Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1085/11.2BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:10/08/2020
Relator:VITAL LOPES
Descritores:OPOSIÇÃO;
GERENTE DE FACTO E GERENTE DE DIREITO;
RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA.
Sumário:1. A determinação da responsabilidade subsidiária afere-se à luz do regime legal em vigor à data em que as dívidas foram geradas.
2. Nos termos do artigo 24.º, n.º 1, da LGT, não basta para a responsabilização das pessoas aí indicadas a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respectivas funções.
3. Tanto no caso da responsabilidade pela insuficiência patrimonial prevista na alínea a) do artigo 8º do RGIT, como na responsabilidade pela falta de pagamento prevista na sua alínea b), recai sobre a Fazenda Pública o ónus da prova dos respectivos pressupostos de culpa ou imputabilidade.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1 – RELATÓRIO

A Exma. Representante da Fazenda Pública, recorre da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a oposição deduzida por A.......... à execução fiscal n.º .......... e apensos contra si revertida e originariamente instaurada contra a sociedade “I.........., LDA.”, por dívidas provenientes de IVA dos períodos de tributação de Outubro a Dezembro do ano de 2007 e de Abril a Junho e de Outubro a Dezembro de 2010, de retenções na fonte de IRS dos períodos de tributação dos anos de 2008, 2009 e 2010, de IRC dos períodos de tributação do ano de 2007, 2008 e 2009 e juros de mora e juros compensatórios dos anos de 2007 e 2008 e coimas dos anos de 2008, 2009 e 2010, no montante total de € 40.457,17.

A Recorrente conclui as suas doutas alegações assim:
«

CONCLUSÕES:

A. Vem o presente recurso interposto da Douta sentença proferida pelo Meritíssimo Tribunal a quo que julgou procedente, por provada, a oposição à execução fiscal com fundamento na ilegitimidade do Oponente, por ter considerado que a Administração Tributária não logrou demonstrar que, para além de deter a qualidade de gerente de direito da devedora originária, o Oponente também exercia de facto a gerência;

B. Não pode a Representação da Fazenda Pública conformar-se com o assim decidido, porquanto considera ter demonstrado que o Oponente exerceu de facto a gerência, pois a mesma era conjunta e plural, e conforme resulta dos autos, o ora Oponente praticou actos em representação da sociedade devedora originária, nomeadamente:
- apresentação de requerimento de 30-05-2018, por si assinado, com menção expressa à sua qualidade de gerente e com aposição do carimbo da Sociedade, nos termos do qual solicita o pagamento da dívida em prestações, cfr. fls. 103 dos autos;
- apresentação de requerimento de 06-06-2008, por si assinado, com menção expressa da sua qualidade de gerente e com aposição do carimbo da Sociedade em causa, nos termos do qual solicita a anulação de penhora de créditos, cfr. fls. 69 dos autos e fls. 3 do PEF junto aos autos;

C. Apesar do douto tribunal a quo dizer não olvidar a intervenção do ora Oponente nos actos em causa, conclui que “só podem ser considerados gerentes de facto os sujeitos que se ingerem na atividade de gerentes de forma estável e com carácter de continuidade, no que se refere à representação societária, não bastando uma intervenção isolada, como no caso em apreço (…).”, cfr. pág. 20 da sentença ora recorrida;

D. Ora, não pode a Representação da Fazenda Pública conformar-se com tal conclusão, ou seja de que a intervenção do Oponente teria carácter isolado, quando o Tribunal a quo refere, seguidamente, a pág. 21 da douta decisão, que “o Oponente assinava documentos relacionados com o giro normal da Sociedade, mais especificadamente, contratos e cheques (…)”;

E. Sendo que, conforme resulta do acórdão do TCA Sul, de 30.10.2014, p. n.º 06216/12, “A assinatura de cheques necessários ao giro comercial da sociedade executada originária faz prova do exercício de facto de poderes de gerência da mesma.”;

F. Acresce que, da circunstância de ter resultado da prova produzida que o ora Oponente exercia funções na área técnica, sendo responsável pela área comercial da Sociedade e que o outro sócio-gerente, a Sra. D. C.......... era responsável pela área financeira, tal não coloca em causa o exercício de facto da gerência;

G. A este respeito se pronunciou já o TCA Sul, no Acórdão 05690/12, de 19-11-2015, em cujo sumário pode ler-se o seguinte:
É insuficiente para se concluir pelo não exercício de facto da gerência do Oponente quando resulta da prova testemunhal que este exercia de funções na área técnica e o outro sócio gerente na área financeira da sociedade, quando resulta da prova documental que a sociedade se vincula com a assinatura dos dois únicos gerentes da sociedade, não ficando afastada portanto a conclusão de que o Oponente vinculava por meio da sua assinatura a sociedade, e porque consubstancia também a prática de actos de gerência os que são praticados com animus decidendi em outras áreas empresarias por todas estes actos condicionarem, directa ou indirectamente, com maior ou menor intensidade, os destinos da sociedade.”;

H. Resulta, ainda, do citado aresto, em situação idêntica à dos presentes autos, que “(…) o facto de o Oponente não estar encarregue da parte administrativa e financeira (…) não são factos suficientes para pelo não exercício de facto da gerência da executada originária pelo Oponente, desde logo porque, (…) a sociedade obrigava-se com a assinatura dos dois únicos gerentes.
Ou seja, considerando que a vinculação da sociedade passava pela assinatura dos dois únicos gerentes de direito da sociedade, o facto de um deles apenas estar encarregue da parte técnica empresarial, não afasta a conclusão que daquele outro facto se retira, ou seja, que o Oponente sempre teria de assinar vários documentos (mesmo os de cariz financeiro) com o outro sócio gerente, pois era assim que a sociedade se vinculava. (sublinhado nosso).
(…)

Repare-se que numa estrutura empresarial existem várias áreas funcionais: financeira, recursos humanos, gestão stocks, técnica, etc., e por conseguinte, é natural que havendo mais que um gerente haja uma repartição de responsabilidades no exercício das várias funções.
(…)

Das regras da experiência comum resulta que o Oponente tendo sido nomeado gerente de direito, e a sociedade obrigando-se com a assinatura dos dois únicos gerentes, juntamente com o facto de o Oponente exercer funções na área técnica empresarial da sociedade executada originária, da qual era o responsável, o Oponente também tomava decisões que condicionavam o destino da sociedade na obtenção de proveitos, e nessa medida, pelo menos nessa parte, tinha o controlo da empresa, praticava actos efectivos de gestão.”;

I. Pelo que, salvo o devido respeito, tendo o Oponente intervindo em representação da sociedade originária executada tomando decisões, na área comercial da qual era responsável, e assinando, como gerente, documentos necessários ao giro comercial da sociedade e vinculativos daquela perante terceiros, certo se tornava concluir pela intervenção do Oponente na gestão da devedora originária e, consequentemente, deveria o Tribunal a quo ter considerado que aquele exercia, de facto e de direito, a gerência da Sociedade;

J. Acresce que, no caso dos autos, a AT fundamentou a reversão no disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT – cfr. fundamentação constante do despacho de reversão, pelo que, estando em causa tal normativo legal, presume-se a culpa do Oponente pela falta de pagamento da dívida revertida, daí resultando que compete ao Oponente alegar e provar que a falta de pagamento da dívida revertida não lhe é imputável;

K. Ora, incumbindo ao Oponente demonstrar que a falta de pagamento das dívidas tributárias não lhe pode ser imputada, a verdade é que não alegou factos concretos de onde se pudesse inferir que a falta de pagamento se ficou a dever a circunstâncias que lhe são alheias e que não lhe podem ser imputadas;

L. Em face do exposto, deveria o Tribunal a quo, ao invés do decidido, ter considerado demostrado que o Oponente exerceu de facto e de direito a gerência da Sociedade, devedora originária, e que operada a reversão nos termos da alínea b), do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, desacompanhada da ilisão da presunção da culpa que impende sobre o Oponente, este se apresenta como parte legítima na execução;

M. Pelo que, urge concluir que ao não decidir desse modo, o Tribunal a quo assentou a sua fundamentação na errónea apreciação das razões de facto e de direito, em clara e manifesta violação do artigo 24.º da LGT e dos requisitos legalmente consignados nos artigos 252.º, 259.º, 260.º, 261.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC).

Termos em que com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, consequentemente, ser revogada a sentença ora recorrida, devendo a mesma ser substituída por decisão que declare a Oposição improcedente, com as devidas consequências legais, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!».


O Recorrido apresentou contra-alegações, que termina com as seguintes e doutas conclusões:
«


».

O Exmo. Senhor Procurador-Geral-Adjunto emitiu mui douto parecer concluindo que o recurso não merecerá provimento.

Com dispensa dos vistos legais dada a simplicidade das questões a resolver, e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.


2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação do Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), a questão que importa resolver reconduz-se, em suma, a indagar se a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir que a factualidade dos autos não suporta a conclusão de que o oponente exerceu a gerência da sociedade devedora originária.

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em sede factual, deixou-se consignado na sentença recorrida:
«

1. Dos Factos

Compulsados os autos e analisada a prova documental produzida, nomeadamente no processo de execução fiscal apenso e a prova testemunhal produzida, dão-se como provados, com interesse para a decisão, os factos infra indicados:

A) Em 02/12/2005, pela inscrição com o n.º AP……….., foi registada na Conservatória do Registo Predial/Comercial de Torres Vedras a constituição da sociedade por quotas denominada de “I……………LDA”, com o NIPC…………, com sede na Rua………….., n.º….., Loja C, Torres Vedras, …………. Torres Vedras, distrito de Lisboa, concelho de Torres Vedras e freguesia de Torres Vedras (São Pedro e Santiago), com o capital social de 5.000,00 €, tendo dois sócios, A.......... (Quota: 2.500,00 Euros) e C.......... (Quota: 2.500,00 Euros) - cfr. impressão de certidão permanente/empresa on-line da Conservatória do Registo Predial/Comercial de Torres Vedras, fls. 76 e 77 dos autos;

B) Conforme a inscrição mencionada na alínea anterior, a sobredita sociedade tem a seguinte forma de obrigar: “é necessária a intervenção conjunta de dois gerentes.” (cfr. impressão de certidão permanente/empresa on-line da Conservatória do Registo Predial/Comercial de Torres Vedras, a fls. 77 dos autos);

C) No mesmo ato foram designados gerentes, A.......... e C.......... (cfr. impressão de certidão permanente/empresa on-line da Conservatória do Registo Predial/Comercial de Torres Vedras, a fls. 77 dos autos);

D) Em 27/03/2008, foi instaurado o processo de execução fiscal n.º .......... contra a sociedade identificada em A), pelo Serviço de

Finanças de Torres Vedras para a cobrança coerciva de dívida de IVA, do período de tributação de 10/2007 a 12/2007, no montante de € 21.509,60 - cfr. autuação e certidão de dívida n.º …. a fls. 1 e 2 do PEF apenso;

E) Em nome da sociedade identificada em A), foram emitidas certidões de dívida que originaram a instauração de diferentes processos de execução fiscal para a respetiva cobrança coerciva que a seguir se discriminam:

N.°
Certidão N.°

(Doc. 1)

PeríodoTributoQuantia Exequenda €
2008
IRS
638,50
2008
COIMA2.724,56
2008
COIMA
139,97
2008
COIMA
147,93
2008
COIMA
111,00
2007
IRC
6.095,91
2008
COIMA2.822,71
2008
COIMA
357,52
2008
COIMA
287,50
2009
COIMA
108,90
2009
COIMA
182,72
2009
COIMA
189,05
2009
COIMA
251,81
2009
COIMA
153,86
2009
COIMA
129,34
2009
COIMA
140,47
2009
COIMA
126,26
2009
COIMA
108,90
2009
COIMA1.525,25
2009
COIMA
108,90
2009
COIMA
108,90
2009
COIMA
256,40
2009
COIMA
108,90
2009
COIMA
230,75
2009
IRS
174,00
2009
IRS
174,00
2008
IRC
1.336,18
2009
IRS
174,00
2009
IRS
150,00
2009
COIMA
111,90
2009
COIMA
111,90
2009
IRS
324,00
2010
IRS
174,00
2010
IRS
174,00
2010
COIMA
81,45
2010
COIMA
86,32
2010
IRS
174,00
2010
COIMA
116,77
2010
COIMA
86,32
2010
COIMA
86,32
2010-04 a 2010-
06
IVA-PF9.192,53
2010
COIMA
86,32
2009
IRC
882,00
2010
IRS
1.092,00
2010-10 a 2010-
12
IVA-PF6.246,17

cfr. certidões de dívida, juntas sob o doc. n.º 1 no âmbito da informação prestada ao abrigo do artigo 208.º do CPPT, a fls. 20 a 68 dos autos;



F) O PEF n.º .........., referido na alínea D), foi eleito processo principal ao qual foram apensados os PEF mencionados na alínea anterior – cfr. termo de junta/informação/conclusão do Serviço de Finanças de Torres Vedras, a fls. 29 do PEF junto aos autos;

G) Em 30/05/2008, o Oponente assinou um requerimento em nome da

«I.........., LDA.» dirigido ao Chefe do Serviço de Finanças de Torres Vedras expondo e solicitando o seguinte: “1. A empresa é devedora ao Estado da importância de 38.191,25 Euros, que dizem respeito a coimas e IVA. 2. Foi promovida pelos respectivos serviços de finanças uma penhora de créditos sobre o único cliente que o contribuinte possui, pondo em causa a continuidade da actividade. Isto é, a signatária desenvolve a actividade de Angariação de clientes para outras empresas, especialmente na área das telecomunicações, com regime de exclusividade para uma única entidade. 3. De modo a não pôr em risco a actividade da empresa, e visto que atualmente não tem possibilidades de efectuar o pagamento de uma só vez da referida importância, vêm requer-se que seja autorizado o pagamento em dívida da signatária no máximo de prestações mensais e iguais possíveis, e o respectivo levantamento da penhora de créditos existentes no momento.
4. A empresa possui um único bem, Volkswagen Golf com a matrícula……., que desde já pretendemos dar como garantia para suportar o compromisso que assumimos. Certo da V/compreensão e, do alto sentido de justiça de V. Exa., aguardamos expectantes pelo diferimento desta pretensão do requerido. Pede deferimento.” – cfr. fls. 69 dos autos e a fls. 3 do PEF junto aos autos;

H) Em 30/05/2008, o Serviço de Finanças de Torres Vedras registou, na aplicação informática “GESTEF”, a penhora no âmbito do pedido de pagamento em prestações formulado nos precisos termos constantes da alínea anterior – cfr. fls. 4 e 5 do PEF junto aos autos;

I) Em 06/06/2008, deu entrada no Serviço de Finanças de Torres Vedras um requerimento assinado pelo Oponente, na qualidade de “Gerente da Empresa I.........., Lda.” e dirigido ao Chefe do Serviço de Finanças de Torres Vedras, a solicitar a anulação da penhora de créditos existente sobre o seu único cliente B.........., Lda. e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido – cfr. fls. 103 dos autos;

J) Em 13/12/2010, pela inscrição com o n.º AP.........., foi registada na Conservatória do Registo Predial/Comercial de Torres Vedras, a cessação de funções do cargo de gerente do Oponente por renúncia de 07/12/2010 - cfr. impressão de certidão permanente a fls. 77 dos autos e fls. 10 do PEF junto aos autos;

K) Em 19/05/2011, a Chefe de Finanças Adjunta, por delegação do Chefe do Serviço de Torres Vedras, proferiu “DESPACHO PARA AUDIÇÃO (REVERSÃO)”, que se dá por integralmente reproduzida, e que parcialmente infra se transcreve:
“Face às diligências de fls. 08, determino a preparação do processo para efeitos de reversão da (s) execução (ões) contra A......... contribuinte n.º ........., morador em COVA DO OURO –……. COIMBRA na qualidade de Responsável Subsidiário, pela dívida abaixo discriminada. Face ao disposto nos normativos do n.º 4 do Art. 23 e do Art.º 60º da Lei Geral Tributário, proceda-se à notificação do (s) interessado (s), para efeitos do exercício do direito de audição prévia, fixando-se o prazo de 10 dias a contar da notificação, podendo ela ser exercida por escrito/oralmente (1).
(…)

Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [art. 24º/nº1/b) LGT]



Nº PROCESSO PRINCIPAL: .......... TOTAL DA DÍVIDA EXEQUENDA: 40.457,17 EUR
1) TOTAL DE ACRESCIDOS: 0,00 EUR TOTAL: 40.457,17 EUR
* Conforme anexo (…)”
cfr. fls. 15 do PEF junto aos autos.

L) Por ofício «NOTIFICAÇÃO AUDIÇÃO-PRÉVIA (Reversão)», datado de 19/05/2011, foi comunicada ao Oponente a preparação dos processos de execução fiscal apensos ao PEF n.º .......... para reversão e que dispunha do prazo de dez dias para exercer o direito de audição prévia, constando do mesmo como fundamento do projecto da reversão a
«Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão (art.º 23º/nº2 da LGT): Dos administradores, directores ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [art. 24º/nº 1/b) LGT]”. – cfr. fls. 21 do PEF apenso, que se dá por integralmente reproduzido;

M) Em 06/06/2011, o Oponente exerceu o direito de audição prévia referente ao projeto de reversão referido no ponto anterior - cf. resposta a fls. 81 e 82 dos autos e fls. 22 e 23 do PEF junto aos autos;

N) Em 13/06/2011, foi exarada pelo Serviço de Finanças de Torres Vedras o documento denominado “TERMO DE JUNTADA/INFORMAÇÃO/CONCLUSÃO” no âmbito do PEF n.º .......... e apensos, referindo-se que “(…) “Cumpre-me também informar V. Exa., que após ter compulsado os presentes autos, e consultado os elementos existentes e disponíveis neste Serviço de Finanças (SF), verifiquei que:
1. A autuação foi efectuada em 2008-03-27, por divida de IVA-PF, do período 2007- 10 a 2007-12, no montante de € 21.509,60, e;
2. posteriormente foram apensos vários PEFs, conforme listagem de fls. 16 a 19, por dívidas de diversas proveniências, referentes a vários períodos desde 2007- 10 a 2010-12;
3. em 2008-05-30, a executada, na pessoa do seu gerente A.........., veio aos autos requerer o pagamento da dívida em prestações mensais (fls. 3);
4. todos os Planos Prestacionais em nome da executada, encontram-se interrompidos por incumprimento (fls. 28);
5. em 2009-09-26, foi elaborado um Auto de Diligências (fls. 8);

6. os gerentes da executada são A.......... e C.........., tendo o primeiro renunciado a gerência em 2010- 12-07 (fls. 9 a 13);
7. em 2011-05-19, foi determinada a preparação do processo para efeitos de reversão contra os responsáveis subsidiários antes indicados (fls. 29 e 30);
8. em 2011-05-19, foram os mesmos notificados para exercerem o direito de audição prévia (fls. 20 e 21), e;
9. em 2011-06-06, foi aquele direito exercido por A.......... (fls. 22 a 27), representado por “A......... - Sociedade de Advogados”, conforme procuração junta aos autos de fls. 27, que alega.
“...desde 07-12-2010, data em que renunciou à gerência e cedeu a sua quota...’’ (fls. 22);
a.

“...até essa data não exerceu as funções de Gerência de facto, o que sempre caberia a Vexas provar, e que não sucede...”(fls. 23);

10. decorrido o prazo estipulado na notificação referida no ponto 8., verifica-se que

não foi exercido aquele direito por C...........

Em face do antes informado, parece-me que a reversão deve prosseguir contra os responsáveis subsidiários supra referidos, nomeadamente para efeitos do artigo 160° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, no entanto V. Exa. melhor decidirá.” – cfr. fls. 29 dos PEF junto aos autos.

O) Em 13/06/2011, no PEF n.º .......... e apensos, foi proferido pelo Chefe de Finanças do Serviço de Finanças de Torres Vedras despacho de concordância sobre a informação referida no ponto anterior e, por sua vez, determinado a citação do Oponente para os termos da reversão e discorrendo do seguinte modo: “Proceda-se à citação pessoal de ambos os executados por reversão aqui identificados nos termos do artigo 160.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), podendo os mesmos, mo prazo de trinta dias a contar da data citação, proceder ao pagamento da quantia exequenda, com dispensa do pagamento de juros de mora e custas nos termos do artigo 23.º, n.º 5 da LGT ou, em alternativa, deduzir oposição, requer o pagamento em prestações ou dação em pagamento. Dê-se-lhes ainda conhecimento de que poderão reclamar ou impugnar as dívidas aqui em execução nos termos e prazos previstos nos artigos, respetivamente, 70.º, e 102.º. n.º 1, ambos do CPPT” – cfr. despacho, que se dá por integralmente reproduzido, a fls. 30 e 31 do PEF juntos aos autos.

P) Por ofício, o Serviço de Finanças de Torres Vedras remeteu para o Oponente, por carta registada, com aviso de receção, o instrumento constante a fls. 33 frente, denominado de «CITAÇÃO (Reversão)», cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, no qual consta o seguinte «(…) Pelo presente fica citado(a) de que é EXECUTADO(A) POR REVERSÃO, nos termos do art. 160º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), na qualidade de Responsável Subsidiário para, no prazo de 30 (trinta) dias a contar desta citação, PAGAR a quantia exequenda de 40.457,17 EUR de que era devedor (a) o(a) executado(a) infra indicado(a) , ficando ciente de que nos termos do n.º 5 do artigo 23º da Lei Geral Tributária (LGT), se o pagamento se verificar no prazo acima referido, não lhe serão exigidos juros de mora nem custas.
O)

Mais, fica CITADO de que, no mesmo prazo, poderá requerer o PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES, nos termos do artigo 196º do CPPT, e/ou a DAÇÃO EM PAGAMENTO, nos termos do artigo 201º do mesmo código, ou então deduzir OPOSIÇÃO JUDICIAL com base nos fundamentos prescritos no artigo 204º do CPPT. Informa-se ainda que, nos termos do nº4 do artigo 22º da LGT, a contar da data da citação, poderá apresentar RECLAMAÇÃO GRACIOSA ou deduzir IMPUGNAÇÃO JUDICIAL, com base nos fundamentos previstos no artigo 99º do CPPT, e os prazos estabelecidos nos artigos 70º e 102 do CPPT. (…).



Q) Em 20/06/2011, o Oponente assinou o documento intitulado «CITAÇÃO – NOTIFICAÇÃO VIA POSTAL/ AVISO DE RECEPÇÃO», identificado com o registo n.º RC……………. - cfr. fls. 33, verso, do PEF junto aos autos;

R) O Oponente desempenhava funções na área comercial da sociedade devedora originária identificada em A), mais concretamente, na área das vendas - cfr. depoimento das testemunhas, Sra. C.......... e Sra. M.........;

S) O Oponente assinava cheques e contratos, quando necessário, a pedido da Sra. C.......... – cf. depoimento da testemunha Sra. C..........;

T) A Sra. C.......... era responsável pela área financeira da I.........., Lda., bem pela sua gestão corrente, nomeadamente, pela contratação de pessoal e tratamento das questões relacionadas com as instituições bancárias (levantamentos, depósitos e transferências bancárias) - cfr. depoimento da testemunha Sra. C..........;

U)A Sra. C.......... era responsável pela contabilidade da I.........., Lda. e lidava diretamente com a Sra. M........., encarregada com a organização da contabilidade da referida sociedade – cfr. depoimento da testemunha Sra. M.........;
O)

V) A petição inicial da presente oposição foi remetida ao serviço de Finanças de Torres Vedras por carta registada com aviso de receção (RC………………) em 05/09/2011 – cfr. selo de registo dos CTT constante do envelope a fls. 18, verso dos autos.


FACTOS NÃO PROVADOS

Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afetar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.

*

MOTIVAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO

A convicção do tribunal que permitiu dar como provados os factos acima descritos assentou na análise nas informações oficiais, dos documentos constantes dos autos e do processo de execução fiscal apenso aos autos, referidos a propósito de cada uma das alíneas do probatório, bem como, nos depoimentos das testemunhas arroladas, nomeadamente, a Sra. C.......... e a Sra. M..........

No que respeita aos factos descritos nas alíneas R) a U), o Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na prova testemunhal produzida, tendo todas as testemunhas inquiridas prestado depoimentos de forma credível, segura, consistente e esclarecedora.

Ambas as testemunhas retrataram a forma de funcionamento da sociedade devedora originária e que conheciam pessoalmente o Oponente. Por sua vez, afirmaram, de igual modo, que o Oponente nem tinha qualquer intervenção na gestão corrente da mesma.

A primeira testemunha, Sra. C.........., cuja razão de ciência se funda na circunstância de ser, ao tempo, sócia e gerente da sociedade I.........., Lda., foi relevante para aferir do desenvolvimento do giro normal da sociedade e dilucidar quem efetivamente detinha o poder de controlar e determinar a sua vontade social, definindo o seu rumo e estratégia e tudo o que se relaciona com a sua estabilidade, progresso ou sobrevivência da mesma, exteriorizando as suas opções e, nessa medida, o seu testemunho confirmou os factos provados nas alíneas R) a T) do probatório.

Em igual sentido, a testemunha, Sra. M........., cuja razão de ciência se funda na circunstância de ter sido encarregue com a responsabilidade pela organização da contabilidade da sociedade I.........., Lda., afirmou que o Oponente trabalhava na área das vendas, ou seja, contacto com os clientes e, dessa forma, confirmando o facto provado na alínea R) do probatório.

Por sua vez, declarou ainda que em virtude do desempenho da sua atividade profissional junto da sobredita sociedade, toda a documentação para a contabilidade era-lhe entregue pessoalmente pela testemunha, Sra. C.......... e, como tal atestando o facto provado na alínea U) do probatório.

Daqui resulta que a convicção do Tribunal assentou não só na análise individualizada de cada um dos meios de prova, mas sobretudo na sua apreciação conjunta.».

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A única questão colocada no recurso reconduz-se a indagar se a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir pela ilegitimidade substantiva do oponente, aqui Recorrido, para a execução fiscal.

Na óptica da Recorrente, a prova produzida e os factos vertidos no probatório, suportam a inequívoca conclusão de que o Recorrido exerceu a gerência da sociedade devedora originária (SDO) no período a que se reportam as dívidas.

Vejamos então de que lado está a razão.

A execução fiscal em causa nos presentes autos destina-se à cobrança de dívidas provenientes de IVA dos períodos de tributação de Outubro a Dezembro do ano de 2007 e de Abril a Junho e de Outubro a Dezembro de 2010, de retenções na fonte de IRS dos períodos de tributação dos anos de 2008, 2009 e 2010, de IRC dos períodos de tributação do ano de 2007, 2008 e 2009 e juros de mora e juros compensatórios dos anos de 2007 e 2008 e coimas dos anos de 2008, 2009 e 2010, (cf. ponto E) da matéria assente).

Constitui jurisprudência firme do STA (cf. por todos os acórdãos do Pleno da Secção do Contencioso Tributário, de 24/3/2010, tirado no proc.º 58/09 e de 11/05/2011, tirado no proc.º 0175/11, bem como os demais arestos neste último citados), que a responsabilidade subsidiária dos gerentes e respectivos pressupostos é matéria regulada pela lei vigente à data do facto gerador dessa responsabilidade.

Assim, estando em causa dívidas não anteriores a 2007, o regime de responsabilidade subsidiária dos gerentes concretamente aplicável às dívidas tributárias é o previsto no art.º 24º da LGT, que foi, aliás, o normativo invocado no projecto de reversão (cf. ponto K) da matéria assente).

O n.º 1 desse art.º 24º da LGT, estabelece o seguinte:

«1. Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.
2 – (…)».

Neste normativo está, assim, consagrada a responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes relativamente a dívidas cujo facto constitutivo tenha ocorrido no período do exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento tenha terminado depois deste exercício [alínea a)] ou vencidas no período do seu mandato [alínea b)].

Outrossim, decorre desse normativo que a responsabilidade subsidiária é atribuída em função do exercício do cargo de gerente e reportada ao período do respectivo exercício.
Ou seja, a gerência de facto, real e efectiva, constitui requisito da responsabilidade subsidiária dos gerentes, não bastando, portanto, a mera titularidade do cargo, ou o que vulgarmente se designa por gerência nominal ou de direito.

Ora, é sobre a Administração tributária, enquanto titular do direito de reversão, que recai o ónus de demonstrar os pressupostos que lhe permitem reverter a execução fiscal contra o gerente da devedora originária e, nomeadamente, os factos integradores do efectivo exercício da gerência, de acordo com a regra geral de direito probatório segundo a qual, àquele que invoca um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito que alega – cf. artigos 342º, nº 1, do Código Civil e 74º, nº 1, da LGT.

Com efeito, não há qualquer presunção legal que faça decorrer da qualidade de gerente nominal ou de direito, o efectivo exercício da função e que faça inverter o referido ónus de prova que recai sobre a Administração tributária, cumprindo salientar que da inscrição no registo comercial da nomeação de alguém como gerente apenas resulta a presunção legal (cf. art.º11º do Código do Registo Comercial) de que o nomeado é gerente de direito, não de que exerce efectivas funções de gerência e só quem tem a seu favor uma presunção legal, escusa de provar o facto a que ela conduz (cf. art.º350º, nº 1, do Código Civil).

Com pertinência e a propósito, deixou-se consignado no acórdão do STA, de 02/03/2011, tirado no proc.º 0944/10, o que com a devida vénia se transcreve:

«Na verdade, há presunções legais e presunções judiciais (arts. 350.º e 351.º do CC).
As presunções legais são as que estão previstas na própria lei.
As presunções judiciais, também denominadas naturais ou de facto, simples ou de experiência são «as que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos». (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 486; Em sentido idêntico, MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 215-216, e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 2.ª edição, página 289.).
De facto, não há qualquer norma legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito.
No entanto, como se refere no acórdão deste STA de 10/12/2008, no recurso n.º 861/08, «o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.
E, eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e provas produzidas ou não pela revertida e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que isso, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte (certeza jurídica) de essa gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ela tenha acontecido. (Sobre esta «certeza» a que conduz a prova, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 191-192.).
Mas, se o Tribunal chegar a esta conclusão, será com base num juízo de facto, baseado nas regras da experiência comum e não em qualquer norma legal.
Isto é, se o Tribunal fizer tal juízo, será com base numa presunção judicial e não com base numa presunção legal.»
Todavia, ainda que não seja possível partir-se do pressuposto de que com a mera prova da titularidade da qualidade de gerente que a revertida tinha não se pode presumir a gerência de facto, é possível efectuar tal presunção se o Tribunal, à face das regras da experiência, entender que há uma forte probabilidade de esse exercício da gerência de facto ter ocorrido.
Mas, por outro lado, na ponderação da adequação ou não de uma tal presunção em cada caso concreto, nunca há num processo judicial apenas a ter em conta o facto de a revertida ter a qualidade de direito, pois há necessariamente outros elementos que, abstractamente, podem influir esse juízo de facto, como, por exemplo, o que as partes alegaram ou não e a prova que apresentaram ou deixaram de apresentar».

Não perdendo de vista o regime legal aplicável e a jurisprudência citada, vejamos agora se a matéria factual assente na sentença recorrida permite concluir que o oponente/Recorrido exerceu a gerência da sociedade devedora originária.

Não constituindo a mera nomeação (ou inscrição no registo) como gerente base factual bastante para se poder concluir pela efectividade da gerência, importa verificar afinal que actos imputáveis ao oponente e susceptíveis de revelar o exercício da gerência ressaltam do probatório, sendo certo que a Recorrente não impugna, ou não impugna eficazmente (isto é, com observância do ónus imposto no art.º 640/1 do CPC), a matéria de facto.

«A chamada gerência de facto de uma sociedade comercial consistirá no efectivo exercício das funções que lhe são inerentes e que passam, nomeadamente, pelas relações com os fornecedores, com os clientes, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade. Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo facto, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros» - nestes termos, Rúben Anjos de Carvalho - Francisco Rodrigues Pardal, “Código de Processo das Contribuições e Impostos, Anotado e Comentado”, 2ª Edição, Coimbra, 1969, pág. 139, cit. no acórdão do TCA Norte , de 18/11/2010, proferido no proc.º00286/07.0BEBRG.

No caso dos autos, a Recorrente pretende se conclua pela efectividade da gerência com base na circunstância provada de o oponente ter praticado actos em representação da sociedade devedora originária, indicando “a apresentação de requerimento em 30/05/2008, por si assinado com menção expressa à sua qualidade de gerente e com aposição do carimbo da sociedade, nos termos do qual solicita o pagamento da dívida em prestações”, bem como a “apresentação de requerimento em 06/06/2008, por si assinado com menção expressa da sua qualidade de gerente e com aposição do carimbo da sociedade em causa, nos termos do qual solicita a anulação da penhora de créditos” (cf. pontos G) e I) da matéria assente).

Mais, ilustra o probatório que eram gerentes da SDO o oponente e C.........., ambos também sócios paritários da sociedade e que esta se obrigava com a intervenção conjunta dos dois gerentes (cf. pontos A) a C) da matéria assente). E, ainda, que o oponente assinava cheques e contratos, quando necessário, a pedido da outra sócia e gerente e que o oponente desempenhava funções na área comercial, concretamente na área de vendas da SDO (cf. pontos S) e R) da matéria assente).
Embora a Fazenda Pública não beneficie da presunção de que os gerentes nominais são também gerentes de facto, conforme jurisprudência estabilizada do STA que acompanhamos e acima referenciamos, a verdade é que há no processo prova suficiente para se inferir que o oponente exercia uma gerência efectiva, como se alcança da factualidade vertida nos dois parágrafos precedentes, extraída do probatório.

A circunstância de ser a outra gerente, C.........., quem se encarregava da contabilidade, da gestão corrente e dos assuntos financeiros, nomeadamente das operações bancárias, em nada conflitua com aquela inferência de efectividade da gerência do oponente, apenas indicando uma repartição das tarefas sociais, tão corrente nas organizações empresariais de tipo moderno em que cada administrador ou gerente se ocupa das tarefas para as quais está mais habilitado ou capacitado.

Como bem nota o Digno Magistrado do Ministério Público junto do tribunal recorrido, «a menor intervenção do oponente em alguns aspectos da vida da sociedade não é de molde a considerar que este carecia de capacidade decisória dentro da estrutura empresarial. Aliás, trata-se de uma circunstância normal – resultante de uma repartição dos pelouros da gerência entre os vários gerentes – que, em caso algum, poderia redundar na irresponsabilização de qualquer um dos dois gerentes».

E, na verdade, nada nos autos indica minimamente falta de capacidade decisória do oponente, pelo contrário, a sua intervenção era até necessária para vincular a sociedade devedora originária e a circunstância de apor a sua assinatura quando necessária à formalização de actos que obrigassem a sociedade, designadamente assinando cheques para pagamentos, é um indicador seguro de que intervinha activamente na vida empresarial, embora não se ocupasse da gestão corrente, nem do pessoal, nem da escrita.

Os elementos factuais dos autos são, pois, de molde a permitir formular um juízo seguro (ou de forte probabilidade) de efectividade da gerência do oponente, sendo de dar por verificado esse pressuposto legal da responsabilidade subsidiária dos gerentes por dívidas tributárias da sociedade sua gerida.

Concluindo-se pela efectividade da gerência, para ver afastada a sua responsabilidade pelas dívidas tributárias da SDO, incumbia ao oponente demonstrar que a falta de pagamento dessas dívidas não lhe pode ser imputada, antes resultou de circunstâncias externas e alheias e que, nas circunstâncias concretas, fez o que é exigível a um bonus pater familias para proteger o interesse dos credores sociais. Todavia, o oponente nada alegou e menos provou a tal respeito, tendo concentrado a sua defesa na alegação e prova de que não exercera a gerência da sociedade devedora originária, mas sem sucesso.

O que vale por dizer que estão preenchidos os pressupostos da responsabilidade subsidiária dos gerentes por dívidas tributárias da sociedade devedora originária, sendo o oponente parte legitima na execução por essas dívidas.

A sentença recorrida ao concluir diferentemente incorreu em erro de julgamento, sendo de revogar na parte em que decidiu ser o oponente parte ilegítima na execução por dívidas tributárias da SDO.

No que em particular respeita às dívidas provenientes de coimas fiscais, estabelece a disposição pertinente do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei 15/2001, de 05 de Junho, na redacção da Lei 60-A/2005, de 30 de Dezembro:


«Artigo 8.º
Responsabilidade civil pelas multas e coimas
1 - Os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração em pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas são subsidiariamente responsáveis:
a) Pelas multas ou coimas aplicadas a infracções por factos praticados no período do exercício do seu cargo ou por factos anteriores quando tiver sido por culpa sua que o património da sociedade ou pessoa colectiva se tornou insuficiente para o seu pagamento;
b) Pelas multas ou coimas devidas por factos anteriores quando a decisão definitiva que as aplicar for notificada durante o período do exercício do seu cargo e lhes seja imputável a falta de pagamento».

Tanto no caso da responsabilidade pela insuficiência patrimonial prevista na alínea a) do artigo 8º do RGIT, como na responsabilidade pela falta de pagamento prevista na alínea b), recai sobre a Fazenda Pública o ónus da prova dos respectivos pressupostos de culpa ou imputabilidade – vd. Acórdão do STA, de 13/03/2019, tirado no proc.º 0447/13.2BEVIS 038/18.

Nada tendo a Administração tributária provado ou sequer alegado quanto à culpa do oponente na situação de insuficiência patrimonial ou quanto à imputabilidade da falta de pagamento das dívidas provenientes de coimas fiscais, antes tendo operado a reversão quanto à totalidade das dívidas (tributárias e não tributárias) com base no art.º 24.º da LGT, não estão preenchidos os pressupostos de culpa exigidos no art.º 8.º do RGIT para operar a reversão, o que torna o oponente parte ilegítima na execução por dívidas desta natureza, sendo de confirmar a sentença recorrida neste segmento, embora com a presente fundamentação e negar provimento ao recurso nesta parte.

5– DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.º Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
Ø Conceder parcial provimento ao recurso;
Ø Revogar a sentença recorrida na parte em que julgou o oponente parte ilegítima na execução por dívidas tributárias, julgando a oposição improcedente nessa parte.
Ø No mais (dívidas provenientes de coimas fiscais), confirmar a sentença recorrida.

Custas na proporção do decaimento.

Lisboa, 08 de Outubro de 2020



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Vital Lopes




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Luísa Soares





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Cristina Flora