Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:10047/13
Secção:CA - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:07/11/2013
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:OPOSIÇÃO À AQUISIÇÃO DE NACIONALIDADE
PROVA
FUNÇÕES DE EMBAIXADOR
FUNÇÕES DE DIRECTOR ADJUNTO DA MISSÃO DO PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO
FUNÇÕES POLÍTICAS
FUNÇÕES PÚBLICAS SEM CARÁCTER PREDOMINANTE TÉCNICO
Sumário:I – Numa acção de oposição à aquisição de nacionalidade é errado concluir pela inexistência de ligação do Requerente à comunidade portuguesa quando este alegou na contestação factos concretos relativos àquela ligação, que não vieram a ser sujeitos a prova e a contraprova, porque o Tribunal não permitiu a instrução do processo, abrindo, após os articulados, uma fase para a produção de prova acerca da matéria controversa e em litígio, a relativa à indica ligação do Recorrente a Portugal.
II – As funções de Embaixador são funções públicas sem carácter predominante técnico, que integram a previsão dos artigos 9º, alínea c), da LN e 56º, n.º 2, alínea c) do RN.
III- A circunstância de o Requerente do pedido de nacionalidade já ter exercido essa actividade há 18 anos, não afasta aquela especial ligação. O exercício de tais funções de Embaixador são o bastante para que se considere que aquele cidadão tem com esse Estado estrangeiro uma afinidade natural que não se dilui significativamente com o passar do tempo. Aquelas funções exigem um comprometimento e uma absoluta lealdade com o Estado que se representa, que não são conciliáveis com o sentimento de pertença ao outro Estado, relativamente ao qual pede a nacionalidade.
IV- O exercício de funções de Director Adjunto da Missão do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento no Quénia, não são políticas nem têm uma especial ligação a Cabo Verde, mas são antes funções técnicas, desenvolvidas sem ligação directa ou dependência do Estado de Cabo Verde.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Recorrente: A...
Recorrido: Ministério Público
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul
Vem interposto recurso da sentença do TAC de Lisboa que julgou procedente a oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa e em consequência ordenou o arquivamento do processo conducente ao registo, pendente na Conservatória dos Registos Centrais.
Em recurso o Recorrente formulou as seguintes conclusões: «1 -O recorrente NUNCA renunciou à sua nacionalidade originária a Portuguesa; Nasceu em Cabo Verde com a nacionalidade Portuguesa, facto que a independência daquele País alterou, mas sem que alguma vez tivesse manifestado tal desejo. Sempre estudou na língua portuguesa, tendo até à independência, frequentado a escola pública portuguesa, e depois disso sempre estudou na língua portuguesa.
2 Concluiu os estudos e se licenciou em Direito, onde era um dos mais brilhantes alunos em direito administrativo, que lhe permite ser hoje um quadro superior das NU, organização supranacional , onde TODOS juram a sua independência face a todo e qualquer Estado.
3 Fala, escreve, lê, discute, dialoga em belíssimo Português; Conhece melhor que muitos a cultura e historia de Portugal que desde menino começou a aprender e a cultivar, coisa que os casamentos de interesse não têm e ainda assim têm a nacionalidade portuguesa
4 Casou com jovem esta já com a nacionalidade portuguesa, médica, formada e estagiaria nos Hospitais Civis Portugueses; Sua mãe é tb portuguesa; Deste Casamento, nasceram duas filhas, ambas já licenciadas em direito, em Lisboa, em português vivem, dialogam, cultivam a sua vida pessoal, familiar e profissional.
5 A família vive em casa própria em Lisboa, Tem pois fortíssima afinidade com a Comunidade, língua e cultura portuguesa; Só por manifesto lapso se pode dizer que não tem ligação e afectividade a Portugal, à sua língua e cultura; Tem uma forte identificação económica e cultural com Portugal, assim como toda a sua família, desde há décadas.
5-Tem uma ocupação profissional TECNICA de grande prestigio, antes em Angola, agora no QUENIA; Responsável técnico pela supervisão técnica e não politica; formula planos estratégicos e não políticos. Ou seja é alguém que em Português tem uma grande missão técnica de reconhecida importância e prestigio.
7 Não exerce quaisquer funções politicas ao serviço de qualquer Estado, sendo que as suas funções no PNUD são funções técnicas, remuneradas, bem remuneradas, E que nada tem a ver com a geo estratégia politica do QUENIA e muito menos de Cabo Verde, o que é funcionalmente proibido e obriga ajuramento profissional.
8 Resulta de matéria de facto provada que é o Director Adjunto da Missão do PNUD no Quénia, sendo esta uma organização das Nações Unidas, a que se candidatou, enquanto cidadão, e não ao serviço de qualquer Pais, facto impossível de facto, o que é ou devia ser conhecido do julgador; O facto dado como provado na douta decisão recorrida é de per si bastante para provar o aspecto técnico, sendo PROIBIDO qualquer função politica ao serviço das NU.
9 Só por manifesto erro jurídico se pode dizer que um técnico tem funções politica, e que É embaixador como TECNICO, esquecendo de dizer se é embaixador ao serviço do QUENIA, Angola ou Cabo Verde, pois que embaixador ao serviço da ONU só se fosse da boa vontade, e aí não teria funções técnico/Administrativas.
10 O direito aplicado na douta decisão recorrida serve a outros (actos e a outros intervenientes, não encontrando aqui um único (acto objectivo para a sua aplicação.
11 Encontra-se violado o disposto no art 13 da CRP, direitos fundamentais do cidadão, já que as disposições nacionais e internacionais, por mero erro interpretativo, que aqui foram aplicadas, impedem-no de um dos direitos mais elementares da CRP: O direito à cidadania portuguesa.
12 Como se encontra violado o direito de igualdade e de tratamento imparcial da AP. A fundamentação errada encontrada é uma NÂO fundamentação, pois que não se quadra nestes factos. Talvez noutros e noutro processo.
13 A ONU é uma organização supranacional, sem qualquer estatuto de Estado Independente, com leis ou Órgãos interno, e não sujeitos aos critério de organização e funcionamento dos Estados, ainda que para estes viva e para os povos de todo o Mundo.
14 VEXAS revogando a alias douta sentença recorrida, substituindo­a por outra que confirme o carácter técnico, Absolutamente técnico das funções ao serviço das NU, e sendo esta organização supranacional, não é um ESTADO e não tem representantes políticos noutros países, VEXAS farão a costumada».
Em contra alegações são formuladas pelo Recorrido as seguintes conclusões: «1. O Tribunal a quo actuou correctamente ao ordenar o arquivamento do processo conducente ao registo, pendente na Conservatória dos Registos Centrais;
2. Tal decisão decorre directamente da observância pelo Tribunal, da legislação aplicável que determina a recusa da concessão da nacionalidade portuguesa em determinadas situações;
3. Concretamente, estabelecendo o artº 9°, al. c), l" parte, da Lei da Nacionalidade, um fundamento para a recusa de concessão da nacionalidade Portuguesa consistente no desen1penho de funções publicas sem carácter predominantemente técnico, os cargos exercidos pelo recorrente junto das Nações Unidas e do Vaticano preenchem esse fundamento ainda que o recorrente argumente em sentido contrario sem todavia fazer qualquer tipo de prova nesse sentido, de resto, inexistente nos autos;
4. Ora sendo a decisão do Tribunal, ora posta em crise, legitimada pelo quadro legal vigente à data dos factos não pode ser-lhe imputada qualquer falha susceptível de fundamentar uma decisão diversa; e,
5 Mostrando-se a decisão devidamente fundamentada de facto e de direito, com referências claras aos meios de prova em que o Tribunal fundou a sua convicção não deve ser alvo de alteração.».
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Dos factos
Na 1º instância foram dados por provados os seguintes factos, factualidade que não é agora impugnada:
A) A... (doravante apenas requerido) nasceu no dia 3 de Novembro de 1968, na freguesia de Nossa senhora da Conceição, Fogo, Cabo Verde (fls 8, dos autos);
B) O requerido é filho de B... e C... , ambos de nacionalidade Cabo Verdiana (fls 8, dos autos);
C) No ano de 1986 o requerido conclui a licenciatura em Direito pela Faculdade de Direito de Lisboa (fls 14, dos autos);
D) Em 27 de Junho de 1987 o requerido contraiu casamento na Capela da Nossa Senhora da Conceição de Queluz, freguesia de Queluz, concelho de Sintra, com Maria do Céu Ramos Tavares, de nacionalidade portuguesa em 16 de Junho de 1981 (fls 11, dos autos);
F) Em 22 de Novembro de 2008 o requerido requereu o registo no registo Central do Contribuinte (fls 32 e 33, dos autos),
G) A 1 de Julho de 2010 a Embaixada de Portugal – secção consular, certificou (fls 59, dos autos): Certifica-se que o Senhor A... é funcionário do programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). O Sr. A... é o Director Adjunto da Missão do PNUD no Quénia e é responsável pela supervisão técnica e orientação dos funcionários do PNUD e assegura a cooperação e coordenação entre as unidades. A sua função principal é formular planos estratégicos, elaboração de programas e supervisionar a eficiência e resultados dos mesmos. Também representa a Missão do PNUD no Quénia no plano técnico com outras Agências N.U. com sede administrativa do PNUD, com funcionários governamentais, especialistas técnicos, doadores multilaterais e bilaterais e sociedade civil. (…).
H) O requerido foi nomeado Embaixador de Cabo Verde junto do Vaticano (fls 83 a 88, dos autos);
I) Em 13 de Janeiro de 2010 o requerido deu entrada na Conservatória dos Registos Centrais, mediante impresso próprio, da declaração para aquisição da nacionalidade portuguesa, onde declarou (fls 5 e 6, dos autos): - Ser casado com nacional português há mais de 3 anos; - Tem ligação afectiva à comunidade portuguesa; - Não foi condenado, por sentença transitada em julgado, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, segundo a lei portuguesa;- Não exerceu funções públicas sem carácter predominantemente técnico a Estado estrangeiro;- Não prestou serviço militar a Estado estrangeiro;
J) A partir da declaração foi instaurado na Conservatória dos registos Centrais o processo nº 5217/10 onde se observou a existência de facto impeditivo à pretensão do requerido, razão porque o registo não chegou a ser lavrado (fls 105 a 107,dos autos).
Nos termos do artigo 712º, ns.º 1 e 2 do CPC, alteram-se e acrescentam-se os seguintes factos provados:
E) No dia 2 de Março de 2009 o requerido foi fiador no contrato de compra e venda, mútuo com hipoteca e fiança da fracção autónoma, destinada a habitação identificada pela letra “C”, correspondente ao 1º andar esquerdo, sito na Rua ... nºs 7ª, 7B, 7 e 7C, Quinta da Amoreira, freguesia do Lumiar, sendo a compradora F... A... (fls. 18 a 24, dos autos);
L) Com data de 27.12.2010 o ora Recorrente enviou ao IRN a carta de fs. 123 a 125, que aqui se dá por reproduzida, na qual invoca nomeadamente ter casado há 25 anos com uma cidadã portuguesa, ter duas filhas a estudar em Portugal, identificar-se com os hábitos, tradições, história pátria portuguesa e ter-se integrado no Quénia com a comunidade portuguesa ai residente.
O Direito
Alega o Recorrente que a decisão recorrida errou porque demostrou ter uma fortíssima ligação a Portugal e as suas funções actuais como Director-Adjunto da Missão do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) são técnicas e não politicas. Por estas razões, diz o Recorrente que a decisão sindicada violou o artigo 13º da CRP e o seu direito à nacionalidade portuguesa.
Na decisão recorrida julgou-se não provada a ligação efectiva à comunidade nacional por parte do Requerente do pedido de nacionalidade. Mais se julgou, que o ora Recorrente desempenhava, ou desempenhou, funções públicas sem carácter predominantemente técnico. Considerou-se, depois, que ambas as circunstâncias constituíam fundamentos à oposição da requerida nacionalidade.
Nos termos do artigo 3.º, n.º 1, da Lei da Nacionalidade - LN, Lei n.º 37/81, de 03.10, na versão conferida pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17.04 - «[o] estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa mediante declaração feita na constância do matrimónio». «Constituem fundamentos de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa: // [a) [a] não comprovação, pelo interessado, de ligação efectiva à comunidade nacional».
«O estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português, se, na constância do matrimónio, quiser adquirir a nacionalidade, deve declará-lo» – artigo 11.º, n.º1, do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa – RN, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 237-A/2006, de 14.12.
«A declaração será instruída com certidão do assento de casamento e com prova da nacionalidade do cônjuge português (…)» – artigo 11.º, n.º 2, do RN.
«Todo aquele que requeira registo de aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou por adopção, deve: // a) Comprovar por meio documental, testemunhal ou qualquer outro legalmente admissível a ligação efectiva à comunidade nacional» – artigo 22.º, n.º 1, do RN.
Constitui jurisprudência assente a de que: «Para que o cidadão estrangeiro adquira a nacionalidade portuguesa, não basta a prova do casamento com cidadão português há mais de três anos e a declaração da vontade de aquisição da nacionalidade do cônjuge, sendo conforme o art.º 9.º/a), da Lei da Nacionalidade (…) indispensável a existência duma ligação efectiva do interessado à comunidade nacional, que lhe incumbe provar, como estabelecido no art.º 22.º do RN (…) // A conclusão pela existência, ou não, de ligação efectiva ou pertença a comunidade nacional terá de resultar da ponderação dum conjunto de circunstâncias, como é o caso do domicilio, da estabilidade de fixação, da família, relevando a nacionalidade portuguesa do cônjuge e dos filhos, da actividade económica ou profissional, do conhecimento da língua falada ou escrita, dos usos, costumes e tradições, da história, da geografia, do convívio e integração nas comunidades portuguesas, das relações sociais, humanas, de integração cultural, da participação na vida comunitária portuguesa, designadamente, em associações culturais, recreativas, desportivas, humanitárias e de apoio, isto é, de todos os aspectos familiares, sociais, económico-profissionais, culturais e de amizade reveladores dum sentimento de pertença à comunidade portuguesa em Portugal ou no estrangeiro, relevando para tanto todos os elementos ou factores susceptíveis de revelar a efectiva inserção do interessado na cultura e no meio social nacional que no caso concorram – ou deixem de concorrer» – cfr. Ac. do STJ, de 06.07.2006, P. 06B1740, in www.dgsi.pt.
«A pertença á comunidade nacional ou a ligação efectiva a esta não se pode definir pelo preenchimento de todos os itens que habitualmente são enumerados (conhecimento da língua, dos usos e costumes, da história, da geografia, das tradições, etc. e convívio e integração nas comunidades de portugueses) nem requer que a cada um deles seja conferido o mesmo relevo; antes exige que, numa visão de conjunto, seja possível concluir que a caminhada para adquirir a nacionalidade portuguesa se encontra estruturada e arreigada no pretendente» – Ac. do STJ, de 21.09.2004, P. 5ª327, in www.dgsi.pt.
No caso dos autos, o Recorrente casou com uma cidadã portuguesa. Tal casamento ocorreu em 27.06.1987, em Queluz, Sintra, Portugal.
O Recorrente estudou em Portugal, no curso de Direito, na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, durante 5 anos e até 1986.
Em 02.03.2009 o Recorrente foi fiador no contrato de compra e venda, de mútuo com hipoteca e fiança, da fracção autónoma, destinada a habitação identificada pela letra “C”, correspondente ao 1º andar esquerdo, sito na Rua ... nºs 7ª, 7B, 7 e 7C, Quinta da Amoreira, freguesia do Lumiar, fracção que terá sido comprada por uma das suas filhas.
Com data de 27.12.2010, o ora Recorrente enviou ao IRN a carta de fs. 123 a 125, na qual invoca nomeadamente ter casado há 25 anos com uma cidadã portuguesa, ter duas filhas a estudar em Portugal, identificar-se com os hábitos, as tradições, a história pátria portuguesa e ter-se integrado no Quénia com a comunidade portuguesa ai residente.
Na contestação que apresentou, o ora Recorrente diz que conhece muito bem a cultura portuguesa, que tem amigos portugueses, que ambas as filhas estudam em Portugal e que é em Portugal que tem a habitação, a vida familiar e onde se integra sócio e economicamente.
Após os articulados, sem que se procedesse a mais prova, prolatou-se a decisão recorrida, ali se entendendo que nos autos estava provada a inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional por banda do ora Recorrente.
A presente acção é de simples apreciação negativa, pelo que competiria ao Réu e ora Recorrente fazer a prova da sua ligação efectiva à comunidade portuguesa. Ao Estado, por seu turno, competia a contraprova desses factos (cf. artigos 342º e 343º, n.º1, do Código Civil; cf. neste sentido os Acs. n.º 4125/08, de 21.10.2008, n.º 3697/08, de 13.11.2008, n.º 4150/08, de 19.11.2009, n.º 488/09, de 26.05.2011 ou n.º 5367/09, de 19.11.2009, todos em www.dsgi.pt). Mas, para tanto, teria o Tribunal que permitir a instrução do processo, abrindo, após os articulados, uma fase para a produção de prova acerca da matéria controversa e em litígio, a relativa à indica ligação do Recorrente a Portugal.
Ou seja, face ao teor das alegações do R. e ora Recorrente insertas na contestação, considerando ainda o teor da carta por este enviada em 27.12.2010 e os restantes elementos trazidos aos autos - dos quais se extrai que o Recorrente estudou em Portugal pelo menos durante 5 anos, que aqui casou, que tem cá a residir e a estudar as suas filhas e que foi fiador de uma casa aqui comprada por F... Teixeira, que será uma das suas filhas - antes de se concluir pela inexistência de ligação do R. e Recorrente a Portugal, haveria que abrir-se um período para a prova, com vista a apurar da invocada falta de ligação à comunidade nacional, aduzida pelo DMMP, ou, ao invés, a existência essa ligação, invocada pelo ora Recorrente na sua contestação.
Logo, nesta parte, a decisão claudica, estando a sua fundamentação errada, porquanto concluiu pela inexistência de ligação do Recorrente à comunidade portuguesa, quando tal conclusão não se alicerçou em factos sujeitos a prova e a contraprova.
Porém, nos autos está provado que o ora Recorrente foi nomeado Embaixador de Cabo Verde junto do Vaticano. Tal facto, aduzido pelo A. e ora Recorrido, não é impugnado pelo R. e Recorrente.
Nos termos da alínea c) do artigo 9º da LN e da alínea c) do n.º 2 do artigo 56º, do RN, constitui fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa «O exercício de funções públicas sem carácter predominantemente técnico ou a prestação de serviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro.»
Ora, aquelas funções, de Embaixador de Cabo Verde, não são funções públicas sem carácter predominante técnico, mas antes são funções com uma carga política significativa. Enquanto Embaixador de Cabo Verde o Recorrente exerceu funções que implicaram a assunção e a prossecução das linhas políticas orientadoras do Estado que representava. Assim, exerceu funções que implicaram uma particular ligação a Cabo Verde e uma especial identificação com as grandes linhas condutoras da política do respectivo Estado, com a execução da política externa do Estado representado e da defesa dos seus interesses no plano internacional. Consequentemente, o exercício desse cargo é dificilmente conciliável com a sua integração na comunidade portuguesa. Em suma, o exercício de funções de Embaixador cabe na previsão dos artigos 9º, alínea c), da LN e 56º, n.º 2, alínea c) do RN, relativa ao exercício de funções públicas sem carácter predominantemente técnico.
Quanto à circunstância de o Recorrente já ter exercido essa actividade há 18 anos, tal não afasta aquela especial ligação. O exercício, no passado, de tarefas de carácter substancialmente político, de Embaixador, um cargo público de alto nível, com poderes para representar o seu Estado junto do Estado que o acolhe ou acredita, no caso, no Vaticano, exige uma fortíssima identificação com as políticas orientadoras do Estado que se representa. Enquanto Embaixador o Recorrente prossegue a política internacional do seu Estado, detendo poderes para essa representação e prossecução. O exercício de tais funções de Embaixador são o bastante para que se considere que aquele cidadão tem com esse Estado estrangeiro uma afinidade natural que não se dilui significativamente com o passar do tempo. Aquelas funções exigem um comprometimento e uma absoluta lealdade com o Estado que se representa, que não são conciliáveis com o sentimento de pertença ao outro Estado, relativamente ao qual pede a nacionalidade.
Assim, o exercício de funções de Embaixador de Cabo Verde junto do Vaticano integram um fundamento para a oposição da nacionalidade (cf. em sentido próximo, entre outros, os Acs. do STA n.º 653/11, de 29.11.2011, do STJ n.º 77301, de 28.02.1989 ou do TRL n.º 51662, de 31.10.1991, todos in www.dgsi.pt).
Já no que concerne à actividade que o Recorrente exerce no Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), de Director Adjunto da Missão do PNUD no Quénia, aceita-se que não integrem o fundamento à oposição da nacionalidade indicado nas citadas normas.
Como diz o Recorrente, o mesmo trabalha como Director-Adjunto da Missão do PNUD no Quénia. O PNUD é um órgão da Organização das Nações Unidas (ONU) que visa a promoção, o desenvolvimento e a eliminação da pobreza no mundo. Dirigido por um conselho executivo composto por membros eleitos pela Assembleia Geral, que reflectem a representação geográfica dos vários Estados que integram a ONU, as funções do PNUD são as estabelecidas na resolução da Assembleia Geral n.º 48/162, de onde avulta a função de implementar as políticas por esta definidas. Assim, com a estratégia de actuação previamente delimitada pela Assembleia Geral da ONU, o PNUD delimita áreas de actuação e no seu âmbito instituiu missões, as quais são integradas por profissionais contratados pela ONU e por voluntários.
No caso em apreço, o ora Recorrente será um técnico contratado pela ONU, que dirigirá como Adjunto a Missão para o Quénia. Como se indica no documento de fls. 59 (cf. facto G), é o Recorrente o «responsável pela supervisão técnica e orientação dos funcionários da PNUD e assegura a cooperação e coordenação entre unidades». Formula planos estratégicos, elabora programas e supervisiona a eficiência e resultados dos mesmos. «Representa a Missão do PNUD no Quénia no plano técnico com outras agências das NU». Ou seja, as funções que aqui desempenha, não são políticas nem têm uma especial ligação a Cabo Verde, mas são antes funções técnicas, desenvolvidas sem ligação directa ou dependência do Estado de Cabo Verde (cf. documentos programa relativos aos protocolos celebrados entre a ONU e o Quénia e estatutos da Missão em http://www.ke.undp.org/content/kenya/en/home/operations/legal_framework; cf. também o estatuto das NU e seus órgãos em http://www.un.org/en/).
Por fim, refira-se, que da aplicação das citadas normas da LN e do RN não resulta qualquer violação dos direitos do Recorrente à cidadania ou à igualdade. Tem o mesmo a cidadania Cabo Verdiana (não é um apátrida) e a sua situação integra-se no fundamento à oposição da nacionalidade indicado nos artigos 9º, alínea c), da LN e 56º, n.º 2, alínea c) do RN, situação que não é igual à dos demais estrangeiros que requerem a nacionalidade portuguesa mas não exerceram funções públicas de cariz político.
Em suma, no caso em apreço a presente oposição à nacionalidade procede, mas apenas com fundamento no facto de o ora Recorrente ter exercido as funções de Embaixador de Cabo Verde, o que constitui um fundamento válido àquela oposição, por aplicação dos artigos 9º, alínea c), da LN e 56º, n.º2, alínea c) do RN.
Decisão
Pelo exposto, acordam em:
a) em negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida, mas com a fundamentação ora adoptada;
b) custas pelo Recorrente.
Lisboa, 11/07/2013
(Sofia David)

(Carlos Araújo)

(Teresa de Sousa)