Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:02029/07
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:12/11/2007
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA. REQUISITOS.
Sumário:1) Para a procedência do pedido de dispensa de prestação de garantia basta a verificação de um dos requisitos previstos no artº 52º nº 4 da LGT desde que não apurada nos autos a responsabilidade do executado pela insuficiência ou inexistência de bens ou de rendimentos
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na 2ª Secção do 2º Juízo do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul.
1- RELATÓRIO
1.1 A Fazenda Pública, inconformada com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a reclamação deduzida por Maria...contra o acto praticado no processo de execução fiscal pelo Chefe do Serviço de Finanças de Cascais – 2 (Carcavelos), veio da mesma recorrer para este Tribunal, formulando para tanto na sua alegação as seguintes conclusões que aqui se reproduzem:
1) A douta sentença, ora recorrida, decidiu julgar totalmente a presente reclamação por considerar verificados os pressupostos legais para a concessão da isenção de prestação de garantia, anulando, em consequência, o despacho do órgão de execução fiscal reclamado.
2) Em síntese, considera o meritíssimo juiz "a quo" que a prestação de garantia por parte da executada, face à sua frágil situação económica lhe causaria prejuízo irreparável e que a insuficiência de bens do executado não lhe é imputável.
3) No entanto, não estamos perante nenhuma situação de inexistência em insuficiência de bens penhoráveis porquanto existem bens imóveis susceptíveis de penhora.
4) Sendo certo que a penhora de imóveis é meio idóneo para servir como garantia destinada à suspensão da execução fiscal.
5) O n.° 4 do art.° 52° da LGT estipula que a administração tributária pode isentar o executado da prestação de garantia em duas situações:
a) no (sic) caso da sua prestação lhe causar prejuízo irreparável, ou,
b) existir uma manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis.
6) Ora, no caso vertente, não existe falta de meios económicos para, através da penhora dos (sic) bens existentes, ser garantida a dívida exequenda e acrescido, contrariamente ao decidido na questionada sentença.
7) Decorre do supra-referido que a decisão recorrida, ao considerar reunidos os requisitos para a isenção de prestação de garantia, com base pressupostos constantes do art.° 52°, n.c 4 da LGT, faz uma aplicação inadequada do respectivo preceito legal, pelo que deverá ser revogada.
Termos em que, e nos demais de Direito, se REQUER que seja concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, seja revogada a douta decisão ora recorrida, com as legais consequências, assim se fazendo JUSTIÇA.

1.2 O EMMP, junto do TAF de Sintra, contra alegou, concluindo do modo seguinte:
1. Os pressupostos da isenção da prestação de garantia, prevista no artigo 52°, n°4 da LGT, são:
a) a existência de prejuízo irreparável que seja causado pela prestação da garantia;
b) a manifesta falta de meios económicos para a prestar;
c) que a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado.
2. Considerando o nível de rendimentos auferidos pela reclamante e os encargos que a mesma tem que suportar, incluindo as prestações dos empréstimos que contraiu para comprar o imóvel, não será difícil concluir que se mostra séria a probabilidade da prestação da mencionada garantia, de valor significativo para qualquer pessoa de medianos recursos, poder causar prejuízo irreparável ou de difícil reparação.
3. Mas, para além do prejuízo irreparável ou da manifesta falta de meios económicos, exige ainda a lei que a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado.
4. Ora, nada nos autos indica que tenha havido por parte da reclamante sonegação, dissipação de bens ou qualquer outra acção com o propósito de diminuir a garantia dos credores.
5. Mantendo a douta sentença recorrida, negando provimento ao recurso V.Exas. farão JUSTIÇA.

A Recorrida não formulou conclusões nas contra–alegações que apresentou, mas pugnou pela manutenção do decidido.


2.3- O EMMP, junto deste Tribunal, emitiu parecer do seguinte teor:
“(…) Atendendo aos documentos juntos aos autos entende-se que a sentença recorrida fez uma errada apreciação e interpretação dos mesmos; assim, apesar de dar como provado que a recorrida é proprietária de um imóvel urbano com o valor patrimonial de 35.597,41 euros (ponto 7 do probatório), e de não haver nos autos qualquer prova que confirme a afirmação da recorrida de que é carecida de meios financeiros, na sentença recorrida optou-se por entender que estavam preenchidos os requisitos para a concessão de isenção da prestação de garantia, com a consequente anulação do despacho reclamado.
O art. 52° n° 4 da LGT estipula que a AT pode isentar o executado da prestação de garantia nos casos de a prestação lhe causar prejuízos irreparáveis ou ser manifesta a falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis.
Nos autos não há prova de falta de meios económicos por insuficiência de bens penhoráveis antes se fixou no probatório que a reclamante/recorrida é proprietária de um imóvel urbano, o que afasta o fundamento sobre o qual foi decidida a reclamação a seu favor.
Como bem refere a recorrente a sentença incorre numa errada interpretação do disposto no art. 52° n° 4 da LGT e uma consequente errada interpretação dos factos o que se afigura determinante para a revogação do decidido.
Entende-se que a sentença enferme de erro nos pressupostos de facto por contradição entre a interpretação dos factos fixados no probatório e a respectiva decisão.
Pelo exposto estende-se que a decisão recorrida fez uma incorrecta interpretação dos factos e do direito aplicáveis ao caso sob apreço emitindo-se parecer no sentido do provimento do recurso.”

O processo vem à conferência com dispensa de vistos legais, cabendo decidir.
2- FUNDAMENTAÇÃO
2.1 A sentença julgou provados os seguintes factos:

1. Contra a ora Reclamante foram instaurados os processos de execução fiscal n.°s 343320030100646.0 e aps, para cobrança de dívidas de lVA e coimas fiscais referentes aos anos de 2000 a 2003;
2. No âmbito dos processos de execução fiscal referidos em 1. foi pela ora Reclamante questionado o Órgão da Execução Fiscal sobre qual o montante da garantia a prestar, tendo a mesma sido notificada de que tal ascenderia a Euros 10.684,00;
3. Em 2 de Novembro de 2006 a ora Reclamante requereu junto do Órgão da Execução Fiscal a isenção de prestação de garantia (conforme requerimento junto aos autos de execução, e que aqui se dá por reproduzido);
4. No Serviço de Finanças de Cascais - 2 foi elaborada a informação que de seguida se transcreve, tendo por objecto o requerimento a que se aludiu em 3.:
"Vem o Contribuinte Maria Helena de Jesus Gaspar, (...) interpor impugnação à execuções fiscais referentes aos processos n.°s (...), tendo por objectivo, entre outros, a respectiva inexigibilidade da dívida.
Facto comprovativo da suficiência económica, alegando o contrário.
Tendo em conta os factos é de prosseguir com a tramitação dos autos.
Por consulta ao sistema informático verifica-se que constam registos de bens imóveis. A consulta aos rendimentos auferidos (Mod.10), constata-se a existência para o ano de 2005 de um rendimento de Cat. A no valor de 10.640,00.
Nestes termos leva-se à consideração superior a decisão de conceder ou não, nos termos do art. 170° do CPPT a dispensa de garantia".
5. Em 13 de Dezembro de 2006 a Adjunta do Chefe de Finanças de Cascais - 2 emitiu o seguinte Parecer:
"Nos termos do artigo 52° n.° 4 da LGT pode a administração tributária isentar a prestação de garantia por manifesta insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da prestação tributária elencada no requerimento apresentado nos termos do art. 170.° do CPPT. No caso em apreço verifica-se que o executado detém bens susceptíveis de penhora por forma a assegurar o pagamento da quantia exequenda e acrescido pelo que julgo ser de indeferir o pedido do executado, mas V. Exa melhor decidirá";
6. Na mesma data foi proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Cascais - 2 o seguinte despacho, que recaiu sobre a informação e parecer transcritos em 4 e 5.:
"Face à informação e parecer que antecedem indefiro o pedido de dispensa da prestação de garantia nos termos do art. 169° do CPPT e 52° da LGT.
Prossigam os autos associados o processo de contencioso tributário (impugnação).
Notifique-se";
7. A ora Reclamante é proprietária de um imóvel urbano, correspondente ao artigo matricial n.° 2649, fracção G, da Freguesia da Parede, com o valor patrimonial de Euros 35.597,41;
8. A ora Reclamante é funcionária do Município de Oeiras, e auferiu no mês de Outubro de 2006 remuneração base no montante de Euros 750,00;
9. A ora Reclamante contratou com a Caixa Geral de Depósitos a concessão de dois empréstimos bancários pelos quais pagou no mês de Outubro de 2006 os montantes de Euros 351,17, e 208,85, respectivamente;
10.No ano de 2005 a ora Reclamante declarou auferir rendimentos no montante de Euros 10.640,00.

2.2.- Quanto aos factos não provados o Tribunal “ a quo” considerou: “ Não se provaram outros factos, para além dos que constam do probatório supra”.

2.3 Em sede de fundamentação exarou-se na douta sentença que ” A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos juntos aos autos e não impugnados, bem como do teor dos autos de execução.”

3- DO DIREITO
Para julgar a reclamação procedente o Mmº Juiz “ a quo “ considerou o seguinte:
“ (…) As questões a resolver consistem em apurar se o despacho impugnado foi proferido em usurpação de poderes, bem como, em caso negativo, se se mostram preenchidos os legais requisitos que determinem a isenção de prestação de garantia para suspensão dos autos executivos, e em consequência, se o despacho impugnado fez boa aplicação da lei ao indeferir o requerido pela Reclamante.
A propósito pronunciou-se exaustivamente o Digno Magistrado do Ministério Público, no douto Parecer a que se fez referência, e que ora se passa a transcrever:
"Nulidade por alegada usurpação de poderes
A invocação do vício da usurpação de poderes arranca da ideia de que inobservado que seja o prazo para decisão e havendo reclamação contenciosa do indeferimento tácito que se tenha formado a Administração já não poderá proferir decisão sobre o pedido que lhe tenha sido formulado.
Porém, salvo melhor entendimento, não tem razão a reclamante porque o dever legal que impende sobre a Administração de se pronunciar sobre os pedidos que lhe tenham sido formulados pelos administrados subsiste para além da formação do indeferimento tácito, não impedindo a prolacção de acto expresso, como sucedeu no caso em apreço.
A figura do acto silente de indeferimento é, como vem sendo referido pela doutrina e pela jurisprudência, uma mera ficção legal tendente à definição jurídica de uma determinada situação em ordem, nomeadamente, a possibilitar o uso de meios administrativos ou contenciosos; não se trata de um verdadeiro acto administrativo.
Portanto, ao pronunciar-se, ainda que tardiamente, sobre o pedido de dispensa da prestação de garantia que lhe havia sido formulado, não invadiu o autor do despacho reclamado a esfera de competências do poder judicial.
Inexiste, pois, usurpação de poderes.
Pressupostos para dispensa da prestação da garantia
Dispõe o art. 52°, nº 4 da LGT que «a administração tributária pode, a requerimento do interessado, isentá-lo da prestação da garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido desde que, em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado».
De acordo com o preceito são requisitos alternativos para o interessado poder ser dispensado da prestação de garantia, a ocorrência de prejuízo irreparável causado pela prestação da garantia ou a manifesta falta de meios económicos para a prestar, desde que, em qualquer dos dois casos, a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado.
Na informação e parecer em que se fundamenta o despacho reclamado vem referido que a executada, ora reclamante, tem bens penhoráveis suficientes para assegurar o pagamento da quantia exequenda e acrescido. Refere-se concretamente a existência de bens imóveis e um rendimento da Cat. A para o ano de 2005 no montante de €10.640,00 (cfr. fls. 96 e 101 da execução fiscal).
Em causa está a prestação de uma garantia fixada em €10 684,00 (fls. 76 da execução fiscal).
No que respeita ao requisito da manifesta falta de meios económicos entende-se que o mesmo não se mostra preenchido uma vez que nos termos legais a falta de meios económicos é aferido pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da divida exequenda e acrescido e, no caso vertente, mesmo considerando o montante da dívida dos empréstimos (fls. 29) é razoável pensar que o valor do imóvel propriedade da ora reclamante é, só por si, suficiente para o pagamento da divida exequenda e do acrescido, não estando demonstrado que assim não seja.
Porém, considerando o nível dos rendimentos auferidos pela ora reclamante que autos evidenciam, a sua situação profissional (funcionária da Câmara Municipal de Oeiras) e os encargos que a mesma tem que suportar, incluindo as prestações dos empréstimos que contraiu para comprar o imóvel atrás mencionado, não será difícil concluir que é séria a probabilidade da prestação da mencionada garantia, de valor significativo para um qualquer particular de medianos recursos, poder causar prejuízo irreparável ou de difícil reparação (cfr. docs. de fls. 19 e sgs.).
Mas, para além do prejuízo irreparável ou da manifesta falta de meio, económicos exige ainda a lei que a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado.
Ora, nada nos autos indica que tenha havido por parte da reclamante sonegação, dissipação de bens ou qualquer outra acção com o propósito de diminuir a garantia dos credores e não se vê que prova positiva possa a reclamante fazer para demonstrar que não lhe cabe responsabilidade na insuficiência ou inexistência de bens.
Adere-se, por isso, inteiramente, à doutrina do recente douto Ac. do TCA sul de 15.5.2007 (P. 01780107) segundo a qual "...apesar do referido segmento final do a/t 052.0/4 da LGT, se apresentar, a nosso ver, como um elemento constitutivo do direito que o executado, a coberto de tal norma, pretende fazer, ainda assim cremos que, neste domínio em especial, se deve operar uma verdadeira inversão daquele ónus probatório, por forma a que impenda sobre a administração tributária, a prova do facto positivo que é a que a insuficiência ou inexistência de bens do executado lhe é imputável, por os ter dissipado em prejuízo dos credores".
Ora, partilha este tribunal inteiramente a posição nestes autos assumida pelo Ministério Público, para cujos fundamentos inteiramente se remete, julgando evidente que atenta a débil situação financeira da Reclamante, o necessário encargo a suportar com a prestação da garantia é susceptível de motivar a ocorrência de prejuízo irreparável ou de difícil reparação, sendo que, ademais, não resulta provado por parte da Fazenda Pública, a quem incumbiria tal ónus, na esteira do supra citado Acórdão do TCA Sul, que a insuficiência ou inexistência de bens do executado lhe é imputável, por os ter dissipado em prejuízo dos credores.
Assim, sem necessidade de outras considerações, se julga a presente reclamação inteiramente procedente, com a consequente anulação do acto posto em crise.




DECIDINDO NESTE TCAS
QUID JURIS?
Afigura-se-nos que a decisão e 1ª Instância é de confirmar. Com efeito, ao longo das suas alegações de recurso, não questiona a recorrente a verificação, do 1º requisito previsto no artº art. 52°, nº 4 da LGT, e não questiona igualmente a tese defendida na decisão recorrida sobre a inversão do ónus da prova quanto ali se refere que compete à Administração Tributária a prova de que a insuficiência ou inexistência de bens é da responsabilidade do executado residindo o pomo da sua discórdia na consideração de que não existe falta de meios económicos para, através da penhora dos (sic) bens existentes se garantir a dívida exequenda.
Assim, constatamos, desde logo, que no nosso caso, em que está verificado o 1º requisito legal para a dispensa de garantia e não se demonstra a responsabilidade do executado na insuficiência ou inexistência de bens ou rendimentos, tudo se resume a interpretar o citado preceito da LGT no sentido de saber se os dois requisitos ali previstos são cumulativos ou alternativos. Cremos que se trata de requisitos alternativos como nos indica a conjunção disjuntiva “ou” o que significa que a lei se basta com a verificação de um dos requisitos previstos no artº 52º nº 4 da LGT desde que não apurada nos autos a responsabilidade do executado pela insuficiência ou inexistência de bens ou de rendimentos.
Nesta consideração, face aos elementos demonstrados nos autos e com a presente interpretação da lei quanto à suficiência da verificação de um dos dois requisitos ali previstos, o recurso deve improceder mantendo-se a decisão recorrida que concedeu procedimento ao presente processo cautelar.


4 – DECISÃO:

Termos em que acordam os juizes deste TCA em negar provimento ao recurso confirmando a decisão recorrida.

Custas a cargo da recorrente.


Lisboa 09/10/2007

ASCENSÃO LOPES
JOSÉ CORREIA
EUGÉNIO SEQUEIRA (Voto a decisão sem prejuízo de um melhor estudo sobre esta matéria)