Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1367/09.0BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:02/16/2023
Relator:VITAL LOPES
Descritores:OPOSIÇÃO
NOTIFICAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO
PRAZO DE CADUCIDADE
SUSPENSÃO
INSPECÇÃO INTERNA/ EXTERNA
Sumário:I - Quanto ao lugar da realização, o procedimento pode classificar-se em: a) Interno, quando os actos de inspecção se efectuem exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos; b) Externo, quando os actos de inspecção se efectuem, total ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso.
II - A qualificação dada pela Administração a um procedimento não tem carácter vinculativo.
III - No caso em análise, não houve qualquer actividade da iniciativa da Administração, desenvolvida junto do contribuinte ou de outros obrigados tributários, destinada à obtenção de elementos que não estavam em seu poder e realizada com um claro cariz investigatório.
IV - Com efeito, toda a actividade investigatória ocorreu em momento anterior à abertura do procedimento inspectivo tributário e foi levada a cabo pela Policia Judiciária no âmbito de um processo-crime, sendo que as correcções se fundaram no confronto dos elementos obtidos do processo-crime (montante das verbas depositadas em contas bancárias) com a declaração de rendimentos do contribuinte na posse da AT (que apresentava valores incompatíveis com aqueles montantes).
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:1 – RELATÓRIO

O Exmo. Representante da Fazenda Pública, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a oposição deduzida por M…à execução fiscal n.º 3654200601072170, que corre no serviço de finanças de Oeiras – 2 para cobrança de dívida de IRS do ano de 2001 e respectivo acrescido, no montante total de 26.613,29 euros.

Nas alegações, formula as seguintes e doutas conclusões:
«
4.1. Visa o presente recurso reagir contra a decisão que julgou procedente a Oposição judicial, intentada pela ora recorrida contra execução fiscal com o processo n.º 3654200601072170, instaurados por dívida de IRS do ano de 2001, e acrescidos, no montante total de 26.613,29 €.
4.2. Como fundamentos da oposição alegou a oponente no seu petitório inicial, em suma, não ser o sujeito passivo da obrigação tributária que originou a dívida fiscal em execução, nem nunca ter exercido qualquer actividade na devedora originária, não sendo, por isso, responsável pela mesma, a nulidade da citação e ainda a prescrição da dívida exequenda. Concluiu o seu articulado inicial peticionando a procedência da oposição, bem como o levantamento da penhora com fundamento na inexistência de rendimentos auferidos pela executada.
4.3. o Ilustre Tribunal “a quo” julgou procedente a oposição, considerando inexigível a obrigação exequenda, nos termos do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, por falta de notificação da liquidação do IRS em questão à oponente dentro do prazo de caducidade.
No entanto,
4.4. A decisão ora recorrida, não perfilhou, com o devido respeito, e salvo sempre melhor entendimento, a acertada solução jurídica no caso sub-judice.
Senão vejamos:
4.5. Entendeu o Ilustre Tribunal a quo, na decisão ora recorrida, ter ocorrido a caducidade do direito à liquidação de IRS da oponente, ora recorrida, referente ao ano de 2001, por a liquidação em questão não ter sido notificada à oponente dentro dos 4 anos após a ocorrência do facto tributário, conforme o disposto no n.º 1 do artigo 45.º da LGT, sendo a dívida exequenda, por isso, inexigível, conforme o disposto na al. e) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT.
4.6. Para o efeito, considerou o Ilustre Tribunal recorrido, na fundamentação da sentença ora em crise, que “… os factos que conduziram à acusação de A…, cônjuge da ora oponente, no âmbito do processo de inquérito n.º 852/00.4GCLRS, e pelos quais foi condenado, não eram os mesmos que estiveram na origem da liquidação adicional de IRS do ano de 2001, não obstante os elementos dos quais resultou o apuramento de rendimentos não declarados tivessem sido obtidos na sequência das diligências – mormente a apreensão da contabilidade dos estabelecimentos dos quais o referido arguido/réu era gerente – efetuadas pela Polícia Judiciária no decurso do referido processo de inquérito…”, o que levou o Ilustre Tribunal a quo a colher a conclusão que “… a liquidação em cobrança no processo de execução fiscal a que se referem os presentes autos não dependia, em nada, do desfecho do processo criminal em apreço, o que leva à conclusão de que, no caso, não estão reunidos os pressupostos de aplicação ao presente processo da extensão do prazo de caducidade do direito à liquidação constante do examinado artigo 45.º, n.º 5, da LGT.”.
Ora,
4.7. é entendimento da Representação da Fazenda Pública, com o devido respeito e salvo melhor entendimento, que mal andou o Ilustre Tribunal a quo ao considerar que a instauração do inquérito criminal, no âmbito do processo judicial n.º 852/00.4GCLRS nenhuma relevância assumiu a fim de determinar o alargamento do prazo de caducidade do direito à liquidação, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 45.º da LGT.
Isto porque,
4.8. se é verdade que a liquidação em cobrança no processo de execução fiscal a que se referem os presentes autos não dependia, em nada, do desfecho do processo criminal em apreço – que culminou com a condenação do arguido A…. pelos factos consubstânciadores da prática dos crimes de lenocínio, auxílio à emigração ilegal e de detenção de arma proibida – não é menos verdade que no do inquérito criminal aberto no processo crime em questão teve por objecto também a investigação de factos consubstânciadores de ilícitos criminais fiscais.
Efectivamente,
4.9. pela compulsa do despacho de acusação proferido no citado processo crime n.º 852/00.4GCLRS, a páginas 5112, onde o DMMP titular do inquérito criminal em questão determinou “… nos termos do art. 30º, als. a) e b) do Código de Processo Penal, a separação de processos quanto aos seguintes factos: a) crimes de natureza fiscal, indiciados nos termos constantes do relatório pericial do Apenso XVI. Para este efeito, extraia-se certidão do Apenso XVI.”, despacho de acusação este que consta dos presentes autos de oposição, a págs. 702 e ss. (numeração SITAF).
4.10. Assim, apesar do processo criminal em questão não ter tido por objecto o julgamento de factos consubstanciadores de ilícitos criminais fiscais, teve, no entretanto, por objecto a investigação de factos consubstânciadores de ilícitos criminais fiscais na sua fase processual do inquérito até à prolação do despacho de acusação.
Ora,
4.11. nos termos do disposto no citado n.º 5 do artigo 45.º da LGT, “Sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere no n.º 1 é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano.”.
4.12. De acordo com o normativo em questão, o facto relevante para determinar a aplicação do alargamento do prazo de caducidade do direito à liquidação é a instauração de inquérito criminal por factos indiciadores da prática de crimes fiscais.
4.13. A qualificação jurídico-criminal de tais factos é feita à posteriori da investigação, no encerramento do inquérito. No entanto, até este último momento, tais factos são investigados e são, por isso, objecto do inquérito criminal.
4.14. Razão pela qual entende a Fazenda Pública, com o devido respeito e s.m.e., que o a abertura do inquérito criminal relativo ao processo n.º 852/00.4GCLRS determinou a aplicação do disposto no n.º 5 do artigo 45.º da LGT, relativamente ao prazo de caducidade do direito à liquidação do IRS em questão nos presentes autos, pelo menos até á data do encerramento do mesmo inquérito, com a prolação do despacho de acusação.
No entanto,
4.15. nenhum destes factos e circunstâncias supra descrita, que, no modesto entendimento da Fazenda Pública e salvo sempre melhor entendimento, revestem suma relevância para a correcta apreciação da questão relativa à caducidade do direito à liquidação impugnada, consta da matéria de facto tida por provada na sentença ora em apreciação.
Razão pela qual,
4.16. entende a Fazenda Publica que deve haver lugar à modificação da decisão de facto, por insuficiência da matéria de facto provada, nos termos do disposto no artigo 662.º do CPC, ora aplicável ex vi o disposto na al. e) do artigo 2.º do CPPT, a efectuar por este Colendo Tribunal Superior.
4.17. Pelo que, de acordo com o exposto, entende a Fazenda Pública que, na apreciação da questão alegada pela oponente, ora recorrida, referente à caducidade do direito à liquidação impugnada deve-se ter em conta o disposto no citado n.º 5 do artigo 45.º da LGT, considerando-se que o prazo de caducidade do direito á liquidação de IRS em questão foi alargado até ao encerramento do inquérito que correu no âmbito do processo criminal n.º 852/00.4GCLRS, acrescido de um ano.
4.18. Assim se entendendo, e por aplicação do disposto no n.º 5 do citado artigo 45.º da LGT, conclui-se que o direito à liquidação do IRS em questão não caducou.
4.19. Ao assim não entender na sentença ora em crise, o Ilustre Tribunal a quo, no entendimento da Fazenda Pública, com o devido respeito e salvo sempre melhor entendimento, incorreu em erro de julgamento, de facto e de direito, violando o disposto no artigo 45.º, n.º 1 e 5, da LGT.
Assim sendo, e pelo exposto,
4.20. com o devido respeito e salvo sempre melhor entendimento, deve ser revogada a decisão ora recorrida, no que concerne à procedência total da oposição em questão, e substituída por outra que declare a improcedência da oposição, com as legais consequências daí decorrentes.

Pelo que se peticiona o provimento do presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, substituindo-se por outra que declare a improcedência da oposição, com as legais consequências daí decorrentes, assim se fazendo a devida e acostumada
JUSTIÇA!».


Contra-alegações não foram apresentadas.

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu mui douto parecer concluindo ser de julgar procedente a oposição por caducidade do direito à liquidação, mantendo-se a sentença recorrida, com a fundamentação dela constante.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação do Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), a questão central que importa resolver reconduz-se a indagar se a notificação da liquidação do tributo foi, ou se considera, efectuada à oponente dentro do prazo de caducidade.

3 – MATÉRIA DE FACTO

Em sede factual deixou-se consignado na sentença recorrida:
«
1. De Facto:
Com interesse para a decisão da causa, de acordo com as várias soluções plausíveis de direito, considera-se provada a factualidade que se passa a subordinar por alíneas:

A) Em 15.12.2006 foi instaurado no Serviço de Finanças de Oeiras 2, contra a ora Oponente e contra A…, o processo de execução fiscal (PEF) n.º 3654200601072170, para cobrança coerciva de dívida relativa a IRS de 2001, e acrescido, no valor total de € 26.613,29, sendo € 21.055,36 de imposto, € 1.223,64 de juros compensatórios e o remanescente de acrescido – cf. fls. 24/25 do suporte físico dos autos.

B) A 16.08.2005 a ora oponente e cônjuge foram notificados da “carta aviso” referente ao início de uma ação de inspeção a efetuar a coberto da ordem de serviço n.º OI200505147, de 21.05.2005 – cf. fls. 5 do processo instrutor junto a fls. 455 do sitaf.

C) A liquidação de IRS de 2001, com o n.º 2006 5000090296, objeto do PEF identificado em A), foi emitida em 25.05.2006, na sequência de ação de inspeção referida em B), com “início no dia 08 de Novembro de 2005 e términos a 24 de Fevereiro de 2006”, resultando do respetivo relatório final, datado de 14.03.2006, que aqui se dá por integralmente reproduzido, além do mais, o seguinte:
“[…]
II-B - MOTIVO, ÂMBITO E INCIDÊNCIA TEMPORAL
[…]
A presente acção inspectiva surge na sequência dum Relatório de Exame Pericial, efectuado a um conjunto de empresas, bem como dos seus sócios (que é o caso deste sujeito passivo) e outras pessoas com elas relacionadas, que se encontram associadas à prática da prostituição, ou que poderiam beneficiar de injecções de capital dali provenientes, com o intuito de branquear parte dos rendimentos auferidos de forma ilícita.
O referido Relatório foi elaborado com base numa análise da documentação apreendida pela Polícia Judiciária, tendo sido confrontados elementos contabilísticos das empresas com a informação procedente dos extractos bancários e outro material apreendido no decurso na operação.
[…]
II-C - 01 - CARACTERIZAÇÃO DO SUJEITO PASSIVO
O sujeito passivo, A… […]
Não exerce qualquer actividade em nome individual, é trabalhador dependente, remunerado em 2001 pelo desempenho da gerência da empresa T…Lda., NIPC: 50….., da qual é sócio, detentor de 1/3 do capital até 07/08/2001 e de 1/2 depois daquela data.
Para além daquela, o sujeito passivo é ainda sócio das seguintes empresas:
- L…..- Bar Pub Lda., NIPC: 50….(1/3 do capital até 07/08/2001 e de 1/2 depois daquela data)
- Sociedade A….. Lda., NIPC: 50….(Soc. c/esposa – desconhece-se a % do capital)
É ainda administrador/gerente da
- I….. Comércio Móveis Electrodomésticos Unipessoal Lda., NIPC: 50….(cujo sócio é a esposa)
O bar “S….”, propriedade da L….., encerrou a 8 de Dezembro de 2001, tendo a sociedade sido cessada a 11/09/2002.
Na madrugada de 30 de Outubro de 2002, o bar “X…” propriedade da T….Lda., foi encerrado na sequência de operação policial, tendo os sócios gerentes sido colocados em prisão preventiva. Presentemente está inactivo.
Quer a I… quer a P…, estão em funcionamento.
II-C -02 - ENQUADRAMENTO E CADASTRO FISCAL
IRS
Rendimentos do trabalho dependente. No ano de 2001 entregou declaração conjunta com a esposa Maria F…., NIF: 12….
[…]
III - MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS
III - 01 - ELEMENTOS BANCÁRIOS
As contabilidades dos bares, foram apreendidas pela Polícia Judiciária, na manhã do dia 30 de Outubro de 2002, nas instalações da empresa que as executava […].
No âmbito da mesma operação, foram solicitadas às instituições bancárias, fichas de abertura e extractos de todas as contas tituladas quer pelas empresas quer pelos sócios e demais arguidos no processo.
Relativamente a este sujeito passivo, obtiveram-se extractos das seguintes contas:
IMAGEM, VER NO ORIGINAL

[…]
Quanto à conta n.º 0610…… do BES, conjunta com A…, era utilizada para depósito dos cheques e numerário provenientes da exploração dos bares X… e S…, propriedade, respectivamente, da T.... e da L.... - Anexo 3, doc. 1/93 a 93/93.
Por último, a conta n.º 02…do BES, é uma conta conjunta com a esposa, para onde são feitas as transferências da sua quota parte dos “lucros” dos bares, depositados na conta conjunta com A…. n.º 06…. do BES - ver Anexo 2, doc. 1/48 a 48/48.
No quadro seguinte, resumem-se por meses, os depósitos ou transferências efectuados nestas duas últimas contas:
IMAGEM, VER NO ORIGINAL

Comparando as verbas depositadas nestas contas, com os rendimentos declarados pelo agregado familiar do sujeito passivo no ano de 2001, 9.023,26€, provenientes de rendimentos de trabalho dependente por si auferidos na qualidade de sócio gerente da T.... (5.012,92 €), e pela esposa como gerente da I… (4.010,34 €), conseguimos apercebermo-nos da dimensão da evasão fiscal.
III - 02 - ENQUADRAMENTO
[…]
Os montantes depositados nas suas contas bancárias, comparados com os rendimentos declarados, são a prova evidente da fuga aos impostos.
Porque o sujeito passivo não exerce qualquer actividade por conta própria (declarada), presumir-se-á que os rendimentos obtidos [provêm] de lucros distribuídos pelas empresas ou, adiantamentos por conta de lucros, considerados rendimentos de capitais (categoria E) nos termos da alínea h) do n.º 2 do art.º 5º do CIRS.
[…]” – cf. fls. 213 e 306 a 313 do suporte físico dos autos.

D) A apreensão da contabilidade, e demais diligências de buscas e apreensão de documentos a que faz referência o relatório de inspeção referido na alínea que antecede, foi efetuada no âmbito do processo de inquérito n.º 852/00.4GCLRS – cf. págs. 57 e sgts do processo instrutor junto a fls. 590 sitaf.

E) A 27.03.2006 a ora oponente e A…. foram pessoalmente notificados da conclusão do Relatório de Inspeção a que faz referência a alínea que antecede – cf. fls. 455 sitaf (pág. 1 a 3 do processo instrutor que se encontra a fls. 455 e sgts. do sitaf).

F) A liquidação identificada em C) foi notificada no dia 02.06.2006, em cumprimento de mandado para o efeito, emitido em nome de ambos os sujeitos passivos, mostrando-se assinado apenas pelo sujeito passivo A…– cf. fls. 212 a 214 do suporte físico dos autos.

G) Em 16.09.2008 a Oponente foi citada para o processo de execução fiscal identificado em A) – cf. fls. 27 do suporte físico dos autos.

H) Em 20.10.2010 foi remetida por correio registado a petição inicial que deu origem à presente oposição – cfr. fls. 38 do suporte físico dos autos.

I) A Oponente e o outro executado no mesmo processo de execução a que respeitam os presentes autos, A…., divorciaram-se em 02.12.2003 – cf. doc. 1 junto com a p.i..

J) A…., cônjuge da ora oponente à data a que respeita o imposto, foi constituído arguido e pronunciado no âmbito do processo de inquérito n.º 852/00.4GCLRS, referido em D), sendo, no âmbito do respetivo Processo Comum, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, no Juízo Central Criminal de Loures, condenado, por decisão de 27.01.2007, transitada em julgado em 08.06.2009, nas penas de multa e pena de prisão, esta última suspensa pelo período de 3 anos, pelos crimes de lenocínio, auxílio à emigração ilegal; detenção ilegal de arma e crime p.p. pela al. d) do n.º 1 do art.º 86.º da Lei 5/2006, de 23.2, sendo absolvido do crime de associação criminosa – cf. certidão junta a fls. 339 e sgts. do suporte físico dos autos.

Factos não provados:
Não resultam dos autos outros factos, com relevo para a apreciação do mérito da causa, que importe julgar não provados.

Motivação de facto:
A decisão da matéria de facto provada efetuou-se com base no exame dos documentos, não impugnados, que constam dos autos, referenciados em cada uma das alíneas do probatório.».

4 – MATÉRIA DE DIREITO

A questão colocada à nossa apreciação reconduz-se a saber se a sentença errou no julgamento que fez e que a levou a concluir pela falta de notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade.

Em causa, está liquidação de IRS/2001 (cf. ponto A. do probatório).

Na redacção então vigente, dispunha o art.º 45.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária que “o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro”.

E de acordo com o n.º 4 do mesmo preceito, o prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos – caso dos impostos sobre o rendimento – a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário.

Ou seja, estando em causa uma liquidação de IRS do ano de 2001, a sua notificação ao contribuinte teria de se concretizar até 31/12/2005 para produzir efeitos relativamente a ele.

Sucede, porém, que o art.º 46.º da LGT prevê causas de suspensão do prazo de caducidade, estabelecendo o seu n.º 1 que o prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da acção de inspecção externa.

Como escrevem Nuno de Oliveira Garcia e Rita Carvalho Nunes, “Inspecção Tributária Externa e a Relevância dos Actos Materiais de Inspecção”, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano 4, Março 2011, a págs.249, “a classificação dos procedimentos de inspecção como interno ou externo não se resume a uma mera distinção de ordem espacial ou de localização dos actos inspectivos, acarretando, na verdade, importantes consequências na medida em que o procedimento de inspecção externa pode restringir os direitos e liberdades fundamentais dos sujeitos passivos, desde logo (…) na matéria relativa à caducidade do direito à liquidação dos tributos”.

E, na verdade, assim é.

Embora no caso vertente, o inconformismo do Recorrente com a sentença se centre na diferente posição assumida quanto à aplicabilidade concreta ao caso em apreço do alargamento do prazo de caducidade por virtude da instauração de inquérito criminal previsto no n.º 5 do art.º 45.º da LGT, a verdade é que esse n.º 5 foi introduzido pelo art.º 57.º da Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro, cujo n.º 2 estabelece: “o disposto no n.º 5 do artigo 45.º da lei geral tributária é aplicável aos prazos de caducidade em curso à data da entrada em vigor da presente lei” (01/01/2006, conforme preceitua o seu art.º 108.º).

Ou seja, concluir pela sua potencial aplicação ao caso dos autos, passa pela prévia qualificação do procedimento de inspecção tributária como interno ou externo, pois só no caso de ser materialmente qualificável como externo poderia operar a suspensão do prazo de caducidade previsto no n.º 1 do art.º 46.º da LGT, de modo a que o prazo se encontrasse em curso (e, não, já esgotado) à data da entrada em vigor da Lei n.º 60-A/2005 (01/01/2006).

E a qualificação do procedimento de inspecção tributária como interno ou externo não depende da qualificação que a Administração tributária lhe atribui, mas sim da realidade que se possa apreender dos actos formais e materiais praticados no procedimento levado a efeito.

Como refere Joaquim Freitas da Rocha, in “RCPIT – anotado e comentado”, Coimbra editora, 1.ª edição, pág.83, “a qualificação dada pela Administração a um procedimento não tem carácter vinculativo se vier a revelar-se que o conteúdo dos actos praticados for contrário à qualificação dada, isto é, a classificação formal do procedimento será, posteriormente, validada, ou não, pelos actos que a Administração praticar”.

E é também esse o entendimento da jurisprudência deste TCAS, como expressado no seu ac. de 10/01/2014, tirado no proc.º 04817/11 e no ac. anulatório de 09/17/2020, tirado neste proc.º 1367/09.0BESNT, em que o relator é o mesmo deste.

Portanto, antes de entrar na apreciação da aplicabilidade concreta do disposto no n.º 5 do art.º 45.º da LGT à situação dos autos, importa indagar da sua potencial aplicação em razão do tempo. É o que faremos de seguida, salientando-se que, como decorre da lei, “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito” (art.º 5.º, n.º 3, do CPC).

A sentença, lembra-se, concluiu estar-se perante um procedimento de inspecção externo e, nesse pressuposto, pela suspensão do prazo de caducidade no período compreendido entre o dia 08 de Novembro de 2005 e 24 de Fevereiro de 2006 (cf. ponto c) do probatório), suspensão de que resultou estar o prazo de caducidade ainda em curso à data de 01/01/2006, que corresponde à de entrada em vigor da Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro. E daí, a potencial aplicabilidade aos autos da norma do n.º 5 do art.º 45.º da Lei Geral Tributária, introduzida por aquele diploma, cuja aplicação concreta veio a afastar por não verificadas as condições nela previstas, a saber,que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal”.

Na redacção então vigente, dispunha o artigo 13º do RCPIT, quanto ao “Lugar do procedimento de inspecção”, que:

«Quanto ao lugar da realização, o procedimento pode classificar-se em:
a) Interno, quando os actos de inspecção se efectuem exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos;
b) Externo, quando os actos de inspecção se efectuem, total ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso».

Assim, brevitatis causa, inspecção externa é o conjunto de actos de inspecção que se efectua total ou parcialmente em instalações ou dependências dos contribuintes ou demais obrigados tributários, por contraposição à inspecção interna, que se realiza exclusivamente nos serviços da AT – vd. ac. do Supremo Tribunal Administrativo, de 06/29/2016, tirado no proc.º 01095/15.

A questão da destrinça entre procedimento de inspecção interno e externo não é isenta de dificuldades. No entanto, poder-se-á dizer que se a AT se limitou a utilizar informação que estava já em seu poder e, manifestamente, não se deslocou às instalações da recorrida ou de qualquer outra pessoa, a situação reconduzir-se-á à categoria inspecção interna; se apenas parte da informação que serviu de base às correcções se encontrava na posse da AT e outra foi colhida, mediante actividade de cariz investigatório e nas instalações do sujeito passivo ou de outras pessoas, então, o procedimento de inspecção deverá caracterizar-se como externocf. art.º 34.º do RCPIT.
Na situação sob escrutínio, e como assente na alínea D) do probatório, a apreensão da contabilidade e demais diligências de buscas e apreensão de documentos a que faz referência o relatório de inspecção tributária, foi actividade efectuada no âmbito do Inquérito-crime n.º 825/00.4GCLRS.

E como consta do RIT, reproduzido por extracto na alínea C) da matéria assente, “A presente acção inspectiva surge na sequência dum Relatório de Exame Pericial, efectuado a um conjunto de empresas, bem como dos seus sócios (que é o caso deste sujeito passivo) e outras pessoas com elas relacionadas, que se encontram associadas à prática da prostituição, ou que poderiam beneficiar de injecções de capital dali provenientes, com o intuito de branquear parte dos rendimentos auferidos de forma ilícita.
O referido Relatório foi elaborado com base numa análise da documentação apreendida pela Polícia Judiciária, tendo sido confrontados elementos contabilísticos das empresas com a informação procedente dos extractos bancários e outro material apreendido no decurso na operação”.
(…)
“As contabilidades dos bares, foram apreendidas pela Polícia Judiciária, na manhã do dia 30 de Outubro de 2002, nas instalações da empresa que as executava […].
No âmbito da mesma operação, foram solicitadas às instituições bancárias, fichas de abertura e extractos de todas as contas tituladas quer pelas empresas quer pelos sócios e demais arguidos no processo”.

O sentido que contextualmente se extrai da menção a que “no âmbito da mesma operação, foram solicitadas às instituições bancárias, fichas de abertura e extractos de todas as contas tituladas quer pelas empresas, quer pelos sócios e demais arguidos no processo”, é o de que também esses elementos bancários foram colhidos no âmbito do processo-crime, como de resto o entendeu a sentença recorrida, mas para concluir, salvo o devido respeito, erroneamente, que “o procedimento em apreço não se traduziu na mera análise formal e de coerência de documentos, decorrente do tratamento da informação que aflui aos serviços da AT através dos canais normais (como é o caso das declarações) e despistagem de erros de concordância, antes implicando a análise de elementos colhidos no âmbito de uma investigação desenvolvida por um corpo de investigação criminal – a Polícia Judiciária – donde decorre a natureza externa do procedimento de inspecção”.

No entanto, o procedimento de análise (recolha de dados dos documentos apreendidos pela Policia Judiciária e seu confronto com elementos declarativos do contribuinte) não desvirtua o carácter interno do procedimento, pois facto é que, comprovadamente, nenhuma actividade de cariz investigatório a AT efectuou que implicasse a recolha directa de informação a partir do sujeito passivo ou de terceiros, não colheu declarações ao abrigo do dever de colaboração, nem praticou actos de inspecção em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais pessoas ou obrigados tributários.

O que a AT fez, tanto quanto se apreende do RIT, foi, com referência ao período da inspecção (2001), comparar as verbas depositadas em contas bancárias tituladas pelo sujeito passivo e cônjuge (informação obtida no âmbito da operação levada a efeito pela Policia Judiciária), com os rendimentos por eles declarados à AT e, como explicitamente diz no relatório, da diferença conseguiu aperceber-se da dimensão da evasão fiscal, que por via indirecta quantificou e esta actividade traduz-se, a nosso ver, “numa análise formal e de coerência de documentos” em poder da AT, que os obteve da Polícia Judiciária.

Ora, este procedimento inspectivo não pode deixar de ser caracterizado como interno.

E a possibilidade de suspensão do prazo de caducidade previsto no n.º 1 do art.º 46.º da LGT apenas compreende os procedimentos de inspecção externos.

Não sendo de relevar na contagem do prazo de caducidade do direito à liquidação, quaisquer causas de suspensão, é manifesto que o mesmo se iniciou em 01/01/2002 e se completou em 31/12/2005, antes da entrada em vigor da Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro, que introduziu aquele n.º 5 ao art.º 45.º da LGT, prevendo o alargamento do prazo de caducidade “sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal”.

Como assim, tendo a notificação da liquidação em causa de IRS/2001 sido efectuada à recorrida em 02/06/2006 (cf. alínea F) do probatório), foi-o para além do prazo de caducidade, verificando-se a procedência do fundamento de oposição previsto na alínea e) do n.º 1 do art.º 204.º do CPPT.

É, pois, de confirmar a sentença recorrida embora com a presente fundamentação.

O recurso não merece provimento.

5 – DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Condena-se o Recorrente em custas.

Lisboa, 16 de Fevereiro de 2023.


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Vital Lopes



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Luísa Soares



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Patrícia Manuel Pires
(c/ declaração de voto junta)


Declaração de Voto

Voto a decisão, mas não a fundamentação porquanto discordo que o procedimento em contenda possa ser passível de qualificação como interno, na medida em que perfilho do entendimento constante na decisão recorrida que, desde logo, se esteou na fundamentação jurídica constante do Aresto do STA, proferido no processo nº 072/13, de 17.12.2019, à qual adiro.
Como se diz no citado Acórdão do STA: “[s]ó é procedimento interno aquele cujos atos de inspeção se traduzam numa «análise formal e de coerência de documentos» - ver o citado artigo 13.º, alínea a), parte final.
Sendo que o procedimento que se traduza na análise de elementos colhidos noutros atos inspetivos não é de «análise formal», porque não se reconduz à forma como foram apresentadas declarações à Administração Tributária e implica um juízo sobre a substância das operações declaradas ou não declaradas e da sua correspondência com a verdade tributária do contribuinte. Aliás, não dispensará, na maioria dos casos, um juízo sobre o mérito dessas diligências para os fins da nova inspeção e da desnecessidade de realizar outras diligências no quadro dos deveres inquisitórios de quem analisa.
E não é uma «análise de coerência de documentos» porque não se reconduz ao tratamento da informação que aflui aos serviços através dos canais normais (leia-se: de declarações) e despistagem de erros de concordância, estando já direcionada para a verificação da situação tributária do contribuinte.”
In casu, conforme resulta do teor do Relatório de Inspeção Tributária, a ação inspetiva “[s]urge na sequência dum Relatório de Exame Pericial, efectuado a um conjunto de empresas, bem como dos seus sócios (que é o caso deste sujeito passivo)”, o qual “[f]oi elaborado com base numa análise da documentação apreendida pela Polícia Judiciária, tendo sido confrontados elementos contabilísticos das empresas com a informação procedente dos extractos bancários e outro material apreendido no decurso na operação”.
Resulta, assim, que foram obtidos elementos junto da Polícia Judiciária e de Instituições Bancárias, não se reconduzindo, pois, à forma como foram apresentadas declarações à AT, inviabilizando, nessa medida, a qualificação como procedimento interno, porquanto suplanta a aduzida “análise formal e de coerência de documentos”, decorrente do tratamento da informação que aflui aos serviços da AT através dos canais normais.
Secundaria, portanto, a fundamentação da decisão recorrida.
Patrícia Manuel Pires