Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2028/21.8 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:04/28/2022
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:FIANÇA.
IDONEIDADE DA GARANTIA.
Sumário:A recusa da fiança assente num juízo de falta de idoneidade da mesma num quadro de incerteza gerado por elementos contraditórios pressupõe diligências instrutórias de apuramento da situação líquida patrimonial do fiador.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acórdão
I- Relatório
“O ………………..- Restauração, Lda.”, deduziu reclamação, ao abrigo do preceituado nos artigos 276º e ss. do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), contra o despacho da Directora de Finanças Adjunta, da Direcção de Finanças de Lisboa, datado de 16.08.2021, nos termos do qual foi indeferido o pedido de prestação de garantia (fiança a prestar por O …………) apresentada para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal n.º …………….., instaurado pelo Serviço de Finanças de Lisboa -10 para cobrança coerciva da quantia global de €253.255,12, referente a liquidações adicionais de IVA, dos períodos de 2013, 2014 e 2015, juros de mora e acrescidos.
O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença proferida a fls. 331 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), datada de 20 de Janeiro de 2022, julgou procedente a reclamação e anulou o acto reclamado. Desta sentença foi interposto o recurso em cujas alegações de fls. 364 e ss. (numeração do processo em formato digital - sitaf), a recorrente, Fazenda Pública, alegou e formulou as conclusões seguintes:
«(…) // II - Quanto ao erro de julgamento sobre a matéria de fato, entende esta RFP que deveria ter sido levado ao probatório o fato de o órgão decisor da AT ter solicitado ao Serviço de finanças competente informação referente ao património imobiliário do fiador/garante, no sentido de aquilatar de um valor patrimonial para os imóveis superior ao vigente.
III - Esta diligência demonstra que a AT procurou aquilatar da eventualidade de ser possível considerar outro e mais elevado valor patrimonial para os imóveis propriedade do fiador, porém, tal mostrou-se inviável face à informação do perito avaliador de acordo com a qual, uma nova avaliação, de acordo com as regras do CIMI, implicaria um VPT inferior, tendo presente o acréscimo de idade dos imóveis em relação à avaliação vigente.
IV - Se bem interpretamos a Sentença sob recurso, o Douto Tribunal a quo consignou como vícios imputáveis ao despacho sob escrutínio o fato de por este ter sido considerado o valor patrimonial tributário dos imóveis propriedade do fiador e não o seu valor de mercado, para efeitos de avaliação do património do fiador.
V - Considerou neste tocante a douta Sentença a quo que, da conjugação do artigo n.º 3 do artigo 199.º-A do CPPT, com o artigo 52.º da LGT, 169.º, nº 1 e 250.º, n.º 2, ambos do CPPT e artigo 13.º do CIMI, nenhum impedimento legal obsta a que na avaliação do património do garante/fiador se atenda ao valor de mercado dos bens imóveis.
VI- E para efeitos de anulação do despacho sindicado, fundou-se ainda a douta Sentença a quo na violação dos princípios da proporcionalidade e da adequação, posto que na avaliação dos bens do fiador dever-se-ia ter atendido ao valor atual dos encargos e ónus assumidos por aquele [e do qual o seu património pessoal é garante] e não ao valor pelos quais esses encargos e ónus foram assumidos ab initio, o mesmo tendo acontecido com as obrigações extrapatrimoniais assumidas pelo fiador.
VII - Dissentindo do sentido decisório e respetivos fundamentos, como tal expostos na douta Sentença a quo, diremos que o despacho reclamado não é ilegal por ter atendido ao valor patrimonial tributário dos imóveis em vez de ter considerado um valor de mercado a apurar, dado que, com a entrada em vigor do art.º 199°-A do CPPT [aditado pela Lei n° 7-A/2016, de 30/3 (OE para 2016)] da margem de discricionariedade que, jurisprudencialmente, é reconhecida ao órgão responsável pela apreciação da idoneidade da garantia, ficou arredada a definição do critério de valorização dos imóveis oferecidos em garantia, pelo que, do ponto de vista da atuação administrativa, não procede a alegação da violação dos invocados princípios da adequação e da proporcionalidade,
VIII - Dispõe o nº 1 do art.º 199.º-A do CPPT que: “Na avaliação da garantia, com exceção de garantia bancária, caução e seguro-caução, deve atender-se ao valor dos bens ou do património do garante apurado nos termos dos artigos 13.º a 17.º do Código do Imposto do Selo, com as necessárias adaptações, deduzido dos seguintes montantes: a) Garantias concedidas e outras obrigações extrapatrimoniais assumidas; b) Partes de capital do executado que sejam detidas, direta ou indiretamente, pelo garante; c) Passivos contingentes; d) Quaisquer créditos do garante sobre o executado.” (negrito e sublinhado nossos).
IX - Resulta assim que o disposto no nº 1 do art.º 199.º-A do CPPT remete para os art.ºs 13.º a 17.º do CIS, para efeitos de avaliação de garantia, sendo que o art.º 13.º do CIS consagra que o valor a atribuir aos imóveis é o valor patrimonial tributário.
X - O legislador foi assim expresso em considerar como critério de avaliação, o valor patrimonial dos imóveis e não outro, pelo que se estabelece uma clara distinção entre avaliação de imóvel para efeitos de prestação de garantia em vista à suspensão da execução e a avaliação para efeitos de venda, como vem definido no art.º 250º do CPPT.
XI - Se o legislador quisesse que no âmbito da avaliação da garantia para efeitos de suspensão da execução fosse aplicado o disposto no art.º 250º do CPPT, teria, por certo, feito menção a esta norma e não teria, ao invés, remetido para o disposto no art.º 13º do CIS, no que à aferição do valor dos imóveis diz respeito.
XII - Quando a douta Sentença a quo afasta no caso concreto, a aplicação do disposto no art.º 13º do CIS, por entender ser de aplicar ao valor dos bens imóveis a metodologia do “valor de mercado” prevista no art.º 250º, nº 2 do CPPT, impõe uma interpretação do disposto no nº 1 do art.º 199.º-A do CPPT que não tem qualquer arrimo na letra desta norma.
XIII - Se a citada norma diz que o valor dos bens se apura nos termos das disposições do CIS, temos aqui um elemento literal (ou as palavras em que a lei se expressa) que exclui qualquer outra interpretação que não seja a de que a avaliação dos bens imóveis terá de seguir as metodologias previstas no art.º 13º e segs. do CIS.
XIV - O nº 1 do art.º 199º A do CPPT não constitui norma obscura ou que careça de particular esforço interpretativo, posto que o sentido da norma é claro e traduz uma opção bem definida pelo legislador: os bens avaliam-se de acordo com as normas do CIS e se estes forem imóveis, os respetivos critérios radicam-se no seu art.º 13º.
XV - Nem se diga que se verificou uma violação dos princípios da adequação e da proporcionalidade na consideração do valor patrimonial tributário, na estrita observância do disposto no nº 1 do art.º 199º A do CPPT, posto que o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 285/2020, tirado no processo nº 526/2018, afastou esta norma de qualquer juízo de inconstitucionalidade por violação do princípio constitucional da proporcionalidade.
XVI - E sendo o sentido normativo em causa tão claro, como ante se expressou, também nenhum dever recaia sobre o órgão decisor de providenciar por uma avaliação “ad hoc” dos imóveis, tendo por base critérios de valor de mercado, como também aventou a douta Sentença a quo.
XVII - Contra o doutamente decidido, entende-se que a AT não violou o princípio da proporcionalidade ou da adequação na avaliação da capacidade do garante em afiançar, por assumir como valor dos encargos e ónus patrimoniais e extrapatrimoniais, o seu valor inicial e não um seu e eventual valor atual.
XVIII - Consistindo a aferição da idoneidade da fiança numa avaliação do património do fiador, tendo por base o critério do património líquido, em cumprimento do artigo 199.º-A do CPPT (património desonerado), deverá ser tido em consideração o valor dos ónus ou encargos que já incidem sobre o património do devedor, sob pena de não conseguir obter o pagamento do seu crédito, atento o valor dos créditos já garantidos por hipotecas e/ou penhoras com registo anterior.
XIX - Ora, no caso concreto, o órgão decisor procedeu à dedução dos ónus e encargos sobre o valor dos imóveis, tal como constavam da respetiva certidão do registo predial, sendo que o registo predial visa garantir a segurança do comércio jurídico imobiliário e a confiança nas relações jurídicas que respeitam aos negócios jurídicos.
XX - Destarte, se, porventura, o valor do ónus e encargos que constam do registo predial relativamente aos imóveis propriedade do garante/fiador estão desatualizados, só a este cabia providenciar pela respetiva atualização, posto que por razões de segurança e certeza no comércio jurídico, a AT não poderia tomar como válidos outros valores quanto a ónus e encargos sobre imóveis que não os que constavam do respetivo registo predial.
XXI Por todo o exposto, resta concluir no sentido de que a metodologia para avaliação da suficiência do património do garante/fiador prevista no artigo 13° do CIS coadjuvado pelas regras preceituadas pelo artigo 199º A do CPPT, mostra-se acertada e proporcional, tanto mais que o fim em vista resulta na salvaguarda do interesse público na cobrança do crédito tributário.
XXII - Donde se conclui que o critério utilizado pela AT é objetivo e adequado à finalidade que se propõe, ou seja, de averiguar da suscetibilidade do património do fiador para responder pela dívida exequenda e acrescido.
XXIII Nestes termos, sempre com a ressalva da devida vénia, a Sentença ora recorrida, ao decidir como efetivamente o fez, estribou o seu entendimento numa inadequada valoração da matéria de facto e de direito relevante para a boa decisão da causa, tendo violado o disposto nos artigos 169.º, 199.º; 199º A e 250.º CPPT e o art.º 13.º CIS, motivo pelo qual não se pode manter na ordem jurídica.
X
A sociedade recorrida apresenta contra-alegações, conforme requerimento de fls. 387 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), expendendo, a final, o seguinte quadro conclusivo:
«A) (…) // B) Na sentença recorrida o Tribunal a quo, defendeu que ao (i) não atender ao valor de mercado dos imóveis que integravam o património do fiador e ao (ii) considerar o valor das responsabilidades patrimoniais e extrapatrimoniais pelo seu valor inicial e não pelo seu valor atual, «(...) a Autoridade Tributária desconsiderou a realidade atual do património do fiador e a sua capacidade para garantir não só a prestação da garantia sob a forma de fiança, como também o pagamento da divida exequenda, sendo que o valor da garantia a prestar superior ao valor cm divida pela devedora originária [como resulta do probatório].(...) a metodologia adotada pela Autoridade Tributária não assentou num critério proporcional ao fim visado, qual seja, por um lado, a suspensão do processo de execução fiscal evitando penhoras sobre a sociedade e permitindo o seu funcionamento e, por outro lado, a garantia da satisfação do crédito exequendo. Concluindo, o critério utilizado não foi o proporcional e adequado, não servindo o propósito de avaliar devidamente o património da garante, não logrando a Autoridade Tributária demonstrar a inidoneidade da fiança apresentada pela Reclamante, incorrendo em erro sobre os pressupostos de facto» (cf. pp. 27 e 28 da Sentença recorrida).
C) Por seu turno, a Fazenda Pública alegou, em suma, que a Administração Tributária não podia (i) atender ao valor de mercado dos imóveis que integravam o património do fiador, nem e ao valor atual das suas responsabilidades patrimoniais e extrapatrimoniais, na medida em que tal não se coadunava com os dispositivos legais subjacentes aos critérios de avaliação da idoneidade de garantias, pelo que «a Sentença ora recorrida, ao decidir como efectivamente o fez, estribou o seu entendimento numa inadequada valoração da matéria de facto c de direito relevante para a boa decisão da causa, tendo violado o disposto nos artigos 169°, 199° e 250° CPPT e 13° CIS».
D) Na opinião da Fazenda Pública, Tribunal a quo cometeu um erro quanto à matéria de facto porque «deveria ter sido levado ao probatório o fato de o órgão decisor da AT ter solicitado ao Serviço de Lisboa 7, informação referente a alguma alteração ao VPT do património do mesmo tendo o respetivo Serviço de Finanças prestado o seguinte esclarecimento: "Relativamente ao património imobiliário de O …………. - NIF ………, para efeitos de prestação de garantia, foi solicitada a colaboração do perito avaliador, tendo-se optado por não proceder à avaliação dos imóveis em apreço, uma vez que, a avaliação nos termos do artigo 38. ° do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis - IMI, tendo em atenção os coeficientes a aplicar, iria baixar o VPT dos imóveis», posto que do mesmo resulta a demonstração de que «a AT procurou aquilatar da eventualidade de ser possível considerar outro e mais elevado valor patrimonial para os imóveis, porém tal mostrou-se inviável face à informação do perito avaliador de acordo com a qual, uma nova avaliação daqueles, de acordo com as regras do CIMI, implicaria um VPT inferior» (cf. artigos 16.° e 17.° das alegações de recurso).
E) Todavia, contrariamente ao que é afirmado nas Alegações de Recurso, a informação prestada pelo Serviço de Finanças de Lisboa - 7 é, única e exclusivamente, no sentido de que «a avaliação nos termos do artigo 38° do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis - IMI, tendo em atenção os coeficientes a aplicar, iria baixar o VPT dos imóveis».
F) Ora, pese embora, as regras de determinação do valor patrimonial tributário de prédios urbanos (previstas nos artigos 38.° e seguintes do Código do IMI) tenham um cariz marcadamente objetivo, exigido por razões de segurança e estabilidade, o próprio legislador já estabeleceu mecanismos para alcançar «avaliações prediais mais consentâneas com a proximidade dos valores de mercado dos imóveis e sem criação de injustiças e de erros gritantes generalizados que pusessem em crise o novo sistema de avaliações (...)» (cf. VASCO VALDEZ, Tributação do Património e do Selo 2019, Centro de Estudos Judiciários, fevereiro de 2020, p. 15).
G) Por outras palavras, «[p]rivilegia-se a simplicidade e a certeza jurídicas, mas pode constituir entorse a uma maior justiça fiscal. (...) talvez por isto mesmo, uma alteração entrada em vigor a partir de 1.1.2009, com o Orçamento de Estado para 2009, veio dar uma nova redacção ao artigo 76.° do CIMI, em termos de permitir requerer uma segunda avaliação de prédios urbanos sempre que as partes (contribuinte, câmara ou o chefe de finanças) entendam que o valor da primeira avaliação excede (ou fica aquém) em mais de 15% do valor de mercado do bem imóvel» (cf. VASCO VALDEZ, Tributação do Património e do Selo 2019, Centro de Estudos Judiciários, fevereiro 2020, p. 19) [destaque da RECORRIDA].
H) Com efeito, o legislador estabeleceu a possibilidade de, tanto o sujeito passivo, como a câmara municipal ou até mesmo o chefe de finanças, solicitarem a realização de uma nova avaliação de um prédio urbano, em situações em que «o valor patrimonial tributário, determinado nos termos do artigo 38.° e seguintes, se apresente distorcido relativamente ao valor de mercado [considerando-se como tal quando, de entre outras circunstâncias, é inferior em mais de 15% do valor normal de mercado]».
I) Nestas circunstâncias, esta nova avaliação não seguirá os critérios de avaliação constantes dos artigos 38° e seguintes do Código do IMI nas, sim, «as regras constantes do n°2 do artigo 46° [o método do custo adicionado do valor do terreno]» (cf. artigo 76.°, n.os 3 e 5, do Código do IMI).
J) Do exposto resulta, assim, que o próprio legislador reconheceu e previu, expressamente, que, verificada a manifesta desatualização do valor patrimonial tributário atribuído a um imóvel relativamente ao respetivo valor de mercado, pode ser feita uma nova avaliação ao imóvel com recurso a critérios diferentes dos que se encontram estabelecidos no «artigo 38.° do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis», os quais permitem aproximar o valor apurado do respetivo valor de mercado.
K) Posto isto, parece evidente que a circunstância de o mencionado Serviço de Finanças de Lisboa - 7 ter indicado ao órgão de execução fiscal de que «opta[ara] por não proceder à avaliação dos imóveis em apreço, uma -vez que, a avaliação nos termos do artigo 38º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis - IMI, tendo em atenção os coeficientes a aplicar, iria baixar o VPT dos imóveis» não podia justificar a inação do órgão de execução.
L) De resto, a elevada valorização dos imóveis sitos em Lisboa constitui um facto público e notório, amplamente divulgado pelas mediadoras imobiliárias, bem como pelos meios de comunicação e até pelos índices oficiais, pelo que não é verosímil admitir tal suposta baixa do VPT.
M) Do exposto resulta que esta diligência manifestamente não se adequa a uma procura séria no sentido de «aquilatar da eventualidade de ser possível considerar outro e mais elevado valor patrimonial para os imóveis».
N) Para além disso, cumpre registar que ficou demonstrado nos Autos que, aquando do pedido de prestação da mencionada garantia, sob a forma de fiança pessoal prestada pelo seu gerente (em 18 de junho de 2021), a RECORRIDA remeteu à Administração tributária um relatório de avaliação dos imóveis do fiador, que fora elaborado, em 16 de junho de 2021, por um perito independente acreditado pela CMVM sob o registo n° PAI/2016/0142, de acordo com o método comparativo de mercado.
O) Nesse relatório de avaliação, o valor de mercado dos indicados imóveis foi apurado da seguinte forma:
« Texto no original»

P) Verifica-se, assim, que a RECORRIDA demonstrou uma inegável e injustificada diferença entre os valores patrimoniais tributários atribuídos aos indicados imóveis, apurados de acordo com os critérios puramente objetivos previstos nos artigos 38.° e seguintes do Código do IMI (fixados no montante global de € 816.333,26) e aqueles que eram os respetivos valores de mercado (fixados no montante global de € 1.950.000,00), comprovando-se, assim, a excessiva subavaliação patrimonial tributária desses imóveis em cerca de 42%.
Q) Por tudo o exposto, é evidente que não assiste qualquer razão à Fazenda Pública.
R) E não se diga que que «do disposto no art°199°-A do CPPT resulta que o mesmo remete para os art.°s 13° a 17° do CIS, para efeitos de avaliação de garantia, sendo que o art.°13º do CIS consagra que o valor a atribuir aos imóveis é o valor patrimonial tributário» e, bem assim que «[o] despacho reclamado não é ilegal por ter atendido ao valor patrimonial tributário do imóvel em vez de a um valor de mercado a apurar, dado que, com a entrada em vigor do art. 199°-A do CPPT (aditado pela Lei n° 7-A/2016, de 30/3 (OE para 2016)] da margem de discricionariedade que, jurisprudencialmente, é reconhecida ao órgão responsável pela apreciação da idoneidade da garantia, ficou arredada a definição do critério de valorização dos imóveis oferecidos em garantia, pelo que, do ponto de vista da atuação administrativa, não procede a alegação da violação dos princípios, designadamente, dos da cooperação, justiça e proporcionalidade, invocados na douta Sentença a quo».
S) Com efeito, como a Fazenda Pública não pode desconhecer, a questão da apreciação da idoneidade de garantias foi já apreciada pelo Supremo Tribunal Administrativo, que tem vindo a concluir que a idoneidade de uma garantia se deve aferir «pela susceptibilidade de assegurar o pagamento da dívida exequenda e do acrescido, caso seja necessário executar a garantia (cfr. arts. 169°, 199° e 217°, do CPPT, e art. 52°, daLGT). A garantia será idónea se se afigurar adequada para o fim em vista, ou seja, assegurar o pagamento da dívida exequenda e demais acréscimos» e, neste sentido, «a avaliação efectuada pela AT, com recurso a uma fórmula retirada de norma tributária com vista à avaliação do valor do capital social, que prossegue a determinação da matéria tributável em ordem à tributação em IS, não se revela adequada para a avaliação do património social da sociedade fiadora em ordem a aferir da idoneidade da garantia» (cfr., entre outros, os Acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal Administrativo, em 27/9/2017, no processo n° 0965/17, em 1/6/2016, no processo n.° 0598/16 e em 11/5/2016, no processo número 0531/16).
T) Foi mais longe o Supremo Tribunal Administrativo ao indicar, expressamente, que «[e]mbora o art. 199° do CPPT, não remeta expressamente para o art° 250° do CPPT no que concerne à forma de determinar o valor dos bens oferecidos como garantia é lícito que se recorra a este preceito legal para a determinação também de tal valor, pois que, a final, será esse o valor de referência se a execução houver que prosseguir pela venda executiva dos bens penhorados oferecidos em garantia» e, bem assim, que «[a] lei não impõe uma prévia avaliação ad-hoc dos imóveis para determinar a idoneidade ou a suficiência da garantia oferecida que sobre eles se constitua, embora - por razões de justiça e proporcionalidade - tal avaliação possa e deva ser realizada quando circunstâncias especiais o justifiquem, cabendo ao recorrente trazer ao conhecimento da Administração as circunstâncias especiais que, a verificarem-se, justifiquem eventualmente que a garantia constituída sobre imóveis deva atender a valor diverso do valor patrimonial tributário destes» (cf. Acórdão proferido em 13 de julho de 2016, no processo n.°563/16) [sublinhado da RECORRIDA].
U) Vertendo o ora exposto para a presente situação, importa reiterar que, aquando do pedido de prestação da mencionada garantia, a RECORRIDA remeteu à Administração tributária um relatório de avaliação dos imóveis do fiador, no qual se quantificou os respetivos valores de mercado no montante global de € 1.950.000,00 (e, portanto, sobrevalorizados em cerca de 42% comparativamente ao respetivo valor patrimonial tributário), demonstrando, assim, a existência de uma inegável e injustificada diferença entre os valores patrimoniais tributários e os valores de mercado dos imóveis que integram o património do fiador que a Administração tributária não podia ignorar.
V) Ora, a Administração tributária nunca questionou o resultado dessa avaliação dos imóveis promovida pelo fiador, nem apresentou prova contrária no sentido de que tais valores de mercado não correspondiam à realidade.
W) Neste sentido e embora a lei não imponha que, antes de uma avaliação da idoneidade de uma garantia oferecida, seja realizada uma prévia avaliação ad hoc, esta pode - rectius, deve - ser realizada, por razões de justiça e de proporcionalidade, quando determinadas circunstâncias o justifiquem, cabendo ao interessado (na presente situação, à RECORRIDA) trazer ao conhecimento da Administração tributária essas mesmas circunstâncias que justificam que a avaliação da garantia constituída sobre imóveis deve atender a um valor diverso do valor patrimonial tributário (o que a RECORRIDA fez) [neste sentido, vide, entre outros, o Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, em 3 de dezembro de 2020, no processo n°1061/20.1BELRS],
X) Assim, decidiu bem o Tribunal a quo ao concluir que «[podendo] a Autoridade Tributária não considerou a avaliação patrimonial junta pela Reclamante [(...) nem] exigiu uma outra que correspondesse aos critérios legais que entendesse erigir, nem lançou mão de uma avaliação ad hoc, por exemplo, nos termos do artigo 250.° do CPPT para aferir do valor de mercado do bem. (...) Sendo que, a Reclamante apresentou uma avaliação do património do garante/fiador no valor de €1.950.000,00, enquanto o VPT é de €816.333,26. Estamos, pois, face a uma discrepância que exigia à Autoridade Tributária um outro comportamento, nomeadamente que desencadeasse uma avaliação ad hoc [socorrendo-se do procedimento previsto no artigo 250.°, n.° 2 do CPPT]» (cf. pp. 25 e 26 da Sentença recorrida).
Y) Também por esta razão deve ser negando provimento ao presente recurso e mantida a decisão recorrida.
Z) E também não pode admitir-se a alegação segundo a qual «o órgão decisor procedeu à dedução dos ónus e encargos sobre o valor dos imóveis, tal qual constavam da respetiva certidão do registo predial [(...) o qual] destina-se a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, indicando: a situação (jurídica) em que estes se encontram; quem é, ou quem são, o(s) respetivo(s) proprietário(s); usufrutuário(s); superficiário(s) e quais O Ónus e ou encargos que, eventualmente, possam incidir sobre os prédios [(...),] garanti[ndo] a segurança do comércio jurídico imobiliário e a confiança nas relações jurídicas que respeitam aos negócios jurídicos», pelo que «se, porventura, o valor dos ónus e encargos que constam do registo predial relativamente aos imóveis propriedade do garante/fiador estão desatualizados, a este cabia providenciar pela respetiva atualização» (cf. artigos 43.° a 47.° das alegações de recurso).
AA) Com efeito, é evidente que a exigência da Administração tributária de que a prova da desatualização do «valor dos ónus e encargos que constam do registo predial relativamente aos imóveis propriedade do garante/fiador» só podia ser feita mediante a atualização desses mesmos elementos no referido registo predial é manifestamente excessiva e ilegal.
BB) Importa não esquecer que, conforme refere o Tribunal da Relação de Coimbra, «[a]s presunções registrais emergentes do art.° 7° do Código do Registo Predial não abrangem fatores descritivos, como as áreas, limites, confrontações, do seu âmbito exorbitando tudo o que se relacione com os elementos identificadores do prédio. Apenas faz presumir que o direito existe e pertence às pessoas em cujo nome se encontra inscrito, emerge do facto inscrito e que a sua inscrição tem determinada substância - objecto e conteúdo de direitos ou ónus e encargos nele definidos (art.° 80° n.° l e 2 do Código do Registo Predial)» (cf. Acórdão proferido em 3 de dezembro de 2013, no processo n.°194/09.0TBPBL).
CC) Por seu turno, também o Tribunal Central Administrativo Sul já se pronunciou no sentido de que «[a] presunção registral derivada do artigo 7.° do Código de Registo Predial não abarca a composição, localização, limites ou confrontações dos prédios, elementos identificativos que são consignados nos respetivos documentos, em regra, pelo funcionário com base nas declarações dos próprios interessados ou respetivos representantes, sem que leve a cabo qualquer controle sobre a veracidade material desses elementos, mas apenas abrange presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito» (cf. Acórdão proferido em 13 de dezembro de 2019, no processo n.° 01642/06.6BEPRT) [sublinhado da RECORRIDA].
DD) Vertendo o ora exposto para a situação em apreço, impõe-se concluir que, aquando da prestação da mencionada fiança, a RECORRIDA demonstrou que o valor das hipotecas associadas aos créditos habitação e registadas no registo predial (no montante global de € 979.949,39) se encontrava desatualizado, quantificando-se, de acordo com o documento discriminativo das responsabilidades de crédito atuais do fiador emitido: pelo Banco de Portugal, em €471.189,46 (cf. p. 12 do DOC. l da p.i.).
EE) Significa isto que, mesmo que se considerasse, ao arrepio daquele que é o entendimento da jurisprudência, que os elementos relativos aos encargos associados aos imóveis que constavam do registo predial beneficiavam da presunção legal prevista no artigo 7.° do Código do Registo Predial, sempre se imporia concluir que a RECORRIDA ilidira tal presunção quando juntou o documento discriminativo das responsabilidades de crédito do fiador emitido pelo Banco de Portugal ao procedimento.
FF) Assim, tendo ficado demonstrado que os elementos constantes do registo predial não correspondiam à realidade atual, a Administração tributária estava impedida de utilizar, no cálculo do valor dos encargos associados aos imóveis, o montante máximo até ao qual foi constituída hipoteca na data em que foi contraído o empréstimo conforme constava do respetivo registo predial.
GG) Também quanto à dedução das «garantias concedidas e outras obrigações extrapatrimoniais assumidas», a Administração tributária não poderia considerar o valor inicialmente assumido pelo fiador (no montante global de €1.506.108,60) quando ficou demonstrado, através da mesma declaração emitida pelo Banco de Portugal, que as responsabilidades de crédito atuais eram manifestamente inferiores às inicialmente assumidas.
HH) Importa, por último, ter em conta que, de acordo com o artigo 199.°-A, n.° 4, do CPPT, na redação promovida pela Lei n.°71/2018, de 31 de dezembro, apenas ocorrerá a dedução dos montantes previstos nas várias alíneas deste artigo «quando aplicável e sempre que afete a capacidade da garantia».
II) A este respeito, o Supremo Tribunal Administrativo já se pronunciou no sentido de tal critério de cálculo estipulado pelo artigo 199.°-A do CPPT para efeitos de avaliação de idoneidade da garantia («quando aplicável e sempre que afete a capacidade da garantia») dever passar sempre por um teste de adequação e de proporcionalidade.
JJ) Nesse sentido, o mesmo Tribunal explicitou que «O fim visado pelo art. 199.°-A do CPPT é o de estabelecer o critério para aferir da idoneidade da garantia (...) essa idoneidade não pode aferir-se senão tendo em conta a capacidade do garante para responder pela dívida exequenda e pelo acrescido, caso venha a ser chamado a fazê-lo, o critério, abstractamente considerado, não pode deixar de passar pela avaliação do respectivo património. (...) O que nos leva ao terceiro teste, ou seja, se a norma respeita o princípio da justa medida, ou proporcionalidade em sentido estrito ou se, pelo contrário, se revela excessiva, desproporcionada para alcançar o fim pretendido. Do que deixámos já dito, resulta que é neste teste que a norma claudica. A aferição da idoneidade da garantia, nos casos em que é prestado por outro capacidade que importa aferir nos termos do n.°4 parte final do artigo 199.°-A do CPPT "e sempre que afete a capacidade da garantia"» (cf. pp. 26 e 27 da Sentença recorrida).
MM) Ora, se tivesse procedido de acordo com as normas e princípios que regem a sua atividade, a Administração tributária teria avaliado o património imobiliário do fiador da RECORRIDA da seguinte forma:
« Texto no original»

NN) Ou seja, a Administração tributária deveria ter considerado que o património imobiliário do fiador ascende ao montante de € 932.010,54 e que, portanto, a fiança oferecida constituía garantia idónea à suspensão do processo de execução fiscal instaurado contra a RECORRIDA.
OO) Posto isto, andou bem o Tribunal a quo quando concluiu que «o garante/fiador tem património imobiliário, assumiu obrigações patrimoniais e extrapatrimoniais, às quais não está associado nenhum processo de incumprimento e que, configura-se, se tivesse sido considerado o valor de mercado do património imobiliário e o valor atual dos ónus e encargos patrimoniais e extrapatrimoniais e não o valor inicial pelo qual foram constituídos [entretanto pagos e abatidos], a decisão da Autoridade Tributária fosse outra e mais adequada aos interesses de cada uma das partes» e confirmou que «a metodologia adotada pela Autoridade Tributária não assentou num critério proporcional ao fim visado, qual seja, por um lado, a suspensão do processo de execução fiscal evitando penhoras sobre a sociedade e permitindo o seu funcionamento e, por outro lado, a garantia da satisfação do crédito exequendo. (...) Concluindo, o critério utilizado não foi o proporcional e adequado, não servindo o propósito de avaliar devidamente o património da garante, não logrando a Autoridade Tributária demonstrar a inidoneidade da fiança apresentada pela Reclamante, incorrendo em erro sobre os pressupostos de facto» (cf. pp. 26 e 27 da Sentença recorrida).
PP) Em face de tudo quanto ficou exposto, impõe-se negar provimento ao presente recurso e manter-se a decisão recorrida, com as demais consequências legais.
X
A Digna Magistrada do M. P. junto deste Tribunal notificada para o efeito, emitiu parecer no qual, anuindo ao parecer do MP proferido em 1ª instância e “concordando com a posição adoptada, desde o início, pela AT, quanto às razões para não aceitar a fiança nos moldes pretendidos pelo devedor/executado”, entende ser de dar provimento ao recurso.
X
Com dispensa dos vistos legais, atento o carácter urgente dos autos, cumpre apreciar e decidir.
X
II- Fundamentação
1.De Facto.
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:«
a) Em 28/02/2020, a Reclamante foi citada para o processo de execução fiscal nº…………….., para cobrança coerciva de dívida proveniente de liquidações adicionais de IVA, referente aos períodos de 2013, de 2014 e de 2015, no valor global de €253.255,12 – cfr. documento n.º 2 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
b) Em 02/07/2020, a Reclamante apresentou reclamação graciosa contra os atos de liquidação adicional de IVA subjacentes ao processo de execução fiscal mencionado na alínea a) anterior – cfr. doc. n.º 3 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
c) Em 07/05/2021, a Reclamante requereu a prestação de garantia no referido processo de execução fiscal, sob a forma de fiança pessoal, prestada pelo seu gerente, O ….……………, com renúncia ao benefício de excussão prévia até ao valor de €328.362,26 – cfr. doc. n.º4 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
d) Em 18/05/2021, a Direção de Finanças de Lisboa solicitou e a Reclamante remeteu documentos e informações adicionais –cfr. doc. nº 5 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
e) Em 18/06/2021, a Reclamante remeteu à Direção de Finanças de Lisboa um relatório de avaliação de imóveis de que o fiador é proprietário, emitido por perito independente, no valor de €1.950.000,000 – cfr. doc. nº 7 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
f) Em 22/06/2021, a Direção de Finanças de Lisboa requereu e em 28/06/2021 e 07/07/2021, a Reclamante remeteu novos elementos, para efeitos de avaliação da fiança – cfr. doc. n.º 6 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido
g) Em 18/08/2021, pela Diretora Adjunta da Direção de Finanças de Lisboa proferiu despacho de indeferimento sobre o requerimento de prestação de garantia sob a forma de fiança, com base na informação n.º 642/2021, elaborada pelos serviços da Divisão de Gestão da Dívida Executiva – cfr. doc. n.º 1 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
h) De acordo com a informação n.º 642/2021, mencionada na alínea anterior, a prestação de garantia, sob a forma de fiança não reúne condições para ser deferida face ao VPT do património imobiliário do fiador e dos encargos por este assumidos com hipotecas, porquanto:

«Texto no original»
(…)
«Texto no original»

- cfr. informação junta como doc. n.º 1 com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
i) Em face do indeferimento do requerimento de prestação de garantia, sob a forma de fiança, a Reclamante apresentou a presente reclamação.»
X
«Com interesse para a decisão a proferir nos autos, inexistem factos não provados.»
X
«Motivação: Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa [ou causas] de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor e consignar se a considera provada ou não provada [cfr. artigos 94.º do CPTA e 607.º, n.º 3 e 4 do CPC, ex vi do artigo 2.º, alíneas c) e e) do CPPT].// Face à questão a decidir, a convicção do Tribunal, quer quanto aos factos provados, quer aos não provados, resultou da análise dos documentos juntos aos autos com os respetivos articulados, supra id., a propósito de cada uma das alíneas e números do probatório, cujo conteúdo não foi impugnado pelas partes.// Os restantes factos alegados não foram julgados provados [ou não provados], por constituírem conclusões/considerações pessoais ou conclusões de facto ou de direito ou serem meramente exemplificadores/contextualizadores, pelo que, não são os mesmos suscetíveis de ser objeto de juízo probatório [pese embora a sua pertinência nos respectivos articulados].»
X
A recorrente (conclusões II e III) pretende aditar ao probatório elemento relativo a diligência instrutória realizada junto de perito avaliador, a qual terá resultado na informação de que uma nova avaliação dos prédios resultaria em vpt inferior.
Não se afigura que o referido aditamento seja relevante no esclarecimento da situação em causa nos autos, nos quais se afere da correcção do vpt atribuído aos prédios do fiador, por referência ao valor actual dos mesmos, bem como o valor actual do passivo que onera o património daquele. Motivo porque se rejeita a presente imputação.
X
2.2. De Direito.
2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre os alegados vícios da sentença seguintes:
i) Erro de julgamento na determinação da matéria de facto [apreciado supra].
ii) Erro de julgamento quanto ao direito aplicável em que terá incorrido a sentença sob recurso.
2.2.2. A sentença julgou procedente a presente reclamação. Está em causa o despacho, datado de 18/08/2021, de indeferimento da prestação de garantia sob a forma de fiança, oferecida pelo sócio-gerente da reclamante.
A sentença determinou a anulação do despacho impugnado. Tendo presente o disposto no artigo 199.º-A, do CPPT (“Avaliação da garantia”), assentou a sua fundamentação em duas linhas de argumentação, a saber:
i) «Na aferição do valor dos bens imóveis que integram o património do fiador, este pode demonstrar que os mesmos estão desvalorizados face ao valor de mercado e que a Reclamante apresentou uma avaliação do património do garante/fiador no valor de €1.950.000,00, enquanto o VPT é de €816.333. // Estamos, pois, face a uma discrepância que exigia à Autoridade Tributária um outro comportamento, nomeadamente que desencadeasse uma avaliação ad hoc [socorrendo-se do procedimento previsto no artigo 250.º, n.º 2 do CPPT]».
ii) «[A]o considerar o valor das responsabilidades patrimoniais e extrapatrimoniais pelo seu valor inicial e não pelo seu valor atual, a análise realizada pela Autoridade Tributária distorce a verdadeira capacidade económico-financeira do fiador/garante para aferir da sua idoneidade para servir de garantia e, em última análise, para responder pela divida exequenda.».
2.2.3. A recorrente assaca à sentença em crise erro de julgamento quanto ao enquadramento jurídico da causa, porquanto a norma do artigo 199.º-A, do CPPT, ao remeter a avaliação do património do fiador para o disposto no Código de Imposto de Selo (CIS), exclui qualquer discricionariedade administrativa. Vejamos.
Na avaliação da garantia, deve atender-se ao vpt do prédio (artigo 199.º-A/1, do CPPT e 14.º/1, do CIS). «Sendo o garante uma pessoa singular, deve atender-se ao património desonerado e aos rendimentos suscetíveis de gerar meios para cumprir a obrigação» (n.º 3). «O valor determinado nos termos dos números anteriores deve ser deduzido dos seguintes montantes, quando aplicável e sempre que afete a capacidade da garantia: // a) Garantias concedidas e outras obrigações extrapatrimoniais assumidas; // b) Passivos contingentes; // c) Partes de capital do executado, detidas, direta ou indiretamente, na respetiva proporção. // (d) Quaisquer créditos sobre o executado (n.º 4).
O objecto do dissídio reside em saber se i) pode a aferição da idoneidade da garantia assentar no vpt dos prédios do fiador, quando este apresenta um relatório pericial dando conta de que o valor de mercado dos mesmos é superior ao vpt (alínea e), do probatório); e saber se: ii) pode a aferição da idoneidade da garantia assentar no valor das responsabilidades de crédito do fiador por referência os valores inscritos no registo predial, quando o fiador apresenta valores diversos, assentes em elementos do Banco de Portugal (alíneas d) e f), do probatório).
«A Administração Tributária só poderá recusar a fiança oferecida se puder concluir, perante razões objectivas, que ela não garante, em concreto, o integral pagamento da quantia exequenda e do acrescido, não podendo recusá-la em nome da segurança absoluta na cobrança do seu crédito. (…) [A] fiança só deverá ser considerada uma garantia idónea quando tenha ficado provada a suficiência financeira da entidade garante no momento em que a fiança é oferecida» (1).
«Não pode confundir-se a avaliação quando está em causa aferir da idoneidade da garantia oferecida pelo executado em ordem à suspensão da execução fiscal com a avaliação quando está em causa a determinação da matéria tributável como expressão quantitativa do facto tributário» (2). «Compete à AT aferir da idoneidade em concreto da fiança prestada, o que passa pela aferição da disponibilidade do património da fiadora para assumir a dívida garantida, em caso de incumprimento do executado» (3).
Na emissão do juízo administrativo de aferição da idoneidade em concreto da fiança, com base na suficiência do património do fiador para fazer face à dívida exequenda, a Administração Tributária está sujeita a dever de inquirir os factos relevantes com vista ao apuramento da suficiência do património do garante se este lhe apresentar elementos que põem causa os vectores relativos ao vpt dos prédios urbanos e à situação actual do passivo do mesmo. A vinculação a parâmetros objectivos de avaliação, nos termos do disposto no artigo 199.º-A, do CPPT, não desobriga a Administração da realização de diligências instrutórias com vista ao apuramento do valor real dos prédios em presença, através de avaliações específicas a realizar para o efeito (artigos 76.º/3, do CIMI e 250.º/2, do CPPT), bem assim como com vista ao apuramento do passivo actual do fiador, descontadas as obrigações já liquidadas (com recurso a informação financeira fornecida, designadamente, pelo Banco de Portugal). Perante a incerteza quanto à consistência patrimonial do fiador, a Administração Tributária não pode fundar a decisão acerca da idoneidade da fiança apenas com base nos registos da matriz e nos registos prediais temporalmente datados. É-lhe exigido, no caso concreto, considerando a incerteza, o esforço de cruzamento de dados que lhe permitam fundadamente determinar a situação patrimonial líquida do fiador em causa.
Não tendo sido realizadas as diligências referidas, a decisão de recusa da garantia prestada enferma de insuficiência da fundamentação material, pelo que não se pode manter. Como se decidiu na sentença recorrida. A mesma não enferma de qualquer erro de julgamento, pelo que deve ser confirmada na ordem jurídica.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.

Dispositivo
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente,
Registe.
Notifique.
(Jorge Cortês - Relator)

(1.ª Adjunta – Hélia Gameiro da Silva)

(2.ª Adjunta – Ana Cristina Carvalho)


(1) Andreia Barbosa, A prestação e a constituição de garantias no procedimento e no processo tributário, Almedina, 2017, p. 211.
(2) Acórdão do STA, de 02.12.2015, P. 01458/15.
(3) Acórdão TCAS, de 29-06-2017, P, 243/17.8BELRS.