto de adjudicação de uma empreitada de obra pública, se as obras respectivas foram totalmente concluídas, verifica-se a inexistência de causa legítima de inexecução que obsta à prática de novo acto de adjudicação” (Ac. do STA de 3/3/2005-Proc. nº41794-A).
Também “encontrando-se uma empreitada de obras públicas totalmente concluída, existe causa legítima de inexecução do julgado, por parte da Administração, relativamente a acórdão que anulou o acto de adjudicação daquela, no respectivo concurso” decidiu o STA (Ac. de 27/3/2001-Proc. nº44140; ver: Ac. do STA de 9/6/1998-Proc. nº29166-B).
No caso presente, não temos dúvidas sobre a verificação do requisito enunciado: impossibilidade absoluta da satisfação plena dos interesses do autor, da realização jurídico-prática da sua pretensão.
(…) Porém, uma impossibilidade absoluta pode não ser o mesmo que total.
Uma coisa é a procedência ser total se procedem todas as pretensões formuladas ao tribunal, ou meramente parcial, se apenas uma ou algumas; coisa bem diferente, é a impossibilidade absoluta da satisfação do interesse da autora. Assim, no caso dos autos, apesar de se estar na presença de uma procedência parcial dos pedidos, todavia, face ao facto de se haver esgotado o objecto do contrato, o seu interesse – de ser ela a fornecer as refeições no ano de 2009 – não pode ser satisfeito.
Assim, perante a existência da impossibilidade absoluta já referida não pode a autora ver satisfeito o seu interesse pelo que, face à procedência da acção, com a anulação do acto de adjudicação pelo acórdão do TCAN, não impugnada, há lugar ao cumprimento do disposto no artigo 102º nº5 do CPTA.
Neste sentido se pronunciaram Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha ao escrever “ora, a modificação objectiva da instância, nos termos do artº45º do CPTA, só tem lugar nos casos em que o pedido inicial devia proceder, mas subsiste um motivo que torna inviável a execução da pronúncia condenatória que viesse a ser emitida. É nesta situação que o tribunal convida as partes a acordarem no montante da indemnização devida, sem pronunciar a sentença pretendida pelo autor. Como a fixação da indemnização se destina a substituir a satisfação do pedido originário, o juiz não pode deixar, portanto, de exprimir um juízo de procedência quanto a esse pedido, dado que só a impossibilidade ou o excepcional prejuízo para o interesse público na execução da sentença favorável justificam a convolação do processo dirigido à emissão da decisão pretendida pelo autor num processo dirigido à obtenção de um sucedâneo económico (in Comentário ao CPTA, 2ª edição revista, pág. 262).».
Ou seja, também no caso dos autos não ocorreria uma inutilidade superveniente da lide, mas quanto ao pedido condenatório, ocorria uma impossibilidade absoluta de ser satisfeito.
Por conseguinte, estava o tribunal obrigado a accionar o artigo 105º, n.º 5, do CPTA, não proferindo sentença, mas antes convidando as partes a acordarem, no prazo de 20 dias, o montante da indemnização a que o autor tinha direito.
Haveria que apreciar-se o pedido impugnatório, que julgá-lo procedente, como foi o caso, mas de seguida, entendendo-se que ocorria uma impossibilidade absoluta, teria de haver lugar ao convite previsto no artigo 105º, n.º 5, do CPTA.
Ao assim o não fazer, a decisão recorrida errou e tem de ser parcialmente revogada.
E nesta medida procede o recurso da B………...
Em suma, verificando-se a ilegalidade do acto do CA dos SPMS, de 12.01.2012, que rectificou/sanou o acto de adjudicação de 21.12.2011, bem como deste acto de adjudicação, na parte em que adjudicou à Bayer os fornecimentos dos artigos E503 etinilestrafiol 0,03 mg e gestodeno (3/6 ciclos) e E505 etinilestrafiol 0,02 mg e gestodeno (3/6 ciclos), porque no que concerne à satisfação do pedido condenatório formulado pelo A. e Recorrido, existia uma impossibilidade absoluta de ser satisfeito, haver-se-ia de ter feito o convite previsto no artigo 105º, n.º5, do CPTA, em vez de se proferir a decisão condenatória.
Dispositivo
Pelo exposto, acordam em:
a) Negar provimento ao recurso apresentado pelo SPMS, mantendo nessa parte os fundamentos da decisão proferida.
b) Conceder provimento ao recurso apresentado pela B….. e revogar a decisão recorrida na parte em que se proferiu uma decisão final que configura uma sentença anulatória e quando se condenou a SPMS a retomar as operações do procedimento, a partir do primeiro Relatório Preliminar, de 02.11.2011, com vista a ser proferida uma nova decisão de adjudicação.
c) Determinar a baixa dos autos, para que aí siga o processo os seus termos e conforme determina o artigo 102º, n.º 5, do CPTA, para que se proceda ao convite aí referido.
d) Condenar o Recorrente SPMS nas custas.

Lisboa, 24 de Abril de 2013
(Sofia David)

(Carlos Araújo)

(Teresa de Sousa)