Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06599/13
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:11/19/2015
Relator:LURDES TOSCANO
Descritores:PREÇO EFECTIVO NA TRANSMISSÃO DE IMÓVEIS – PROVA
GARANTIAS DOS CONTRIBUINTES - PROCEDIMENTO
ARTIGOS 58º-A (ACTUAL ART.64º) E 129º (ACTUAL ART.139º) DO CIRC
ACESSO A INFORMAÇÃO BANCÁRIA
Sumário:I - O procedimento previsto no Capitulo VIII do Código do IRC, referente às garantias dos contribuintes tem como objectivo a prova pelo sujeito passivo do preço efectivo na transmissão de imóveis permitindo-lhe assim obviar à aplicação do disposto no artº 58-Aº nº 2 do mesmo diploma legal (correcções ao valor de transmissão de direitos reais sobre bens imóveis).

II - O regime em presença tem em vista garantir o direito do contribuinte à demonstração do preço efectivo do bem alienado quando inferior ao valor de mercado. Por outras palavras, está em causa o apuramento do valor efectivo do bem alienado, tendo em vista garantir o carácter fidedigno dos registos contabilísticos do contribuinte. Seja pela possibilidade de demonstração com recurso a qualquer meio de prova idóneo, seja através do apuramento colegial, o referido regime ordena-se ao apuramento exacto do preço do bem alienado, tendo em vista a determinação correcta dos proveitos do contribuinte. Objectivo que está em linha com o imperativo da tributação do rendimento real.

III – A autorização de acesso à informação bancária prevista no artº 129º, nº 6 do CIRC tinha, pois, como única finalidade a comprovação do pedido de demonstração a que alude aquele normativo. E por isso mesmo o legislador fez constar do referido normativo que o acesso à informação bancária se circunscreve «ao período de tributação em que ocorreu a transmissão e ao período de tributação anterior».

IV - O direito à prova do preço efectivo inferior ao valor de mercado do bem alienado, que assiste ao contribuinte, exige a demonstração eficaz e cabal do mesmo, o que postula a referida derrogação. Ora, era sobre a impugnante que recaía o ónus de provar que o preço efectivo da venda do imóvel em causa foi aquele por si declarado e impunha-se que providenciasse a junção imediata dos atinentes meios de prova ao seu dispor, para que o debate contraditório entre peritos decorresse em igualdade de armas e munido de toda a prova a considerar.

V – Estava em causa o acesso aos dados bancários do contribuinte alienante de prédio cujo preço inscrito na contabilidade é inferior ao valor de mercado e que pretende fazer prova da efectividade do mencionado preço. Ora, correspondendo o VPT do prédio a uma aproximação ao valor de mercado do mesmo, a asserção de que o proveito obtido com a sua venda não há-de ser inferior ao VPT constitui uma presunção cuja ilisão requer a prova em contrário (artigo 350.º do Código Civil). Prova cuja assertividade deve estar para além de qualquer dúvida e cujo ónus de demonstração recai sobre requerente, na medida em que fez inscrever na sua contabilidade preço inferior ao preço do mercado (artigo 74.º/1, da LGT). De referir também que sendo o preço a contrapartida monetária da venda, o qual origina fluxos financeiros entre pelo menos duas partes, então segue-se que os dados bancários da recorrida, enquanto alienante e contribuinte, surgem como elementos determinantes no apuramento do mencionado preço. Donde se infere que o acesso aos referidos dados bancários oferece-se como mecanismo adequado à comprovação do preço declarado do bem e inscrito na
contabilidade da recorrida.

VI – Ora, no seu próprio interesse, deveria a sociedade recorrida ter juntado, ao requerimento inicial apresentado junto da AT, e que determinou a instauração do procedimento do art. 129º do CIRC, as autorizações para acesso à sua informação bancária e dos respectivos gerentes. Tanto mais, que o referido procedimento, regulado pelos arts. 91º e 92º da LGT, assenta num debate contraditório entre o perito indicado pelo contribuinte e o perito da AT e visa o estabelecimento de um acordo quanto ao valor da matéria tributável a considerar para efeitos de liquidação.

VII - Não tendo a recorrida feito a imprescindível prova do preço efectivo de venda do imóvel em causa, a questão terá de ser contra ela decidida, em obediência às regras legais do ónus da prova supra referidas, nomeadamente, do art. 342º, nº 1 do Código Civil e do art. 74º, nº 1 da LGT. Em consequência, e nos termos da alínea a) do nº 3 do art. 58º-A do CIRC terá de acrescer ao lucro tributável do exercício em causa a diferença positiva entre o valor patrimonial fixado em sede de avaliação ao imóvel em causa e o respectivo valor declarado de venda.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

l – RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA vem recorrer da sentença de fls. 61 a 65 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou procedente a impugnação judicial que a sociedade “Empreendimentos …………… – Urbanizações ……………., Lda” deduziu contra a liquidação do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas, respectivos juros compensatórios e juros de mora, referente ao exercício fiscal de 2006.

Nas suas alegações de recurso formula as seguintes conclusões:


A) Vem impugnada a liquidação de IRC do ano de 2006 subsequente à decisão de correcção do lucro tributável de 2006 proferida no âmbito do procedimento do artigo 129º/3 do CIRC, requerido pela impugnante no sentido de demonstrar que o preço de venda por si declarado quanto ao prédio …………/Pombal corresponda ao preço e efectivamente praticado, visando obstar ao disposto nos n°s 1 e 2 de art. 58°-A do CIRC em matéria de acréscimo ao lucro tributável do exercício envolvido da diferença positiva entre o valor patrimonial fixado em sede de avaliação efectuada ao imóvel e o respectivo valor declarado de venda (€221.080,00 = €570 080,00- €349 000,00).

B) Ao requerimento inicial apresentado junto da AT, e que determinou a instauração do procedimento do art.129° do CIRC, a sociedade impugnante não juntou as autorizações para acesso à sua informação bancária e dos respectivos gerentes, disponibilizando-se para a sua posterior remessa, para os efeitos do n°6 do art.129° do CIRC, caso a AT assim o entendesse.

C) Sucintamente, a douta sentença sob recurso julgou procedente a impugnação apresentada, determinando a anulação da liquidação de IRC posta em crise, por entender que não parecia aceitável concluir-se que pelo facto de não terem sido inicialmente anexadas pela impugnante as autorizações de acesso à informação bancária, ficasse inviabilizado o convite da AT para a sua posterior junção, bem como a consideração das outras provas apresentadas, uma vez que tal cenário era manifestamente contrário aos princípios do inquisitório (Art. 58 LGT) e da colaboração (Art. 59° LGT), entre outros.

D) Ora, o procedimento do art.129° do CIRC, regulado pelos artigos 91° e 92º da LGT, assenta num debate contraditório entre o perito indicado pelo contribuinte e o perito da AT e visa o estabelecimento de um acordo quanto ao valor da matéria tributável a considerar para efeitos de liquidação.

E) Sendo que compulsado o referido procedimento, verifica-se que o perito do contribuinte, sustentou a sua posição sem fazer apelo ao carácter insuficiente dos elementos trazidos pela impugnante ao debate e a necessidade imperiosa de ter acesso a quaisquer documentos bancários daquela ou dos seus gerentes, a vim de demonstrar o preço efectivo de venda do imóvel em causa.

F) Pelo contrário, entendeu que tal valor surgia reflectido nos registos contabilísticos e nos respectivos meios financeiros que haviam dado entrada na contabilidade da empresa, acrescentando que para o valor excessivo do VPT fixado havia contribuído “o notório exagero dos coeficientes de localização atribuído àquela zona"

G) A este circunstancialismo importa acrescer que era sobre a impugnante que recaía o ónus de provar que o preço efectivo da venda do imóvel em causa foi aquele por si declarado e que se impunha que providenciasse a junção imediata dos, atinentes meios de prova ao seu dispor, para que o debate contraditório entre peritos decorresse em igualdade de armas e munido de toda a prova a considerar.

H) Pois que a impugnante devia partir para o procedimento que requereu numa atitude de total colaboração e transparência, juntando, desde logo, todos os elementos de prova ao seu dispor, sem guardar "trunfos probatórios" para posterior apresentação e, mesmo assim, condicionada ao exercício da faculdade legal (e não imposição) ao dispor da AT de aceder à informação bancária.

l) No procedimento do art.129°, face à prova ai produzida, a AT dispõe da faculdade ou possibilidade de, complementarmente, aceder à informação bancária da requerente e seus gerentes no período de tributação em que ocorreu a transmissão e ao período de tributação anterior, na condição de a requerente juntar ao requerimento inicial as correspondentes autorizações.

J) Mas, este quadro não faz recair sobre a AT um qualquer dever, ou imposição, de colmatar a insuficiência, ou inércia, probatória inicial da sociedade requerente.

K) Sufragar entendimento contrário implica interpretar o princípio do inquisitório que sobre a AT impende, no sentido de obrigá-la a investigar meras pretensões do contribuinte quanto às quais este não cuidou de apresentar o correspondente suporte (s) probatórios, numa situação em que sobre si recaía totalmente o ónus probatório e que aquele incumpriu.

L) Tal interpretação constitui um ónus excessivo imposto à AT e não atende a que as regras, do ónus probatório e o princípio do inquisitório coexistem no procedimento do art.º129° do CIRC.

M) Pelo contrário, deve entender-se que não tendo sido realizada pela impugnante, no aludido, procedimento, a atinente, necessária e imprescindível prova do preço efectivo de venda do imóvel em causa (tal como não vem, aliás, realizada nos presentes autos de impugnação), a questão deve contra aquela ser decidida, em obediência às regras legais do ónus da, prova, nomeadamente, do art.342°/1 do Código Civil e do art.74°/1 da LGT.

N) Posto que a impugnante não logrou demonstrar que o preço efectivo tenha sido aquele declarado, nos termos da alínea a) do n°3 do art.58º-A do CIRC, deverá acrescer ao lucro tributável do exercício envolvido a diferença positiva entre o valor patrimonial fixado em sede de avaliação ao imóvel em causa e o respectivo valor declarado de venda.

O) A douta sentença sob recurso não considerou avaliar toda a prova documental carreada para os autos, não evidenciando todos os factos relevantes à boa decisão da matéria controvertida, designadamente, o teor do laudo apresentado pelo perito do contribuinte em sede do procedimento do art.129° e as razões aí sustentadas para a discordância, pelo que não fez constar do probatório toda a factualidade pertinente ao apuramento da verdade material dos autos e à boa decisão da questão decidenda.

P) A sentença sob recurso padece de erro de julgamento, por deficiente avaliação da prova documental produzida pela AT, fazendo, por conseguinte, desacertada fixação e valoração do probatório e errónea interpretação dos normativos legais aplicáveis, designadamente, dos artigos 58°-A e 129° do CIRC, do artigo 342º/1 do Código Civil e dos artigos 74°/1 e 58° da LGT, pelo que não deve manter-se.

Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de Vossas Ex.as, Venerandos Desembargadores, requer-se que seja concedido provimento ao presente recurso, e, em consequência, seja julgada improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de IRC impugnada, com o que se fará como sempre JUSTIÇA!

A Recorrida, Empreendimentos ………………. -……………….. Construções, Lda, contra-alegou, concluindo do modo que segue:


A) Face a tudo quanto ficou plasmado acima, a contra-alegante é peremptória e, afirma que discorda da posição da Digna Representante da Fazenda Pública.

B) Com efeito, a contra-alegante não pode estar de mais acordo do que aquele com que está, com o Meritíssimo Juiz de Direito do tribunal "à quo", na medida em que na sua douta opinião e que se constata, a Administração Tributária limitou-se a decidir o procedimento previsto no artigo 129° do CIRC, sem ter esgotado todas os meios que levavam ao preço efectivo praticado na compra do supra referido prédio urbano,

C) Na verdade, e tal como se diz na douta sentença, o facto de a contra-alegante não ter junto ao pedido que deu origem ao procedimento em causa, as autorizações para acesso aos documentos bancários (n°6 do artigo 129° do CIRC) não era razão para que a AT os não pedisse, uma vez que estavam em causa direitos e "interesses devidamente protegidos" que reclamavam mais cuidados na apreciação do caso concreto.

D) Com o devido respeito, a ora contra-alegante, atento o Princípio da Colaboração - que é recíproco - Artigo 59° da LGT - e sabendo que os meios que tinha fornecido não eram de molde a satisfazer os seus desígnios, não devia ter deixado de pedir tudo quanto lhe parecesse necessário à descoberta da verdade, tanto mais que o perito da AT dispunha de um prazo suficiente (30 dias).

E) O perito da AT não podia recusar outras provas, nem condicionar a sua opinião e decisão final apenas à falta das autorizações bancárias que a impugnante sempre disponibilizou. Se as mesmas não foram utilizadas ou, reconhecidas como essenciais à prova efectiva do preço, tal ónus não pode ser imputado à impugnante.

Até porque,

F) Segundo acima ficou referido, é entendimento da própria DRFP que a contra-alegante guardou "trunfos probatórios". Ora, se guardou, como disse, "trunfos probatórios" e decidiu sem os analisar, salvo devido respeito, muito mal andou, quando sabia, como acima ficou referido e claro, que o perito do contribuinte deixou patente e preciso que "o notório exagero dos coeficientes de localização atribuído àquela zona", era a causa, presume-se, do VPT ser superior ao preço declarado.

G) Nesta medida, salvo melhor opinião, a AT não mexeu uma palha que fosse, no sentido de averiguar, por todos os meios ao seu alcance, para apurar, com precisão o verdadeiro e real preço efectivo do imóvel em questão e,

H) Com a expressão constante do quesito 11 das Alegações de Recurso "... afigura-se-nos que rotulou de suficientes...", parece-nos nítido que a AT versos DRFP não têm a certeza de que pesa a favor do contribuinte, neste caso, da contra alegante, a "obrigação" de lhe serem pedidas as pretendidas autorizações para acesso aos documentos bancários, não obstante a convicção de que o citado n°6 do artigo 129° do CIRC, em vigor à data da transmissão, a isso não exige, pelo que, a AT, a eles poderia ter acesso, independentemente de haver ou não autorização.

L) Concretizando, a contra-alegante, com o devido respeito e salvo melhor opinião, não tem dúvida alguma de que a douta sentença não padece de erro de julgamento, na medida em que a AT, ao não fazer funcionar o Princípio do Inquisitório, devendo fazê-lo e tendo todas as razões para o fazer funcionar, alheou-se dele e, desse modo, o facto de não ter apurado o preço efectivo do imóvel, a ela se ficou, exclusivamente, a dever.

Assim,

Com o douto suprimento de Vs. Exas. deve a douta sentença ser mantida integralmente e sem qualquer alteração, visto que, só assim, será feita justiça.


*

O Ministério Público, junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso (cfr. fls.101 a 104 dos autos).


*

Colhidos os Vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO

II.1. De Facto

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:


1. A sociedade impugnante dedica-se à atividade de construção de edifícios, a que corresponde o CAE 041200.

2. No âmbito de tal atividade, procedeu ao loteamento denominado 'Urbanização ……………..", freguesia e concelho de Pombal, donde saíram os lotes que estiveram na base do pedido apresentado ao abrigo do Artigo 129° do CIRC, na Direcção de Finanças de Leiria.

3. Com efeito, por requerimento, datado de 19/2/2008, a impugnante apresentou requerimento Alegando e demonstrando que os preços efectivos de venda são inferiores ao Valor Patrimonial Tributário notificado, nos termos que constam do PA organizado cujo conteúdo se dá por reproduzido.

4. E mencionou no n°20 do seu requerimento que Para os efeitos previstos no n°6 do referido Artigo 129° do CIRC e caso a Administração Fiscal assim o entenda, serão remetidas as autorizações para acesso à informação bancária.

5. Reunidos os peritos, foi elaborada a acta n°10/2008, referente à reunião de 10/3/2008 (PA apenso cujo conteúdo se dá por reproduzido).

6. Não foi alcançado acordo.

7. Tendo o perito da AT declarado não ser suficiente, que a produção de prova do preço efectivo de venda seja efectuada apenas por documentos contabilísticos, pois que Dois lotes semelhantes, contratados e vendidos com um desfasamento temporal pouco significativo, foram contabilizados como proveitos por valores substancialmente diferentes:
Lote 20-Artigo ………… - €199518,00;
Lote 22 - Artigo ………… - € 349 000.00. (PA apenso cujo conteúdo se dá por reproduzido).

8. Em face do desacordo entre os peritos, cada um lavrou o seu laudo.

9. O perito da AT considerou, a final, que
a. Em relação ao artigo ……….., escriturado em 2004 por €199 519.16, não deve ser efectuada qualquer correcção à matéria colectável de IRC, pois o prédio foi contabilizado nos proveitos da empresa no exercício de 2002.
b. Quanto ao artigo 11007, escriturado e contabilizado no exercício de 2006 por € 349 000.00 deve ser efectuada uma correcção à matéria colectável de IRC de €221 080.00.

10. O VPT definitivo do Artigo ……….. foi fixado em € 570 080,00.

11. Por despacho do EDF de 14/11/2008 foi fixado em € 221.080,00 o valor da correcção a acrescer à matéria colectável, em relação ao …………… (PA apenso cujo conteúdo se dá por reproduzido).

12. O que foi notificado à impugnante em 18/11/2008, e deu origem à liquidação impugnada.



*


A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte:

Com interesse para a decisão da causa nada mais se provou.


E, em sede de fundamentação da matéria de facto consignou o seguinte:

A convicção do tribunal baseou-se nos documentos juntos aos autos, referidos nos «factos provados» com remissão para as folhas do processo onde se encontram.


*

II.1. De Direito

Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remate a sua alegação (art. 639º do C.P.C) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal.

De outro modo, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que no caso concreto, o objecto do mesmo está circunscrito às seguintes questões:

- saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento, por deficiente avaliação da prova documental produzida pela AT, fazendo, por conseguinte desacertada fixação e valoração do probatório e errónea interpretação dos normativos legais aplicáveis, designadamente, dos artigos 58º-A e 129º do CIRC, do artigo 342º/1 do Código Civil e dos artigos 74º/1 e 58º da LGT.




Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida, em síntese, julgou procedente a presente impugnação e em consequência determinou a anulação da liquidação impugnada, por entender que não parecia aceitável concluir-se que pelo facto de não terem sido inicialmente anexadas pela impugnante as autorizações de acesso à informação bancária, ficasse inviabilizado o convite da AT para a sua posterior junção, bem como a consideração das outras provas apresentadas, uma vez que tal cenário era manifestamente contrário aos princípios do inquisitório (Art. 58 LGT) e da colaboração (Art. 59° LGT), entre outros.
.


Insurge-se a recorrente contra o decidido numa dupla vertente: por um lado, na extensão aí atribuída ao princípio do inquisitório que sobre a AT impende e que entende excessivo e, por outro lado, quanto ao entendimento de que o referido princípio estaria a montante das regras do ónus da prova, quando entende que um e outras coexistem temporalmente no procedimento do art. 129º do CIRC, regulado pelos artigos 91º e 92º da LGT.

Vejamos.
Conforme probatório, a sociedade impugnante dedica-se à atividade de construção de edifícios, a que corresponde o CAE 041200. No âmbito de tal atividade, procedeu ao loteamento denominado “Urbanização …………….", freguesia e concelho de Pombal, donde saíram os lotes que estiveram na base do pedido apresentado ao abrigo do Artigo 129° do CIRC, na Direcção de Finanças de Leiria.

Por requerimento, datado de 19/2/2008, a impugnante apresentou requerimento “Alegando e demonstrando que os preços efectivos de venda são inferiores ao Valor Patrimonial Tributário notificado”. E mencionou no n°20 do seu requerimento que “Para os efeitos previstos no n°6 do referido Artigo 129° do CIRC e caso a Administração Fiscal assim o entenda, serão remetidas as autorizações para acesso à informação bancária”, conforme nºs 3 e 4 do probatório.

Para melhor apreciação vejamos as normas aplicáveis.

O art. 58º-A do CIRC vigente à data dos factos (actual art. 64º) tem a seguinte redacção:

Artigo 58.º-A


Correcções ao valor de transmissão de direitos reais sobre bens imóveis


1 - Os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adoptar, para efeitos da determinação do lucro tributável nos termos do presente Código, valores normais de mercado que não poderão ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto.

2 - Sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável.

3 - Para aplicação do disposto no número anterior:

a) O sujeito passivo alienante deve efectuar uma correcção, na declaração de rendimentos do exercício a que é imputável o proveito obtido com a operação de transmissão, correspondente à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato;

b) O sujeito passivo adquirente, desde que registe contabilisticamente o imóvel pelo seu valor patrimonial tributário definitivo, deve tomar tal valor para a base de cálculo das reintegrações e para a determinação de qualquer resultado tributável em IRC relativamente ao mesmo imóvel.

4 - Se o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel não estiver determinado até ao final do prazo estabelecido para a entrega da declaração do exercício a que respeita a transmissão, os sujeitos passivos devem entregar a declaração de substituição durante o mês de Janeiro do ano seguinte àquele em que os valores patrimoniais tributários se tornaram definitivos.

5 - Relativamente ao adquirente, o disposto no número anterior não é aplicável quando se trate de correcção ao valor das reintegrações do imóvel, caso em que as relativas a exercícios anteriores serão consideradas como custo do exercício em que o valor patrimonial tributário se tornar definitivo.

6 - O disposto no presente artigo não afasta a possibilidade de a Direcção-Geral dos Impostos proceder, nos termos previstos na lei, a correcções ao lucro tributável sempre que disponha de elementos que comprovem que o preço efectivamente praticado na transmissão foi superior ao valor considerado.

(Red.
DL.287/2003, de 12 de Novembro)


Por sua vez, o artigo 129º do CIRC, vigente à data dos factos (actual art. 139º) tem a seguinte redacção:
Artigo 129º


Prova do preço efectivo na transmissão de imóveis


1 - O disposto no n.º 2 do artigo 58.º-A não é aplicável se o sujeito passivo fizer prova de que o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, o sujeito passivo pode, designadamente, demonstrar que os custos de construção foram inferiores aos fixados na portaria a que se refere o n.º 3 do artigo 62.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, caso em que ao montante dos custos de construção deverão acrescer os demais indicadores objectivos previstos no referido Código para determinação do valor patrimonial tributário.

3 - A prova referida no n.º 1 deve ser efectuada em procedimento instaurado mediante requerimento dirigido ao director de finanças competente e apresentado em Janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreram as transmissões, caso o valor patrimonial tributário já se encontre definitivamente fixado, ou nos 30 dias posteriores à data em que a avaliação se tornou definitiva, nos restantes casos.

4 - O pedido referido no número anterior tem efeito suspensivo da liquidação, na parte correspondente ao valor do ajustamento previsto no n.º 2 do artigo 58.º-A, a qual, no caso de indeferimento total ou parcial do pedido, será da competência da Direcção-Geral dos Impostos.

5 - O procedimento previsto no n.º 3 rege-se pelo disposto nos artigos 91.º e 92.º da Lei Geral Tributária, com as necessárias adaptações, sendo igualmente aplicável o disposto no n.º 4 do artigo 86.º da mesma lei.

6 - Em caso de apresentação do pedido de demonstração previsto no presente artigo, a administração fiscal pode aceder à informação bancária do requerente e dos respectivos administradores ou gerentes referente ao exercício em que ocorreu a transmissão e ao exercício anterior, devendo para o efeito ser anexados os correspondentes documentos de autorização.
(Redacção dada pelo artigo 52º da Lei n.º 53-A/2006 de 29/12)
7 - A impugnação judicial da liquidação do imposto que resultar de correcções efectuadas por aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 58.º-A, ou, se não houver lugar a liquidação, das correcções ao lucro tributável ao abrigo do mesmo preceito, depende de prévia apresentação do pedido previsto no n.º 3, não havendo lugar a reclamação graciosa. (Redacção dada pelo artigo 52º da Lei n.º 53-A/2006 de 29/12)
8 - A impugnação do acto de fixação do valor patrimonial tributário, prevista no artigo 77.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis e no artigo 134.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, não tem efeito suspensivo quanto à liquidação do IRC nem suspende o prazo para dedução do pedido de demonstração previsto no presente artigo.
(Red.DL.287/2003, de 12 de Novembro)

Está em causa nos presentes autos, a apreciação da questão relativa ao preço de venda declarado do imóvel.
Ora, de acordo com o disposto no art. 58º-A do CIRC, os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adoptar, para efeitos da determinação do lucro tributável nos termos do presente Código, valores normais de mercado que não poderão ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto (nº 1). E sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável (nº 2).
Conforme nº 10 do probatório, o VPT definitivo do artigo 1107 foi fixado em € 570 080,00.
Tendo sido escriturado e contabilizado no exercício de 2006 por € 349 000,00, pelo que considera a AT que deve ser efectuada uma correcção à matéria colectável de IRC de € 221.080,00, conforme nº 9, al.b) do probatório.
A prova de que a transmissão foi feita por valor inferior ao VPT cabe ao sujeito passivo.

Trata-se de procedimento previsto no Capitulo VIII do Código do IRC, referente às garantias dos contribuintes e que tem como objectivo a prova pelo sujeito passivo do preço efectivo na transmissão de imóveis permitindo-lhe assim obviar à aplicação do disposto no artº 58-Aº nº 2 do mesmo diploma legal (correcções ao valor de transmissão de direitos reais sobre bens imóveis).

O regime em presença tem em vista garantir o direito do contribuinte à demonstração do preço efectivo do bem alienado quando inferior ao valor de mercado. Por outras palavras, está em causa o apuramento do valor efectivo do bem alienado, tendo em vista garantir o carácter fidedigno dos registos contabilísticos do contribuinte. Seja pela possibilidade de demonstração com recurso a qualquer meio de prova idóneo, seja através do apuramento colegial, o referido regime ordena-se ao apuramento exacto do preço do bem alienado, tendo em vista a determinação correcta dos proveitos do contribuinte. Objectivo que está em linha com o imperativo da tributação do rendimento real.

A autorização de acesso à informação bancária prevista no artº 129º, nº 6 do CIRC tinha, pois, como única finalidade a comprovação do pedido de demonstração a que alude aquele normativo.
E por isso mesmo o legislador fez constar do referido normativo que o acesso à informação bancária se circunscreve «ao período de tributação em que ocorreu a transmissão e ao período de tributação anterior».

O direito à prova do preço efectivo inferior ao valor de mercado do bem alienado, que assiste ao contribuinte, exige a demonstração eficaz e cabal do mesmo, o que postula a referida derrogação.
Dada a massificação das relações tributárias, assentes no princípio declarativo e a concomitante massificação das relações bancárias, cujos registos servem de suporte aos lançamentos contabilísticos, dir-se-á que o acesso aos dados bancários do contribuinte constitui o meio de prova, por excelência, da veracidade das declarações e dos registos contabilísticos. De forma que o cumprimento eficaz do ónus da demostração da efectividade de certa operação económica e do valor implicado depende muito mais dos registos bancários do que apenas dos registos contabilísticos. O acesso aos dados referidos coloca-se, pois, como medida idónea, necessária e proporcionada ao fim em vista, porquanto estando em causa demonstração de que o preço efectivo foi inferior ao preço de mercado, importa garantir o acesso aos dados bancários do impugnante e dos seus administradores, tendo em vista assegurar a veracidade do declarado.

Ora, era sobre a impugnante que recaía o ónus de provar que o preço efectivo da venda do imóvel em causa foi aquele por si declarado e tal como alega a recorrente, impunha-se que providenciasse a junção imediata dos atinentes meios de prova ao seu dispor, para que o debate contraditório entre peritos decorresse em igualdade de armas e munido de toda a prova a considerar.
Ora, ao contrário do que foi entendido na decisão recorrida, e perante a factualidade descrita, não recaía sobre a AT um qualquer dever, ou imposição de colmatar a insuficiência probatória inicial da sociedade requerente.

Estava em causa o acesso aos dados bancários do contribuinte alienante de prédio cujo preço inscrito na contabilidade é inferior ao valor de mercado e que pretende fazer prova da efectividade do mencionado preço. Ora, correspondendo o VPT do prédio a uma aproximação ao valor de mercado do mesmo, a asserção de que o proveito obtido com a sua venda não há-de ser inferior ao VPT constitui uma presunção cuja ilisão requer a prova em contrário (artigo 350.º do Código Civil). Prova cuja assertividade deve estar para além de qualquer dúvida e cujo ónus de demonstração recai sobre requerente, na medida em que fez inscrever na sua contabilidade preço inferior ao preço do mercado (artigo 74.º/1, da LGT). De referir também que sendo o preço a contrapartida monetária da venda, o qual origina fluxos financeiros entre pelo menos duas partes, então segue-se que os dados bancários da recorrida, enquanto alienante e contribuinte, surgem como elementos determinantes no apuramento do mencionado preço. Donde se infere que o acesso aos referidos dados bancários oferece-se como mecanismo adequado à comprovação do preço declarado do bem e inscrito na contabilidade da recorrida.
Perante estes dados, resulta claro que esta exigência não coloca em causa a Lei Fundamental, pois que está em causa um mecanismo que visa beneficiar o próprio requerente, em que o elemento em apreço surge no âmbito do princípio da cooperação que incide sobre o mesmo, sendo algo natural neste processo enquanto meio de controlo da pretensão formulada, não se afigurando desproporcionada para o efeito em apreço e estando devidamente balizada pela lei. E por isso mesmo o legislador fez constar do referido normativo que o acesso à informação bancária se circunscreve “ao período de tributação em que ocorreu a transmissão e ao período de tributação anterior” (cfr.ac. S.T.A-2ª.Secção, 5/9/2012, rec.837/12; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 19/2/2013, proc.6091/12)».


Ora, no seu próprio interesse, deveria a sociedade recorrida ter juntado, ao requerimento inicial apresentado junto da AT, e que determinou a instauração do procedimento do art. 129º do CIRC, as autorizações para acesso à sua informação bancária e dos respectivos gerentes.
Tanto mais, que o referido procedimento, regulado pelos arts. 91º e 92º da LGT, assenta num debate contraditório entre o perito indicado pelo contribuinte e o perito da AT e visa o estabelecimento de um acordo quanto ao valor da matéria tributável a considerar para efeitos de liquidação.

Deste modo, não tendo a recorrida feito a imprescindível prova do preço efectivo de venda do imóvel em causa, a questão terá de ser contra ela decidida, em obediência às regras legais do ónus da prova supra referidas, nomeadamente, do art. 342º, nº 1 do Código Civil e do art. 74º, nº 1 da LGT.
Em consequência, e nos termos da alínea a) do nº 3 do art. 58º-A do CIRC terá de acrescer ao lucro tributável do exercício em causa a diferença positiva entre o valor patrimonial fixado em sede de avaliação ao imóvel em causa e o respectivo valor declarado de venda.

Termos em que se concede provimento ao recurso, não se apreciando as restantes questões suscitadas por se encontrarem prejudicadas.



III- Decisão
Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida.

Custas pela recorrida.

Registe e Notifique.
Lisboa, 19 de Novembro de 2015
--------------------------------

[Lurdes Toscano]

-------------------------------

[Ana Pinhol]

--------------------------------

[Jorge Cortês]