Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:12875/16
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:05/19/2016
Relator:CRISTINA DOS SANTOS
Descritores:MODELO DE AVALIAÇÃO – INVALIDADE DERIVADA DO CONTRATO - AFASTAMENTO DO EFEITO ANULATÓRIO
Sumário:1.A configuração da expressão matemática do modelo de avaliação em que se explicita, “que o preço máximo é o preço da proposta mais cara”, significa que a classificação relativa ao atributo preço se faz por recurso ao valor mais elevado do preço proposto por um dos concorrentes, na medida em que tal valor é introduzido na fórmula matemática que determina a ordenação das propostas, com efeitos conformativos do resultado.

2. A atribuição das pontuações parciais e consequente ordenação das propostas apresentadas mediante a aplicação do preço apresentado na proposta de um dos concorrentes, com valor de componente referencial de cálculo no modelo de avaliação, configura a violação do regime estabelecido no artº 139º nº 4 CCP.

3. A conformação e aplicação do modelo de avaliação nos termos referidos em 1. e 2., constitui causa de invalidade própria do acto de adjudicação, sancionável com a anulabilidade do acto por aplicação do regime do artº 163º nº 1CPA /revisão/2015.

4.A invalidade própria do acto de adjudicação tem efeitos repercutíveis no regime da invalidação derivada automática do contrato, entretanto celebrado na pendência da acção, como tal, determinativa da sua anulação conforme disposto no artº 283º nº 2 CCP.

5.O juízo de ponderação dos interesses públicos e privados em presença no caso concreto tem, necessariamente, que se fundamentar em matéria de facto julgada provada e levada ao probatório, de modo a subsumir tal factualidade na previsão normativa dos dois parâmetros legais de afastamento da invalidade consequente previstos no artº 283º nº 4 CCP, a saber,
(i)a anulação do contrato se revele desproporcionada e contrária ao princípio da boa-fé, ou
(ii)se demonstre inequivocamente que o vício não implicaria uma modificação subjectiva do contrato nem uma alteração do seu conteúdo essencial.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:A Entidade Reguladora da Saúde, com os sinais nos autos, inconformada com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada dela vem recorrer, concluído como segue:


A. A sentença a quo enferma de erro de julgamento de Direito porquanto o disposto no artigo 139°/4 do CCP não é aplicável ao tipo de procedimento adoptado no caso dos presentes autos.
B. No procedimento por ajuste directo a entidade adjudicante não está obrigada, em nenhuma das modalidades, em submeter a pretensão aquisitiva à concorrência, podendo convidar a apresentar proposta apenas um concorrente, sendo que no ajuste directo não existe programa de concurso, mesmo quando a entidade adjudicante prefira convidar mais do que um concorrente a apresentar proposta; e por fim, quando a entidade adjudicante convide mais do que um concorrente, esta não está obrigada a apresentar um modelo de avaliação das propostas.
C. Mas mesmo admitindo que fosse aplicável, tal não significaria automaticamente a sua violação, porquanto no caso concreto existiu um procedimento de negociação em que os concorrentes puderam apresentar novas propostas de preço, ficando dessa forma a referência ao preço da proposta rnais alta recebida com autonomia em relação ao preço concretamente avaliado, já que tal valor passou a ser público para os concorrentes previamente à fase de negociação e não foi objecto de avaliação pelo Júri.
D. Assim, sendo as propostas avaliadas, quanto ao factor preço, com base num preço conhecido de todos os concorrentes, ainda que decorrente de uma proposta entretanto já alterada, não ocorre qualquer vício ou violação das determinações constantes do artigo 139°/4 do CCP.
E. Ainda que assim não se entenda, a sentença a quo enferma ainda de erro de julgamento de Direito por ter entendido que não devia proceder à ponderação prevista no artigo 283°, n.° 4 do CCP.
F. A possibilidade prevista no artigo 283°, n.°4 do CCP constitui "uma válvula de escape do instituto da invalidado derivada do contrato, que visa evitar anulações que, em concreto, se mostrem desproporcionadas ou contrárias à boa fé, ou, então, se mostrem irrelevantes uma vez que a adjudicação, segundo a legalidade, levaria a outorgar o contrato ao mesmo adjudicatário, e sem alterações do seu conteúdo essencial.".
G. O Tribunal a quo conhecia que o contrato estava celebrado e em execução desde 2015-07-01 (Facto R da lista de factos assentes), pelo que não poderia "alhear-se, face ao n°4 do artigo 283° do CCP, de ponderar as consequências resultantes da sua anulação, sob pena de correr o risco de proferir uma decisão que fira o princípio da proporcionalidade, e seja, nessa medida, injusta.".
H. A sentença recorrida [deveria] ter feito a ponderação de interesses públicos e privados em presença, e reconhecido que o interesse da impugnante tem uma natureza meramente económica, por um lado, e difusa, por outro, já que a anulação do acto de adjudicação e do contrato não lhe conferem o direito à adjudicação, como a própria Sentença a quo reconheceu e decidiu.
I. O interesse da ora Recorrente é relevante e prevalecente do ponto de vista do interesse público que visa prosseguir, de avaliação da qualidade da prestação de cuidados de saúde pelos estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde sujeitos à sua jurisdição regulatória.
J. A anulação o acto irá impedir a introdução do módulo de satisfação dos utentes nas próximas publicações, prejudicando assim o acesso dos utentes a informação adequada e inteligível acerca da qualidade dos cuidados de saúde nos diversos prestadores.
K. Por outro lado, não decorre dos autos que tal ilegalidade tenha tido uma repercussão relevante na graduação das propostas, e na respectiva selecção da vencedora, ou seja, o vício não implicaria uma modificação subjectiva no contrato celebrado.
L. Com efeito, é absolutamente claro que se a regra do convite não padecesse do citado vício, tal não seria suficiente para operar uma modificação subjectiva do contrato, pois conforme decorre do relatório do Júri, o resultado da apreciação do factor preço até foi favorável à impugnante IPQ.
M. E mesmo que a avaliação, em vez de ter sido feita por referência à proposta mais alta, tivesse sido feita por referência a um preço base, isso não significaria que a avaliação do factor preço fosse diferente da que ocorreu, pois a proporção da diferença entre as propostas de preço manter-se-ia igual.
N. Especialmente tendo em conta que no procedimento em causa existiu uma fase de negociação das propostas em que cada concorrente teve a oportunidade de melhorar a respectiva proposta de preço, tendo acesso aos preços apresentados pelos outros concorrentes.
O. Pelo que, ao abrigo do artigo 283, n.° 4 do CCP, o efeito anulatório decorrente do vício de violação de lei imputado pela Sentença ao acto de adjudicação deveria ter sido afastado e assim, também por esta razão, ser concedido provimento ao presente recurso, revogada a sentença quanto a este ponto e julgada totalmente improcedente a acção urgente de contencioso pré-contratual.


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O Instituto Português da Qualidade IP contra-alegou, concluindo como segue:

A. Veio a Entidade Reguladora de Saúde interpor recurso da Sentença proferida pelo Tribuna! Administrativo e Fiscal de Almada de 11.11.2015, que julgou procedentes os pedidas formulados pelo Autor Instituto Português da Qualidade, l.P. ("IPQ") de anulação da decisão de adjudicação proferida pelo Conselho Directivo da Entidade Reguladora da Saúde ("ERS"), de 20.04.2015 e do contrato de prestação de serviços celebrado com a adjudicatária do Procedimento de Ajuste Directo.
B. A Sentença recorrida decidiu bem, pois do Convite constava que as propostas deveriam ser pontuadas no factor preço por comparação com o preço mais elevado proposto, o que viola flagrantemente o princípio da isolabilidade das propostas, previsto no artigo 139.°/4 do CCP.
C. A regra constante do artigo 139.°/4 do CCP tem plena aplicação no âmbito do ajuste directo, a partir do momento em que a entidade adjudicante (i) decide convidar mais de uma entidade a apresentar proposta e (ii) entende necessário elaborar um modelo de avaliação das propostas.
D. No âmbito do procedimento de ajuste directo, a entidade adjudicante encontra-se dispensada de elaborar um modelo de avaliação das propostas; porém, se entender elaborá-lo, com vista a facilitar a avaliação das propostas e a fundamentação da classificação atribuída, auto-vincula-se ao mesmo.
E. A elaboração do modelo de avaliação das propostas deve obedecer aos princípios e regras de CCP, nomeadamente a regra do artigo 139.°/4 do CCP.
F. Não deve proceder a alegação da Recorrente de que, tendo sido prevista uma fase de negociação, não ocorre violação do princípio da isolabilidade das propostas, uma vez que a hipótese de conluio entre os concorrentes, ou entre concorrentes e entidade adjudicante, existe, com ou sem negociação, uma vez que o factor preço continua a ser pontuado em razão da distância ou proximidade com o valor mais elevado apresentado.
G. Em abstracto, após a fase de negociações, pode ser apresentado um preço mais elevado, que altere a pontuação já atribuída de todas as propostas, apenas e tão só com esse propósito.
H. A Recorrente não alegou factos, nem requereu nos seus articulados que o contrato celebrado não fosse anulado, nos termos do artigo 283.°/4 do CCP, pelo que Tribunal a quo decidiu - e bem - anular o mesmo.
I. Ora, a própria disposição exige que a parte interessada requeira a sua aplicação e, para tanto, alegue factos que se possam subsumir na previsão da norma, para o tribunal possa ajuizar, após assegurar o contraditório, do afastamento de um efeito cominatório que de outra forma não poderia afastar.
J. Sem conceder, a gravidade da norma ofendida, que visa impedir o conluio entre concorrentes e entre estes e a entidade adjudicante e o facto de ser a segunda vez que a entidade adjudicante enceta um procedimento para aquisição dos mesmos serviços, com violação da mesma norma, justifica que não seja afastado o efeito anulatório do vício e assim seja anulado o contrato.
K. O mesmo histórico, de repetição do procedimento, reincidência nos mesmos vícios e impugnação em sede graciosa e contenciosa da decisão de adjudicação, associado à gravidade da ofensa, permite ainda perceber por que razão a anulação do contrato não é desproporcionada.
L. Desproporcionado seria não anular um contrato que desde a sua fase graciosa, realizada por duas vezes, padece do mesmo vício invalidante, para o qual o Recorrido tem alertado e que, não obstante, a entidade adjudicante entendeu celebrar, assumindo os riscos da sua invalidação em tribunal.
M. Para mais, a Recorrente não logrou demonstrar, nem tempestivamente, nem nas suas alegações de recurso que o vicio não implicaria uma modificação subjectiva, já que, encontrando-se o vicio na forma como foi pontuado o factor preço e não sendo possível) substituir a forma de pontuação neste factor por outra regra de pontuação, não é possível) expurgar o vício e apreciar qual o resultado da pontuação neste factor.


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Com dispensa de vistos substituídos pelas competentes cópias entregues aos Exmos. Juizes Desembargadores Adjuntos, vem para decisão em conferência - art°s. 36° n° 2 CPTA e 707° n° 2 CPC, ex vi art° 140° CPTA.

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Pelo Senhor Juiz foi julgada provada a matéria de facto que se transcreve:



A Por deliberação de 2014-11-20 do Conselho Directivo da Ré foi determinada a abertura de procedimento de contratação, para "Aquisição de serviços para a concepção e implementação de uma componente de avaliação da satisfação dos utentes dos estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde" - Ajuste Directo nº 19/2014CCP, cfr. fls. 1 a 5 do PA;

B A deliberação acima referida fixou a forma de procedimento - por ajuste directo - as cinco entidades a convidar, aprovou a minuta do ofício convite com o critério de adjudicação, aprovou o Caderno de Encargos e designou o júri do respectivo procedimento, cfr. fls. 1 a 23 do PA;

C Em 2014-11-28 foi recebido pelo Autor o ofício datado de 2014-11-27 expedido pela Ré, com o convite a apresentar proposta no procedimento de Ajuste Directo n° 19/2014CCP, tendo o ofício sido acompanhado dos anexos, declaração e cadernos de encargos, cfr. Doe n°.2 e 3, fls. 20 vrs a 29 dos autos e fls. 64 a 83 do PA.

D O critério de adjudicação foi o da proposta economicamente mais vantajosa, com os seguintes factores e respectiva ponderação, como consta do ponto 10. do ofício acima referido:"...




N Em 2015-04-22, através do ofício n.° 12809/2015 de 2015-04-21, foi comunicada ao Autor, a decisão de adjudicação, a favor do Contra-interessado e o Relatório final do Júri do concurso, cfr. fls. 352 a 362 do PA;

O Em 2015-04-28 o Autor apresentou reclamação administrativa da decisão de adjudicação, cfr. fls. 375 a 386 do PA;

P Em 2015-05-18, através do ofício nº 15219/2015, de 2015-05-14, foi comunicada ao Autor a decisão de indeferimento que recaiu sobre a reclamação apresentada, mantendo a decisão de adjudicação, cfr. fls. 416 a 428 do PA.

Q A presente acção de contencioso pré-contratual foi intentada em 2015-06-05, cfr. fls. 1 dos autos.

R O contrato para aquisição de serviços entre a Ré e o Contra-interessado foi celebrado em 2015-07-01, cfr. fls. 102 a 112 dos autos e fls. 441 a 450 do PA.





DO DIREITO


1. modelo de avaliação – artº 139º nº 4 CCP;

Vem suscitada nas alíneas A a D das conclusões de recurso a questão da inaplicabilidade do regime do artº 139°/4 do CCP ao tipo de procedimento adoptado no caso dos presentes autos, a saber o ajuste directo com o universo concorrencial delimitado pela formulação de convite a 5 (cinco) entidades, acompanhado do caderno de encargos com indicação da opção pela fase de negociações a decorrer em separado com cada um dos concorrentes (entidades convidadas que apresentaram proposta, no caso, duas) tendo por objecto único o preço apresentado por cada concorrente na respectiva proposta – cfr. alíneas A, B, C, G, H e I do probatório e doc. nº 3 fls. 21 dos autos; artº s. 40º nº 1 a), 112º, 113º nº 1, 114º nº 1, 115º nº 2 a) i) e nº 4, 118º nº 1 CCP.
De acordo com os termos expressos no convite, as propostas foram apresentadas via correio registado, sendo avaliadas para efeitos de ordenação por aplicação do critério da proposta económicamente mais vantajosa, com menção do respectivo modelo de avaliação cuja composição evidencia a fórmula matemática aplicada aos factores que configuram os atributos, ou seja, os aspectos da execução do contrato submetidos à concorrência conforme cláusulas 3ª e 4ª do Caderno de Encargos – vd. fls. 25 dos autos - bem como a grelha dos coeficientes de ponderação com que cada um desses atributos contribui para a valia global de cada proposta, sendo que, na circunstância, o valor do coeficiente de ponderação é idêntico para todos e cada um dos atributos – vd. alínea D do probatório; art. 115º nº 2 b) CCP.

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Temos assim que, embora a adopção do modelo de avaliação seja dispensável no ajuste directo mesmo sendo várias as entidades convidadas e o critério seja o da proposta económicamente mais vantajosa, (art. 115º nº 2 b) CCP), todavia, na exacta medida em que a Entidade Adjudicante ora Recorrente firmou com eficácia externa um universo concorrencial para a modalidade adoptada em linha com a decisão de contratar, é óbvio que se lhe impõe “(..) a obrigatoriedade de definição a priori, logo no momento inicial do procedimento, dos critérios que irão nortear a actividade de avaliação e de escolha da melhor proposta.
Com efeito, a existência de um critério de adjudicação é algo que não é dispensado em nenhum procedimento onde pode surgir mais de uma proposta, excepto no concurso de concepção (onde ainda assim existem critérios de selecção).
Há sem dúvida uma importante diferença entre o nível de auto-vinculação assumido no ajuste directo (quando se convide mais de uma entidade a apresentar proposta) e nos demais procedimentos, já que em todos estes últimos é obrigatória a existência de modelo de avaliação das propostas, o que não é exigível no ajuste (art. 115/2/ b) CCP); mas mesmo no ajuste directo o critério de adjudicação tem de existir e estar definido nos convites enviados às entidades convidadas, bem como os eventuais factores e subfactores que o densificam. (..)” (1)

*
No caso em apreço e uma vez que a entidade administrativa adoptou um modelo de avaliação, a configuração específica do concreto modelo patenteado no convite – peça que substitui o programa de procedimento (artº 115º nº 1 CCP) - deve evidenciar que foi “(..) definida para cada factor ou sub-factor elementar uma escala de pontuação através de uma expressão matemática ou em função do conjunto ordenado de diferentes atributos susceptíveis de serem propostos para o aspecto da execução do contrato submetido à concorrência pelo caderno de encargos respeitante a esse factor ou sub-factor” (artº 139º/3 CCP).
Isto significa que a pontuação de cada proposta (ou candidatura se for o caso) será o resultado da aplicação de uma expressão matemática, nos aspectos quantificáveis (não só o preço …), ou da pontuação correspondente ao grau da escala de pontuação que for correspondente aos atributos da proposta apresentada, se estivermos perante atributos qualitativos (..) ou seja [cabe] não só publicitar o critério de adjudicação e os seus elementos mas publicitar antecipadamente aquilo que os concorrentes têm de fazer para ter as pontuações pretendidas. (..)”(2)
Mas o legislador cuidou também em impor limites à entidade adjudicante no tocante à margem de liberdade de actuação na conformação e funcionamento do critério de adjudicação, dando especial relevo a um dever de razoabilidade e de “(..) escolha eficiente, o que implica consequências sobre o controlo do critério de adjudicação. Assim, por exemplo, deve reputar-se desconforme com esta exigência de razoabilidade um critério que para um determinado aspecto submetido à concorrência, considere que a melhor proposta não é, por assim dizer, a melhor proposta, mas sim a proposta mais próxima da média das propostas apresentadas … Tal hipotético critério, aliás, no Direito português vigente, não só seria ilegal por ser desrazoável e ineficiente … como por violar o artº 139º/4 do CCP que proíbe a construção do critério por referência às características das propostas a apresentar, que não as da proposta a avaliar. (..)”(3)
Ou seja, da conjugação do disposto nos nºs. 3 e 4 do artº 139º CPP decorre que a actuação administrativa tem um quadro específico de referência normativa, a saber, “(..) É possível adoptar fórmulas muito simples ou outras mais complicadas, mas o que não pode, em caso algum, é utilizar-se no modelo de avaliação das propostas quaisquer dados que dependam, directa ou indirectamente, dos atributos das propostas a apresentar, com excepção dos da proposta a avaliar (artº 139º/4) (..) Além da maior racionalidade, o propósito do legislador, com tudo isto, é evitar que a classificação das propostas dependa dos atributos das outras propostas (..)
O que está aqui em causa não é, portanto, a possibilidade de o júri, por vezes, recorrer a comparações entre as propostas apresentadas, mas a de fazer depender o funcionamento do modelo de avaliação de dados constantes das próprias propostas, de per se, ou, o que dá no mesmo, de fazer depender a classificação de uma proposta dos atributos das outras. (..)” (4)

*
Ora é exactamente isto que se passa no ajuste directo a que se referem os autos com a configuração da expressão matemática do modelo de avaliação conforme alínea D do probatório, na medida em que na equação PF = PP x 0,4 + PM x 0,6, a pontuação final (PF) é o resultado da pontuação do preço (PP) calculado pela diferença entre o Preço máximo – Preço proposto/sobre preço máximo x 100, explicitando-se, “que o preço máximo é o preço da proposta mais cara”.
Para obter a pontuação final ordenadora das duas propostas apresentadas, é evidente que a classificação relativa ao atributo preço se faz por recurso ao valor mais elevado do preço proposto por um dos concorrentes, em que esse preço de valor mais elevado é incorporado na operação de cálculo como parte elementar de um dos lados da equação, logo, com efeitos conformativos do resultado da aplicação da fórmula matemática na ordenação das propostas.
É, pois, manifesto que a conformação da expressão matemática do modelo de avaliação colide frontalmente com o regime expresso no artº 139º nº 4 CCP, porque evidencia a materialização no procedimento de um resultado expressamente proibido pelo citado normativo, a saber, a atribuição das pontuações parciais e consequente ordenação das propostas apresentadas mediante a aplicação do preço apresentado na proposta de um dos concorrentes como componente referencial de cálculo incorporada no modelo de avaliação.
O modo funcionamento do júri no tocante às operações de avaliação de mérito das propostas e subsunção dos atributos nos factores que densificam o critério de adjudicação de acordo com o modelo de avaliação previsto no convite ou no programa, tem subjacente, nos termos das disposições conjugadas dos artºs. 132º nº 1 n) e 139º nºs. 1 a 5 CCP, o respeito pela lógica concorrencial que norteia e determina o modo de acesso ao mercado administrativo regulado segundo procedimentos pré-contratuais conformados pelas regras e princípios que regem a contratação pública, o que não foi observado no caso sob recurso.

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Pelo exposto, por não ter sustentação no bloco normativo aplicável, improcede o entendimento defendido pelo Recorrente nos itens A a D das conclusões de recurso.


2. invalidade derivada do contrato – artº 283º/2, não comunicabilidade - artº 283º/4;

Pelas razões de direito supra, a conformação e aplicação do modelo de avaliação em violação do regime imperativo do artº 139º nº 4 CCP constitui causa de invalidade própria do acto de adjudicação de 14.05.2015 da Entidade Adjudicante, ora Recorrida, notificado à Recorrente em 22.04.2015 (alíneas M e N do probatório) sancionável com a anulabilidade por aplicação do regime do artº 163º nº 1CPA /revisão/2015 posto que inexiste cominação expressa de nulidade para a inobservância do regime do artº 139º nº 4 CCP e a invalidade em causa não se enquadra nos casos previsto no artº 161º nº 2 CPA/revisão/2015.
A revisão/2015 do CPA é aplicável nos termos das disposições conjugadas dos artºs 8º nº 1 e 9º DL 4/2015, 7.1, entrado em vigor em 07.ABR.2015, data em que o procedimento pré-contratual ainda estava em curso.
Por sua vez, dada a tempestividade da presente causa com formulação de pedido múltiplo v.g. de declaração de invalidade do contrato, cabe atender aos efeitos de comunicação automática da invalidade do acto pré-contratual (adjudicação de 14.05.2015), efeitos repercutíveis no regime da invalidação derivada automática do contrato entretanto celebrado na pendência da acção (01.07.2015) com o Contra-interessado Centro de Estudos e Investigação em Saúde da Universidade de Coimbra – CEISUC, determinativa, também, da sua anulação ao abrigo do disposto no artº 283º nº 2 CCP. (5)
O que se mostra observado tanto na fundamentação como no segmento decisório da sentença proferida pelo Tribunal a quo.

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Contra a aplicação dos efeitos de comunicação automática da invalidade do acto pré-contratual ao contrato e consequente decretação da anulação, sustenta o Recorrente que a sentença incorre em erro de julgamento ao pronunciar-se pela julgar inaplicabilidade no caso concreto do regime do artº 283º nº 4 CCP para afastar o efeito anulatório cominado no nº 2 do citado artigo, questão trazida a recurso nos itens E a O das conclusões.
Todavia não lhe assiste razão na medida em que o juízo de ponderação dos interesses públicos e privados em presença no caso concreto tem, necessariamente, que se fundamentar em matéria de facto julgada provada e levada ao probatório, de modo a subsumir tal factualidade na previsão normativa dos dois parâmetros legais de afastamento da invalidade consequente previstos no artº 283º nº 4 CCP, a saber,
(i) a anulação do contrato se revele desproporcionada e contrária ao princípio da boa-fé ou
(ii) se demonstre inequivocamente que o vício não implicaria uma modificação subjectiva do contrato nem uma alteração do seu conteúdo essencial.
O que significa que a ponderação judicial da projecção do vício procedimental sobre a configuração objectiva e subjectiva do contrato não se efectiva em abstracto mas em face das circunstância concretas do caso trazido a juízo.
Efectivamente, considerando-se assente, por demonstrada, a invalidade do acto pré-contratual traduzida numa anulabilidade, cabe ao Tribunal apreciar “(..) nos termos do nº 4 do artº 283º, se deve ou não decretar a invalidade consequente do contrato atendendo às consequências (económico-sociais e já não jurídicas) que essa invalidade (do contrato e já não do acto prévio) produziria sobre os interesses públicos e privados que a continuidade na execução das prestações acordadas permite acautelar. (..)” (6)
Todavia, o caso em apreço não permite ao Tribunal a quo – e muito menos ao Tribunal de recurso – avaliar e concluir pela inoportunidade da anulação do contrato porque, por inexistência de probatório, não há possibilidade de emitir um juízo fundamentado em factos provados, no sentido demonstrativo de que a aplicação da consequência jurídica da anulação do contrato se revela desproporcional e contrária à boa fé.
E também não há factualidade sobre a qual, inequivocamente, sem margem para dúvidas nos limites do juízo de certeza jurídica - como exigido por disposição expressa de lei -, fundamentar um juízo de prognose antecipatória para os interesses em presença, isto é, projectar o vício procedimental praticado sobre a configuração objectiva e subjectiva do contrato, em ordem a prefigurar que o resultado adjudicatório sempre seria o mesmo do presente e, portanto, não opera nem uma modificação subjectiva na relação jurídica contratual, nem uma modificação do conteúdo essencial do contrato.

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Quanto ao argumento avançado pelo Recorrente nos itens M e N das conclusões, de degradação da invalidade praticada na configuração do modelo de avaliação por via da fase de negociação, diz-nos a doutrina que “(..) A fase de negociação não deve ser olhada como um momento destinado , ainda que a título incidental, a corrigir irregularidades das propostas (..)” - nem, dizemos nós, invalidades do procedimento adjudicatório – “(..) O seu (único) objectivo é o de permitir uma co-construção de parcelas da resposta a um projecto contratual delineado pela Administração. Trata-se de uma fase particularmente sensível, em que são tocadas as fronteiras da juridicidade.
A negociação é, por natureza, o campo da flexibilidade e da informalidade … Tal não significa (ou não deve significar), porém, que negociação seja sinónimo de falta de rigor e permissividade. (..)”(7)

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Pelo exposto, improcedem as questões trazidas a recurso nos itens E a O das conclusões.



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Termos em que acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Administrativo Sul em julgar improcedente o recurso e confirmar a sentença proferida.

Custas a cargo do Recorrente.

Lisboa, 19. MAI.2016



(Cristina dos Santos) .......................................................................................

(Paulo Gouveia) ...............................................................................................

(Nuno Coutinho.) …………………………………………………………….

(1)Assis Raimundo, A formação dos contratos públicos, aafdl/2013, págs. 820-821.
(2) Assis Raimundo, A formação …, págs. 830-833.
(3)Assis Raimundo, A formação…págs. 844-845; PedroGonçalves, Direito dos contratos públicos, Almedina /2015, págs. 320-321.
(4)Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira, Concursos e outros procedimentos de contratação pública, Almedina/2011, págs. 972-973.
(5) Pedro Costa Gonçalves, Direito dos contratos públicos, Almedina/2015, págs. 334, 612, 614; O contrato administrativo, Almedina/2004, pág.140; João Pacheco de Amorim, A invalidade e a (in)eficácia do contrato administrativo no CCP, CEDIPRE/Estudos de Contratação Pública- I, Coimbra Editora/2008, págs. 641-644, 646-649.
(6) Carlos e António Cadilha, O contencioso pré-contratual e o regime de invalidade dos contratos públicos, Almedina/2013, pág. 277.
(7) Luís Verde de Sousa, A negociação nos procedimentos de adjudicação, Almedina/2010, págs.196-197.