Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:332/05.1 BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:02/29/2024
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:RECURSO INDEPENDENTE
RECURSO SUBORDINADO
RECLAMAÇÃO GRACIOSA
TEMPESTIVIDADE
PRAZO DE DETENÇÃO DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS
ISDA
Sumário:I - O regime de recursos constante do CPPT, resultante da alteração efetuada pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, aplica-se a todas as situações em que a decisão tenha sido proferida a partir da entrada em vigor da referida lei, designadamente no caso de processos instaurados antes de 2012.
II - Sempre que a questão a decidir no âmbito do recurso subordinado tenha prioridade ou precedência em relação às questões a decidir no recurso independente, condicionando o conhecimento destas, deve conhecer-se prioritariamente o recurso subordinado.
III - Apenas a partir do momento em que se completa o prazo de 2 anos de detenção de participações sociais legalmente exigido se encontra o administrado em posição para pedir o reembolso do ISDA retido.
IV - Reunidos os requisitos exigidos pela Diretiva 90/435/CEE, assiste direito à Impugnante ao reembolso do ISDA.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acórdão

I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante 1.ª Recorrente ou FP) e a R… N.V. (entretanto incorporada, por fusão, na sociedade A… Finanziamenti SPA, por seu turno entretanto incorporada por fusão na sociedade A…, doravante 2.ª Recorrente ou Impugnante) vieram recorrer da sentença proferida a 12.02.2020, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual se julgou extemporânea a impugnação judicial, que teve por objeto o indeferimento da reclamação graciosa que versou sobre o ato de liquidação do Imposto sobre as Sucessões e Doações por Avença (ISDA) a que foi sujeita a Impugnante no ano 2000, e se determinou a sua convolação em pedido de revisão do ato tributário.

A 1.ª Recorrente, nas suas alegações (recurso independente), concluiu nos seguintes termos:

“ I.

O presente Recurso vem reagir contra a Sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a exceção da intempestividade da impugnação judicial, por extemporaneidade da reclamação graciosa que precedeu a impugnação, tendo ainda determinado o aproveitamento dos autos e a convolação da impugnação em requerimento dirigido ao Diretor da Autoridade Tributária para efeitos de Pedido de Revisão do Ato Tributário.


II.

A Fazenda Pública considera que a douta decisão do Tribunal a quo ora recorrida, não faz, salvo o devido respeito, total e acertada aplicação das normas legais aplicáveis ao caso sub judice e, bem assim, uma correta apreciação da matéria de facto relevante.

III.

A douta sentença recorrida julgou procedente a exceção da extemporaneidade da reclamação graciosa, reconhecendo que só a tempestividade da relação graciosa abre à impugnante a possibilidade de discutir a legalidade da liquidação impugnada.

IV.

A Fazenda não se conforma com a douta sentença recorrida apenas na parte em que esta determina a convolação da presente Impugnação em requerimento dirigido ao Director da Autoridade Tributária para efeitos de Pedido de Revisão do Acto Tributário.

V.

O erro na forma do processo deve ser aferido em função dos pedidos formulados pelo impugnante e das causas de pedir invocadas.

VI.

Acresce ainda que a convolação de um processo judicial só será possível para outro processo judicial, não se vislumbrando qualquer possibilidade de convolar um processo judicial de impugnação em processo de revisão, pois este tem natureza administrativa.

VII.

A diferente natureza constitui obstáculo intransponível à convolação, porquanto por força da convolação nos termos das normas legais invocadas, o processo prosseguiria no tribunal competente, aproveitando-se os atos que possam ser aproveitados, não se vislumbrando assim como pode a impugnação prosseguir os seus termos como revisão do ato tributário como determina a douta sentença recorrida.

VIII.

Em suma, a impugnação judicial enquanto meio processual judicial tendo por objeto a apreciação da legalidade de ato tributário de liquidação cuja anulação constituía o pedido do sujeito passivo, não pode por via de uma sentença que julga procedente a exceção da intempestividade da reclamação, vir a transformar-se em revisão do ato tributário.

IX.

Importa ainda referir que a douta sentença recorrida tece considerações quanto à obrigatoriedade de a AT convolar a reclamação graciosa em revisão oficiosa. Contudo, por força da sentença não é anulada a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, sendo antes confirmada a decisão de indeferimento por intempestividade.

X.

Não constituindo objeto do presente recurso a parte decisória da sentença que julga procedente a exceção perentória, e não existindo qualquer sustentáculo legal para a convolação de impugnação judicial em revisão do ato tributário deverá ser anulada a sentença na parte em que determina a referida convolação em pedido de revisão do ato tributário.

XI.

Face ao exposto, salvo o devido respeito que é muito, entendemos que a douta sentença recorrida, ao determinar a convolação da impugnação em pedido de revisão, não valorou adequadamente os factos, e não aplicou corretamente as normas legais aplicáveis, violando o disposto no artigo 97º, nº 3 da LGT e no artigo 98º, nº 4 do CPPT.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por acórdão que declare a impossibilidade de convolação de processo de impugnação em pedido de revisão de ato tributário.

Porém, V. Exªas decidindo, farão a costumada JUSTIÇA.”

A Impugnante apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:

“i. A impugnação deduzida pela R… N.V. visa a anulação do ato de liquidação do Imposto Municipal Sobre Sucessões e Doações por Avença (ISDA), efetuado por retenção na fonte, relativo aos dividendos pagos em 19 de maio de 2000, pela COMPANHIA DE SEGUROS A… PORTUGAL, S.A., à sociedade R… N.V. e, bem assim, do ato de indeferimento proferido pelo SENHOR DIRETOR DE FINANÇAS ADJUNTO DA DIREÇÃO DE FINANÇAS DE LISBOA, no âmbito do procedimento de reclamação graciosa, que manteve aquele ato de liquidação.

ii. Em virtude da sua extinção por fusão transfronteiriça com a sociedade A… S.P.A, que por sua vez foi, também extinta, por fusão, a sociedade R… N.V considera-se substituída na presente ação pela sociedade A… S.P.A, sociedade constituída de acordo com a lei italiana, com o número de registo 05032630963, com sede em P…3, 2…, Milão, Itália, que incorporou por fusão a sociedade A… S.P.A., anteriormente sociedade incorporante da sociedade R… N.V.

iii. Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida, em 12 de fevereiro de 2010, pelo Tribunal Tributário de Lisboa «(…) na parte em que determina “a convolação da presente Impugnação em requerimento dirigido ao Diretor da Autoridade Tributária para efeitos de Pedido de Revisão do Acto Tributário” (cf. artigo 7.º das alegações de recurso apresentadas pela Fazenda Pública).

iv. A RECORRENTE foi notificada da sentença recorrida por Ofício datado de 14 de fevereiro de 2020, tendo o recurso sido interposto em 18 de março de 2020, pelo que seguiu o regime de interposição de recursos introduzido pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro no contencioso tributário.

v. A jurisprudência tem interpretado a alteração introduzida no regime de recursos da jurisdição tributária pela Lei n.º 118/2019, de 17 de Setembro, no sentido que o novo regime apenas será aplicável «[a]os recursos interpostos de decisões proferidas a partir da entrada em vigor da presente lei em acções instauradas antes [leia-se depois] de 1 de Janeiro de 2012», nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 13.º da referida Lei (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no Processo n.º 019/18.5BELLE, em 06/05/2020, in www.dgsi.pt).

vi. A ação de impugnação que está na origem do presente recurso foi instaurada em 2005, pelo que não se lhe aplica o novo regime de recursos introduzido pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, que fixou o prazo de 30 dias para apresentação do requerimento de recurso, ao qual deverão ser juntas alegações.

vii. Deste modo, o recurso interposto nos presente autos devia ter sido apresentado no prazo de 10 dias, o que não se verificou pelo se conclui que o recurso é extemporâneo e não deve ser admitido.

viii. Sem prejuízo do exposto, e caso se considere, o que mero dever de patrocínio se admite, que o recurso interposto pelo ILUSTRE REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA foi apresentado no prazo legal, sempre deverá o recurso ser julgado improcedente, conforme se passa a expor:

ix. O Tribunal a quo, fundamenta a sua decisão de convolação no direito de acesso aos tribunais consagrado nos artigos 20.º, número 1 e 268.º, número 4 da CRP, ou seja, no princípio da tutela jurisdicional efetiva.

x. “Muito embora o princípio consagrado nos artigos 268.º, n.º 4 e 20.º, n.º 1 da CRP não seja específico do direito tributário, aplica-se também a este ramo do direito, desde logo devido ao enorme peso que as decisões da Administração Tributária têm na esfera jurídica dos contribuintes (…) “O que importa para concretizar a tutela jurisdicional efectiva é o estrito cumprimento do princípio da legalidade, disponibilizando-se portanto aos particulares – contribuintes, sujeitos passivos ou outras entidades a quem a lei reconheça interesse no litígio – o direito de fazer valer os seus direitos perante a Administração ou perante um tribunal, e, por outro lado, à Administração o direito de cobrar os impostos, taxa ou contribuições legalmente devidas, reconhecendo-se uma posição igualitária, justa e equitativa (cf. SERENA CABRITO NETO e CARLA CASTELO TRINDADE, in “Contencioso Tributário - Volume I”, Almedina 2017, pág. 23, 24 e 25).

xi. Ao garantir uma decisão de mérito, que de outra forma estaria inibida pela impropriedade do meio utilizado, a convolação é instrumental ao princípio da tutela efetiva.

xii. A figura da “convolação” está prevista no âmbito do direito tributário, nos artigos 52.º, 98.º, número 4 do CPPT e 97.º, número 3 da LGT, é aplicável tanto no procedimento como no processo tributário, justifica-se por razões de economia processual e visa assegurar que os contribuintes por questões formais (errada escolha no meio procedimental ou processual) não sejam impedidos de aceder à justiça tributária.

xiii. A ideia subjacente à convolação é a de que os meios procedimentais e processuais tributários são instrumentos ao dispor dos contribuintes e a favor da realização da justiça tributária, não devendo, por isso, constituir um obstáculo intransponível à obtenção dessa justiça; a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem, por isso, validado positivamente o esforço de convolação dos tribunais inferiores por forma a que seja garantida a prolação de uma decisão de mérito.

xiv. Ainda relativamente à convolação, tem sido entendido de forma pacífica e reiterada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo “que a Administração Tributária tem o poder-dever, à luz do disposto no art.º 52º do CPPT, de proceder à convolação do procedimento de reclamação em procedimento de revisão do acto de liquidação sempre que na data em que aquela é apresentada ainda não se encontrava esgotado o prazo dentro do qual a revisão oficiosa podia ser pedida e ordenada. E a tal dever não obsta a intempestividade da reclamação, pois que, para o efeito, apenas é relevante a tempestividade do meio procedimental adequado - cfr. acórdãos de 6/10/2005, no proc. nº 0653/05, de 7/10/2009, nos procs. nº 0474/09, 0475/09 e 0476/09, de 02/11/2011, no proc. nº 0329/11, e de 14/12/2011, no proc. nº 0366/11” (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17 de janeiro de 2018, no âmbito do processo n.º 01377/14).

xv. Decorre do exposto que a Autoridade Tributária ou o Tribunal sempre que se deparem com uma situação de erro na forma de procedimento/processo deverão, por respeito ao princípio da tutela jurisdicional efetiva, proceder à convolação do meio utilizado pelo contribuinte na forma processual adequada, à finalidade pretendida, sendo precisamente a convolação em pedido de revisão oficiosa, a situação do contencioso tributário em que este poder-dever se manifesta.

xvi. No direito tributário, uma das formas de garantir a tutela jurisdicional efetiva é a de permitir aos contribuintes o acesso aos meios de procedimento tributário que, posteriormente, lhes possibilite submeter a questão controvertida à apreciação dos Tribunais. Neste sentido, pronunciou-se já o Supremo Tribunal Administrativo, ao referir que “[a] tutela jurisdicional efectiva, art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa - acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos - mostra-se garantida pela previsão da forma processual de revisão do acto tributário cujas decisões são contenciosamente atacáveis” (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 16 de janeiro de 2019, proferido no âmbito do processo n.º 0241/18.4BEVIS

xvii. Tendo o Tribunal a quo concluído pela apresentação extemporânea da reclamação graciosa, impunha-se antes de decidir pela total improcedência da impugnação judicial, averiguar se à luz do mencionado princípio da tutela jurisdicional efetiva, com consagração constitucional se afigurava possível lançar mão da figura da convolação, por forma a permitir ao contribuinte que pudesse ver apreciada a legalidade do ato de liquidação impugnado.

xviii. A jurisprudência dos Tribunais Superiores tem entendido de forma unânime que, em caso de retenção na fonte, “O facto de não terem sido accionados os referidos mecanismos de efectivar a limitação ou exclusão do imposto, nem terem sido impugnados (administrativa ou judicialmente) as respectivas liquidações nos termos e prazos previstos na lei (art.º 132º do CPPT), não obsta à posterior dedução de pedido de revisão oficiosa dessas liquidações nos termos e prazos previstos no art.º 78º da LGT, pois que o dever de a Administração Tributária efectuar a revisão existe em relação a todos os tributos e formas de liquidação” (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 6 de fevereiro de 2013, proferido no âmbito do Processo n.º 0839/11).

xix. A possibilidade de recorrer ao pedido de revisão oficiosa, pelas sociedades não residentes quando esteja em causa a liquidação do imposto por retenção na fonte, como sucede no caso em apreço, foi já admitida pelo Supremo Tribunal Administrativo no seu Acórdão de 14 de maio de 2013, proferido no âmbito do processo n.º 01458/13.

xx. O Tribunal a quo, seguindo a jurisprudência supra mencionada, decidiu corretamente ao entender que uma vez esgotada a possibilidade de impugnar a legalidade do ato de retenção na fonte através de reclamação graciosa necessária, por decurso do respetivo prazo de apresentação, o pedido de revisão oficiosa se afigurava o meio idóneo e adequado para a obtenção da anulação do ato de retenção na fonte e do reembolso do imposto indevidamente suportado, tendo, em cumprimento do aludido princípio da tutela jurisdicional efetiva, com consagração constitucional, determinado a convolação da “Impugnação em requerimento dirigido ao Director da Autoridade Tributária para efeitos de Pedido de Revisão oficiosa do Acto Tributário” (cf. página 7 da sentença recorrida).

xxi. Ao contrário do invocado pelo ILUSTRE REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA no seu recurso, não decorre da lei, concretamente dos artigos 97.º, número 3 da LGT e 98.º, número 4 do CPPT que, em caso de erro na forma de processo, a convolação de um meio processual (impugnação judicial, oposição à execução, ação administrativa) noutra forma, dependa da sua subsequente tramitação junto do Tribunal.

xxii. A este propósito importa referir que, o Supremo Tribunal Administrativo admitiu já a convolação de uma petição de oposição à execução, que corria os seus trâmites junto do Tribunal, num requerimento de arguição de nulidade da citação, a ser apreciado e decidido pela Administração Tributária (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 6 de março de 1996, proferido no processo n.º 19775, publicados no Apêndice do Diário da República de 13 de março de 1998, página 814).

xxiii. Com efeito, a interpretação do artigos 97.º, número 3 da LGT e 98.º, número 4 do CPPT , de acordo com a qual em caso de erro na forma de processo, a convolação de um meio processual noutra forma, dependa da sua subsequente tramitação junto do Tribunal, viola o princípio da tutela jurisdicional efetiva consagrados nos artigos 20.º, número 1 e 268.º, número 4 da CRP.

xxiv. Deste modo, deverá improceder o argumento da RECORRENTE de que, em caso de erro na forma de processo, a convolação da impugnação judicial só é possível se, após essa convolação, o processo continuar a correr os seus trâmites junto dos Tribunais.

xxv. Acresce que, no caso em apreço, resulta da petição de impugnação judicial que foi peticionada a anulação do ato de liquidação de ISDA, bem como a devolução do ISDA retido na fonte, no ano de 2000, no valor de € 46.412,75 (cf. páginas 13 e 14 da petição inicial da impugnação judicial), pedido este próprio do processo de impugnação judicial mas que pode, também, ser apreciados em sede de pedido de revisão oficiosa do ato tributário.

xxvi. Como referido anteriormente, nas situações em que se verifica a extemporaneidade do meio processual adotado pelo contribuinte, a jurisprudência de forma pacífica tem permitido o recurso à convolação, por forma a garantir o acesso à justiça tributária e a salvaguardar o princípio da tutela jurisdicional efetiva, com consagração constitucional.

xxvii. Deste modo, a sentença recorrida ao considerar que se afigura “(…) legalmente possível convolar a petição para o meio processual idóneo, nos termos dos artigos 97º nº3 da Lei Geral Tributária e 98º nº4 do CPPT, preceitos estes que constituem corolário lógico do direito de acesso aos tribunais consagrado nos artigos 20º e 268º da Constituição da República Portuguesa” E, ao determinar “a convolação da presente Impugnação em requerimento dirigido ao Director da Autoridade Tributária para efeitos de Revisão do Acto Tributário”, faz uma correta apreciação dos factos e aplicação do direito, que justificam, nesta parte, a sua manutenção na ordem jurídica.

xxviii. Em suma, em face dos motivos supra invocados, o recurso da RECORRENTE não merece qualquer provimento, devendo em consequência a sentença recorrida, ser mantida, nesta parte.

Nestes termos e nos mais de direito, que vossas excelências suprirão deverá ser rejeitado o recurso interposto pelo ilustre representante da fazenda pública e caso assim não venha a ser entendido, o que se admite por mera hipótese de patrocínio, sem conceder, deve o recurso a que se responde improceder na sua totalidade e, em consequência, ser a sentença proferida pelo tribunal a quo mantida, na parte referente à convolação”.

Por seu turno, no recurso subordinado apresentado pela 2.ª Recorrente, concluiu-se nos termos que se seguem:

“i. A impugnação deduzida pela R… N.V. visa a anulação do ato de liquidação do Imposto Municipal Sobre Sucessões e Doações por Avença (ISDA), efetuado por retenção na fonte, relativo aos dividendos pagos em 19 de maio de 2000, pela COMPANHIA DE SEGUROS A… PORTUGAL, S.A., à sociedade R… N.V. e, bem assim, do ato de indeferimento proferido pelo SENHOR DIRETOR DE FINANÇAS ADJUNTO DA DIREÇÃO DE FINANÇAS DE LISBOA, no âmbito do procedimento de reclamação graciosa, que manteve aquele ato de liquidação.

ii. Em virtude da sua extinção por fusão transfronteiriça com a sociedade A… S.P.A, que por sua vez foi, também extinta, por fusão, a sociedade R… N.V considera-se substituída na presente ação pela sociedade A… S.P.A, sociedade constituída de acordo com a lei italiana, com o número de registo 05032630963, com sede em P… 3, 2…, Milão, Itália, que incorporou por fusão a sociedade A… S.P.A., anteriormente sociedade incorporante da sociedade R… N.V.

iii. A FAZENDA PÚBLICA foi notificada da sentença recorrida por Ofício datado de 14 de fevereiro de 2020, tendo o recurso sido interposto em 18 de março de 2020, pelo que seguiu o regime de interposição de recursos introduzido pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro no contencioso tributário.

iv. A jurisprudência tem interpretado a alteração introduzida no regime de recursos da jurisdição tributária pela Lei n.º 118/2019, de 17 de Setembro, no sentido que o novo regime apenas será aplicável «[a]os recursos interpostos de decisões proferidas a partir da entrada em vigor da presente lei em acções instauradas antes [leia-se depois] de 1 de Janeiro de 2012», nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 13.º da referida Lei (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no Processo n.º 019/18.5BELLE, em 06/05/2020, in www.dgsi.pt).

v. A ação de impugnação que está na origem do presente recurso foi instaurada em 2005, pelo que não se lhe aplica o novo regime de recursos introduzido pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, que fixou o prazo de 30 dias para apresentação do requerimento de recurso, ao qual deverão ser juntas alegações.

vi. Deste modo, o recurso interposto pelo ILUSTRE REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA nos presente autos devia ter sido apresentado no prazo de 10 dias, o que não se verificou pelo se conclui que o recurso é extemporâneo e não deve ser admitido.

vii. Sem prejuízo do exposto, e caso se considere, o que mero dever de patrocínio se admite, que o recurso interposto pelo ILUSTRE REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA foi apresentado no prazo legal, deverá o presente Recurso Subordinado ser apreciado e julgado procedente, conforme se passa a expor:

viii. A RECORRENTE não se pode conformar com o julgamento da matéria de facto que foi efetuado pelo Tribunal a quo porque, para apreciação da tempestividade da reclamação graciosa apresentada e, da consequente impugnabilidade do ato de liquidação cuja legalidade se visou ver apreciada em sede de impugnação, importa, perante a prova documental junta ao autos, aditar factos à matéria de facto considerada provada, factos estes a partir dos quais se alcança uma conclusão distinta daquelas a que chegou o Tribunal a quo, quando aplicado o regime resultante da articulação do artigo 132.º, n.º 2 a 4 do CPPT com o disposto no parágrafo 1.º do artigo 186.º do CIMSISD.

ix. Pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC aplicável, ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT, se requer a inclusão dos seguintes factos na matéria provada:

a. "A participação social da Impugnante de 26,14% no capital da A… Portugal foi constituída do seguinte modo: a 4 de dezembro de 1996 a Impugnante adquiriu 737.718 ações da referida sociedade e a 10 de novembro de 1999 adquiriu as restantes 1.330.042 ações, perfazendo o total de 2.067.760 ações naquela sociedade" – Facto constante dos artigos 2.º, 3.º e 4.º da petição inicial e inequivocamente confirmado pelo Docs. 2 e 3 juntos com a petição inicial;

b. "A participação social da Impugnante de 26,14% no capital da A… Portugal foi detida por mais de três anos consecutivos e mantinha-se em 30 de julho de 2003" - Facto constante dos artigos 2.º, 3.º e 4.º da petição inicial e inequivocamente confirmado pelo Docs. 2 e 3 juntos com a petição inicial;

c. "No início de 2000, a A… Portugal colocou à disposição dos respetivos acionistas os dividendos relativos ao exercício de 1999." Facto constante do artigo 7.º da petição inicial e confirmado pelo Doc. 4 junto com a petição inicial;

d. "Naquele ano, a A… Portugal distribui à Impugnante dividendos no valor total de Esc. 186.098.400, o equivalente a € 928.254,91" Facto constante do artigo 8.º da petição inicial e confirmado pelo Doc. 4 junto com a petição inicial e Instrutor;

e. "Sobre o valor bruto dos dividendos pagos à Impugnante pela A… Portugal foi efetuada a dedução de Imposto sobre Sucessões e Doações por Avença, a taxa de 5% em cumprimento do disposto nos artigos 182.º e 184.º do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações" - Facto constante do artigo 9.º da petição inicial e confirmado pelo Doc. 4 junto com a petição inicial e Instrutor;

f. "Em consequência, foi deduzido, em sede de Imposto sobre as Sucessões e Doações, aos dividendos pagos à Impugnante no ano de 2000, a importância de Esc. 9.304.920,00, o que corresponde a € 46.412,75 "- Facto constante do artigo 10.º da petição inicial e confirmado pelo Doc. 4 junto com a petição inicial e Instrutor;

x. Conforme já avançado, a IMPUGNANTE, ora RECORRENTE interpõe Recurso Subordinado da sentença recorrida na parte em que julga procedente a exceção de caducidade do direito de ação, com fundamento na alegada apresentação intempestiva da reclamação graciosa.

xi. O segmento decisório do qual se recorre ao concluir que o prazo de dois anos para dedução da reclamação graciosa deverá ser contado desde o termo do ano em que se verificou a entrega excessiva enferma de manifesto erro sobre os pressupostos de direito, o que deverá determinar a sua revogação e consequente prolação de uma decisão sobre o mérito da impugnação.

xii. O erro na aplicação do direito de que enferma aquele segmento decisório decorre da circunstância de no caso vertente, o prazo de dois anos previsto nos números 3 e 4, do artigo 132.º do Código do Procedimento e Processo Tributário, para dedução da reclamação graciosa dever ser contado a partir do início do mês seguinte ao do momento em que a participação social, superior a 25% complete o período mínimo de dois anos de detenção.

xiii. Com efeito, os dividendos pagos à RECORRENTE em 2000 foram sujeitos a retenção na fonte de Imposto sobre as Sucessões e Doações por Avença (ISDA) apesar de já se encontrarem comprovadamente reunidas as condições objetivas do regime fiscal comum aplicável às sociedades-mães e sociedades afiliadas de Estados membros diferentes, previsto na Diretiva do Conselho n.º 90/435/CEE, de 23 de julho de 1990.

xiv. Questão esta que passou a ser incontroversa no dia 8 de Junho de 2000, data em que foi proferido o Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, atual Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) no caso “EPSON EUROPE BV” (Processo n.º C – 375/98), que veio declarar que o ISDA encontra-se abrangido pelo regime criado pela Diretiva n.º 90/435/CEE, tendo julgado que aquela “se aplica a qualquer imposição, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sob a forma de retenção na fonte sobre os dividendos distribuídos” por filiais de sociedades residentes em Estados-Membros.

xv. Esta Diretiva foi transposta para o ordenamento jurídico português através do Decreto-Lei n.º 123/92 de 2 de julho.

xvi. Por força da interpretação autêntica feita pelo TJUE no Caso EPSON, foi aditado a alínea b) do parágrafo 1.º do artigo 182.º do Código do ISDA, que veio explicitar que a isenção de ISDA incluía os dividendos pagos ao abrigo da Diretiva de Reunião de Capitais (Diretiva n.º 90/435/CEE).

xvii. Com a transposição do regime tributário da Diretiva n.º 90/435/CEE para o artigo 182.º do Código do ISDA, o legislador fez uso da faculdade concedida pelo artigo 3.º da Diretiva e exigiu que as participações sociais, objeto da isenção, fossem detidas pelo período mínimo de dois anos.

xviii. Por esse motivo, o artigo 186.º do CMSISD passou a estabelecer que no caso de ter sido efetuada a dedução de ISDA, por não se encontrar preenchido o requisito relativo ao período mínimo de dois anos de detenção da participação social, o contribuinte tinha direito à restituição do imposto liquidado e pago, mediante pedido a exercer nos termos do CPPT, iniciando-se a contagem dos prazos a partir do início do mês seguinte ao da ocorrência dos factos.

xix. Ora, in casu a participação de 26,14% da RECORRENTE no capital social da A… PORTUGAL cumpriu o período mínimo de dois anos consecutivos a 10 de novembro de 2001, contando-se a partir do início do mês seguinte o prazo de dois anos para requerer o reembolso do imposto retido até então.

xx. A circunstância de estar em causa a aplicação do parágrafo 1.º do artigo 186.º do CIMSISD, na redação introduzida pela Lei n.º 19-B/2001, de 27 de dezembro não afasta a sua aplicação ao facto tributário em apreciação.

xxi. Com efeito, nos termos do artigo 12.º da LGT, as normas de procedimento tributário são de aplicação imediata, produzindo efeitos relativamente a factos tributários que lhe sejam anteriores, o que significa que os factos tributários anteriores à nova lei são em regra contestados com base na lei processual em vigor no momento da respetiva apresentação.

xxii. Assim, a apresentação da reclamação graciosa pela RECORRENTE, cumpriu o prazo de dois anos previsto no artigo 132.º do CPPT, contado a partir do início do mês seguinte ao momento em que a participação social, superior a 25%, completou o período, mínimo, de dois anos, como resulta, inequivocamente, do parágrafo 1.º do artigo 186.º do CIMSISD, pelo que a sentença recorrida ao concluir pela apresentação intempestiva da reclamação graciosa faz uma errada interpretação do regime resultante da articulação do artigo 132.º, n.º 2 a 3 do CPPT com o disposto no parágrafo 1.º do artigo 186.º do CIMSISD.

xxiii. Em suma, a Sentença recorrida incorreu em erro de julgamento quanto à matéria de direito, devendo, portanto, ser revogada e substituída por outra que considere que, no caso vertente, não se verifica a caducidade do direito de ação ao abrigo do quadro temporal previsto conjugadamente pelos artigos 132.º, n.os 3 e 4 do CPPT, 182.º, § 1.º, alínea b) e 186.º, § 1.º do CIMSISD, e, em consequência, aprecie do mérito da impugnação, conheça a ilegalidade do ato de liquidação impugnado e julgue procedente a impugnação deduzida pela RECORRENTE.

xxiv. Sem prejuízo do exposto, não se pode deixar de acrescentar que a liquidação de ISDA impugnada era, à data dos factos, contrária à Diretiva n.º 90/435/CEE, sendo entendimento da jurisprudência que a contestação da legalidade de atos de liquidação violadores do direito comunitário (no caso emolumentos) pode ser intentada nos 4 anos subsequentes à data da respetiva liquidação e, bem assim, que nestes casos recai sobre a Autoridade Tributária o poder-dever de rever o ato (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 6.10.2005, proferido no âmbito do processo Processo n.º 653/05, in www.dgsi.pt).

xxv. Pelo que a sentença recorrida ao entender que a reclamação é intempestiva por aplicação do quadro temporal do n.º 3 do artigo 132.º do CPPT, padece também por este motivo de erro de julgamento quanto à matéria de direito, devendo, por isso ser revogada e substituída por uma decisão que aprecie o mérito da impugnação judicial e determine a anulação do ato impugnado.

xxvi. Assim não se entendendo - o que, sublinhe-se por mera cautela de patrocínio se admite - a conclusão pela apresentação intempestiva da reclamação graciosa não poderia ter conduzido a uma decisão no sentido da caducidade do direito de ação, pois impendia sobre a Administração Tributária um dever de revisão oficiosa do ato de liquidação no prazo de quatro anos, ao abrigo do disposto no artigo 78.º da Lei Geral tributária.

xxvii. Este entendimento constitui jurisprudência pacífica e reiterada no STA, na preconização de que “a Administração Tributária tem o poder-dever, à luz do disposto no art.º 52º do CPPT, de proceder à convolação do procedimento de reclamação em procedimento de revisão do ato de liquidação sempre que na data em que aquela é apresentada ainda não se encontrava esgotado o prazo dentro do qual a revisão oficiosa podia ser pedida e ordenada.” (vide Acórdão do STA de 17.01.2018, proferido no âmbito do processo n.º 01377/14, www.dgsi.pt).

xxviii. Perante isto, a Autoridade Tributária deveria oficiosamente ter convolado a Reclamação Graciosa em revisão oficiosa do ato tributário de liquidação.

xxix. Não o tendo feito, perante a violação pela Administração Tributária de um poder vinculado, impunha-se que fosse determinada a anulação do ato que constitui o objeto imediato da impugnação (ato de indeferimento, por extemporaneidade, da reclamação), e que fosse determinada a sua substituição, no procedimento, por ato que proceda à convolação da reclamação graciosa deduzida pela RECORRENTE em pedido de revisão oficiosa, tendo em conta que na data em que a reclamação foi apresentada ainda não se encontrava esgotado o prazo dentro do qual a revisão podia ser pedida e ordenada.

xxx. Deste modo, a sentença recorrida ao reconhecer a procedência da exceção de caducidade da ação invocada fez uma errada aplicação do direito, devendo em consequência ser revogada e ser substituída por decisão que determine a anulação do ato de indeferimento, por extemporaneidade, do procedimento de reclamação, e que determine a sua substituição por um ato que proceda à convolação da reclamação graciosa deduzida pela RECORRENTE em procedimento de revisão oficiosa.

Nestes termos e nos mais de direito, que vossas excelências suprirão, deverá o presente recurso subordinado, ser julgado totalmente procedente, por provado, e, em consequência, a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue improcedente a exceção de caducidade do direito de ação e, em consequência, aprecie o mérito da impugnação judicial, determinando a anulação do ato impugnado, e, ordene o reembolso do isda retido na fonte, durante o ano de 2000, no valor de € 46.412,75.

Assim não se entendendo, o que por mera cautela de patrocínio se admite, deverá a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que determine a anulação do ato de indeferimento, por extemporaneidade, do procedimento de reclamação, e que determine a sua substituição por um ato que proceda à convolação da reclamação graciosa deduzida pela recorrente em procedimento de revisão oficiosa”.

A FP não contra-alegou.

Os recursos foram admitidos, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso apresentado pela FP.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

Quanto ao recurso independente:

a) O recurso é intempestivo (questão prévia suscitada pela Impugnante)?

b) Verifica-se erro de julgamento, por não ser possível convolar um meio contencioso num meio gracioso?

Quanto ao recurso subordinado:

c) Há erro na decisão proferida sobre a matéria de facto?

d) Há erro de julgamento, uma vez que a reclamação graciosa foi apresentada tempestivamente e, subsidiariamente, sempre existiria um dever de revisão oficiosa do ato de liquidação?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

A) A Impugnante é uma sociedade de direito holandês sedeada em Amsterdão, Holanda – cfr. fls. 15 dos Autos;

B) Em 10/11/1999, a Impugnante detém 2.067.760 acções nominativas tituladas da sociedade “Companhia de Seguros A… Portugal, S.A.”, que equivale a 26.14% da A… – cfr. Relatório do ROC de fls. 19 dos Autos;

C) Em 19/05/2000, a A… procedeu ao pagamento do ISDA, correspondente ao pagamento de dividendos de 1999 aos seus accionistas – cfr. fls. 22 dos Autos;

D) Em 7/11/2003, a Impugnante apresentou junto do então Serviço de Finanças de Lisboa 4º, a Reclamação Graciosa contra a liquidação do ISDA de 2000, a qual correu termos sob o n.º 558/04 – cfr. fls. 1 e 2 do Processo de Reclamação apenso aos Autos;

E) Em 9/12/2004, a Reclamação referida na alínea anterior foi indeferida por despacho do director de Finanças – cfr. fls. 23 dos Autos;

F) A Impugnante foi notificada da decisão referida na alínea anterior, na pessoa do seu mandatário, a 14/01/2005 – cfr. AR constante a fls. 42 do Processo de Reclamação apenso aos Autos;

G) A PI deu entrada no TT de Lisboa por correio registado de 4/02/2005 - cfr. fls. 2 e 30 dos Autos.”

II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:

“Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A convicção que permitiu dar como provados os factos acima descritos assentou no teor dos documentos constantes nos autos, no Processo Administrativo e no Processo Reclamação apensos aos mesmos, conforme discriminado em cada uma das alíneas dos Factos Assentes”.

II.D. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, acorda-se aditar a seguinte matéria de facto provada:

H) A R… N.V. revestia a forma jurídica de “naamloze vennootschap”, à luz do direito neerlandês, datando o seu registo comercial de 19.09.1990 (cfr. doc. 1 junto com a petição inicial).

I) A R… N.V. era residente, para efeitos fiscais, nos Países Baixos, encontrando-se aí sujeita ao imposto denominado por vennootschapsbelasting, sem possibilidade de opção e sem dele se encontrar isenta (cfr. doc. 6 junto com a petição inicial).

J) A Companhia de Seguros A… Portugal, SA, com o número de identificação de pessoa coletiva 500 069 514, tinha, pelo menos desde 1999, sede social em Lisboa, estando sujeita a imposto sobre o rendimento e dele não isenta (cfr. docs. 3 e 4 juntos com a petição inicial e não controvertido, sendo ainda em parte informação pública disponível para consulta em https://publicacoes.mj.pt/Pesquisa.aspx).

II.E. Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto

Considerando que o conhecimento da impugnação da decisão proferida pela matéria de facto, efetuada pela 2.ª Recorrente, depende da apreciação prévia da tempestividade do recurso independente apresentado pela FP, relega-se para momento ulterior a sua apreciação.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Da questão prévia suscitada pela Impugnante, relativamente ao recurso independente apresentado pela FP

Considera a Impugnante que o recurso apresentado pela FP é intempestivo, porquanto, uma vez que a impugnação foi instaurada em 2005, não é aplicável o regime de recursos introduzido pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro.

Vejamos.

A Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, que entrou em vigor a 16.11.2019, alterou de forma significativa o regime de recursos previsto no CPPT.

Assim, nos termos do regime que vigorou até novembro de 2019, a interposição de recursos relativos a sentenças de impugnação judicial, como in casu, implica dois momentos: um primeiro, no qual a parte que pretende recorrer apresenta, no prazo de 10 dias a contar da notificação da sentença, requerimento a declarar tal intenção (cfr. o então art.º 280.º, n.º 1, e o art.º 282.º, n.º 2, ambos do CPPT), requerimento esse sobre o qual deve recair despacho de admissão ou não admissão do recurso; um segundo, após ser proferido e notificado despacho de admissão do recurso, consubstanciado na apresentação das respetivas alegações, no prazo de 15 dias a contar da notificação (cfr. art.º 282.º, n.º 3, do CPPT).

Depois da redação dada pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, o regime de recursos foi alterado, em termos similares aos já constantes quer do processo administrativo quer do processo civil.

Assim, nos termos do atual n.º 1 do art.º 282.º do CPPT, “[o] prazo para a interposição de recurso é de 30 dias e conta-se a partir da notificação da decisão recorrida”.

Em termos de aplicação da lei no tempo, concretamente em matéria de recursos, o art.º 13.º da Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, prescrevia o seguinte:

“1 - As alterações efetuadas pela presente lei ao Código de Procedimento e de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro, na sua redação atual, são imediatamente aplicáveis, com as seguintes exceções:

(…) c) Aos recursos interpostos de decisões proferidas a partir da entrada em vigor da presente lei em ações instauradas antes de 1 de janeiro de 2012, aplicam-se as alterações às normas relativas aos recursos dos atos jurisdicionais” (sublinhados nossos).

Esta disposição legal foi objeto de imediata crítica, porquanto, resultando da sua leitura, que, em matéria de recursos, o n.º 1 corpo e a sua alínea c) diziam uma e a mesma coisa (ou seja, a aplicação do novo regime às decisões proferidas a partir da entrada em vigor da lei), não deixava de causar perplexidade a formulação adotada de consagração de uma exceção que, afinal, decorria da regra.

Nesse seguimento, o mencionado art.º 13.º foi alterado pela Lei n.º 7/2021, de 26 de fevereiro, nos seguintes termos:

“1 - As alterações efetuadas pela presente lei ao Código de Procedimento e de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro, na sua redação atual, são imediatamente aplicáveis, com as seguintes exceções:

(…) c) Aos recursos interpostos em ações instauradas antes de 1 de janeiro de 2012, aplica-se o regime legal:

i) Na redação conferida pela presente lei às normas relativas aos recursos dos atos jurisdicionais, se a decisão for proferida a partir da entrada em vigor da presente lei;

ii) Na redação anterior à presente lei, quanto às normas relativas aos recursos dos atos jurisdicionais, se a decisão for proferida antes da data de entrada em vigor da presente lei, mesmo que, neste caso, o recurso seja interposto posteriormente à sua entrada em vigor”.

Ora, ainda que nos pareça que a mencionada alínea c) já decorre da regra geral constante do corpo do n.º 1, o legislador quis clarificar que, no caso de processos instaurados antes de janeiro de 2012 (como é o caso), o novo regime só não se aplica se a decisão tiver sido proferida antes da data de entrada em vigor da lei em causa, ainda que o recurso já seja interposto na sua vigência.

No caso dos autos, a sentença foi proferida a 12.02.2020, já depois da entrada em vigor da Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro (16.11.2019), pelo que é, in casu, aplicável o novo regime de recursos a que nos referimos, mesmo atendendo à redação inicial do art.º 13.º da Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, pelos motivos já referidos.

Assim sendo, o recurso apresentado é tempestivo.

Como tal, carece de razão a Impugnante Recorrida nesta parte.

Nos presentes autos, como visto, foram apresentados recurso independente e recurso subordinado.

Em regra, por precedência lógica, a ordem de apreciação implica o conhecimento, em primeiro lugar, do recurso independente e, em segundo, do subordinado.

No entanto, esta regra não é absoluta [cfr., v.g., o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 17.11.2010 (Processo: 01051/09)], sendo que, no presente caso, o recurso subordinado respeita ao conhecimento do erro de julgamento quanto à intempestividade da reclamação graciosa, cuja eventual procedência implica, naturalmente, o não conhecimento do objeto do recurso apresentado pela FP, dado que este depende do acerto de tal parte da decisão.

Como tal, começa-se por se apreciar o recurso subordinado.

III.B. Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto:

A 2.ª Recorrente considera que devem ser dados como provados os seguintes factos:

a. "A participação social da Impugnante de 26,14% no capital da A… Portugal foi constituída do seguinte modo: a 4 de dezembro de 1996 a Impugnante adquiriu 737.718 ações da referida sociedade e a 10 de novembro de 1999 adquiriu as restantes 1.330.042 ações, perfazendo o total de 2.067.760 ações naquela sociedade" – Facto constante dos artigos 2.º, 3.º e 4.º da petição inicial e inequivocamente confirmado pelo Docs. 2 e 3 juntos com a petição inicial;

b. "A participação social da Impugnante de 26,14% no capital da A… Portugal foi detida por mais de três anos consecutivos e mantinha-se em 30 de julho de 2003" - Facto constante dos artigos 2.º, 3.º e 4.º da petição inicial e inequivocamente confirmado pelo Docs. 2 e 3 juntos com a petição inicial;

c. "No início de 2000, a A… Portugal colocou à disposição dos respetivos acionistas os dividendos relativos ao exercício de 1999." Facto constante do artigo 7.º da petição inicial e confirmado pelo Doc. 4 junto com a petição inicial;

d. "Naquele ano, a A… Portugal distribui à Impugnante dividendos no valor total de Esc. 186.098.400, o equivalente a € 928.254,91" Facto constante do artigo 8.º da petição inicial e confirmado pelo Doc. 4 junto com a petição inicial e Instrutor;

e. "Sobre o valor bruto dos dividendos pagos à Impugnante pela A… Portugal foi efetuada a dedução de Imposto sobre Sucessões e Doações por Avença, a taxa de 5% em cumprimento do disposto nos artigos 182.º e 184.º do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações" - Facto constante do artigo 9.º da petição inicial e confirmado pelo Doc. 4 junto com a petição inicial e Instrutor;

f. "Em consequência, foi deduzido, em sede de Imposto sobre as Sucessões e Doações, aos dividendos pagos à Impugnante no ano de 2000, a importância de Esc. 9.304.920,00, o que corresponde a € 46.412,75 "- Facto constante do artigo 10.º da petição inicial e confirmado pelo Doc. 4 junto com a petição inicial e Instrutor.

Vejamos, então.

Considerando o disposto no art.º 640.º do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão (2-Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 169.).

Assim, o regime vigente atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. a), do CPC];

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo art.º 640.º do CPC;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. c), do CPC].

Como tal, não basta ao Recorrente manifestar de forma não concretizada a sua discordância com a decisão da matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, impondo­-se-lhe os ónus já mencionados (2-V., a título exemplificativo, o Acórdão deste TCAS, de 27.04.2017 (Processo: 638/09.0BESNT) e ampla doutrina e jurisprudência no mesmo mencionada..

Transpondo estes conceitos para o caso dos autos, verifica-se que tais ónus foram cumpridos.

Cumpre, então, apreciar.

Quanto ao facto proposto a), carece de relevância o seu aditamento, atento o facto B) mencionado em II.A., pelo que se indefere o aditamento requerido.

No tocante ao facto proposto b), o mesmo resulta provado, sendo pertinente o seu aditamento, ainda que com ligeiras alterações na formulação.

Como tal, é de aditar o seguinte facto:

K) A participação social mencionada em B) manteve-se ininterruptamente na esfera da Impugnante pelo menos até 30.07.2003 (cfr. docs. n.ºs 2 e 3 juntos com a petição inicial).

Quanto aos factos propostos c. a f., é pertinente o seu aditamento, ainda que com a seguinte formulação:

L) Em 2000, a A… Portugal distribuiu à Impugnante dividendos no valor total de Esc. 186.098.400$00 (928.254,91 Eur.) (cfr. doc. 4 junto com a petição inicial e decisão proferida em sede de reclamação graciosa – cfr. fls. 35 a 38 do processo administrativo);

M) Sobre o valor bruto dos dividendos pagos mencionados em L), a A… Portugal efetuou a dedução de Imposto sobre Sucessões e Doações por Avença, à taxa de 5% em cumprimento do disposto nos artigos 182.º e 184.º do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, no valor de 9.304.920$00 (46.412,75 Eur.) (cfr. documento n.º 4, junto com a petição inicial).

III.C. Do erro de julgamento, atinente à intempestividade da reclamação graciosa

Considera a 2.ª Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, uma vez que o prazo para a apresentação da reclamação graciosa deveria ser contado a partir do momento em que decorreram dois anos sobre a detenção das participações sociais em causa e não a partir da data da retenção na fonte.

Vejamos, então.

O art.º 182.º do Código Imposto Municipal da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações (CIMSISSD), atinente ao ISDA, previa a sujeição a este imposto, por avença, dos rendimentos de ações de sociedades com sede em território português, sendo a taxa, nos termos do art.º 184.º, de 5%, no caso dos dividendos.

Este imposto coexistia com a tributação da mesma realidade em sede de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), o que motivou litígios em que interveio, em sede de reenvio prejudicial, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE).

Assim, chama-se à colação o Acórdão do TJUE de 08.06.2000, Epson Europe, C-375/98, EU:C:2000:302, do qual se extrai, de relevante:

“24. Nestas condições, o objectivo da directiva [Diretiva 90/435/CEE do Conselho, de 23 de julho de 1990, relativa ao regime fiscal comum aplicável às sociedades-mães e sociedades afiliadas de Estados-membros diferentes (doravante Diretiva 90/435/CEE)], que é, como foi lembrado no n.° 20 do presente acórdão, favorecer a cooperação das sociedades de diferentes Estados-Membros, seria frustrado se estes pudessem, deliberadamente, privar as sociedades de outros Estados-Membros do benefício da directiva, sujeitando-as a impostos com o mesmo efeito que o imposto sobre os rendimentos, embora com uma denominação que os inclui na categoria de impostos sobre o património.

25. Por conseguinte, o ISD, quando diz respeito à tributação dos dividendos distribuídos por filiais estabelecidas em Portugal às suas sociedades-mãe de outros Estados-Membros, cabe no âmbito de aplicação da directiva. De onde resulta que a República Portuguesa, embora tendo direito a manter esta imposição, eventualmente em conjugação com o IRC, só pode fazê-lo dentro dos limites fixados, a título provisório, pelo artigo 5.°, n.° 4, da directiva, isto é, a uma taxa de retenção que não pode exceder 15%, relativamente aos anos de 1992 a 1996, e 10%, relativamente aos anos de 1997 a 1999. Se estes limites não fossem respeitados, a República Portuguesa beneficiaria de uma derrogação suplementar que a directiva não prevê”.

No fundo, este entendimento afastou o argumento do Estado Português, no sentido de o ISDA não visar tributar o rendimento (cfr. ponto 18 do citado Acórdão: “a Fazenda Pública e o Governo português alegam que os n.os 1 e 4 do artigo 5.° da directiva não são aplicáveis ao ISD. Este constituiria uma modalidade especial de imposto, cuja cobrança se funda no factor capitalização dos dividendos. O imposto não incidiria sobre o rendimento, mas sobre o valor do título. O imposto seria estabelecido recorrendo a um factor de capitalização, o que não seria equivalente à tributação dos rendimentos dos títulos. O imposto em causa no processo principal seria, assim, um imposto sobre as transmissões patrimoniais a título gratuito; o facto de este imposto ser calculado com base nos rendimentos não lhe retiraria a natureza de um verdadeiro imposto sobre as sucessões e doações”).

Portanto, da jurisprudência citada extrai-se que o ISDA estava integrado no âmbito da Diretiva 90/435/CEE.

Nessa sequência, o art.º 182.º do CIMSISSD, na redação dada pela Lei n.º 109-B/2001 de 27 de dezembro (Orçamento do Estado para 2002; cfr. art.º 34.º), passou a ter a seguinte redação:

“Será pago por avença, mediante dedução no rendimento dos títulos, o imposto pela transmissão, a título gratuito:

a. Dos títulos e certificados da dívida pública fundada, incluindo os certificados de aforro;

b. Das obrigações emitidas por quaisquer outras entidades públicas ou privadas, incluindo as de sociedades concessionárias estrangeiras equiparadas às emitidas por sociedades nacionais, nos termos do Decreto-Lei n.º 41 223, de 7 de agosto de 1957;

c. Das ações de sociedades com sede em território português.

§ 1.º Ficam excluídas do presente regime as ações nominativas, bem como as ações escriturais e tituladas depositadas, nos termos do Código dos Valores Mobiliários, desde que:

(…) b) Sejam detidas por sociedade residente noutro Estado-Membro da União Europeia, nas condições estabelecidas no artigo 2.º da Diretiva n.º 90/435/CEE, de 23 de Julho, emitidas por sociedade residente em território português que se encontre nas mesmas condições e que seja detida diretamente pela primeira através de uma participação no capital não inferior a 25% e desde que esta participação tenha permanecido na sua titularidade, de modo ininterrupto, durante os dois anos anteriores à data da colocação à disposição dos lucros ou, se detida há menos tempo, desde que a participação seja mantida durante o tempo necessário para completar aquele período, nas condições previstas no § 1.º do artigo 186.º § 2.º”.

Por seu turno, nos termos do art.º 186.º do mesmo código, também na redação dada pela Lei n.º 109-B/2001 de 27 de dezembro:

As entidades a que competir o pagamento de rendimento de títulos que não sejam da dívida pública deverão entregar na tesouraria da Fazenda Pública da área da sua sede ou representação permanente no território nacional, durante o mês seguinte ao do vencimento ou da colocação à disposição dos seus titulares, as importâncias do correspondente desconto.

§ 1º A exclusão de tributação a que se refere a parte final da alínea b) do § 1º do artigo 182º, não prejudica a aplicação do desconto previsto no artigo 184º nem a sua entrega nos prazos e termos a que se refere o presente artigo, ficando, no entanto, ressalvado o direito à restituição do que houver a mais sido liquidado e pago, caso se verifiquem as condições resolutivas previstas na parte final da citada alínea b) do § 1º do artigo 182º, a exercer nos termos do Código de Procedimento e Processo Tributário, iniciando-se a contagem dos prazos a partir do início do mês seguinte ao da ocorrência de tais factos”.

Desde já, refira-se que se considera que o regime em causa é aplicável in casu.

Com efeito, o regime nacional atentava contra as exigências do direito comunitário, como inequivocamente decorre da jurisprudência do TJUE, e as alterações em causa permitiram suprir tais violações.

Como é referido no Relatório relativo ao Orçamento do Estado para 2002, “[d]e importância no contexto internacional é a adaptação do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações ao Direito Comunitário, no tocante à incidência do imposto sobre sucessões e doações sobre dividendos pago por avença. Assegura-se assim o cumprimento das directivas aplicáveis e prevenir o litígio em seu torno com as consequências que lhe estão associadas”.

Entendimento distinto implicaria compactuar com um regime atentatório de tal disciplina supranacional – que sempre implicaria a sua ilegalidade.

Ademais, o regime previsto no art.º 186.º é procedimental, logo de aplicação imediata (art.º 12.º, n.º 3, da LGT).

In casu, estamos perante situação em que, em 2000, foram distribuídos dividendos à Impugnante, relativos a ações que detinha na Companhia de Seguros A… Portugal, S.A. e que, desde 10.11.1999, representavam 26,14% do seu capital social. Com o pagamento dos dividendos, aquela sociedade procedeu ao pagamento do ISDA correspondente.

Em 07.11.2003, a Impugnante apresentou reclamação graciosa, na qual peticionou o reembolso do imposto retido, por já estar cumprido o período mínimo de dois anos de detenção da participação.

O Tribunal a quo, a este respeito, considerou que o prazo para reclamar, de dois anos, previsto no art.º 132.º do CPPT, deveria ser contado a partir do momento em que a retenção foi feita.

Não acolhemos esse entendimento.

Com efeito, apenas a partir do momento em que se completa o prazo de 2 anos legalmente exigido se encontra o administrado em posição para pedir o reembolso do imposto em causa. Tal decorre da leitura do art.º 186.º § 1.º do Código da Sisa (norma de cariz procedimental e, logo, como referimos, de aplicação imediata), que determina que tal direito pode ser exercido, nos termos do CPPT, a partir do mês seguinte ao da reunião das condições para o efeito. Trata-se, aliás, de solução idêntica à então prevista no art.º 89.º, n.º 2, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas.

Ora, tendo apenas aquele nível de participação mantido durante dois anos sido completado a 10.11.2001, a 07.11.2003, data de apresentação da reclamação graciosa, esta era tempestiva.

Sempre se refira, aliás, que, mesmo que não fosse tempestiva a reclamação graciosa, sendo o documento apresentado pela Impugnante em sede graciosa tempestivo, para efeitos do art.º 78.º da Lei Geral Tributária (posição do Tribunal a quo, não posta em causa pela FP), sempre a administração teria o poder-dever, ao abrigo do dever de colaboração que enforma a sua atuação, previsto, designadamente, no art.º 59.º da LGT, de apreciar o requerido enquanto pedido de revisão.

Como tal, assiste razão à 2.ª Recorrente, o que implica a revogação da sentença recorrida (sendo certo que, apesar de o Tribunal a quo classificar a situação como sendo matéria de exceção, não se trata de facto de matéria de exceção, dado que não está em causa a intempestividade da impugnação, mas a da reclamação graciosa).

Neste conspecto, não se conhecerá o recurso apresentado pela Fazenda Pública, uma vez que, com esta decisão, o mesmo perdeu o seu objeto.

Considerando o decidido e uma vez que Tribunal a quo não conheceu as restantes questões invocadas pelo Recorrido, cumpre aferir se se reúnem condições para passar ao seu conhecimento em substituição, atento o disposto no art.º 665.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, nos termos do qual “[s]e o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários”.

É ainda pertinente chamar aqui à colação o entendimento, plasmado nos Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 18/11/2020 (Processo: 0608/13.4BEALM 0245/18) e de 13.01.2021 (Processo: 0129/18.9BEAVR), de que “[a] impugnação judicial é o meio processual adequado quando se pretende discutir a legalidade da liquidação, ainda que seja interposta na sequência do indeferimento do meio gracioso e independentemente do(s) seu(s) fundamento(s) (formais ou de mérito)”.

Compulsada a petição inicial, resultou por apreciar a questão de saber se assiste direito à anulação da liquidação de ISDA, em cumprimento do estabelecido no art.º 5.º da Diretiva 90/435/CEE, por estarem reunidos os respetivos pressupostos.

Considerando que os autos contêm todos os elementos pertinentes, passa-se à sua apreciação.

III.D. Da reunião dos requisitos de restituição do ISDA

Como resulta da petição inicial, a Impugnante considera que tem direito ao reembolso do imposto em causa, em virtude de se reunirem todos os requisitos previstos na Diretiva 90/435/CEE.

Vejamos.

Antes de mais, refira-se que no art.º 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, está consagrado o princípio do primado do direito comunitário, sobre o direito interno (sobre este princípio, cfr. o acórdão do TJUE de 15.07.1964, Costa / Enel, C-6/64, EU:C:1964:66).

Como já referimos supra em III.C., ainda que, num momento inicial, o Estado Português tenha defendido que o ISDA não era um imposto sobre o rendimento, o Acórdão do TJUE de 08.06.2000, Epson Europe, C-375/98, EU:C:2000:302, já referido, foi claro no sentido de que estamos perante um imposto sobre o rendimento e que cabe no âmbito da aplicação da Diretiva 90/435/CEE – o que, como vimos, motivou alteração do regime do ISDA em conformidade.

Esta diretiva visou a eliminação da dupla tributação económica dos dividendos distribuídos entre sociedades localizadas em distintos Estados Membros da União Europeia, reunidas que fossem determinadas condições, visando, desta forma, facilitar e potenciar a criação e o desenvolvimento de grupos de sociedades à escala europeia.

O objetivo visado foi, pois, o de assegurar a neutralidade fiscal, que assenta na ideia de que, para rendimentos idênticos, deve verificar-se uma tributação idêntica.

A concretização desse princípio passa pela supressão da tributação de lucros distribuídos sob a forma de dividendos, por uma afiliada à sua sociedade-mãe, considerando que esses lucros já foram tributados junto da afiliada antes de operada essa mesma distribuição.

Entendeu-se ser este um caminho fundamental para a prossecução do mercado comum, pois só assim se evitariam distorções potenciadas pela falta de harmonização entre sistemas fiscais, deixando esta de representar um entrave ao direito de estabelecimento.

Portugal beneficiou de um período transitório, que se completou em 1999, no sentido de poder cobrar uma taxa de retenção sobre os lucros distribuídos.

Olhando agora para a Diretiva, as condições previstas no seu art.º 2.º, para efeitos de aplicação do regime ali previsto, são as seguintes:

a) Que as sociedades revistam uma das formas enumeradas na diretiva, no seu anexo;

b) Que, de acordo com a legislação fiscal de um Estado-membro, seja considerada como tendo nele o seu domicílio fiscal e que, nos termos de uma convenção em matéria de dupla tributação celebrada com um Estado terceiro, não seja considerada como tendo domicílio fora da Comunidade;

c) Que esteja sujeita, sem possibilidade de opção e sem deles se encontrar isenta, a um dos impostos ali elencados

Ademais, à época, era necessário que a participação em causa, fosse não inferior a 25% [art.º 3.º, n.º 1, al a)]. Aos Estados-membros foi concedida a faculdade de exigência de conservação da participação, de modo ininterrupto, durante, pelo menos, dois anos (art.º 3.º, n.º 2).

Como vimos, no nosso ordenamento, na sequência da jurisprudência do TJUE, o regime do ISDA foi adaptado, no sentido de respeitar as exigências da Diretiva 90/435/CEE.

No entanto, cremos ser relevante chamar à colação que algumas das normas da diretiva são de tal forma precisas e incondicionais que podem ser invocados diretamente. É o chamado efeito direto das diretivas, reconhecido, designadamente, ao art.º 4.º da Diretiva 90/435/CEE (v. o Acórdão do TJUE de 12.02.2009, Cobelfret, C-138/07, EU:C:2009:82).

Ora, feito este enquadramento, verifica-se que, de facto, estão reunidos os requisitos exigidos, dado que a participação em causa é superior a 25%, foi detida por mais de 2 anos consecutivos, ambas as sociedades têm forma societária elencada no anexo à diretiva (“naamloze vennootschap” neerlandesa e “sociedade anónima” portuguesa) e estão sujeitas e não isentas de imposto nos respetivos estados de residência, o que, aliás, nunca foi controvertido, como se afere pela posição da administração ao longo de todo o procedimento.

Como tal, assiste razão à Impugnante.

Vencida a Fazenda Pública é a mesma responsável pelas custas em ambas as instâncias (art.º 527.º do CPC), sem prejuízo de não haver lugar ao pagamento de taxa de justiça na presente instância, quanto ao recurso apresentado pela Impugnante, por não ter contra-alegado [art.º 7.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais (RCP)].

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Conceder provimento ao recurso apresentado pela Impugnante e, em consequência:

a. Revogar a sentença recorrida, julgando-se improcedente a exceção de caducidade do direito de ação;

b. Em substituição, julgar a impugnação procedente, com as necessárias consequências em termos de devolução à mesma do imposto retido;

b) Não conhecer, porque prejudicado, o recurso apresentado pela Fazenda Pública;

c) Custas em ambas as instâncias pela Fazenda Pública;

d) Registe e notifique.


Lisboa, 29 de fevereiro de 2024

(Tânia Meireles da Cunha)

(Ana Cristina Carvalho)

(Jorge Cortês)