Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2152/15.6BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:12/07/2021
Relator:LUÍSA SOARES
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO; PROVA; INSOLVÊNCIA; GERÊNCIA DE FACTO; CULPA
Sumário:- A declaração de insolvência priva o insolvente dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência (artigo 81.º, n.º 1 do CIRE).

II. Se o prazo legal de pagamento voluntário das dívidas termina em data posterior à declaração de insolvência, a questão subsume-se normativamente no artigo 24.º, nº 1, alínea a), da LGT impendendo o ónus da prova da culpa na esfera jurídica da Administração Tributária.

Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO

Vem a Fazenda Pública interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a oposição à execução fiscal nº 3522201401062409 deduzida por J. M. C. C. revertido na execução fiscal instaurada originariamente à sociedade E. P. – C., SA., por dívidas de IVA de 2011 no montante de € 4.921,63.

A Recorrente, nas suas alegações, formulou conclusões nos seguintes termos:

“I. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal a quo, que julgou procedente a oposição deduzida por J. M. C. C. à oposição à execução fiscal n.º 3522201401062409, instaurada no Serviço de Finanças de Oeiras – 3 (Algés), originariamente contra a sociedade “E. P. – C., S.A.”, para cobrança coerciva de dívida proveniente de IVA, de 2011, no valor de € 4.921,63.

II. Com efeito, da própria certidão permanente extrai-se que o Oponente era o administrador único da sociedade devedora originária antes e após o termo legal de pagamento da dívida ora em cobrança, só tendo renunciado em 20-08-2014, sendo que, da mesma forma, por perscrutação do § 2.º da p.i., é o próprio Oponente que assume, de
forma exclusiva, o comando dos destinos da sociedade originária executada.

III. Tais factualidades merecem dignidade de constar dos factos assentes da Sentença recorrida, pois que reputam relevantes para a decisão da causa e devem ser aditadas ao probatório, nos termos do disposto no artigo 640.º do CPC, ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT.

IV. Pois que, “[t]endo o revertido articulado na sua p.i. de oposição à execução fiscal que exerceu as correspondentes funções de gerente da sociedade originária devedora, irreleva que a AT lhe não impute em concreto o exercício das mesmas e nem que as não prove”, cfr. Acórdão do TCA Sul de 10-01-2012, proc. n.º 5066/2011 e Acórdão do TCA Sul de 21-05-2015, proc. n.º 08445/15.

V. No fundo o Oponente não impugna que o seja; ele é o administrador de facto, simplesmente em termos de direito (juridicamente) entende que estaria impossibilitado de a exercer por poder conflituar com as funções do próprio administrador de insolvência.

VI. Contudo, o facto de ter sido nomeado um administrador de Insolvência não significa que o administrador se deva demitir ou dispensar das suas funções; e isto porque o administrador de insolvência é exactamente, como o próprio nomen indica, um administrador judicial, estando as suas funções determinadas e limitadas pela natureza da insolvência.

VII. Neste seguimento e porque dentro dos vários actos praticados pelos administradores em representação da sociedade devedora originária, estão os típicos actos de gestão ou administração corrente, actos nos quais o administrador de insolvência não se deve imiscuir, postula o n.º 1 do artigo 82.º do CIRE que, “os órgãos sociais do devedor mantêm-se em funcionamento após a declaração de insolvência, não sendo os seus titulares remunerados, salvo no caso previsto no artigo 227.º”.

VIII. Nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 4 do artigo 81.º do CIRE, a declaração de insolvência priva de imediato o insolvente e respectivos administradores dos poderes de
administração e disposição dos bens integrantes da massa insolvente. Não se afirma que
a declaração de insolvência priva, tout court, os respetivos administradores dos poderes
de administração e disposição como é afirmado na Sentença recorrida.

IX. E, tendo presente o disposto no artigo 65.º do CIRE, existe, em nosso modesto entendimento, uma deliberada intenção do legislador em estabelecer uma separação entre aquelas que são as obrigações e deveres do Administrador da Insolvência por referência à própria massa falida, daquelas que persistem na esfera do administrador da
devedora originária ainda que insolvente, em tudo o que não colida com os deveres e funções do primeiro

X. Assim sendo, como foi dado por provado na Sentença recorrida, a dívida é posterior à declaração de insolvência, pelo que a discussão sobre a gestão patrimonial é inócua, tanto mais que o órgão de execução fiscal está impedido de reclamar os créditos no processo de falência. Se assim não fosse e ao arrepio do n.º 6 do artigo 180.º do CPPT,
seria a massa insolvente quem ilegalmente responderia pelos créditos objeto da presente oposição.

XI. Afigura-se-nos, assim que a coexistência dos dois Administradores (o da sociedade e o administrador da massa falida) não é ilegal. Inexiste, aliás, disposição legal que o proíba.
Pelo contrário.

XII. Por manifestamente conclusivo para o que ora nos ocupa, convidamos à leitura do
entendimento postulado no Acórdão do TCA Sul, de 21-05-2015, proc. n.º 06381/13, segundo o qual “[a] qualidade de gerente de uma sociedade ou as funções que do ponto de vista da legislação comercial lhe estão cometidas por força da sua nomeação nessa qualidade, não se confundem com a qualidade de administrador de insolvência nem com as funções a este atribuídas nos termos do Código de Insolvências e Recuperação de Empresas (cfr., em especial, artigos 252.º e 259.º do Código das Sociedades Comerciais e artigo 55.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas).

XIII. Portanto, não corresponde à verdade que o Oponente se encontrava impedido juridicamente de exercer a administração da sociedade devedora originária por força da
nomeação do Administrador da Massa Insolvente, precisamente porque a Administração da sociedade ainda que insolvente e a sua Massa não se confundem e, nesta conformidade, impunha-se ao Douto Tribunal a quo, perante a causa de pedir esgrimida, o comportamento processual do Oponente e a prova produzida pela Fazenda
Pública, que não logrou ser contrariada pelo Oponente, convencer-se que este foi seu administrador de facto e que, como tal, a reversão operada pelo órgão de execução fiscal recaiu sobre pessoa responsável pelo pagamento da dívida.

XIV. Assim sendo, comprovado que ora se encontra que o Oponente exerceu a administração da sociedade no prazo legal de pagamento voluntário da dívida ora em cobrança, era sob a égide da disciplina legal prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º
da LGT que importava fundamentar a presente reversão, pois que foi este o regime jurídico no qual o órgão de execução fiscal fundamentou a reversão, cfr. alínea H) do probatório fixado na Sentença recorrida.

XV. Portanto, era ao abrigo de tal regime legal que a Sentença recorrida deveria ter ponderado a disciplina jurídica relativa à culpa do Oponente na insuficiência patrimonial da sociedade devedora originária. Assim não diligenciou o Douto Tribunal a quo; pelo contrário: o que fez foi furtar-se ao aprofundamento da apreciação da questão relativa à administração de facto da sociedade devedora originária após a declaração de insolvência para, de forma muito singela, inverter o regime jurídico constante do n.º 1 do artigo 24.º da LGT e proceder à apreciação de matéria jurídica que não consta do mecanismo de reversão.

XVI. Destarte, com o devido e muito respeito, a Sentença sob recurso, ao decidir como
efectivamente o fez, estribou o seu entendimento numa inadequada valoração da matéria de facto e de direito relevante para a boa decisão da causa, tendo violado o disposto nas supra mencionadas disposições legais.

XVII. Fazenda Pública considera que a douta decisão do Tribunal a quo ora recorrida, não faz, salvo o devido respeito, uma correcta apreciação da matéria de facto relevante no que concerne à aplicação do artigo 24.º da LGT.
TERMOS EM QUE, CONCEDENDO-SE PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, DEVE A DOUTA SENTENÇA, ORA RECORRIDA, SER REVOGADA,
ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA!
* *
O Recorrido apresentou contra-alegações, tendo formulado conclusões nos seguintes termos:
“i. Através de sentença proferida em 30 de julho de 2020, o douto Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra julgou totalmente procedente a Oposição Judicial deduzida pela ora Recorrido contra o processo de execução fiscal n.° 3522201401062409, instaurado para cobrança coerciva de dívida de IVA, referente ao ano de 2011, no valor de € 4.921,63, em que era devedora originária a sociedade devedora originária a sociedade “E. P. – C., S.A.”;

ii. Inconformada com aquela douta Sentença, a Recorrente interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul sustentando, em síntese, que a declaração de insolvência não privou o Recorrido da administração de facto da sociedade devedora originária;

iii. Ficou demonstrado nos autos que a sociedade devedora originária, “E. P. – C., S.A.” nunca teve dívidas tributárias até à sua declaração de insolvência, a qual foi declarada através de sentença proferida a 9 de agosto de 2011, no âmbito do processo n.° 1105/11.8 TYLSB, que correu termos no 3.° Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa, foi declarada a insolvência da sociedade devedora originária e nomeado administrador da insolvência, J. C.;

iv. Ou seja, ficou demonstrado nos autos que a declaração de insolvência da sociedade “E. P. – C., S.A.” ocorreu antes da data limite de pagamento da liquidação de IVA, referente ao ano de 2011, pois, conforme resulta da alínea A) da matéria de facto dada como provada pela douta Sentença recorrida, a liquidação de IRC tinha como data limite de pagamento o dia 23 de janeiro de 2014. Ora, nesta data, já havia assumido funções, como administrador de insolvência da sociedade devedora originária, o Sr. J. C., facto este que também foi assumido pelo próprio, conforme alínea C) da matéria de facto dada como provada pela sentença recorrida;

v. Assim sendo, ficou demonstrado nos autos que a partir da declaração de insolvência da sociedade devedora originária, o Recorrido deixou de dispor de quaisquer poderes de administração da sociedade devedora originária, sendo que passou a ser o administrador de insolvência que passou a dispor, a partir da declaração de insolvência da sociedade devedora originária, de todos os poderes de administração da sociedade devedora originária, pelo que era exclusivamente o Sr. J. C. que, na qualidade de administrador de insolvência da sociedade “E. P. – C., S.A.”, dispunha dos poderes necessários para liquidar, em 23 de janeiro de 2014, a dívida de IVA da sociedade devedora originária (sobre esta questão cfr. acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul proferido, em 27 de setembro de 2018, no processo n.° 1592/14.2BESNT, disponível em http://www.dgsi.pt):

vi. Torna-se, pois, evidente que a douta Sentença recorrida julgou bem a questão de direito ao concluir que, por força do disposto no 81.°, n.°s 1 e 2 do CIRE, a declaração de insolvência privou, imediatamente, o Recorrido dos poderes de administração da sociedade devedora originária, razão pela qual a reversão por dívidas da sociedade “E. P. – C., S.A.” apenas poderia ocorrer, como muito bem sublinha a sentença recorrida, a coberto do disposto na alínea a), do n.° 1 do artigo 24.° da LGT e não a coberto do disposto na alínea b), da referida disposição legal, sendo que nenhuma prova foi produzida pela Administração Tributária relativamente aquela primeira disposição legal;

vii. Cumpre, aliás, referir que, perante estes mesmos factos e a mesma questão de direito, este douto Tribunal Central Administrativo Sul, no processo n.° 2666/14.5 BESNT, julgou totalmente improcedente o recurso interposto pela Fazenda Pública, sendo que nenhum motivo existe para que este douto Tribunal se afaste da conclusão alcançada naquele douto acórdão, disponível em http://www.dgsi.pt:

viii. Deverão, pois, ser julgadas totalmente improcedentes as alegações de recurso da Administração Tributária, confirmando-se a douta Sentença recorrida;

ix. No entanto, uma vez que, conforme referido, a sentença ao ter julgado procedente a oposição judicial deixou de conhecer de um dos fundamentos apresentados na petição inicial - ausência de culpa do Recorrido na falta de pagamento (art.° 24°, n.° 1, al. b) da LGT) - pretende, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 636°, n.° 1, do CPC, aplicado ex vi artigos 2°, alínea e) e 281° do CPPT e 2°, alínea d), da LGT, indicar, prevenindo a necessidade da sua apreciação nas contra-alegações, o fundamento invocado pelo Recorrido e que não foram objeto de apreciação em primeira instância, e que quer, agora, caso tal se venha a revelar necessário, e a título subsidiário, ver apreciados pelo Venerando Tribunal Central Administrativo Sul;

x. No que respeita ao fundamento da ausência de culpa do Recorrido na falta de pagamento (art. 24°, n.° 1, al. b), da LGT e como decorre dos factos dados como provados, mesmo que se considere legítimo o recurso ao artigo 24°, n.° 1, alínea b) da LGT, o que não só se perspectiva por mera cautela e sem conceder, é manifesto que o Recorrido não agiu com culpa;

xi. A presunção de culpa ínsita no artigo 24°, n.° 1, alínea b) da LGT funda-se no pensamento legislativo de que “atendendo a que o prazo legal de pagamento ou entrega do imposto findou no período de exercício do cargo ...em princípio, o gestor não podia desconhecer a existência a existência da dívida tributária e que, portanto, ao colocar a empresa em situação de insuficiência patrimonial está a causar um dano grave ao Estado Fiscal”;

xii. Tal presunção poderá, naturalmente, ser afastada pelo revertido se “demonstrar que a falta desse pagamento não lhe foi imputável, o que passa pela demonstração da falta de fundos da sociedade originária devedora para efectuar o pagamento e que tal falta se não deve a qualquer omissão ou comportamento censuráveis do gestor” (Acórdão do TCAN n.° 00228/07.2BEBRG de 29/10/2009). Ou seja, “se a dívida não for paga por terem faltado os meios financeiros e esta falta não tiver ficado a dever-se à conduta do gestor, claro que não ser lhe pode imputar o não pagamento”, porquanto falta a necessária conexão entre uma acção ou omissão ilícita e culposa do agente e o dano provocado à Fazenda Pública que caracteriza a responsabilidade civil extracontratual;

xiii. Ora, no caso concreto é mais do que evidente que a incapacidade de pagamento da dívida exequenda pela devedora originária não decorreu de um comportamento ilícito e culposo do Recorrido;

xiv. Em primeiro lugar, ficou demonstrado nos presentes autos que foi a própria Electrosound, de que o Recorrido era sócio e administrador único, a apresentar-se à insolvência em 02/08/2011 mercê das dificuldades financeiras que enfrentava e que resultaram, em larga medida, da sobejamente conhecida crise macroeconômica internacional. Não restam, pois, dúvidas de que não estamos perante uma insolvência culposa para a qual o Recorrido tenha contribuído (cfr. artigo 186° do CIRE);

xv. Em segundo lugar, como ficou demonstrado nos presentes autos, a insuficiência patrimonial da Electrosound para pagar a dívida exequenda nem sequer foi provada pela AT, pois no âmbito da insolvência esta não reclamou os seus créditos por qualquer um dos meios legalmente previstos;

xvi. Deverá, pois, concluir-se que não tendo sido demonstrado que a devedora originária era objetivamente incapaz de proceder ao pagamento, não se pode falar em culpa do administrador ou gerente na provocação da situação de insuficiência patrimonial da empresa;

xvii. Em terceiro lugar, pelas razões já enunciadas, no momento do vencimento das dívidas o Recorrido já não exercia a administração e gerência de facto da sociedade, razão pela qual o não pagamento não se prendeu com qualquer conduta ilícita e culposa da sua parte;

xviii. Logo, ainda que se considerasse - no que não se concede, em face do exposto - acertado o recurso à alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT ter-se-á sempre de concluir que a reversão não pode efetivar-se por manifesta ausência de culpa do revertido na falta de pagamento da dívida exequenda.
TERMOS EM QUE NÃO DEVE SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, EM CONSEQUÊNCIA DEVE A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA SER MANTIDA, DEVENDO SER PROFERIDO ACÓRDÃO QUE JULGUE TOTALMENTE IMPROCEDENTE O RECURSO INTERPOSTO.
MAIS SE REQUER A V.ªS EXCELÊNCIAS, A COBERTO DO DISPOSTO NO 665.º, N.º 2, DO CPC, APLICADO EX VI ARTIGO 2.º, ALÍNEA E) E ARTIGO 281.º, AMBOS DO CPPT E 2.º, ALÍNEA D), DA LGT, E PREVENINDO A NECESSIDADE DA SUA APRECIAÇÃO, E SE TAL SE MOSTRAR NECESSÁRIO, A AUSÊNCIA DE CULPA DO OPONENTE NA FALTA DE PAGAMENTO, FUNDAMENTO QUE NÃO FOI APRECIADO EM PRIMEIRA INSTÂNCIA.”
* *
O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
* *
Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, importa decidir se a sentença padece de erro de julgamento de facto e de direito, por ter julgado procedente a oposição à execução com fundamento na ilegitimidade do revertido.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

1) O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“A. Corre termos no Serviço de Finanças de Oeiras – 3 (Algés), em nome da sociedade anónima “E. P. – C., S.A.” (adiante, sociedade devedora originária ou SDO), o PEF n.º 3522201401062409, instaurado para cobrança coerciva de dívida proveniente de liquidação oficiosa de IVA, relativa ao exercício de 2011, no valor de € 4.824,88, com data limite de pagamento voluntário a 23.01.2014 (provado por documentos, a fls. 1 a 9 do PEF apenso);

B. O Oponente foi sócio e administrador único da SDO (facto não controvertido);

C. Por sentença proferida a 09.08.2011, no âmbito do processo n.º 1105/11.8TYLSB, que correu termos no 3.º Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa, foi declarada a insolvência da sociedade devedora originária e nomeado administrador da insolvência, J. C. (provado por documento, a fls. 25 dos autos);

D. Por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Oeiras – 3, datado de 16.06.2014, foi ordenada a reversão da execução referida em A. contra o Oponente, ao abrigo dos arts. 23.º, n.º 2 e 3 e 24.º, n.º 1, b) da LGT (provado por documento, a fls. 8 do PEF apenso);

E. Em 13.07.2014, o Oponente foi citado, por reversão, no âmbito do PEF referido na alínea A. supra, para pagamento da quantia total de € 4.921,63, com os seguintes fundamentos:
“1) Insuficiência de bens da devedora originária (artigos 23º/2 e 3 da LGT): decorrente de situação líquida negativa (SLN) declarada pela devedora originária na última declaração referente à Informação Empresarial Simplificada (IES) e/ou em face da insolvência declarada pelo Tribunal
2) Gerência de direito (artigo 24º/1/b da LGT), no terminus do prazo legal de pagamento ou entrega do imposto em questão, conforme cadastro da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT);
3) Gerência de facto, decorrente da remuneração da categoria A, auferida ao serviço da devedora originária no período em questão (direito constante nos artigos 255.º e/ou 399.ºdo Código das Sociedades Comerciais)”.
(provado por documento, a fls. 22 dos autos, conjugado com a informação oficial, a fls. 31 dos autos).

Factos Não Provados
Não há factos que importe registar como não provados.

Motivação da Decisão de Facto
A convicção do Tribunal quanto aos factos considerados provados resultou do exame dos documentos juntos aos autos, não impugnados, e da posição assumida pelas Partes nos respectivos articulados, conforme referido em cada uma das alíneas do probatório.”
**
A Recorrente formula o pedido de aditamento ao probatório, nos termos do art. 640º do CPC, de factualidade que considera relevante para a decisão da causa (cfr. conclusões II e III) nos seguintes termos:
II.Com efeito, da própria certidão permanente extrai-se que o Oponente era o administrador único da sociedade devedora originária antes e após o termo legal de pagamento da dívida ora em cobrança, só tendo renunciado em 20-08-2014, sendo que, da mesma forma, por perscrutação do § 2.º da p.i., é o próprio Oponente que assume, de forma exclusiva, o comando dos destinos da sociedade originária executada.
III. Tais factualidades merecem dignidade de constar dos factos assentes da Sentença recorrida, pois que reputam relevantes para a decisão da causa e devem ser aditadas ao probatório, nos termos do disposto no artigo 640.º do CPC, ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT.”.

Vejamos então.

Nos termos do art. 640º do CPC, aplicável ex vi do art. 281º do CPPT, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto caracteriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de discordância com tal decisão.

Na verdade, o art. 640º do CPC, sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, consagra que:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos nºs 1 e 2 aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.° 2 do artigo 636°."

Na verdade não basta invocar que determinados factos deveriam ter sido dado como provados para que possamos julgar minimamente cumpridos os ónus previstos no artigo 640.º do Código de Processo Civil, que exige não apenas a indicação dos factos alegadamente mal apurados (como provados, não provados ou impertinentes) mas, também no mínimo, o sentido ou redacção com que deviam constar no probatório.

No caso em apreço pretende a Recorrente o aditamento ao probatório de que o Oponente era o administrador único da sociedade devedora originária antes e após o termo legal de pagamento da dívida, só tendo renunciado a 20/08/2014 e que o oponente assume de forma exclusiva os destinos da sociedade originária executada.

Ora resulta da alínea B) do probatório de que “O Oponente foi sócio e administrador único da SDO” - facto não controvertido - e por outro lado cumpre salientar que dos autos não consta qualquer prova documental que permita aditar ao probatório os factos pretendidos, razão pela qual vai indeferido o pedido formulado pela Recorrente quanto à impugnação da matéria de facto.

IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Nos presentes autos foi proferida sentença no sentido da procedência da oposição à execução fiscal por ilegitimidade do oponente, ora Recorrido, com o seguinte discurso fundamentador:
(…) Neste caso, como resulta dos factos provados, em 09.08.2011, foi proferida sentença de declaração de insolvência da sociedade devedora originária, no âmbito do processo n.º 1105/11.8TYLSB, que correu termos do 3.º Juízo do Comércio de Lisboa, tendo sido nomeado Administrador da Insolvência, J. C. (cfr. alínea C. dos factos provados).
Resulta também da factualidade assente que a dívida exequenda se reporta a uma liquidação oficiosa de IVA, referente ao exercício de 2011, cujo prazo limite de pagamento voluntário terminou a 23.01.2014 (cfr. alínea A. da factualidade assente), pelo que, na data de vencimento da obrigação, a SDO já tinha sido declarada insolvente.
Ora, a declaração de insolvência priva imediatamente a insolvente dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência, sendo que o administrador da insolvência assume a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência (cfr. nºs. 1 e 4 do artigo 81.º do CIRE).
De acordo com o n.º 1 do artigo 55.º do CIRE, compete ao administrador de insolvência, nomeadamente:
“a) Preparar o pagamento das dívidas do insolvente à custa das quantias em dinheiro existentes na massa insolvente, designadamente das que constituem produto da alienação, que lhe incumbe promover, dos bens que a integram;
b) Prover, no entretanto, à conservação e frutificação dos direitos do insolvente e à continuação da exploração da empresa, se for o caso, evitando quanto possível o agravamento da sua situação económica.”
Ou seja: na data limite de pagamento voluntário da dívida em causa nos autos, o Oponente já não tinha poderes de administração e disposição do património da sociedade devedora originária.
Com efeito, a partir da declaração de insolvência, o administrador de insolvência torna-se o seu administrador de facto, assumindo a gestão da massa insolvente e representando o devedor em todos os assuntos com caráter patrimonial que importem à insolvência, designadamente a cobrança dos créditos sobre terceiros.
Deste modo, a dívida exequenda podia ser objecto de reversão contra o Oponente, mas à luz do regime de responsabilidade que decorre da alínea a) do n.º 1 do art. 24.º da LGT e, não, como advoga a AT e resulta da citação emitida, o regime previsto na alínea b) da mesma norma legal. De acordo com o regime de responsabilidade consagrado na alínea a) deste preceito legal, como se deixou anteriormente exposto, cabia à Administração Tributária, nos termos previstos no art. 74.º, n.º 1 da LGT e, em geral, do n.º 1 do art. 342.º do Código Civil, alegar – e demonstrar – que foi por culpa do Oponente que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação das dívidas em causa.
Neste caso concreto, porém, essa prova não foi feita, uma vez que a decisão de reversão assenta, erroneamente, no pressuposto de que o regime de responsabilidade é o que decorre da alínea b) da aludida norma legal, não tendo, por isso, alegado factos que demonstrassem que o Oponente, com a sua actuação ou omissão, causou a situação de insuficiência do património da sociedade para satisfação dos créditos tributários em questão (…)” tendo concluído que “Neste caso concreto, não resultando dos autos qualquer elemento que permita sustentar um juízo de censura sobre a actuação do Oponente, à luz do regime previsto na alínea a) do n.º 1 do art. 24.º da LGT, não é possível acolher a pretensão da Administração Tributária no sentido de considerar verificados os pressupostos legais da responsabilidade subsidiária, pelo que se julga verificada a previsão da alínea b) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, sendo o mesmo parte ilegítima na execução.”.

Atento o objecto do presente recurso jurisdicional o inconformismo da Fazenda Pública com o julgado centra-se na interpretação que o tribunal a quo fez dos factos apurados, a qual, e seu entender, determinou o erro de julgamento de direito traduzido no sentido da decisão recorrida.

Defende a Recorrente que a coexistência dos dois administradores (o da sociedade e o administrador da massa falida) não é ilegal. Mais alega que não corresponde à verdade que o oponente se encontrava impedido juridicamente de exercer a administração da sociedade devedora originária por força da nomeação do administrador da massa insolvente, precisamente porque a administração da sociedade ainda que insolvente e a sua massa não se confundem e, nesta conformidade, impunha-se ao tribunal a quo, perante a causa de pedir esgrimida, o comportamento processual do oponente e a prova produzida pela Fazenda Pública, que não logrou ser contrariada pelo oponente, convencer-se que este foi seu administrador de facto e que, como tal, a reversão operada pelo órgão de execução fiscal recaiu sobre pessoa responsável pelo pagamento da dívida. E comprovado que o oponente exerceu a administração da sociedade no prazo legal de pagamento voluntário da dívida ora em cobrança, era sob a égide da disciplina legal prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT que importava fundamentar a presente reversão, pois que foi este o regime jurídico no qual o órgão de execução fiscal fundamentou a reversão, cfr. alínea H) do probatório fixado na sentença recorrida.

Apreciando.

Resultou do probatório que a sociedade devedora originária foi declarada insolvente em 09/08/2011 e nomeado um administrador de insolvência (cfr. alínea C do probatório). Mais resultou provada a instauração do processo de execução fiscal por dívida de IVA do exercício de 2011, cuja data limite de pagamento ocorreu em 23/01/2014 (cfr. alínea D) do probatório).


Resultou ainda provado que os fundamentos da reversão contra o ora Recorrido são os seguintes “1) Insuficiência de bens da devedora originária (artigos 23º/2 e 3 da LGT): decorrente de situação líquida negativa (SLN) declarada pela devedora originária na última declaração referente à Informação Empresarial Simplificada (IES) e/ou em face da insolvência declarada pelo Tribunal
2) Gerência de direito (artigo 24º/1/b da LGT), no terminus do prazo legal de pagamento ou entrega do imposto em questão, conforme cadastro da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT);
3) Gerência de facto, decorrente da remuneração da categoria A, auferida ao serviço da devedora originária no período em questão (direito constante nos artigos 255.º e/ou 399.º do Código das Sociedades Comerciais)”. (cfr. alínea E) do probatório).

Dispõe o nº 1 do art. 24º da LGT o seguinte:

1 – Os administradores, diretores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”.

Decorre desta disposição legal que um dos requisitos da responsabilidade subsidiária dos membros de corpos sociais é o exercício de facto de funções de administração ou gerência.

Cabe sempre à administração tributária a prova do exercício da gerência por parte do oponente na sociedade devedora originária, independentemente da alínea do n.º1 do artigo 24.º da LGT, ao abrigo da qual se tenha concretizado a reversão.

No caso concreto, estamos perante uma dívida tributária do ano de 2011 cuja data limite de pagamento voluntário ocorreu a 23/01/2014, data posterior à declaração de insolvência que ocorreu com a prolação de sentença e nomeação do administrador de insolvência em 09/08/2011.

Ora importa aferir se na data limite do pagamento o Recorrido dispunha do poder de decisão sobre o pagamento do imposto ou se os poderes de gestão e direcção da sociedade insolvente já não se encontravam na sua esfera jurídica.

Para o efeito destacamos o disposto no art. 81.º, nº 1 do CIRE ao consagrar que “Sem prejuízo do disposto no título X [Administração pelo devedor], a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência”, e o seu n.º 4 determina que “O administrador da insolvência assume a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência”.

Desta disposição legal resulta que, a partir do momento em que é declarada a insolvência de uma sociedade, cessam os poderes de gestão e administração dos gerentes e administradores, os quais passam a competir ao administrador de insolvência (cfr. entre outros o Acórdão do TCA Sul de 27/09/2018 – proc. 1592/14.2BESNT).

O sistema jurídico-tributário integra um regime especial que legitima a instauração de execuções fiscais contra uma sociedade devedora mesmo após a sua declaração de insolvência e o seu prosseguimento contra os gerentes e/ou administradores através do instituto da reversão (artigos 180.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 23.º e 24.º da Lei Geral Tributária).

Se o prosseguimento da execução fiscal contra o revertido tem por objectivo o pagamento coercivo de créditos vencidos após aquela declaração de insolvência e num período de tempo em que o revertido já não detinha poderes de disposição nem de administração – por esses poderes estarem, na data de vencimento do crédito, cometidos ao administrador da insolvência por força da transferência preceituada no artigo 81.º do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas – é sobre a Fazenda Pública que recai o ónus de alegar e provar que a insuficiência de bens no património da devedora susceptíveis de garantir aquele pagamento é culposamente imputável ao revertido (artigo 24.º, n.º 1, al a) da Lei Geral Tributária). (cfr. Acórdão de 14/02/2019 – proc. 3677/15.9BESNT).

Destaca-se ainda o entendimento vertido no Acórdão do TCA Sul de 17/09/2020 no proc. 2666/14.5BESNT no sentido que: “Além disso, a privação dos poderes de administração e disposição dos bens do devedor é um efeito necessário da declaração de insolvência porquanto se produz em todos os casos e por mero efeito da declaração de insolvência.

Nas palavras de LUÍS MANUEL TELES DE MENEZES LEITÃO « [e]sta solução [a do art. 81º, nº 1] compreende-se, dado que a declaração de insolvência faz pressupor uma certa desconfiança na capacidade de administração do devedor, dado que aí pode ter residido a causa da sua situação de insolvência». (Direito da Insolvência, 7ª ed., p. 167)

Nesta ordem de ideias, bem pode afirmar-se que terminando o prazo legal as dívidas exequendas em data posterior à declaração de insolvência, só poderia levar a concluir que se estava perante o regime previsto na alínea a) do artigo 24.º da LGT, e não perante a alínea b).

Nessa medida, compete à Administração Tributária provar que foi por culpa do Oponente que o património da devedora originária se tornou insuficiente para satisfação da dívida em cobrança coerciva.

Veja-se, a propósito da matéria nos ocupa aqui, entre outros o Acórdão deste Tribunal Central Administrativo de 14.02.2019, proferido no processo 3677/15.9BESNT:

«I - O sistema jurídico-tributário integra um regime especial que legitima a instauração de execuções fiscais contra uma sociedade devedora mesmo após a sua declaração de insolvência e o seu prosseguimento contra os gerentes e/ou administradores através do instituto da reversão (artigos 180.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 23.º e 24.º da Lei Geral Tributária).

II - Se o prosseguimento da execução fiscal contra o revertido tem por objectivo o pagamento coercivo de créditos vencidos após aquela declaração de insolvência e num período de tempo em que o revertido já não detinha poderes de disposição nem de administração – por esses poderes estarem, na data de vencimento do crédito, cometidos ao administrador da insolvência por força da transferência preceituada no artigo 81.º do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas – é sobre a Fazenda Pública que recai o ónus de alegar e provar que a insuficiência de bens no património da devedora susceptíveis de garantir aquele pagamento é culposamente imputável ao revertido (artigo 24.º, n.º 1, al a) da Lei Geral Tributária).» (disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

No contexto em que nos situamos, considerando que a Administração Tributária não logrou fazer essa prova, como se explica na sentença recorrida: « (…) não tendo, (…) sido alegados factos que demonstrassem que o Oponente, com a sua actuação ou omissão, causou a situação de insuficiência do património da sociedade para satisfação dos créditos tributários em questão. A prova produzida revelou, pelo contrário, que o Oponente era particularmente cauteloso quanto ao cumprimento das dívidas fiscais.» conclui-se que fez correcta e adequada interpretação e aplicação quer dos factos assentes, quer das disposições legais a eles respeitantes. O que se compreende, atendendo a que a alegação e demonstração da culpa do oponente um ónus da Fazenda Pública, tal como acima já deixamos dito - contra si deve ser valorada a ausência dessa prova.

E assim sendo, só se pode manter a sentença recorrida que julgou verificado o fundamento de oposição previsto no artigo 204º, nº1, alínea b) do CPPT”.

Do quadro fáctico-jurídico acima exposto resulta que o oponente, ora Recorrido, com a declaração de insolvência da sociedade e a nomeação do administrador de insolvência, deixou de ter poderes de disposição e de administração da sociedade pelo que, na data limite de pagamento do imposto, esses poderes estavam atribuídos ao administrador da insolvência por força da transferência consagrada no artigo 81.º do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas, sendo que é sobre a Fazenda Pública que recai o ónus de alegar e provar que a insuficiência de bens no património da devedora susceptíveis de garantir aquele pagamento é culposamente imputável ao revertido (artigo 24.º, n.º 1, al a) da Lei Geral Tributária).

Reitera-se que a reversão deveria ter sido efectuada ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1 art. 24º da LGT pelo que compete à Administração Tributária provar que foi por culpa do Oponente que o património da devedora originária se tornou insuficiente para satisfação da dívida em cobrança coerciva, e não tendo sido feita essa prova, deve o oponente ser considerado parte ilegítima na execução fiscal nos termos da alínea b) do nº 1 do art. 204º do CPPT, tal como foi decidido pelo tribunal a quo.

Destarte se conclui que, a sentença recorrida não merece qualquer censura, sendo de negar provimento ao recurso.


* *
V- DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente
Lisboa, 7 de Dezembro de 2021
Luisa Soares
Vital Lopes
Susana Barreto