Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:00272/04
Secção:CT- 2.º Juízo
Data do Acordão:12/16/2004
Relator:José Gomes Correia
Descritores:IVA
CORRECÇÕES
RELAÇÕES ESPECIAIS ENTRE EMPRESAS
OPERAÇÕES SIMULADAS
Sumário:1. De acordo com o disposto no artº 57º do CIRC , a DGCI poderá efectuar correcções que sejam necessárias para a determinação do lucro tributável sempre que, em virtude das relações especiais entre o contribuinte e outra pessoa, sujeita ou não a IRC, tenham sido estabelecidas condições diferentes das que seriam normalmente acordadas entre pessoas independentes, conduzindo a que o lucro apurado com base na contabilidade seja diverso do que se apuraria na ausência dessas relações.

2. Embora o citado normativo não defina o que deve entender-se por "relações especiais", a doutrina fiscal vem considerando que tais relações existem quando haja situações de dependência, nomeadamente no caso de relações entre a Sociedade e os sócios, entre empresas associadas ou entre sociedades com sócios comuns ou ainda entre empresas mães e filiadas.

3.- Compete à Fazenda Pública o ónus da prova da existência dessas relações especiais, bem como os termos em que normalmente decorrem operações da mesma natureza entre pessoas independentes e em idênticas circunstâncias, devendo o acto ser anulado se tal prova não for feita.

4.- A correcção a que se refere o art. 57º do CIRC não pode, pois, assentar em indícios ou presunções, impondo-se à AF que prove os supra mencionados pressupostos legais para que possa corrigir a matéria colectável do contribuinte ao abrigo do art. 57º do CIRC.

5.- Sendo assim, não é de aplicar o citado normativo quando, considerando-se muito embora a existência de relações especiais, quando a recorrente é participada por uma SGPS, com uma participação superior a 60%, integrando o mesmo grupo económico, nada se alega quanto às condições especiais, diferentes das que seriam normalmente acordadas entre empresas independentes.

6.- É que, face à presunção de veracidade da contabilidade e das declarações do contribuinte (art. 78º do CPT), cabe à AF o ónus de prova dos pressupostos que justificam a correcção bem como do valor do preço de plena concorrência, não podendo a correcção a que se refere o art. 57º do CIRC assentar em indícios ou presunções, impondo-se à AF que prove os supra mencionados pressupostos legais para que possa corrigir a matéria colectável do contribuinte ao abrigo do art. 57º do CIRC e fazer uso do mecanismo da correcção ínsito no artº 82º do CIVA.

7.- As denominadas correcções às declarações dos contribuintes, efectuadas ao abrigo do art. 82.° do CIVA, não têm implícita qualquer presunção de fraude fiscal, mas antes têm como fundamento a verificação de que naquelas declarações figura um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos.

8.- Pese embora no nosso sistema fiscal vigore o método da declaração do contribuinte no apuramento da matéria colectável (arts. 76.°, n.° 2, do CPT e 82.° do Código do IVA), nem sempre este se fará com base naquela declaração, designadamente, quando do controlo efectuado à situação tributária do contribuinte, resultar que a matéria colectável apurada na declaração ou com base nos elementos dela constantes não corresponde à realidade, designadamente que o contribuinte declarou deduções superiores às que não tinha direito (cfr. art. 82.°, n.° l, do CIVA).

9.- Em obediência ao princípio da legalidade, que tem como consequência o princípio da verdade material, a AF só deverá proceder à liquidação adicional com o fundamento dito em II) se, no exercício dos poderes que lhe competem de controlo da veracidade dos elementos declarados, conclui seguramente, com base nos factos - índice que apurou, que às facturas em causa não correspondem serviços realmente prestados e, consequentemente, que o contribuinte não podia deduzir, como deduziu, o IVA nela mencionado (cfr. art. 19°, n.° 3, do CIVA).

10.- A única forma de o contribuinte conseguir a anulação deste acto com base em violação de lei por erro nos pressupostos de facto é fazer prova de factualidade que permita por em causa aquela conclusão.

11.- Cabe à administração fiscal demonstrar a existência da declaração formal fundamentadora do seu juízo subjectivo quanto à existência de deduções superiores às devidas e provar a pertinência desse juízo, pela enunciação de elementos fáctico - jurídicos convincentes da adequação e correcção desse juízo, o que se alcança através da enunciação de indícios sérios (que traduzam uma probabilidade elevada) de que as operações referidas nas facturas cujo IVA foi deduzido são simuladas.

12.- Não logrando a AT fazer a prova do bem fundado da formação do seu juízo, isso tem de ser valorado contra ela e é obstativo da análise sobre se a impugnante logrou ou não provar, em tribunal, a existência dos factos tributários que subjazem à dedução de imposto que efectuou.

13.- Por força do disposto no nº 3 do artº 19º do CIVA, não poderá deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente.

14.- Esse princípio vai na linha de defesa dos interesses da Fazenda sendo seu escopo fundamental a manutenção da cadeia das deduções ao frustrar as tentativas de obtenção da dedução de imposto não suportado mediante a exigência de facturas de aquisição de bens e serviços pelos sujeitos passivos, travando o passo à evasão fiscal.

15.- Não se pode considerar que a AT recolheu indícios suficientes de que os serviços titulados por facturas emitidas não foram efectivamente prestados, na situação em que a inspecção tributária conclui que tais facturas eram de favor, com fundamento apenas de que o fornecedor estava indiciado como emitente de facturas falsas e de não entregar as declarações de IVA.

16.- Tais circunstâncias não podem haver-se como indícios suficientes para suportar a conclusão retirada pela administração já que, não só o facto de alguém estar indiciado pela prática de um crime não significa que, efectivamente, o tenha praticado, como a imputada emissão de facturas de favor, não implica que essa seja a sua única " actividade" pois pode emitir facturas de favor numas circunstâncias e facturas que titulam operações reais, noutras, sendo que o facto de não entregar as suas declarações de IVA, não significa necessariamente que não exerça a sua actividade e, inclusivamente, liquide o IVA nos termos legais.

17.- E a AT não cumpre o dever que sobre si impendia de recolher indícios sérios e credíveis de que os serviços em questão não foram prestados quando pela contribuinte foi feita a apresentação dos comprovativos dos pagamentos dos valores constantes nas facturas emitidas pelo fornecedor em causa, inexistindo fundamento minimamente aceitável para as correcções levadas a cabo.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acorda-se, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. - RELATÓRIO

1.1.- A FAZENDA PÚBLICA, com os sinais dos autos, veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) da sentença que julgou procedente a impugnação deduzida por F... Comércio de Alumínio e Outros Metais, Ldª., contra a liquidação adicional de IVA, que lhe foi efectuada com referência ao exercício do ano de 1994 cujas alegações de recurso concluiu nos seguintes termos:
1ª.- A impugnante - F... - impugnou a liquidação adicional de IVA referente ao exercício de 1994, resultante de correcções em sede de fiscalização.
2ª.- Alega que o acto administrativo é ilegal por ausência de fundamentação.
3ª.- É razão expressa na douta sentença que aqui se recorre a total omissão de fundamentação no tocante à descrição dos termos em que normalmente decorrem operações da mesma natureza entre pessoas independentes e em idênticas circunstâncias ( conforme art.0 80.° alínea b) do CPT ).
4ª.- A sociedade F... mantém com a sociedade H..., relações especias (relação de domínio - esta a partir de Abril/1987 passou a controlar aquela em 60% ).
5ª.- Em sede de inspecção à F..., apurou-se que entre estas duas empresas foi celebrado um contrato de prestação de serviços técnicos de administração e gestão em 20.01.1989.
6ª.- Deste contrato resultou para a H... - Empresa Prestadora, uma remuneração mensal de Esc. 37.500$OO, donde resultam Esc. 450.000$OO anuais.
7ª.- A partir do ano de 1993, inexplicavelmente, tal remuneração mensal passou para Esc. 637.500$00
8ª.- Tais valores além de exagerados, decorrem das relações especiais e de dependência existentes entre as empresas, infringindo por isso mesmo o art.0 4.° n.° 2 in fine, do DL 495/88, de 30/12 ( com nova redacção pelo DL 318/94 de 24/12), que obriga as sociedade a praticarem valores de remuneração sem exceder os valores de mercado.
9ª.- Das conclusões da acção inspectiva, foram efectuadas as necessárias correcções em sede de IRC, totalmente justificadas e fundadas nas relações especiais existentes entre as duas empresas e os valores atribuídos pela prestação de serviços que excedem os valores normais que deveriam continuar a ser praticados, conforme análise comparativa efectuada nos diversos quadros constantes do relatório da inspecção.
10ª.- Além de que, apenas a remuneração à H... sofreu notável alteração, na medida em que a F... continuou a suportar os encargos normais, designadamente com a mensalidade do técnico de contas.
11ª.- O acto administrativo in casu encontra-se por isso elaborado dentro de todos os parâmetros legais, cumprindo com a fundamentação que lhe é exigida, ex vi art.° 57.° do CIRC e 80.° do CPT.
12ª.- Aliás desta forma foi também entendido pelo Digníssimo Procurador da República, no sentido de não se verificar o apontado vício de forma, visto que no relatório subjacente à liquidação em causa, não só se descrevem de forma, minimamente, fundamentada as relações especiais estabelecidas entre a impugnante e a H..., como também se refere que os encargos suportados, até Dezembro de 1992, eram os "normais", ou seja, isto é, os correntes no mercado. Observando, ainda que de forma sucinta a fundamentação exigida.
13ª.- As correcções em IRC neste exercício de 1994, incidiram também em três facturas, emitidas pelo s.p. A ... - construtor civil.
14ª.- Tais facturas não puderam ser atendidas fiscalmente, por existirem indícios suficientes da sua falta de veracidade, não se enquadrando por isso nos custos previstos no artº 23.° do CIRC e se enquadrar no n.° 3 do art.° 19.° do CIVA.
15ª.- E, tais indícios não foram afastados pela impugnante.
16ª.- Todas estas correcções efectuadas em IRC, têm efeitos em termos de IVA, pelo que em sede deste imposto foram efectuadas as necessárias correcções, em conformidade com o art.º 82.° do CIVA.
Nestes termos deve o presente recurso ser julgado procedente, considerando-se a liquidação legalmente efectuada, revogando-se a douta sentença da Meritíssima Juiz "a quo", substituindo-a por outra em que seja julgada totalmente improcedente a presente impugnação judicial.
Houve contra – alegações, assim concluídas:
1a
É facto inequívoco que a Administração Fiscal não cumpriu o ónus que lhe era imposto quer pelo artigo 57° do CIRC, quer pelo art. 80° alínea d) do então C.P.T., quer ainda pelo art. 82° do CIVA.
Sendo o relatório totalmente omisso em relação à descrição dos termos em que normalmente decorrem operações da mesma natureza entre pessoas independentes e em idênticas circunstâncias.
2a
Na falta de termo de comparação independente - para o qual não fez sequer qualquer esforço de busca - a A.F. recorreu ilegítima e distorcidamente a termos de comparação internos.
3a
Equiparando serviços não equiparáveis, ignorando alterações de circunstâncias que ditaram um acréscimo substancial na qualidade e quantidade dos serviços prestados e utilizando falaciosamente o critério do volume de vendas.
4a
Sendo ainda de notar, que do comportamento fiscal da recorrida e da H... não derivou qualquer prejuízo para o Estado. Já que os custos de uma são os proveitos da outra.
5a
Já o comportamento da A.F. é reprovável. Já que ao reduzir os custos da recorrida, deveria na mesma proporção reduzir os proveitos da H... (a prestadora de serviços). O que não fez !
6a
Violando o art. 57° n.° 4 do CIRC e os princípios da justiça e imparcialidade a que a A.F. deve estar vinculada.
7a
A ora recorrida é completamente alheia ao incumprimento das obrigações fiscais, designadamente em sede de IVA, pôr parte do seu prestador de serviços António Manuel dos Santos Lourenço.
E também é alheia ás eventuais facturas de favor que este construtor tenha emitido.
8a
Não sendo possível nem exigível que a F... apresente guias do pessoal que trabalhou na obra ou guias de transporte de materiais, relativos a uma obra que foi executada ao abrigo de um contrato de empreitada com terceiro.
9a
Sendo evidente que o pagamento das facturas apresentadas pelo construtor e respectivo IVA - inequivocamente demonstrado pôr fotocópias de cheques - é indício mais que seguro de que a obra foi efectivamente realizada. Como efectivamente o foi.
10a
Sendo inquestionavelmente legítima a dedução do IVA pago pela prestação dos serviços.
Termos em que, conclui, deve improceder o recurso e mantida a douta sentença.
O EMMP pronunciou-se no sentido de que o recurso não merece provimento (vd. parecer de fls. 117).
Satisfeitos os vistos legais, cumpre decidir.
*
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DOS FACTOS:
Na sentença recorrida fixou-se a seguinte tela factual:
Factos provados:
Atenta a prova documental e testemunhal produzida, dão-se como provados os seguintes factos, com relevância para a decisão:
A)- A impugnante foi alvo de uma acção inspectiva, que incidiu sobre os exercícios de 1992 a 1995.
B)- Pelos Serviços de Fiscalização Tributária foi elaborado o relatório de fls. 37 a 50 do apenso, que se dá pôr integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, onde consta, para além do mais, o seguinte:
« 3- ANÁLISE GLOBAL
Em 23/04/96 foi o sujeito passivo visitado, tendo apenas sido detectadas as facturas nº 254, 255 e 256 de " A ..." , contribuinte n0 ..., cuja actividade é a execução de empreitadas de Construção Civil e tem sede em ... – LEIRIA. Por consulta ao terminal do IVA constatámos que desde 03/03/93, data do seu enquadramento, nunca entregou qualquer declaração de IVA.
De referir que, do conjunto de Sujeitos Passivos relacionados pela Directoria de Coimbra da Polícia Judiciária como potenciais emitentes de facturas falsas, este foi o único detectado. Em 07/06/96 procedeu-se à apreensão dos originais no âmbito do Processo de Averiguações nº .../IDSTR aberto para o efeito pelo Núcleo de Averiguações Criminais da Direcção de Finanças de Santarém, com vista ao seu posterior envio para integração no processo instruído pela Polícia Judiciária (Ver Anexo I). Entretanto, o Sujeito Passivo ficou de solicitar À Instituição Bancária cópia dos cheques utilizados no pagamento a A .... Foi o que de facto aconteceu, pelo que também no anexo I se junta fotocópia com frente e verso de três cheques emitidos pela " F..." a "A ..." pelos montantes que constam da respectiva conta corrente.
A versão do Sujeito Passivo é a seguinte:
A determinada altura foi sentida a necessidade de alargar e mudar de instalações para um local onde existia uma antiga pecuária. Como existiam construções nesse terreno, resolveu-se reconstruir um edifício, demolir dois pavilhões e um reservatório de água e construir em seu lugar, de raiz, o armazém principal, os serviços administrativos e outro reservatório de água. Para isso contactou vários construtores, tendo-se destacado " D..." por oferecer o orçamento mais baixo para efectuar as referidas obras (11.100.000$00), pelo que foi este o escolhido. Entretanto e após diversas vicissitudes ficaram as obras por concluir, embora o pagamento já tivesse sido efectuado. Para as concluir foi-lhe indicado o " A ..." que apenas contactou pessoalmente uma única vez no início das obras, tendo estas decorrido de forma irregular, quer quanto a cumprimento de horários quer quanto a comparências, em que o aspecto dos trabalhadores a sua variação e do respectivo transporte inspiravam pouca confiança. Porém o trabalho era por empreitada e já estava integralmente pago antecipadamente pelo que eles terão ao todo desenvolvido muito pouco trabalho. Finalmente as obras foram concluídas pela firma " D..., Lda " .
A nosso ver, porém, as únicas empresas de Construção Civil que trabalharam na Obra foram o " D..." que, com um orçamento reduzido cumpriu deficientemente com os trabalhos que se propôs fazer, e a " D..., Lda" que concluiu as obras. A aquisição de facturas de favor ao "A ..." teve apenas em vista obter para a "F..." vantagem patrimonial indevida, em prejuízo do Estado.
Do exposto resulta não aceitarmos os reflexos na área fiscal que as facturas de " A ..." titulam por, por um lado não se enquadrarem como "custos necessários à manutenção da fonte produtora" previstos no art0 23a do Código do IRC, e por outro por se enquadrarem no conceito se negócio simulado cujo IVA não é dedutível por força do n0 3 do art0 19a do código do IVA.
(...)
4.2- OUTRAS DILIGÊNCIAS:
Como já foi anteriormente referido esta firma faz parte de um grupo empresarial constituído por armazéns de distribuição de perfis de alumínio produzidos pela " E... - Companhia Portuguesa de Extrução, SA" com o NIPC ... e sede em Aveiro, verdadeira " Mãe" do grupo mas com a qual não existia qualquer vínculo jurídico, embora existam obrigações mútuas que passam invariavelmente pela participação maioritária (entre 60% e 90%) no capital dos armazéns por parte da " H..." .
Durante a acção de fiscalização foi detectada facturação da " H..." à " F..." que quer pelos elevados montantes envolvidos, quer pelo pouco detalhe dos serviços prestados quer ainda pela relação especial que se sabe existir entre as duas firmas (relação de domínio), levantou-nos logo algumas interrogações:
(...)
- A empresa suporta encargos normais com a mensalidade do Técnico de Contas [67.500$00 em 1993, 70.875$00 em 1994 e 75.000$00 em 1995 (valores sem IVA)].
- Regularmente são-lhe debitados serviços de apoio informático 30.000$00/mês em 1994 pela " P..." , empresa de igual modo ligada ao grupo).
- ainda mensalmente a " H..." debitou em 1991 e 1992, 37.500$00 (valor sem IVA). Em 1993 essa mensalidade passou para 637.500$00, sem qualquer explicação plausível, tendo-se mantido a partir daí nessa ordem de grandeza (ver QUADRO I).
- Para além da renda mensal, são emitidas facturas, fundamentadas no montante que falta para serem atingidos os valores consagrados em aditamentos anuais ao contrato de prestação de serviços celebrado em 20/01/89 com base em " acréscimo às serviço (•••) e o seu previsível aumento até ao final do ano" .
- Em 20/01/89 foi celebrado entre a " H..." e a " F..." um contrato de prestação de serviços técnicos de administração e gestão que seriam remunerados em anos subsequentes por valores fixados em aditamentos anuais a este contrato. Assim, em 1992 a renda mensal que era de 37.500$00 durante 12 meses o que originava uma retribuição anual de 450.000$00, foi majorada por uma factura de 28/12/92 de 9.000.000$00 (valores sem IVA), por o aditamento prever um débito para esse ano de 9.450.000$00. Já em 1995 o objectivo de facturação previsto no aditamento não foi atingido (ver anexo II).

5- CONCLUSÕES

5.1 - A...
FACTURADATAMONTANTE (s/iva)IVA
254 255 25630/07/94 30/08/94 30/09/942.800.000$00 1.700.000$00 1.500.000$00448.000$00 272.000$00 240.000$00
TOTAL6.000.000$00960.000$00
5.2 - " H... - S.G.P.S.. SA”
5.2.1 - Correcções em IRC
Como foi anteriormente referido, reputamos de exagerados os valores por que a « H... » passou a facturar os serviços que presta à " F..." a partir de Dezembro de 1992. Assim aceitaremos os valores até então debitados aos quais atribuiremos o índice 100, indexando os anos seguintes aos volumes de negócio posteriormente verificados. De referir que em 1995, atendendo à indisponibilidade de dados da Declaração de Rendimentos de 1995 utilizámos o somatório das bases tributáveis das declarações periódicas de IVA. Os resultados resumem-se nos seguintes quadros: (•••)
Não aceitaremos os custos de acordo com os valores constantes do QUDRO VI, nos termos do art0 57a do CIRC, já que tais valores resultam expressamente exagerados e decorrem de relações especiais e de dependência entre as empresas, com prejuízo para o sócio minoritário e para a " F..." na medida em que desviam recursos financeiros necessários ao autofinanciamento e afectam o grau de solvabilidade da empresa.
5.2.2 - Correcções em IVA
As correcções efectuadas em termos de IRC, têm necessariamente efeitos em termos de IVA dedutível. Essas correcções são apresentadas no quadro VII:
QUADRO VII
PERÍODO (...) IVA DEDUZIDO DEDUÇÃO ACEITE CORRECÇÃO
94-01 102.000$00 7.740$00 94.260$00
94-02 102.000$00 7.740$00 94.260$00
94-03 102.000$00 7.740$00 94.260$00
94-04 684.912$00 7.740$00 677.172$00
94-05 102.000$00 7.740$00 94.260$00
94-06 102.000$00 7.380$00 94.260$00
94-07 102.000$00 7.740$00 94.260$00
94-08 102.000$00 7.740$00 94.260$00
94-09 102.000$00 7.740$00 94.260$00
94-10 102.000$00 7.740$00 94.260$00
93-11 102.000$00 7.740$00 94.620$00
93-12 102.000$00 7.740$00 94.260$00
Total das correcções do ano de 1994 -............. 2.279.920$00
(•••)" .
C) A reclamante deduziu reclamação graciosa contra as liquidações adicionais de IRC e IVA, relativas aos exercícios de 1992 a 1994 -fls. 2 a 9 do apenso ao processo de impugnação n.° 37/98.
D) Esta reclamação foi objecto do despacho de indeferimento, constante a fls. 51 a 53 do apenso, que se dá por integralmente reproduzido, e notificado através do ofício n.° 1699, de 9 de Março de 1998 (fls- do apenso), onde entre o mais consta o seguinte:
Relativamente aos montantes debitados pela H..., SGPS tecemos as seguintes considerações:
Embora o art0 4a do D.L. 495/88 de 30/12 com a redacção dada pelo D.L. 318/94 de 24/12 permita às SGPS a prestação de serviços técnicos de administração e gestão a todas ou algumas das sociedades em que detenham participações, com as quais tenham celebrado contratos de subordinação, tais serviços não podem ultrapassar o valor de mercado.
Tal como consta do relatório da fiscalização a reclamante pagou nos exercícios em questão, a um técnico de contas e também os serviços de apoio informático.
Da importância mensal de 37.500$00 debitados pela H... nos exercícios de 1991 e 1992 passou inexplicavelmente para 637.500$00 o montante mensal debitado pela SGPS, mantendo-se o pagamento dos serviços ao técnico de contas.
Esta conduta é elucidativa e contraria a legislação antes referida. (•••)" .
E) Os serviços titulados nas facturas emitidas por A ... foram efectivamente pagos pela impugnante, através de cheque.
Factos não provados.
Com interesse para a decisão não se provou que:
A) Os serviços titulados nas facturas emitidas pelo fornecedor A ... não foram efectivamente prestados à impugnante.
A convicção do tribunal baseou-se na análise crítica do conjunto da prova produzida, com destaque para o relatório da inspecção e demais documentos referidos nas alíneas antecedentes.
No que concerne ao pagamento dos valores titulados nas facturas emitidas por A ..., a convicção do tribunal baseou-se no próprio relatório da inspecção onde expressamente se refere que a impugnante apresentou cópias dos ditos meios de pagamento, que foram emitidos a favor do fornecedor em causa e por este mesmo movimentados.
Quanto ao facto considerado não provado, a convicção do tribunal baseou-se no teor do relatório da fiscalização, na parte respeitante a esta matéria.

*
2.2.- DO DIREITO
Atentas aquelas conclusões e a factualidade fixada e que se reputa a relevante, vejamos qual a sorte do recurso em que a questão decidenda é a da saber se ocorre:
a)- a total omissão de fundamentação no tocante à descrição dos termos em que normalmente decorrem operações da mesma natureza entre pessoas independentes e em idênticas circunstâncias, violando-se o art.º 80.° alínea b) do CPT – conclusões 1ª a 12ª;
b)- a violação do disposto no Art. 82.° do CIVA relativamente à não aceitação da dedução do IVA constante nas facturas emitidas por um dado fornecedor – conclusões 13ª a 16º.
*
A)- QUANTO À DA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO NOS TERMOS DO ARTº 80º, AL. B) DO CPT
Alegara inicialmente a impugnante que as condições de alteração da matéria colectável com fundamento em relações especiais encontram-se definidas no Art. 80.° do CPT e no relatório não são descritas as relações especiais a AT subentende terem existido, omitindo em que termos decorrem normalmente operações da mesma natureza entre pessoas independentes e em circunstâncias idênticas.
A sentença recorrida considerou que a AF preteriu o ónus probatório, por, apesar, de ter feito prova material e substancial das relações especiais, todavia não fundamentar clara, objectiva e congruentemente as relações especiais e o modus faciendi, da determinação do preço de livre concorrência.
A recorrente pronunciou-se no sentido de que cumpriu o ónus da prova lhe competia demonstrando a existência de relações especiais entre a ora recorrente e a empresa do mesmo grupo e que entre aquela e a empresa com quem tinha essas relações especiais se estabeleceram condições diferentes das normalmente acordadas entre pessoas independentes (cfr. artº 57º do CIRC).
Quid juris?
Dispõe o artº 57º, nº 1 do CIRC, na redacção vigente à data em que ocorreram os factos, que “A Direcção - Geral das Contribuições e Impostos poderá efectuar as correcções que sejam necessárias para a determinação do lucro tributável sempre que, em virtude de relações especiais entre o contribuinte e outra pessoa, sujeita ou não a IRC, tenham sido estabelecidas condições diferentes das que seriam normalmente acordadas entre pessoas independentes, conduzindo a que o lucro apurado com base na contabilidade seja diverso do que se apuraria na ausência dessas relações”.
Decorre do inciso legal transcrito que a AF pode introduzir correcções ao lucro tributável declarado desde que existam relações especiais entre o contribuinte e outra empresa que levou ao estabelecimento de condições diferentes das que se fixariam entre pessoas independentes.
Assim, são os seguintes os pressupostos legais para que a DGCI possa corrigir a matéria colectável ao abrigo do art. 57º do CIRC, por forma a que seja respeitado o princípio de plena concorrência consagrado no art. 9º da Convenção Modelo OCDE de que Portugal é membro:
I. a existência de relações especiais entre o contribuinte e outra pessoa;
II. que entre ambos se estabeleceram condições diferentes das normalmente acordadas entre pessoas independentes;
III. que tais relações especiais são causa adequada das ditas condições;
IV. que aquelas conduziram a um lucro apurado diverso do que se apuraria na sua ausência (cfr. sobre esta mesma temática, os acs. do STA, de 6/11/96, Rec. 20.188 e de 9/12/98, Rec. 19.858).
Como se expendeu no acórdão deste T.C.A. proferido no recurso contencioso nº 1572/98 (confirmado no S.T.A. por acórdão de 23.05.01/Rec.nº 25915), «o citado art. 57º do CIRC, embora considerado, pela doutrina, uma norma de carácter genérico, já que a lei não define o que entende por relações especiais (pois só a partir do DL nº 5/96, de 29/01, que aditou o art. 57º-C do CIRC, a lei passou a referir quando considera existirem relações especiais, embora só para situações de subcapitalização, pelo que se têm levantado dúvidas sobre a sua aplicação noutras situações), nem indica a metodologia a adoptar para determinação do preço de plena concorrência, conferindo, desse modo, à AF uma certa flexibilidade, não contém, todavia, um “cheque em branco” para a AF usar como bem entenda, nem qualquer inversão do ónus da prova, pelo que, tratando-se de uma norma de incidência, cabe à AF a prova dos pressupostos ali previstos, interpretando-a de acordo com as orientações da OCDE na matéria.
Não se trata, também, de uma avaliação indirecta do lucro tributável, que só pode ter lugar nos casos expressamente previstos na lei (cf. art. 51º a 56º do CIRC), até porque, nas situações enquadráveis no art. 57º do CIRC, a contabilidade das empresas, em regra, retrata a realidade das operações, não carecendo de credibilidade que justifique o uso de presunções.
Estamos, pois, aqui no âmbito da avaliação directa.
Assim, face à presunção de veracidade da contabilidade e das declarações do contribuinte (art. 78º do CPT), cabe à AF o ónus de prova dos pressupostos que justificam a correcção bem como do valor do preço de plena concorrência.».
Flui do exposto que a correcção a que se refere o art. 57º do CIRC não pode assentar em indícios ou presunções, impondo-se à AF que prove os supra mencionados pressupostos legais para que possa corrigir a matéria colectável do contribuinte ao abrigo do art. 57º do CIRC.(1).
No caso vertente, entendemos que a AF demonstrou o primeiro requisito (a existência de relações especiais entre a recorrente e as empresas do mesmo grupo).
Embora o citado normativo não defina o que deve entender-se por "relações especiais", a doutrina fiscal vem considerando que tais relações existem quando haja situações de dependência, nomeadamente no caso de relações entre a Sociedade e os sócios, entre empresas associadas ou entre sociedades com sócios comuns ou ainda entre empresas mães e filiadas.
Como se refere na sentença sob censura, analisado o relatório da inspecção, nomeadamente na parte supra transcrita, podemos verificar que, embora de forma muito sumária, existe descrição das relações especiais entre a impugnante e a " H..." , alicerçada na relação de domínio desta última sobre a impugnante.
Assim, no caso vertente, como consta do Probatório, a existência de relações especiais entre a recorrida e a empresa envolvidas decorre, desde logo do facto de a impugnante fazer parte de um grupo empresarial constituído por armazéns de distribuição de perfis de alumínio produzidos pela " E...- Companhia Portuguesa de Extrução, SA" com o NIPC ... e sede em Aveiro, verdadeira " Mãe" do grupo mas com a qual não existia qualquer vínculo jurídico, embora existam obrigações mútuas que passam invariavelmente pela participação maioritária (entre 60% e 90%) no capital dos armazéns por parte da " H... .
Também se apurou que:
a)- A empresa suporta encargos normais com a mensalidade do Técnico de Contas [67.500$00 em 1993, 70.875$00 em 1994 e 75.000$00 em 1995 (valores sem IVA)].
b)- Regularmente são-lhe debitados serviços de apoio informático 30.000$00/mês em 1994 pela " P..." , empresa de igual modo ligada ao grupo).
c)- ainda mensalmente a " H..." debitou em 1991 e 1992, 37.500$00 (valor sem IVA). Em 1993 essa mensalidade passou para 637.500$00, sem qualquer explicação plausível, tendo-se mantido a partir daí nessa ordem de grandeza (ver QUADRO I).
d)- Para além da renda mensal, são emitidas facturas, fundamentadas no montante que falta para serem atingidos os valores consagrados em aditamentos anuais ao contrato de prestação de serviços celebrado em 20/01/89 com base em " acréscimo às serviço (•••) e o seu previsível aumento até ao final do ano" .
e)- Em 20/01/89 foi celebrado entre a " H..." e a " F..." um contrato de prestação de serviços técnicos de administração e gestão que seriam remunerados em anos subsequentes por valores fixados em aditamentos anuais a este contrato. Assim, em 1992 a renda mensal que era de 37.500$00 durante 12 meses o que originava uma retribuição anual de 450.000$00, foi majorada por uma factura de 28/12/92 de 9.000.000$00 (valores sem IVA), por o aditamento prever um débito para esse ano de 9.450.000$00. Já em 1995 o objectivo de facturação previsto no aditamento não foi atingido (ver anexo II).
Tal situação, enquadra-se perfeitamente no conceito de relações especiais previsto no art. 9º, nº 1, al. b) do Modelo de Convenção da OCDE de 1977 e no art. 57º-C, nº 2, do CIRC.
É que, como se disse, inexistindo na lei, à data dos factos, uma definição do conceito de "relações especiais", embora o art. 57° -C do CIRC já indicasse, em casos de subcapitalização, alguns critérios para apuramento da existência dessas mesmas relações especiais, podia entender-se, de acordo com o art. 9° n° 1 do Modelo da Convenção da OCDE de 77, que existiam tais relações "quando uma empresa de um Estado contratante participar directa ou indirectamente na direcção, no controle ou no capital de uma empresa de outro Estado contratante, ou, as mesmas pessoas participarem directa ou indirectamente na direcção, no controle ou no capital de uma empresa de um Estado contratante e de uma empresa de outro Estado contratante".
E é a tal propósito pertinente a citação feita pela entidade recorrida de J.J. Amaral Tomás em "Preços de Transferência", artigo publicado na revista Fisco, n° 29, pág. 23: " Realça-se que a existência de relação especial ou vínculo de dependência tanto pode decorrer de uma dependência jurídica (v.g. participação no capital; designação dos órgãos sociais) como de origem contratual; ou ainda de um sistema ou dependência de facto.”
No caso sub judicibus, enfatiza-se que a impugnante fazer parte de um grupo empresarial constituído por armazéns de distribuição de perfis de alumínio produzidos pela " E...- Companhia Portuguesa de Extrução, SA" com o NIPC ..e sede em Aveiro, verdadeira " Mãe" do grupo mas com a qual não existia qualquer vínculo jurídico, embora existam obrigações mútuas que passam invariavelmente pela participação maioritária (entre 60% e 90%) no capital dos armazéns por parte da " H... . Existem, pois, relações especiais capazes ou susceptíveis de conduzirem a um efectivo estabelecimento de condições diferentes das que seriam normalmente acordadas entre empresas independentes, visto que a “H...” SGPS, detém entre 60% e 90% do capital da impugnante, o que constitui prova directa do vínculo de dependência jurídica - relacionamento especial entre as empresas associadas e dependentes da posição dominante do accionista/sócio comum -, susceptível de influenciar decisivamente a actuação das duas empresas.
Mas será que isso legitima a conclusão de que entre a recorrida e a empresa com quem tinha essas relações especiais se estabeleceram, efectivamente, condições diferentes das normalmente acordadas entre pessoas independentes?
Se é certo que a contabilidade da impugnante, na perspectiva do Fisco, parece revelar alguns sinais que podem indiciar práticas enquadráveis numa “lógica de grupo” de desviar os lucros para onde a tributação seja menos pesada, também o é que a correcção aqui em questão não pode assentar em meros indícios ou presunções, tendo a AF de provar que se verificavam os pressupostos legais que permitem a correcção do lucro efectuada e o valor do preço de plena concorrência.
Na verdade, o procedimento questionado pela AF pode ser visto na lógica de gestão do grupo de empresas em que a mesma está inserida.
Mas isso levanta a controvérsia gerada pelo confronto entre a lógica empresarial, que tem que ver com o sucesso económico de diversas empresas e a lógica jurídico – fiscal que impõe a autonomização de instituições que, sob esse ponto de vista, nada tinham em comum.
Claro que nem sempre estas lógicas colidem, antes se moldando reciprocamente, embora a realidade empresarial tenha obrigatoriamente de se enquadrar na realidade jurídica em que está inserida, enquanto esta se mantiver inalterada. Por outro lado, também não é verdade que esta limite sempre aquela, pois, em muitas situações como a dos autos, em que diversas empresas tem em comum os mesmos sócios, esta divisão empresarial pretende justamente usufruir das vantagens jurídicas e fiscais dessa divisão. Logo, nem sempre são realidades antagónicas. Isto para dizer que a lógica formal nem sempre é contra a empresarial, mas esta sempre tem de obedecer aquela, enquanto a mesma não for modificada.
Ora, no caso dos autos, o que a recorrida pretendia era justamente sobrepor a sua lógica de gestão (inclusive enquanto grupo) à realidade jurídica em que aquela não pode deixar de estar inserida. Mas a impugnante sustentou e o Mº Juiz reconheceu a verificação do invocado vício de violação de lei, por falta de fundamentação já que sendo várias as Empresas e existindo relações especiais entre elas, a correcção do lucro tributável de uma delas, impõe que se observe o disposto no corpo do art° 80° do C.P.T., sendo que a tal exigência, designadamente à al. c) deste artigo, satisfaz a indicação dos montantes efectivos, além da descrição, conforme exige a alínea b) do art. 80º do CPT dos “termos em que normalmente decorrem operações da mesma natureza entre pessoas independentes e em idênticas circunstâncias”. (2).
Vale isto por dizer que tem a AF de justificar a razão por que o fez, não bastando a mera descrição das relações especiais entre a recorrente e a empresa do mesmo grupo, se nada referir quanto aos termos em que normalmente decorrem operações da mesma natureza entre pessoas independentes em idênticas circunstâncias.
Cumpre, pois, determinar, se as relações especiais permitiram, efectivamente, o estabelecimento de condições diferentes das que seriam normalmente acordadas entre empresas independentes.
Manifestamente que, na senda da sentença recorrida, no tocante à descrição dos termos em que normalmente decorrem operações da mesma natureza entre pessoas independentes e em idênticas circunstâncias, o relatório é totalmente omisso, omissão que igualmente se detecta no despacho que indeferiu a reclamação apresentada pela impugnante.
Donde se conclui que, embora existam relações especiais, comunicabilidade de interesses ou interesses submetidos a uma vontade única, ou, como refere ainda a entidade recorrida louvando-se em Vítor Faveiro "Noções Fundamentais de Direito Fiscal Português", fls. 654, porque existiam relações de dependência ou subordinação que podem justificar que uma empresa imponha a outra ou com ela acorde, condições diferentes das que decorreriam nas relações de mercado livre; mas, que que condições foram essas?
Diga-se, nesse sentido, que a determinação da situação de condições especiais, diferentes das que seriam normalmente acordadas entre empresas independentes, poderá ser feita pela AF com uma certa margem de discricionariedade técnica desde que adopte um método legítimo e devidamente fundamentado.
Quanto a tal método, evoca-se o relatório da OCDE, complementado por novo Relatório de 84, segundo o qual existem três métodos preferenciais, a saber:
a) o método de comparação com os preços de mercado de plena concorrência;
b) o método do preço de revenda e o do preço de custo acrescido de uma margem de lucro; e
c)- face às inúmeras dificuldades, teóricas e práticas, resultantes da complexidade das situações que se deparam às diversas Administrações Fiscais, a aplicação de outros métodos residuais ou mesmo a combinação dos métodos indicados, posto que a AF descreva e fundamente em que é que consistiu a manipulação dos preços. (3).
Vejamos se a AF o fez no caso em apreço.
É manifesto que o critério usado pela AF uma mera presunção radicada na assunção, pela empresa, de encargos normais com a mensalidade do Técnico de Contas [67.500$00 em 1993, 70.875$00 em 1994 e 75.000$00 em 1995 (valores sem IVA)], em lhe serem regularmente debitados serviços de apoio informático 30.000$00/mês em 1994 pela " P... , empresa de igual modo ligada ao grupo); de, ainda mensalmente a " H..." debitar em 1991 e 1992, 37.500$00 (valor sem IVA). Em 1993 essa mensalidade passou para 637.500$00, sem qualquer explicação plausível, tendo-se mantido a partir daí nessa ordem de grandeza (ver QUADRO I); de, para além da renda mensal, terem sido emitidas facturas, fundamentadas no montante que falta para serem atingidos os valores consagrados em aditamentos anuais ao contrato de prestação de serviços celebrado em 20/01/89 com base em " acréscimo às serviço (•••) e o seu previsível aumento até ao final do ano" e de em 20/01/89 ter sido celebrado entre a " Hexal" e a " F..." um contrato de prestação de serviços técnicos de administração e gestão que seriam remunerados em anos subsequentes por valores fixados em aditamentos anuais a este contrato. Assim, em 1992 a renda mensal que era de 37.500$00 durante 12 meses o que originava uma retribuição anual de 450.000$00, foi majorada por uma factura de 28/12/92 de 9.000.000$00 (valores sem IVA), por o aditamento prever um débito para esse ano de 9.450.000$00. Já em 1995 o objectivo de facturação previsto no aditamento não foi atingido.
A adopção desse método afigura-se ilegal e incorrecta porquanto, em não se descrevem os termos em que decorrem operações da mesma natureza entre pessoas independentes e em idênticas circunstâncias, insinuando-se apenas que em condições normais ou de plena concorrência entre empresas, não teriam ocorrido as relações que se descrevem no relatório.
Ora, fundamentar o acto tributário consiste na indicação dos factos e das normas jurídicas que o justificam, na exposição das razões de facto e /ou de direito que determinam a AF a proferir uma decisão, enfim, em deduzir expressamente a resolução tomada das premissas em que assenta, ou em exprimir os motivos por que se resolve de certa maneira, e não de outra.
Assim, o acto tributário tem de ser sustentado por um mínimo suficiente da fundamentação expressa, ainda que operada por forma massiva e sendo produto de um poder legalmente vinculado, aspectos estes que só poderão ser valorados dentro do grau de exigibilidade da declaração de fundamentação, quer porque a massividade intui maior possibilidade de entendimento dos destinatários, quer porque a vinculação dispensa a enunciação da motivação do agente que decorrerá imediatamente da mera descrição dos factos - pressupostos do acto.
Apoiando-se o acto em causa no dito relatório e resultando da análise dos elementos de suporte para onde remete a decisão em causa, que a fundamentação neles contida quanto aos termos em que decorrem operações da mesma natureza entre pessoas independentes e em idênticas circunstâncias, para não se dizer que não existe, obviamente que não é clara e congruente, não permitindo à impugnante a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela entidade decidente, manifestamente que é insuficiente a fundamentação formal ocorrendo a violação do disposto nos artigos 268°, n° 3, da Constituição da República, dos artºs. 124º, nº 1, a) e b) 125º e 133º, nº 1 e nº 2 , al. d), todos do Código do Procedimento Administrativo e 80º do CPT.
Os actos tributários carecem de fundamentação, a qual consiste numa declaração formal, externa ou explícita, i. é, numa manifestação exterior consubstanciada num discurso expresso num texto, não bastando que resulte implicitamente da actuação administrativa.
E tal discurso tem de ser contextual, expresso e externado pelo autor do acto por forma a dar a conhecer ao seu destinatário, pressuposto este como um destinatário normal ou razoável colocado perante as circunstâncias concretas, a motivação funcional do acto, os motivos por que se decidiu num determinado sentido e não em qualquer outro, permitindo àquele optar conscientemente entre a aceitação da legalidade do acto ou a sua impugnação.
A fundamentação aduzida pela AF não preenche todas as exigências legais fere os direitos e garantias da impugnante que desconhece, tal como nós ou qualquer destinatário normal, os motivos de facto e de direito que levaram à prolação do acto recorrido, não tendo a recorrida ficado em condições de conhecer as suas motivações e de se opor às mesmas como, aliás, fica provado com a presente impugnação, ao alegar e provar que não se alcançam do acto os termos em que decorrem operações da mesma natureza entre pessoas independentes e em idênticas circunstâncias.
Assim, tem razão a recorrida quando afirma que não apreendeu as razões porque a entidade decidente decidiu no apontado sentido pois decorrendo muito embora da decisão que a mesma se baseou na consideração da existência das relações especiais, já o critério adoptado pela AF para efectuar as correcções não se ancorou na demonstração (que não foi feita) de que, em condições normais entre pessoas independentes e em idênticas circunstâncias, as operações em causa não se teriam processado da mesma forma.
Destarte, a AF não cumpriu o ónus probatório de que as relações especiais entre a recorrente e a outra empresa, levaram o estabelecimento de condições diferentes das que seriam normalmente acordadas entre pessoas independentes, conduzindo a que o lucro apurado na contabilidade fosse diverso do que se apuraria na ausência dessas relações.
É que, se por um lado se pode aceitar, num juízo de normalidade, que aquelas referidas circunstâncias determinaram necessariamente o estabelecimento de condições diferentes das que decorreriam normalmente entre pessoas independentes, também, por outro lado, não se prova que a AF logrado demonstrar os termos em que, normalmente, operações da mesma natureza decorreriam se fossem efectuadas entre pessoas independentes e em idênticas circunstâncias.
Nos autos está em causa a liquidação adicional de IVA, regendo o Artº. 82.° do CIVA quanto a ela que o chefe da repartição de finanças competente procederá à rectificação das declarações dos sujeitos passivos quando fundadamente considere que nelas figura um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos, liquidando adicionalmente a diferença. (...)- nº 1-,sendo que as inexactidões ou omissões poderão igualmente ser constatadas em visita de fiscalização efectuada nas instalações do sujeito passivo, através de exame dos seus elementos de escrita, bem como da verificação das existências físicas do estabelecimento. (nº 3).
Como assertivamente refere o Mº Juiz face à demonstrada falta de fundamentação legalmente devida para aplicação do Art. 57a do CIRC, não é, logicamente, possível admitir que a administração haja " fundadamente" considerado ter a impugnante deduzido imposto superior ao devido.
É que – salienta com argúcia o Mº Juiz- o princípio da legalidade administrativa apenas permite que a administração actue se isso lhe permitir a lei, não o podendo fazer contra ela; sendo, de resto, os pressupostos da sua actuação factos constitutivos do seu direito de agir, cuja prova lhe compete.
Ora, não tendo a AT actuado de acordo com a lei que a obrigava a fundamentar a aplicação do Art. 57.° do CIRC nos termos supra expostos, tal acarreta que no âmbito da liquidação de IVA operada também não foi preenchido o ónus da prova a seu cargo de fundamentar as correcções das declarações da contribuinte e a liquidação adicional do imposto nos termos exigidos no Art. 82.º do CIVA, sendo ilegal a questionada liquidação por violação daquele preceito legal.
Improcedem assim as conclusões do recurso sob análise.
*
B)- DA VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NO ARTº. 82.° DO CIVA REALTIVAMENTE À NÃO ACEITAÇÃO DA DEDUÇÃO DO IVA CONSTANTE NAS FACTURAS EMITIDAS POR UM DADO FORNECEDOR
Neste contexto, sustentara a impugnante na p.i. que as facturas emitidas por António Manuel dos Santos Lourenço correspondem a serviços efectivamente prestados por aquele fornecedor e integralmente pagos pela impugnante, através de cheque.
Na sentença recorrida, mais uma vez com acerto, depois de se reafirmar que de acordo com as regras da distribuição do ónus da prova, cabe à Administração o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável) e, em contrapartida, incumbe ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados esses pressupostos, conclui-se que , no caso vertente, a Administração Fiscal não recolheu indícios suficientes de que os serviços titulados pelas facturas emitidas por António Manuel dos Santos Lourenço não foram efectivamente prestados, julgando procedente a impugnação.
Contra o assim decidido se insurgiu a FªPª sustentando que as correcções em IRC neste exercício de 1994, incidiram também em três facturas, emitidas pelo s.p. A ... - construtor civil, as quais não puderam ser atendidas fiscalmente, por existirem indícios suficientes da sua falta de veracidade, não se enquadrando por isso nos custos previstos no artº 23.° do CIRC e se enquadrar no n.° 3 do art.° 19.° do CIVA.
Ora, segundo a recorrente FªPª tais indícios não foram afastados pela impugnante e, como todas correcções efectuadas em IRC, têm efeitos em termos de IVA, estão justificadas em sede deste imposto as correcções em conformidade com o art.º 82.° do CIVA.
Quid juris?
A administração fiscal só deve praticar o acto tributário - liquidação - quando "formar convicção a existência e conteúdo do facto tributário" (assim, Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág. 150).
Esta convicção deve assentar em pressupostos objectivos e não em meras suposições ou juízos de natureza puramente subjectiva.
No caso concreto não estavam reunidos os pressupostos conducentes à conclusão de que se verificava o facto tributário e qual a sua medida nos termos pretendidos pela AT.
Destarte, deve concluir-se, a final, que a liquidação deverá ser anulada.
A tese da FªPª em sede de recurso em que imputa à sentença recorrida erro de julgamento parece ser a de que quanto à veracidade do conteúdo das facturas não poder ser imputada aos factos indiciárias bastantes relatados ou que serviram de base à presunção natural da simulação das operações tributárias tituladas por essas facturas, não tendo a impugnante ilidido essa prova indiciária carreada pela AF nem provado, como lhe competia, que às facturas em causa correspondiam transacções reais, pelo que a subsistir qualquer dúvida no âmbito da prova só à impugnante poderia ser imputada.
Importa, por isso, analisar a questão relativa ao ónus de prova para depois averiguar se ocorreu o apontado erro de julgamento.
Para o efeito, aderimos à fundamentação expendida no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 17/04/02, no Rec. n° 26.635 cuja doutrina vai no sentido de que é à AF que cabe «o ónus de "demonstrar a existência do fundamento legal com que se arroga a titularidade de atribuições e de competência para a pratica do acto em causa" ou da sua actuação enquanto persona potentior, pois só perante a existência deste está autorizada a actuar. (...).
A norma que confere as atribuições à administração, exercidas no tipo de acto que está aqui em causa, é a constante do art.° 82° n° l do CIVA. que textua: "O chefe de repartição de finanças competente procedera à rectificação das declarações dos sujeitos passivos quando fundamentadamente considere que nelas figura um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos, liquidando-se adicionalmente a diferença".
Segundo esta norma, e no que importa ao caso concreto, são dois os requisitos legais da actuação da administração: a consideração subjectiva, na sua actividade de controlo ou de fiscalização relativa ao cumprimento dos deveres dos contribuintes, de que estes fizeram constar das suas declarações uma dedução superior à que seria devida, ou seja, superior à que resulta da aplicação da lei que as regula; que essa consideração seja tomada de modo fundamentado.
Ao usar, todavia, a expressão "...quando fundamentadamente considere que nelas figura... uma dedução superior à devida", o legislador pretende evidenciar a exigência não sé da existência de uma declaração formal fundamentadora do seu juízo subjectivo (consideração), nas também a necessidade desse juízo se equivaler ao resultado de uma ponderação fáctico - jurídica, substancial ou materialmente, correcta».
«Não importa só que a administração se diga convencida, mas também que diga porque é que se deixou convencer e que este resultado possa ser objectivamente apreciado e controlado pelo tribunal à luz dos critérios adequados.
E sendo assim, para emitir o seu juízo sobre se se deve ter por materialmente fundamentada a consideração da administração, o tribunal não se pode ater apenas à existência de uma fundamentação formal e aos elementos nela externados (...), mas terá de formar o seu próprio juízo probatório sobre a correspondência à realidade fáctico - jurídica dos elementos em que a administração disse apoiar a sua consideração e aferir, então, sobre eles se esta deve ter-se por correcta.
À administração caberá, assim, o ónus de provar, também em tribunal, os pressupostos de facto suficientes, dentre os afirmados na fundamentação do acto. para que o tribunal possa ajuizar sobre se o juízo administrativo se deve ter por, objectiva e materialmente, fundamentado...)».
«(...) Digamos, retornando ao sentido do discurso feito atrás, que à administração cabe o ónus de prova da verificação dos requisitos estabelecidos no art.° 82° n.° l do CIVA para que possa liquidar adicionalmente o IVA respeitante a deduções indevidas, mas já não a existência dos factos contra ela afirmados pelo contribuinte, traduzidos na existência dos factos tributários e sua expressão quantitativa.
Os requisitos legalmente estabelecidos para que seja permitida a dedução do imposto pago a montante não constituem, nesta óptica, também requisitos que estejam legalmente previstos enquanto requisitos de legitimação da actuação da administração. Relativamente a esta matéria, a lei basta-se com um juízo administrativo de adequação entre os factos e colorações em que a administração diz, formalmente, suportar a sua decisão e o resultado desse juízo no sentido de se lhe afigurar ter sido declarado uma dedução superior à devida, e com a prova perante o tribunal da pertinência desse juízo ou seja, com a prova, perante o tribunal, da existência dos elementos que tornam possível ter como adequada a consideração por si feita de que o contribuinte declarou uma dedução superior à permitida pela lei.
É nesta perspectiva que se poderá, de algum modo, falar que a administração apenas terá de fazer a prova, em tribunal, do bem fundado da formação das suas presunções de inexistência dos factos tributários e que, na falta dessa prova, essa questão - ou seja a questão relativa à legalidade do seu agir praticando o acto tributário - terá de ser resolvida contra ela.»
Na senda de Vieira de Andrade, in "A Justiça Administrativa" (Lições), 2° edição, pág. S69, «há-de caber, em princípio, à Administração o ónus de prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável); em contrapartida, caberá ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados estes Pressupostos». Nesse sentido, expende Jorge Lopes de Sousa, in "Código de Procedimento e Processo Tributário Anotado", 2ª edição, pág. 470, que «o ónus de prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. Embora esta regra (art. 74º/1 LGT) esteja prevista para o procedimento tributário, o seu conteúdo deve ser transposto para o processo judicial que se lhe seguir, por forma a que quem tinha o ónus da prova no procedimento tributário tenha o respectivo ónus no processo judicial tributário (...)».
Por força desse entendimento, a AF tem o ónus de demonstrar a factualidade que a levou a levou a considerar determinada operação como simulada, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte (atento o princípio da declaração e da veracidade da escrita vigente no nosso direito -art.78° do CPT), só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova de que as operações se realizaram efectivamente.
Porém, nessa actividade, não se torna necessário que a AF prove os pressupostos da simulação previstos no art. 240° do C.Civil (a existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros, sendo bastante a prova de elementos indiciários que levam a concluir nesse sentido, isto é, de indícios sérios e objectivos que traduzam uma probabilidade elevada de que as facturas não titulam operações reais, pois de contrário seria praticamente impossível atingir o objectivo legal de tributação e de combate à fraude fiscal.
E perante esses concretos indícios, essa elevada probabilidade, cessa a presunção de veracidade das operações constantes da escrita e dos respectivos documentos de suporte, passando a competir ao contribuinte o ónus de provar que elas se realçaram efectivamente.
No caso sub judice, a liquidação impugnada tem como pressuposto que não corresponderiam a transacções reais as tituladas pelas facturas em causa, por existirem indícios de que titulam operações simuladas, que não teriam tido lugar.
Na verdade, face aos elementos probatórios carreados para os autos pela AF, diz esta que existem indícios sérios de que as operações subjacentes às referidas facturas não correspondem à realidade, indícios esses traduzidos nos factos que se captam do relatório junto aos autos.
Porque assim, cabia ao contribuinte demonstrar que os serviços e operações referidos nas facturas tinham sido efectivamente prestados e para o efeito, juntou cheques reportados ao pagamento das facturas susceptíveis de criar a convicção ao julgador de que as operações tituladas pelas facturas condizem com a realidade material dos factos.
Pergunta-se:- não serão tais factos suficientes para se concluir pela inexistência de simulação na emissão de facturas?
“Um negócio diz-se simulado, preceitua o art. 240° do Código Civil, se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante.
Exige-se, portanto, a existência de um acordo simulatório entre os simuladores no intuito de enganar terceiros.
Dos elementos que resultam dos autos, não é possível afirmar a existência de simulação em relação às operações a que se reportam as facturas.
Os elementos que serviram para a administração fiscal chegar à conclusão a que chegou são todos de natureza indiciária, não havendo um único elemento de natureza probatória directa.
É certo que a prova directa da simulação não é fácil e que, por isso, muitas vezes se chega até à conclusão de que tal simulação existiu através de prova indiciária.
Essa prova terá, no entanto, de se mostrar suficientemente sólida e segura para permitir, com a segurança necessária, lograr aquela conclusão.
Ora, os indícios apontados pela Administração nada permitem concluir quanto às questão fulcral que é a de saber se ao impugnante foram os não prestados os serviços titulados pelas facturas.
Não cumprimento de obrigações fiscais por parte dos emitentes e pagamentos em dinheiro, não chegam, como indícios, para implicar o impugnante num acordo simulatório com vista a ludibriar o fisco.
Ora, dentro do principio da livre apreciação da prova cabe ao juiz aceitar os factos que a experiência ditar como mais razoáveis.
No caso em apreço não há duvida de que os factos mais razoáveis e de acordo com a experiência são os fixados no probatório supra, o nos leva à convicção de que merecem credibilidade as facturas emitidas por A ... e, naturalmente conduz à improcedência das conclusões das alegações e do recurso, com a manutenção da sentença recorrida e anulação do acto impugnado.
Escreveu Beleza dos Santos, Simulação em Direito Civil, 1955, cópia da edição de 1921, Vol. I, pág. 63:
“O intuito de enganar terceiros, que torna a simulação inconfundível com as declarações não sérias consiste em pretender que pareça real o que no intuito das partes não é, criando para terceiros uma aparência”.
Em vista do disposto no artº 1414º do Ccivil, que não define a simulação e, quanto à simulação relativa, fala de contrato aparente, tem de concluir-se que a intenção das partes é criar perante terceiros uma aparência, e o engano de terceiros consiste em fazer parecer real o que, em relação aos simuladores, não o é. Se a simulação é a criação artificiosa do que não se quer ou a ocultação do que se quer, tem em si imanente o fim de enganar; quando se simula, isto é, se finge ou oculta, tende-se a enganar terceiros. Não há dúvida de que a simulação tem sempre por fim enganar terceiros. Geralmente, as partes criam uma aparência com o propósito de iludir direitos ou expectativas de terceiros, não sendo porém necessário o intuito fraudulento. Cria-se uma situação aparente destinada, na intenção das partes, a enganar terceiros.
Assim, por via de regra pelo menos, identifica-se o intuito de enganar terceiros com a intenção de criar uma aparência, sendo no fingimento, na intenção de criar a aparência de uma realidade «fazendo crer que», como é próprio da simulação, há o desígnio de provocar uma ilusão normalmente destinada a enganar terceiros.
Em reforço desse ponto de vista, tenha-se em conta que, como já alegado foi, o que constitui elemento de simulação é, o intuito de enganar ou iludir (animus decipiendi) e não o intuito de prejudicar, ou seja, de causar um dano ilícito (animus nocendi).
No caso concreto, porém, a simulação apresentar-se-ia como fraudulenta pois, segundo o Fisco, tudo aponta para que foi feita com o intuito não só de enganar mas também de prejudicar terceiros (de modo ilícito) ou de contravir a uma disposição legal – artº 2159º do CCivil (animus nocendi).
Na situação em apreço, de harmonia com a tese da AT, além do negócio simulado, patente, ostensivo, decorativo, aparente ou fictício, haveria um negócio oculto, latente, disfarçado, real- o negócio dissimulado. Ou seja e como diziam os antigos tratadistas, colorem habet, substantiam vero alteram (tem uma cor e outra substância).
É que um juízo de indeterminabilidade do negócio jurídico é resultado final de uma actividade interpretativa da vontade das partes, frustre por não chegar a ser possível, no fim do processo hermenêutico, determinar qual o sentido identificativo com que deva valer a declaração ou, no caso dos negócios jurídicos contratuais, as declarações cruzadas que se formam (nesse sentido, v. o Ac. do STJ de 8.11.95 no recurso nº 085750).
Diga-se, no entanto, que não é exigível que a AF prove cabalmente os pressupostos da simulação previstos no art. 240°do C.Civil (a existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros), sendo bastante a prova de elementos indiciários que levam a concluir nesse sentido, isto é, de indícios sérios e objectivos que traduzam uma probabilidade elevada de que a factura não titula o negócio nos termos dela constantes, que estes não correspondem à realidade.
Nesse sentido apontam, como início de prova, os fundamentos pela AT aduzidos, sendo que tal doutrina cobre o caso concreto pois, dentro do principio da livre apreciação da prova cabe ao juiz aceitar os factos que a experiência ditar como mais razoáveis e impõe-se concluir, face à prova documental que foi produzida, que os serviços foram efectivamente prestados e pagos e, assim, que nos negócios em causa houve simulação e não tiveram por fim que a contribuinte pagasse menos imposto.
Assim sendo, incumbindo à impugnante infirmar a conclusão de que houve acordo simulatório carreando factos que permitissem credibilizar os dados da sua escrita e não há dúvida que os alegou e ofereceu prova cabal.
Logo, são espúrias as considerações da recorrente de que, as facturas emitidas pelo s.p. António Manuel dos Santos Lourenço - construtor civil, não pudem ser atendidas fiscalmente, por existirem indícios suficientes da sua falta de veracidade, não se enquadrando por isso nos custos previstos no artº 23.° do CIRC e se enquadrar no n.° 3 do art.° 19.° do CIVA, não tendo tais indícios sido afastados pela impugnante e, como todas correcções efectuadas em IRC, têm efeitos em termos de IVA, estão justificadas em sede deste imposto as correcções em conformidade com o art.º 82.° do CIVA.
É que já se deixou comprovado que a contabilidade da impugnante correspondia à sua verdadeira situação patrimonial e resultados obtidos e que isso não impossibilitava a aferição dos resultados com base nos elementos contabilísticos, logo, que se não se verificam os pressupostos previstos na lei para as efectuar as correcções sub judicibus.
Na verdade, a materialidade apurada quanto àquelas facturas não cabe na incidência normativa pretendida pelo Fisco, sendo certo que o acto tributário se funda sempre numa situação de facto ou de direito concreta, prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto.
Como refere CARDOSO DA COSTA, “ Curso de Direito Fiscal “, 2ªed., 1972, pág. 126, «frequentemente o legislador fiscal liga a obrigação do imposto à prática de actos, ao exercício de actividades e ao gozo de situações, que são disciplinadas enquanto tais pelo direito privado».
Nesses casos, o facto gerador do imposto deriva ou é pelo menos influenciado nos seus contornos pela celebração dum negócio jurídico de determinado tipo.
E, assim, no douto ensinamento de ALBERTO XAVIER, «Conceito e Natureza do Acto Tributário», 324, « O facto tributável com ser facto típico, só existe como tal, desde que na realidade se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos que, por esta nova óptica, se convertem em elementos do próprio facto ».
Ora, em vista do mecanismo das deduções regulado nos artºs. 19º a 25º do CIVA, a dedução do imposto suportado a montante faz parte da própria essência do IVA pois este assenta num sistema de pagamentos fraccionados do imposto visando a tributação do consumo final, sendo por isso a dedução do imposto pago nas operações intermédias do circuito económico, indispensável ao funcionamento do sistema e ao estabelecimento da cadeia da importação ou produção até ao consumo final ou exportação.
Na dedução do IVA é utilizado o chamado método indirecto subtractivo no qual não há que determinar o valor acrescentado pela empresa, operando-se a dedução de imposto a imposto, ou seja, através das facturas relativas a determinado período, deduz-se ao imposto liquidado nos «outputs» o imposto suportado nos «inputs» no mesmo período, independentemente da venda dos bens a que respeita o imposto deduzido. Todavia e por força do disposto no nº 3 do artº 19º do CIVA, não poderá deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente.
Esse princípio vai na linha de defesa dos interesses da Fazenda sendo seu escopo fundamental a manutenção da cadeia das deduções ao frustrar as tentativas de obtenção da dedução de imposto não suportado mediante a exigência de facturas de aquisição de bens e serviços pelos sujeitos passivos, travando o passo à evasão fiscal.
Na verdade, não há direito à dedução quando a operação é simulada ou se o preço constante da factura ou documento equivalente é simulado, o que o mesmo é dizer que nessas situações não é admitido o direito à dedução do imposto respectivo a fim de não se obter dedução de um imposto que não foi suportado pelo sujeito passivo.
Importa por isso averiguar se, sob o prisma do artº 240º do Ccivil, que define a simulação, por acordo entre o declarante e o declaratário e no intuito de enganar terceiros- neste caso o Fisco- se verifica divergência entre a declaração negocial e a vontade real das partes.
Como expende Alberto Anvicchio in A Simulação no Negócio Jurídico, 36, nota simular é tornar semelhante ao que não é verdadeiro pelo que a simulação pode comparar-se a um fantasma em cotejo com a dissimulação que é uma máscara. Dito por outras palavras, na simulação não se dissimula acto algum, e então o acto realizado é uma mera aparência, vazia de qualquer sentido («colorem habet substantiam vero nulam»).
Segundo Beleza dos Santos in A Simulação em Direito Civil, 1955, 2º-179, há duas espécies de actos simulados relevantes sob o ponto de vista fiscal, a saber:- a)- aqueles que dão lugar ao pagamento de um imposto que não seria cobrado se não fora a simulação, ou pelos quais se pagou contribuição maior do que aquela que seria paga se a simulação não existisse; e b)- aqueles em que a simulação teve por fim evitar no todo ou em parte o pagamento do imposto devido por um facto a ele sujeito, espécie em que se integra claramente a situação dos autos.
Conforme a sua epígrafe, o artº 82º regula as correcção das deduções e liquidações adicionais com base nas declarações periódicas remetidas pelos sujeitos passivos aos Serviços do IVA dentro dos respectivos prazos, atribuindo-se ao Sr. CRF promover a liquidação adicional da diferença quando a análise daquelas declarações revelar que foram cometidas omissões ou inexactidões de que resultou a entrega de imposto inferior ao devido ou, como «in casu» se perfila, dedução indevida.
E, como decorre dos nºs 2 a 4 do artº 82º do CIVA, as inexactidões ou omissões nas referidas declarações podem vir ao conhecimento do Fisco, designadamente, através do confronto com declarações de períodos anteriores, da comparação com o rendimento da contribuição industrial, do resultado de exames à contabilidade, da inventariação física das existências ou da conferência dos elementos constantes nas declarações.
Assim, a rectificação prevista no citado preceito legal será realizada directamente pelo sr. CRF através do conhecimento directo das omissões ou inexactidões cometidas, ou assim que lhes sejam comunicadas pelos serviços centrais do IVA ou- como aconteceu no caso presente- pelos agentes de fiscalização.
Assim aconteceu no caso vertente em que os factos dados como provados, mormente a veracidade das facturas de A ..., demonstram a existência de transacções.
Assim, afigura-se-nos que a impugnante fez prova positiva de que lhe foram prestados os serviços em causa e que, naturalmente, os pagou.
Isto basta para se afastar a tese da simulação das facturas quanto às que titulam prestações de serviços.
Na verdade, no caso dos autos, e visto que a liquidação impugnada resulta da não aceitação de factos tributários declarados pelo contribuinte como constitutivos do seu direito à dedução do IVA pago às pessoas referidas, cabia, pois, à AF provar a verificação dos pressupostos legais que legitimam a sua actuação legal, ou seja, os constantes do art. 82° n° l do CIVA.
Vale isto por dizer que lhe cabia demonstrar não só a existência da declaração formal fundamentadora do seu juízo subjectivo quanto à existência de deduções superiores às devidas como, ainda, provar a pertinência desse juízo, pela enunciação de elementos fáctico - jurídicos aptos a convencerem sobre a adequação e correcção desse juízo, isto é, pela enunciação de indícios sérios de que as operações referidas nas facturas cujo IVA foi deduzido são simuladas.
Consequentemente, não era necessário que a AF provasse os pressupostos da simulação previstos no art. 240° do C. Civil, sendo bastante a prova de elementos indiciários que levam a concluir nesse sentido, isto é, de indícios sérios e objectivos, que traduzam uma probabilidade elevada de que as facturas não titulam operações reais.
Como de diz na sentença recorrida, no essencial, a conclusão da Administração fiscal no sentido de que as facturas aqui em causa são simuladas, assentou nas seguintes circunstâncias:
Na verdade e como se afirma na sentença recorrida, “Sucede que, no caso vertente, a Administração Fiscal não recolheu indícios suficientes de que os serviços titulados pelas facturas emitidas por António Manuel dos Santos Lourenço não foram efectivamente prestados.
Efectivamente, os únicos indícios, em que a inspecção se baseou para concluir que tais facturas eram de favor, consistiram nas circunstâncias de aquele fornecedor estar indiciado como emitente de facturas falsas e de não entregar as declarações de IVA.
Mas, salvo melhor opinião, estes não são indícios suficientes para suportar a conclusão retirada pela administração. É que, se pôr um lado, o facto de alguém estar indiciado pela prática de um crime não significa que, efectivamente, o tenha praticado; por outro lado, o facto de ter emitido facturas de favor, não implica que essa seja a sua única " actividade" - isto é, pode emitir facturas de favor numas circunstâncias e facturas que titulam operações reais, noutras.
Acresce que o facto de não entregar as suas declarações de IVA, não significa necessariamente que não exerça a sua actividade e, inclusivamente, liquide o IVA nos termos legais.
Além do mais, a apresentação dos comprovativos dos pagamentos dos valores constantes nas facturas emitidas por este fornecedor é, em si mesmo, um indício forte de que os serviços foram efectivamente prestados, especialmente quando confrontado com os indícios recolhidos pela fiscalização tributária.
Em suma, a administração não cumpriu o dever que sobre si recaía de recolher indícios sérios e credíveis de que os serviços em questão não foram prestados, razão pela qual inexiste fundamento minimamente aceitável para as correcções levadas a cabo.
Ora, pelos mesmos motivos atrás referidos e aqui se dão por reproduzidos na parte pertinente, também relativamente à não aceitação da dedução do IVA constante nas facturas emitidas pelo fornecedor em causa, se mostra violado o disposto no Art. 82.° do CIVA.
Por outro lado, e atentas as considerações expendidas a propósito da falta de prova de que as facturas emitidas não correspondem a serviços efectivamente prestados, mostra-se, igualmente, violado o Art. 19.°, nº 3 do CIVA, na medida em que, não se demonstrando a existência de operação simulada, tem de ser admitida a dedução do IVA.”
Assim, no caso sub judice, a materialidade exposta no probatório não pode deixar de se considerar como insuficiente e inadequada ao juízo formulado pela AF.
Essa materialidade é a seguinte:
“Em 23/04/96 foi o sujeito passivo visitado, tendo apenas sido detectadas as facturas nº 254, 255 e 256 de " A ..." , contribuinte n0 ..., cuja actividade é a execução de empreitadas de Construção Civil e tem sede em ... – LEIRIA. Por consulta ao terminal do IVA constatámos que desde 03/03/93, data do seu enquadramento, nunca entregou qualquer declaração de IVA.
De referir que, do conjunto de Sujeitos Passivos relacionados pela Directoria de Coimbra da Polícia Judiciária como potenciais emitentes de facturas falsas, este foi o único detectado. Em 07/06/96 procedeu-se à apreensão dos originais no âmbito do Processo de Averiguações nº 16/96.0/IDSTR aberto para o efeito pelo Núcleo de Averiguações Criminais da Direcção de Finanças de Santarém, com vista ao seu posterior envio para integração no processo instruído pela Polícia Judiciária (Ver Anexo I). Entretanto, o Sujeito Passivo ficou de solicitar À Instituição Bancária cópia dos cheques utilizados no pagamento a A .... Foi o que de facto aconteceu, pelo que também no anexo I se junta fotocópia com frente e verso de três cheques emitidos pela " F..." a "António Manuel dos Santos Lourenço" pelos montantes que constam da respectiva conta corrente.
A versão do Sujeito Passivo é a seguinte:
A determinada altura foi sentida a necessidade de alargar e mudar de instalações para um local onde existia uma antiga pecuária. Como existiam construções nesse terreno, resolveu-se reconstruir um edifício, demolir dois pavilhões e um reservatório de água e construir em seu lugar, de raiz, o armazém principal, os serviços administrativos e outro reservatório de água. Para isso contactou vários construtores, tendo-se destacado " Daniel António Francisco Ramos" por oferecer o orçamento mais baixo para efectuar as referidas obras (11.100.000$00), pelo que foi este o escolhido. Entretanto e após diversas vicissitudes ficaram as obras por concluir, embora o pagamento já tivesse sido efectuado. Para as concluir foi-lhe indicado o " A ..." que apenas contactou pessoalmente uma única vez no início das obras, tendo estas decorrido de forma irregular, quer quanto a cumprimento de horários quer quanto a comparências, em que o aspecto dos trabalhadores a sua variação e do respectivo transporte inspiravam pouca confiança. Porém o trabalho era por empreitada e já estava integralmente pago antecipadamente pelo que eles terão ao todo desenvolvido muito pouco trabalho. Finalmente as obras foram concluídas pela firma " D..., Lda " .
A nosso ver, porém, as únicas empresas de Construção Civil que trabalharam na Obra foram o " Daniel Ramos" que, com um orçamento reduzido cumpriu deficientemente com os trabalhos que se propôs fazer, e a " D..., Lda" que concluiu as obras. A aquisição de facturas de favor ao "A A ..." teve apenas em vista obter para a "F..." vantagem patrimonial indevida, em prejuízo do Estado.
Do exposto resulta não aceitarmos os reflexos na área fiscal que as facturas de " A ..." titulam por, por um lado não se enquadrarem como "custos necessários à manutenção da fonte produtora" previstos no art0 23a do Código do IRC, e por outro por se enquadrarem no conceito se negócio simulado cujo IVA não é dedutível por força do n0 3 do art0 19a do código do IVA. “
(...)
E) Os serviços titulados nas facturas emitidas por A ... foram efectivamente pagos pela impugnante, através de cheque.
Factos não provados.
Com interesse para a decisão não se provou que:
A) Os serviços titulados nas facturas emitidas pelo fornecedor A... não foram efectivamente prestados à impugnante.
A convicção do tribunal baseou-se na análise crítica do conjunto da prova produzida, com destaque para o relatório da inspecção e demais documentos referidos nas alíneas antecedentes.
No que concerne ao pagamento dos valores titulados nas facturas emitidas por A ..., a convicção do tribunal baseou-se no próprio relatório da inspecção onde expressamente se refere que a impugnante apresentou cópias dos ditos meios de pagamento, que foram emitidos a favor do fornecedor em causa e por este mesmo movimentados.
Quanto ao facto considerado não provado, a convicção do tribunal baseou-se no teor do relatório da fiscalização, na parte respeitante a esta matéria.”
Da análise crítica de tais elementos resulta com segurança alguns factos essenciais: que foram prestados os serviços q que se referem as facturas aqui em causa.
Por outro lado, a administração não traz senão prova indiciária e de frágil natureza.
Em face destes elementos, e sem outras diligências tendentes a colher mais dados ou factores indiciantes, não pode concluir-se que a AF tenha feito prova da legalidade da sua actuação, isto é, dos pressupostos legais que legitimam a correcção e subsequente liquidação Impugnada.
É que dúvidas não podem subsistir de que ficou abalado o juízo formulado pela AF segundo a qual todas as facturas titulam operações simuladas, não podendo concluir-se que a AF tenha logrado provar em tribunal o bem fundado da formação da sua presunção de inexistência dos factos tributários.
E na falta dessa prova, essa questão - relativa à legalidade do agir da administração fiscal - terá que ser resolvida contra ela.
Em síntese: o circunstancialismo fáctico aduzido pela AF na declaração fundamentadora do seu juízo subjectivo quanto à existência de deduções superiores às devidas não se mostra apto a convencer sobre a adequação desse juízo, dada a insuficiência de indícios sérios que traduzam uma probabilidade elevada de que as operações referidas nas facturas cujo IVA foi deduzido sejam simuladas.
Não tendo a AF feito prova do bem fundado da formação do seu juízo, a questão relativa à legalidade do seu agir terá de ser resolvida contra ela, sem necessidade de ir analisar se a impugnante logrou ou não provar, em tribunal, a existência dos factos tributários que subjazem à dedução de imposto que efectuou.
Termos em que igualmente improcedem as conclusões que se apreciam.
*
III.- DECISÃO:
Nestes termos, acordam os juizes deste TCAS em:
v Negar provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública;
v Confirmar a sentença recorrida;
v Sem custas por delas estar isenta a parte vencida.
*
Lisboa, 16/12/2004
Gomes Correia
Casimiro Gonçalves
Ascensão Lopes
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(1) Esta possibilidade de correcção da determinação do lucro tributável a que se refere o art. 57º do CIRC, configura-se, na opinião do Dr. Nuno Sá Gomes (As Garantias dos Contribuintes, CTF 371, 127 e sgts.), como um poder quase discricionário da AF, pelo que esta deve descrever os termos em que normalmente decorrem operações da mesma natureza entre pessoas independentes e em idênticas circunstâncias.
(2) O Art. 80.° do CPT, em vigor à data da acção inspectiva, determinava que " Sempre que as leis tributárias permitam que a matéria tributável seja corrigida com base em relações especiais entre contribuinte e terceiro e verificando-se o estabelecimento de condições diferentes das que se verificariam sem a existência de tais relações, a fundamentação das correcções obedecerá aos seguintes requisitos: a)- Descrição das relações especiais; b) Descrição dos termos em que normalmente decorrem operações da mesma natureza entre pessoas independentes e em idênticas circunstâncias; c) Descrição e quantificação do montante efectivo que serviu de base à correcção."
(3) Também Nuno Sá Gomes em '' As garantias dos contribuintes", CTF, n° 371, pág. 127 e segs., sustenta tal possibilidade de correcção do lucro tributável, afirmando a existência de “um poder quase discricionário da AF", que lhe permite, nomeadamente, a escolha das metodologias mais correctas à determinação do preço de concorrência, pelo que esta deve descrever os termos em que normalmente decorrem operações da mesma natureza entre pessoas idênticas e em idênticas circunstâncias.