Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:8/09.0BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:12/16/2020
Relator:ANA PINHOL
Descritores:IVA;
TRANSACÇÕES INTERCOMUNITÁRIAS.
Sumário:I.Nas transacções intracomunitárias, no apuramento do IVA devido, é obrigatório para o contribuinte a liquidação do imposto devido nas aquisições de bens; mas já é facultativa a dedução desse mesmo imposto suportado nas aquisições;

II.E se o contribuinte não exercer esse direito à dedução do imposto suportado no apuramento do mesmo, não cabe à Administração Tributária oficiosamente, exercê-lo, por falta de normas atributivas dessa competência.

Votação:UNANIMIDADE COM DECLARAÇÃO DE VOTO
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO




I.RELATÓRIO
A FAZENDA PÚBLICA recorre da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida por C......... – SOCIEDADE UNIPESSOAL contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e de Juros Compensatórios (JC), referentes aos exercícios de 2005 a 2007.

A recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«I. Visa o presente recurso reagir contra a douta Sentença que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial, deduzida por C......... – Sociedade unipessoal, Lda, melhor identificado nos autos, contra as liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios, referentes aos exercícios de 2005 a 2007, no valor total de € 997.356,79.

II. O Thema decidendum nos presentes autos prende-se com a questão de saber se no âmbito da liquidação do IVA nas transacções intracomunitárias, deveria a AT ter tido em consideração o direito à dedução do imposto suportado pelo sujeito passivo naquelas aquisições de bens, substituindo-se, assim, ao contribuinte no apuramento do imposto, violando o disposto no art.º 19.º e 20.º do RITI a contrario.

III. Nas transacções intracomunitárias de bens, no apuramento do IVA devido, é obrigatório para o contribuinte a liquidação do imposto devido nas aquisições de bens, mas já é facultativa a dedução desse imposto suportado nas aquisições.

IV. E se o contribuinte não exercer esse direito à dedução do imposto suportado no apuramento do mesmo, não cabe à AT, oficiosamente, exercê-lo, por falta de normas atributivas dessa competência.

V. Entendimento esse jurisprudencialmente sustentado pelo acórdão do TCA Sul, de 28/10/2003, proferido no processo nº 00229/03, cujas conclusões sufragamos, por ser aplicável mutati mutantis ao presente caso.

VI. A sentença a quo errou na aplicação do direito porquanto não apreciou a questão de saber se os bens adquiridos foram efectivamente utilizados na actividade empresarial do sujeito passivo, ao abrigo do disposto no n.º 1 do art.ºs 20.º e 21.º do CIVA.

VII. A Fazenda Pública considera que a douta decisão do Tribunal a quo ora recorrida, não faz, salvo o devido respeito, uma correcta apreciação da matéria de facto e de direito relevante à luz do mecanismo de funcionamento do IVA, uma vez que o direito à dedução do imposto suportado pelo sujeito passivo nos seus inputs constitui uma faculdade deste, e não um dever da AT, em violação do disposto no art.ºs 19.º e 20.º do RITI e 19.º, 20.º e 21.º do CIVA.

VIII. A Fazenda Pública considera que a douta decisão do Tribunal a quo ora recorrida errou ainda ao não avaliar os requisitos objectivos para o exercício do direito à dedução, questões que não foram analisadas na sentença, violando, assim, o disposto nos artigos 19.º e 20.º do Código do imposto sobre o valor acrescentado (CIVA) e art.º 615.º n.º 1 al. d) do Código de processo Civil (CPC).

IX. Cumprido o número 1 do artigo 19.º do CIVA, o IVA suportado a montante em “bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados”, só pode ser deduzido se o sujeito passivo realizar as operações previstas nas alíneas a) e/ou b) do número 1 do artigo 20.º do CIVA.

X. O direito à dedução comporta restrições (art.º 21.º em conjugação com o art.º 20.º do CIVA), que se prendem, por exemplo, com o destino dado aos bens adquiridos (Ex: se os bens foram afectados ao activo fixo tangível do sujeito passivo, ou ao seu uso particular, não será permitida a dedução do imposto).

XI. A douta sentença a quo não apreciou a excepção de caso julgado invocada pela impugnante, incorrendo assim, em omissão de pronúncia geradora de nulidade da sentença, nos termos do disposto no art.º 125.º n.º 1 do CPPT e na alínea d) do n.º 1 do art.º 651.º do CPC.

XII. Atento ao exposto, afigura-se a liquidação foi efectuada em cumprimento das normas legais vigentes, pelo que, salvo o devido respeito que é muito, entendemos que a douta sentença recorrida ao julgar parcialmente procedente a presente impugnação judicial, enferma de erro de apreciação da prova, de erro de interpretação de lei, nomeadamente, dos artigos 19.º e 20.º do RITI e 19.º, 20.º e 21.º do Código do imposto sobre o valor acrescentado (CIVA) e art.º 615.º n.º 1 al.d) do Código de processo Civil (CPC).

Termos em que, com o douto suprimento de Vossa Excelências, deve o presente recurso merecer provimento e, consequentemente ser revogada a sentença proferida pelo douto Tribunal a quo assim se fazendo a costumada justiça.»


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Decorrido o prazo, o recorrido não contra-alegou.
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O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, na sua vista, emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais dos Exmos Desembargadores adjuntos, cumpre apreciar e decidir.
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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Analisadas as conclusões do presente recurso, verifica-se que as questões a decidir são as seguintes:
- Nulidade da sentença por omissão de pronúncia;
- Erro de interpretação de lei, nomeadamente, dos artigos 19.º e 20.º do RITI e 19.º, 20.º e 21.º do Código do imposto sobre o valor acrescentado (CIVA).
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III. FUNDAMENTAÇÃO
A. DOS FACTOS
Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:
«a) A 13/02/2008 foi emitido ordem de serviço n.ºOI200800467, relativa à inspecção da impugnante, em sede de IVA, relativa ao ano de 2005, onde se identificam os funcionários J........., e, P......... (cfr. documento de fls. 92 dos autos);
b) A OS a que se refere a alínea anterior, foi assinada pela impugnante, a 26/02/2008 (cfr. documento de fls. 92 dos autos);
c) A 13/02/2008 foi emitido ordem de serviço n.ºOI200800468, relativa à inspecção da impugnante, em sede de IVA, relativa ao ano de 2006, onde se identificam os funcionários J........., e, P......... (cfr. documento de fls. 93 dos autos);
d) A OS a que se refere a alínea anterior, foi assinada pela impugnante, a 26/02/2008 (cfr. documento de fls. 93 dos autos);

e) A 13/02/2008 foi emitido ordem de serviço n.ºOI200800469, relativa à inspecção da impugnante, relativa ao ano de 2007, onde se identificam os funcionários J........., e, P......... (cfr. documento de fls. 94 dos autos);
f) A OS a que se refere a alínea anterior, foi assinada pela impugnante, a 28/02/2008 (cfr. documento de fls. 93 dos autos);
g) No seguimento da inspecção, foi elaborado relatório de inspecção, que se dá por reproduzido, onde, além do mais, se lê (cfr. documento de fls. 166 do PAT):


«imagens no original»




h) A impugnante foi alvo das liquidações adicionais de IVA n.º......... a n.º........., no valor total, com juros compensatórios, de 997.356,79euros (cfr. documento de fls. 23 a 91 dos autos);
i) A 21/05/2007, foi emitido documento à impugnante, pela C........., lendo-se do mesmo “Ex.os Senhores, Vimos pelo presente confirmar que todas as viaturas adquiridas pela vossa casa à nossa empresa foram viaturas usadas” (cfr. documento de fls. 96, 101, e declaração de honra, de fls. 95, todos dos autos);
j) A 21/05/2007, foi emitido documento à impugnante, lendo-se do mesmo “Exmos. Senhores, Vimos pela presente confirmar que todas as viaturas adquiridas pela vossa casa à nossa empresa foram viaturas usadas” (cfr. documento de fls. 97, 102, e declaração de honra de fls. 97 dos autos);
k) A 16/05/2007, foi emitido documento à impugnante, lendo-se do mesmo “Vimos pela presente confirmar que a vossa casa adquiriu à nossa empresa, durante os anos das ossas relações comerciais, entre 2003 e 2006, exclusivamente viaturas do nosso comércio de usadas” (cfr. de fls. 98, 103 e compromisso de honra de fls. 97 dos autos);
l) A 21/05/2007, foi emitido documento à impugnante, lendo-se do mesmo “Vimos pelo presente confirmar que firma C......... (C.........) Comércio de automóveis sociedade unipessoal Lda. Ident-Nr. PT ......... adquiriu nos anos 2003 a 2005 na nossa empresa exclusivamente viaturas usadas” (cfr. de fls. 99, 104 e compromisso de honra de fls. 97 dos autos);
m) A 25/05/2007, foi emitido documento à impugnante, lendo-se do mesmo “Vimos pelo presente confirmar-lhe as viaturas adquiridas na nossa empresa pela empresa C......... nos anos 2003 até à data foram exclusivamente viaturas usadas” (cfr. de fls. 100, 105 e compromisso de honra de fls. 97 dos autos);


Não há factos alegados e não provados com interesse para a decisão da causa.

Os factos provados assentam na análise crítica dos documentos juntos aos autos e não impugnados, conforme se indica em cada alínea do probatório.»
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B. DO DIREITO

DA NULIDADE DA SENTENÇA

Vem a recorrente, arguir a nulidade da sentença sob recurso prevista no artigo 651.° nº 1 alínea d) do Código Processo Civil (CPC), por, não ter apreciado as seguintes questões: excepção de caso julgado e saber se os bens adquiridos foram efectivamente utilizados na actividade empresarial do sujeito passivo, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigos 20.º e 21.º do Código do Imposto Sobre o Valor Acrescentado (CIVA).

Vejamos, então.

A sentença, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artigo 615.º do Código Processo Civil (CPC).

Prevista no artigo 125.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) e na alínea d) do artigo 615.º do CPC, a nulidade da sentença por omissão de pronúncia está directamente relacionada com o comando constante do 608.º, nº 2, do CPC, segundo o qual «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».

Por isso, só existe omissão de pronúncia quando o tribunal deixa de apreciar e decidir uma questão que haja sido chamado a resolver, a menos que o seu conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio, dado que lhe incumbe o conhecimento de todas as questões suscitadas pelas partes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras, nos termos do disposto no citado artigo 608.°, n.º2 do CPC, ex vi do artigo 2.° alínea e) do CPPT.

Ora, compulsada a sentença recorrida, nela encontramos a seguinte alusão: « (…) [t]anto basta para anular as liquidações impugnadas na medida em que a AT não teve tal direito em consideração, aliás, tal como decidido na impugnação deduzida neste Tribunal, no processo n.º1169/08, que transitou em julgado, e cuja decisão foi junta aos autos.».
Assim, não vislumbramos onde falta a pronúncia.
Por outro lado, relativamente à segunda invocada omissão de pronúncia, também aqui, não se verifica o apontado vício formal assacado à sentença.
Com efeito, a questão a decidir respeitante ao direito de dedução de IVA foi apreciada, o eventual erro quanto à decisão de mérito explanada na sentença, decorrentes de má perceção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error juris), não se enquadra na invocada nulidade.
Verifica-se, assim, que o Tribunal «a quo» conheceu da questão, por conseguinte, não existe, pois, a apontada nulidade.

Do mérito do recurso

As liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) objecto dos presentes autos de impugnação judicial foram emitidas na sequência da correcção efectuada pelos Serviços da Inspecção Tributária, com base no entendimento de que o Impugnante adquiriu diversas viaturas a outros sujeitos passivos no Estado Alemão pelo regime geral de IVA, e posteriormente, nas suas vendas aplicou o regime especial de tributação dos bens em segunda mão, aprovado pelos Decreto-Lei n.º 199/96, de 18 de Outubro (regime da margem).

Na parte que para aqui mais releva, importa relembrar que o Tribunal «a quo» não obstante entender que (…) a liquidação deve ser efectuada pelo adquirente e que incide sobre o IA, logo no momento da exigibilidade do imposto nasce o direito à dedução, pois esta operação de liquidação é uma mera operação contabilística com intenção de ser neutra em termos fiscais», veio a considerar que não tendo a Administração Tributária levado em consideração a dedução de IVA, relativa às aquisições intracomunitárias, no valor de 93.076,12 € (2005), 71.481,05 € (2006), e, 43.710,89 €, (2007), as liquidações sindicadas não poderiam manter-se na Ordem Jurídica.

A Fazenda Pública discorda do decidido, defendendo, em suma, que contrariamente ao decidido o direito à dedução do imposto suportado pelo sujeito passivo nos seus inputs constitui uma faculdade deste, e não um dever da Administração Tributária.

A questão que se coloca é a de saber se no âmbito da liquidação do IVA nas transacções intracomunitárias, deveria a Administração Tributária ter tido em consideração o direito à dedução do imposto suportado pelo sujeito passivo naquelas aquisições de bens, substituindo-se, assim, ao contribuinte no apuramento do imposto.

Vejamos.

Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, « o direito de os sujeitos passivos deduzirem do IVA de que são devedores o IVA devido ou pago em relação aos bens adquiridos e aos serviços que lhes foram prestados a montante, usados para efeitos das suas operações tributáveis a jusante, constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA instituído pela legislação da União. Como o Tribunal de Justiça já declarou reiteradamente, o direito à dedução previsto nos artigos 167.o e seguintes da Diretiva IVA faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado.» (Acórdão de 4.06.2020, SC C.F. SRL contra A.J.F.P.M., D.G.R.F.P.C, C-430/19 http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf;jsessionid=8FA74F9E2D998B64AE8DCE8446D53E46?text=&docid=226973&pageIndex=0&doclang=PT&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=9328929).

No apuramento do imposto pelo sujeito passivo (cfr. artigo 19.° do CIVA), deverá o mesmo proceder à liquidação do imposto que se mostre devido pelas aquisições intracomunitárias de bens (cfr. artigo 23.°, n.°1, alínea a) do RITI), ainda que, em simultâneo, possa deduzir o imposto suportado nas aquisições intracomunitárias de bens (cfr. artigo 19.° n.° 1 e n.º 2 do artigo 20.º do RITI), nada autorizando e nem a lei permitindo, que a Administração Tributária, se substitua ao sujeito passivo nesse apuramento.

Com efeito, à semelhança do que sucede no âmbito do CIVA, as obrigações dos contribuintes assumem em sede do RITI especial relevância como garantia do bom funcionamento do sistema e forma de obviar a eventuais situações de fraude e evasão fiscal e permitir o controlo pelas autoridades fiscais.

Neste sentido, escreveu-se no acórdão deste Tribunal Central Administrativo, no acórdão proferido no dia 28.10.2003, proferido no processo n.º 229/03, que: «À semelhança do que sucede no âmbito do CIVA, as obrigações dos contribuintes assumem em sede do RITI especial relevância como garantia do bom funcionamento do sistema e forma de obviar a eventuais situações de fraude e evasão fiscal e permitir o controlo pelas autoridades fiscais.

Nos termos do n.° 3 do artigo 17.° do R.I.T.I., o valor tributável das aquisições intracomunitárias de bens, no caso de bens sujeitos a imposto automóvel (para o que ao caso interessa), será determinado com inclusão daquele imposto, ainda que não liquidado simultaneamente.

O artigo 23° n.° 1 alínea a) estabelece como obrigação dos contribuintes: «Proceder à liquidação do imposto que se mostre devido pelas aquisições intracomunitárias de bens».

A Impugnante nas declarações periódicas apresentadas não liquidou nem deduziu o Imposto sobre o Valor Acrescentado das aquisições intracomunitárias sobre o Imposto sobre o Valor Acrescentado.

Quer isto dizer que violou o disposto no art.° 17.° n.° 3 do RITI, não cumprindo com a obrigação imposta no art.° 23°, n.° 1, alínea a) do mesmo diploma legal.

Em seu abono diz a Impugnante que se trata de uma mera operação contabilística, de cuja omissão não resultou qualquer prejuízo para a Fazenda Pública, e que tem apoio no n.° 4 do Preâmbulo do RITI.

É a seguinte a redacção do ponto 4 do Preâmbulo do RITI:

«(...) Assim, e referindo só o princípio geral aplicável nas transacções entre sujeitos passivos, dir-se-á que estes, sempre que adquirem bens a sujeitos passivos de outros Estados membros, realizam uma «aquisição intracomunitária», tributável nos termos do Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias, e que deverá ser levada à declaração periódica de IVA, conjuntamente com as demais operações do sujeito passivo. Em casos normais, o imposto liquidado e aí declarado será dedutível imediata e integralmente, pelo que o sujeito passivo não suportará qualquer ónus fiscal na operação da aquisição.»

Ora, nesta parte do Preâmbulo, o legislador limitou-se a explicar o regime que estabeleceu no artigo 19.° do diploma em causa, no que respeita à dedução do imposto.

Para dedução do imposto devido, nos termos do artigo 19.° dp CIVA o sujeito passivo poderá deduzir ao imposto incidente sobre as suas operações tributáveis, o Imposto sobre o Valor Acrescentado suportado nas aquisições intracomunitárias de bens e nas operações assimiladas (artigo 19.° n.°1 do RITI).

A dedução do imposto suportado a montante faz parte da própria essência do Imposto sobre o Valor Acrescentado.

De facto, baseando-se o Imposto sobre o Valor Acrescentado num sistema de pagamnetos fraccionados do imposto destinados a tributar o consumo final, a dedução do imposto pago nas operações intermédias d0 circuito económico é indispensável ao funcionamento do sistema e ao estabelecimento da cadeia que vai da importação, aquisição intracomunitária de bens, ou produção até ao consumo final, exportação ou transmissão intracomunitária de bens - E. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, Anotado e Comentado, 4.a Edição, página 498.

Nos termos do artigo 19.° o contribuinte pode deduzir o imposto incidente sobre as operações tributáveis (vulgarmente designado por Imposto sobre o Valor Acrescentado liquidado) o imposto pago nas aquisições intracomunitárias de bens, bem como nas operações assimiladas, contanto que os bens em causa sejam utilizados pelo sujeito passivo para a realização das suas operações tributáveis.

Ora, como já vimos, sobre o contribuinte recai nos termos do artigo 23° do RITI a obrigação de «autoliquidação» do imposto pago nas aquisições intracomunitárias.

Nas declarações periódicas relativas a esse período deverão mencionar o valor das aquisições, bem como o correspondente imposto a favor do Estado.

Simultaneamente deverão mencionar, a favor do sujeito passivo, um montante de igual valor, excepto quando os bens adquiridos não confiram direito à dedução nos termos do CIVA, ou o sujeito passivo se encontre abrangido por um regime de dedução parcial do imposto (artigo 20.° do RITI).

«Esta circunstância, isto é, a coincidência temporal entre o momento em que o imposto deve ser mencionado a favor do Estado e a favor do sujeito passivo, anula, como vimos, o financiamento do imposto à aquisição intracomunitária e transforma a liquidação do imposto devido nas aquisições intracomunitárias em mera operação contabilística, quando estivermos perante passivos com dedução total do imposto suportado a montante. Obviamente, que o não financiamento traduz-se no diferimento do pagamento do imposto, uma vez que, na prática, o imposto que não foi pago na alfândega vai ser reflectido no montante a entregar nos cofres do Estado aquando da entrega da declaração periódica correspondente.» - E. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, Anotado e Comentado, 4.a Edição, página 1084.

A afirmação constante do preâmbulo do RITI «Em casos normais, o imposto liquidado e aí declarado será dedutível imediata e integralmente, pelo que o sujeito passivo não suportará quaquer ónus fiscal na operação da aquisição», não está, assim, para além do que foi legislado.

E, ainda que assim não fosse, isto é, se a intenção do legislador plasmada no Preâmbulo do diploma legal acabasse por não ter apoio na letra da lei, não poderia ligitimar qualquer comportamento da Impugnante, porquanto os Preâmbulos não são fonte de lei.(...).

E na verdade assim é.

Pelas normas invocadas na sentença recorrida se vê, claramente, que no apuramento do imposto pelo sujeito passivo (art.° 19.° do CIVA), deverá o mesmo proceder à liquidação do imposto que se mostre devido pelas aquisições intracomunitárias de bens [art.° 23.° n.°1 a) do RITI]; ainda que, em simultâneo, possa deduzir o imposto suportado nas aquisições intracomunitárias de bens (art.° 19.° n.°1 a) do mesmo RITI), nada autorizando e nem a lei permitindo, que a AT, oficiosamente, se substitua ao sujeito passivo nesse apuramento, como pretende a recorrente, não se percebendo a que propósito vem invocar a norma do art.° 78.° n.°2 da LGT, que nada tem que ver com esta questão.

Aliás, enquanto que para a liquidação do imposto devido pelas aquisições desses bens a mesma é obrigatória, já para o exercício do direito à dedução é facultativo, como resultam dos claros termos dessas normas - art.°s 23.° n.°1 a) e 19.° n.° l, ambos do RITI.». (disponível em www.dgsi.pt).

Ora, à luz do precedente enquadramento, pode, pois, dizer-se que a sentença não fez boa aplicação do direito, ao entender que a Administração Tributária deveria ter tido em consideração nos actos de liquidação de IVA sub judice, a dedução do valor do imposto apurado sobre o IA, pese embora o recorrido não tenha exercido tal faculdade.

Deve, pois, ser concedido provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública.

IV.CONCLUSÕES

I.Nas transacções intracomunitárias, no apuramento do IVA devido, é obrigatório para o contribuinte a liquidação do imposto devido nas aquisições de bens; mas já é facultativa a dedução desse mesmo imposto suportado nas aquisições;

II.E se o contribuinte não exercer esse direito à dedução do imposto suportado no apuramento do mesmo, não cabe à Administração Tributária oficiosamente, exercê-lo, por falta de normas atributivas dessa competência.

V.DECISÃO

Termos em que, acordam os Juízes que integram a 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, e em consequência, revogar a sentença recorrida na parte em que foi objecto de recurso, julgando improcedente a impugnação judicial nessa parte.

Custas a cargo do recorrido.


Lisboa, 16 de dezembro de 2020

[Ana Pinhol]

[Isabel Fernandes]

[Jorge Cortês]


Declaração de voto

Voto a decisão e a fundamentação, dado que a situação em exame não se confunde
com a situação por mim relatada no Processo nº 7869/14.0BCLSB.
No âmbito do IVA não existem liquidações oficiosas de imposto dedutível, porquanto a dedução do imposto é uma faculdade do contribuinte a ele sujeito. Tal não significa, porém, que no caso de ter sido requerido pelo contribuinte, aquando das correcções introduzidas ao IVA a liquidar nas transacções intracomunitárias, a AT não fique constituída no dever de deferir o pedido de compensação dos montantes em causa. O que não está em causa nos presentes autos.

Jorge Cortês