Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 547/17.0BELRS |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 11/24/2022 |
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Relator: | VITAL LOPES |
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Descritores: | EXECUÇÃO FISCAL OPOSIÇÃO GERENTE REVERSÃO CULPA |
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Sumário: | I - No domínio da vigência da LGT, para afastar a responsabilidade subsidiária pelas dívidas de impostos cujo termo do prazo para pagamento ou entrega terminou durante o período da sua gerência, é necessária a demonstração de que não é imputável aos gerentes ou administradores das sociedades a falta de pagamento ou de entrega do imposto (artigo 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT). II - Assim, sendo as dívidas provenientes de IVA e de IRC/IRS e Imposto de Selo – Retidos na fonte, ao gerente que exercia funções na data em que deveria ter sido entregue/ pago o imposto incumbe demonstrar, mediante prova positiva e concludente, que a falta desse pagamento não lhe foi imputável, o que passa pela demonstração da falta de fundos da sociedade originária devedora para efectuar o pagamento e que tal falta se não deve a qualquer omissão ou comportamento censuráveis do gestor. III - A dúvida relativamente à verificação da culpa dos gestores pela falta de pagamento dos impostos cujo pagamento ou entrega devesse ter sido feito durante o período em que exerceram funções de gestão, sempre terá de ser valorada contra o revertido/ oponente. IV - A reversão fundada em declaração judicial de insolvência da devedora originária prescinde de diligências instrutórias no sentido de apurar se aquela é proprietária de bens penhoráveis, porque a inexistência/ insuficiência de bens presume-se ex vi do art.º 3.º, n.º1 do CIRE. V - A fundamentação formal do despacho de reversão basta-se com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada (art.º 23/4 da LGT)». |
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Votação: | UNANIMIDADE |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL 1 – RELATÓRIO A Exma. Representante da Fazenda Pública, recorre da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a oposição deduzida por L… à execução fiscal n.º 3239200901084585 e apensos contra si revertida e originariamente instaurada contra a sociedade “E…, LDA.” por dívidas no valor global de 2.278.435,02 euros provenientes de IVA, respeitante aos meses de Março, Abril, Maio, Junho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2010, Março, Maio, Junho, Setembro, Outubro e Novembro de 2011, Novembro de 2012, Janeiro, Fevereiro e Outubro de 2013 e Fevereiro de 2014, IRC/ IRS – Retenção na Fonte referente aos meses de Março, Julho e Agosto de 2010, Março e Outubro de 2011, Dezembro de 2012, Setembro de 2013 e Abril de 2014 e Imposto de Selo, cujo prazo legal de pagamento ocorreu no período compreendido entre 30/04/2010 e 09/06/2014. A Recorrente conclui as doutras alegações assim: « A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou a ação procedente, por provada, e determinou a extinção do processo de execução fiscal nº 3239200901084585 e apensos, instaurado ao oponente por reversão. B. Para assim decidir, o douto tribunal a quo considerou “ilidida a presunção de culpa que sobre o oponente recai por força do artigo 24º, nº 1, alínea b) da LGT.”. C. Consentindo que “ se à penhora de saldos bancários e de créditos de clientes da sociedade devedora originária pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., acrescentarmos as consequências da crise financeira que afetou o país e o tecido empresarial, concretamente na área automóvel e industrial [como descrito pelas testemunhas inquiridas], com consequências ao nível da diminuição de vendas e a crescente dificuldade em obter o pagamento/recebimento atempado dos clientes [também estes afetados pela mesma crise financeira, como é de conhecimento geral], podemos concluir que tais circunstâncias constituem eventos que afetam a capacidade e disponibilidade financeira e de tesouraria da sociedade devedora originária e que tais fatores não estão ao alcance de ser controlados e evitados por um gestor zeloso e cuidado na defesa dos interesses societários e dos seus credores. Ou seja, os factos exógenos invocados pelo Oponente, conjugados, são suscetíveis de demonstrar que a devedora originária viveu dificuldades financeiras e que essas dificuldades impediram o cumprimento integral e pontual das suas obrigações tributárias.”.” D. E bem assim que “ O Oponente teve uma atuação diligente, na medida em que, face às dificuldades sentidas, porque sempre acreditou na recuperação da sociedade [como repetido várias vezes pelas testemunhas], procurou encontrar soluções com vista a minimizar os efeitos da crise e a sanar ou minimizar os problemas financeiros e de tesouraria, através da celebração de planos de pagamentos, da adesão ao PEC, do pedido de regularização de divida em 120 prestações ao IGFSS,I.P., da reação a vários níveis contra a penhora generalizada dos saldos bancários realizada pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. [precisamente no momento em que se encontrava a negociar formas de pagamento da divida], do requerimento de adesão ao SIREVE [procedimento com n.º 140104 e aceite em 06/10/2014] e, frustradas todas as iniciativas, a apresentação à insolvência [cfr. alíneas n) a w), ff) e gg) do probatório].”. E. Concluindo que “o oponente logrou demonstrar que a falta de pagamento dos impostos em cobrança no PEF subjacente aos presentes autos e a insuficiência de liquidez da sociedade, não lhe é imputável, uma vez que, conforme se extrai do probatório, a falta de fundos da sociedade devedora originária para efetuar o pagamento não se deveu a qualquer omissão ou comportamento censuráveis que lhe possam ser imputados.”. E determina a procedência da oposição, por provada. F. Com a devida vénia, a Fazenda Pública não se pode conformar com tal sentido decisório, considerando existir erro de julgamento quanto à matéria de facto e de direito, por errada valoração dos elementos constantes dos autos de execução e deficiente análise crítica das provas que lhe cumpria conhecer, e consequente, erro na aplicação do disposto nos artigos 74º da Lei Geral Tributário (LGT) e 342º do Código Civil (CC). G. Entende a Fazenda Pública que o tribunal a quo considerou provados factos que, não decorrem da prova produzida nos autos, assim como não deu como provados factos que decorrem da prova produzida, incorrendo em erro de julgamento de facto e de direito ao concluir que a Oponente afastou a presunção de culpa que sobre si impõe a alínea b) n.º 1 do artigo 24.º da LGT. H. O douto tribunal integrou na matéria assente os factos constantes das alíneas p), r), r), t), v), x), z), ee) e gg), os quais contém afirmações meramente conclusivas, pelo que, salvo o devido respeito, devem tais factos ser eliminados do elenco factual constante do probatório, o que se requer. I. Acresce que, considerou provado o facto a que corresponde a letra cc) com o seguinte teor: “Correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Criminal de Lisboa - Juiz 2, o processo n.º 2010/16.7T9LSB, com sentença transitada em julgado, que absolveu a sociedade devedora originária e gerentes do crime de abuso de confiança fiscal contra a Segurança Social e foi proferido acórdão absolutório pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no processo crime n.º 427/10.0IDLSB.L1, quanto ao crime de abuso de confiança fiscal – cfr. documentos n.ºs 1 e 2, extraídos de fls. 706 e 768 a 780, numeração do SITAF, no processo n.º 539/17.9BELRS, juntos aos autos.” J. Todavia, considerando o teor do acórdão proferido no processo crime nº 427/10.OIDLSB.L1, junto como documento nº 2, extraído a fls. 768 a 780, numeração do SITAF, no processo n.º 539/17.9BELRS, consta que os arguidos foram absolvidos, atenta a circunstância dos factos praticados naqueles autos se considerarem integrados na continuação criminosa dos factos praticados no processo n.º 771/14.7IDLSB. K. Por conseguinte, entende esta Fazenda Pública, que tal facto deverá ser corrigido de acordo com a verdade factual, ao abrigo do disposto no artigo 662º, nº 1 do CPC,, passando a ter a seguinte redação: “ Correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Criminal de Lisboa - Juiz 2, o processo n.º 2010/16.7T9LSB, com sentença transitada em julgado, que absolveu a sociedade devedora originária e gerentes do crime de abuso de confiança fiscal contra a Segurança Social e foi proferido acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no processo crime nº 427/10.0IDLSB.L1, quanto ao crime de abuso de confiança fiscal, processo onde foram absolvidos os arguidos, declarando-se que os factos praticados naqueles autos se consideram integrados na continuação criminosa dos factos praticados no processo nº 771/14.7IDLSB, que correu termos junto do Juízo Local Criminal de Lisboa, Juiz 2, devendo considerar-se, em aplicação do artigo 79.º do Cód. Penal, integrados na continuação criminosa dos factos praticados naquele processo n.º 771/14.7IDLSB.– cfr. documentos n.ºs 1 e 2, extraídos de fls. 706 e 768 a 780, numeração do SITAF, no processo n.º 539/17.9BELRS, juntos aos autos.”. L. Mas para além disso, e em face dos elementos carreados para os autos, designadamente o documento nº 10 extraído de fls. 758, numeração SITAF do processo nº 539/17.9BELRS, o probatório deverá ser corrigido de acordo com a verdade factual, devendo ser aditado à matéria assente o seguinte facto, que com as correções supra requeridas, deverá corresponder à letra z): “Em 24-10-2014 o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., informou de que iriam ser levantadas as penhoras e transferidos os valores penhorados até ao dia 08-10-2014, conforme documento 10, extraído de fls. 758, numeração SITAF do processo nº 539/17.9BELRS. “. M. Salienta-se, desde logo, que o oponente/recorrido não põe em causa que tenha exercido a gerência da devedora originária, nem o tribunal a pôs em causa. N. A reversão, recorda-se, pois, foi efetuada ao abrigo da alínea b) do nº1 do artigo 24º da LGT, recaindo assim sobre o opoente/recorrido, o ónus da prova de que não foi por culpa sua que o pagamento das dívidas da sua gerida se não efetuou. O. Diz a sentença que “Para afastar a responsabilidade subsidiária por dívidas de impostos cujo prazo de pagamento terminou durante a gestão, o gestor tem, pois, que demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser censurável.”. P. Assim, acrescenta que “A prova dos factos tendentes a demonstrar a falta e culpa não pode assentar numa generalização vaga e sem delimitação concreta, quer no tempo, quer nos atos empreendidos, precisamente porque as dívidas também foram incumpridas num período concreto e num montante determinado.”. Q. Concluindo “A dúvida relativamente à verificação da culpa dos gestores, pela falta de pagamento dos impostos cujo pagamento ou entrega devesse ter sido feito durante o período em que exerceram funções de gestão, sempre terá de ser valorada contra o oponente.(…)”. R. Apesar de tal raciocínio, a douta sentença suportada em prova documental e testemunhal claramente insuficiente acabou por concluir em abono da tese do oponente, de que o mesmo satisfez o ónus legal que sobre si impendia de provar a não imputabilidade da falta de pagamento ou entrega dos impostos em causa-IVA dos períodos de 2010, 2011, 2012,2013 e 2014, IRS (retenções na fonte) dos períodos de 2020, 2011, 2012, 2013 e 2014, e Imposto de Selo. S. In casu, o oponente veio alegar que não existe culpa sua na insuficiência do património da sociedade executada, porquanto a falta de meios para proceder ao pagamento dos impostos objeto de cobrança nos presentes autos se ficou a dever à crise financeira registada a partir de 2008, à penhora de saldos bancários e de créditos de clientes realizada pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. e à conduta deste Instituto no âmbito do SIREVE e que levou à sua não aprovação. T. Tendo o douto tribunal na sentença sob escrutínio assentido que tais factos exógenos invocados pelo oponente, conjugados, são suscetíveis de demonstrar que a devedora originária viveu dificuldades financeiras e que essas dificuldades impediram o cumprimento integral e pontual das suas obrigações tributárias, e bem assim que as dificuldades financeiras da empresa e a ausência de meios de pagamento do imposto em cobrança dentro do prazo legal, não resultaram de comportamentos ilícitos do oponente. U. A Fazenda Pública entende que ao assim decidir errou de facto e de direito o douto tribunal. V. Na verdade, ressalvando, sempre, o devido respeito por opinião diversa, dos factos considerados provados, assim como dos elementos juntos aos autos e da prova testemunhal produzida, não poderia o douto tribunal ter concluído que o não pagamento das dívidas não resultou de comportamentos ilícitos que possam ser imputados ao oponente, mas que se ficou a dever a fatores exógenos. W. Dos factos dados por assentes não se alcança em que medida a crise financeira que assolou o mundo e o país a partir de 2008 afetou a atividade da sociedade, de modo a impedi-la de cumprir com as suas obrigações fiscais, nem se vislumbra que a gerência tenha tomado as medidas necessárias e profícuas para evitar a derrapagem da situação financeira da sociedade devedora originária. X. Da matéria assente o que se infere é que a gerência privilegiou reiteradamente o pagamento dos fornecedores estratégicos e dos salários, e bem assim que direcionava o IVA recebido para proceder a tais pagamentos. Y. Por outro lado, também não resulta da matéria assente, nem dos elementos juntos aos autos, que a crise internacional levou a que a devedora originária tivesse dificuldades em obter o pagamento/recebimentos dos clientes. Z. O oponente alegou que não recebia atempadamente os valores respeitantes ao IVA, porém não especificou factos concretos, pormenorizados, consistentes e bem documentados a esse respeito, designadamente a conexão entre os nomes dos clientes, os montantes e os períodos específicos em causa, de modo a demonstrar que clientes se atrasaram no pagamento das faturas, quais os períodos e valores em débito, as datas de realização dos pagamentos, o porquê do atraso no pagamento. AA. Não obstante, e incompreensivelmente, concluiu erroneamente o douto Tribunal que a crise internacional levou a que a sociedade tivesse dificuldades de recebimento de clientes, e que a maioria destes só pagava ao fim de mais de noventa dias, sendo que o Estado demorava, entre 120 a 180 dias. BB. Além disso, aquilo que resulta dos autos é que, não só o oponente não afastou a presunção de culpa que a lei assim impõe, como foram as ações dos gerentes da devedora originária que mais impulsionaram as dificuldades financeiras que impossibilitaram o pagamento da dívida aqui em causa, já que o oponente não podia desconhecer que a decisão de prosseguir com uma atividade sistematicamente deficitária conduziria a uma situação liquida negativa e, consequentemente, a uma situação de insolvência, como veio a suceder. CC. Porquanto, desde 2006 a devedora originária apresentava dificuldades de tesouraria, tendo acumulado avultadas dívidas à Autoridade Tributária desde 2010, sendo que só em 2012 requereu a adesão ao Plano Extrajudicial de Conciliação e a planos de pagamentos em prestações, que foi sucessivamente incumprindo. DD. Diversamente do sentenciado, a penhora dos saldos bancários e créditos sobre clientes, no valor de € 369.643,20, assim como a alegada demora da resposta no âmbito do SIREVE pelo IGFSS, não são suscetíveis nem de demonstrar que o oponente foi um gerente diligente, nem a falta de fundos da sociedade originária aquando da data limite de pagamento das dívidas em execução, muito menos que tal falta não se deve a qualquer omissão ou comportamento censuráveis do gestor. EE. No que concerne à penhora dos saldos bancários, salvo o devido respeito, mal andou o douto tribunal ao ter concluído que tal circunstância é demonstrativa da disponibilidade financeira da devedora originária para cumprir planos de pagamento, uma vez que o valor arrecadado (€ 369.643, 20, entretanto indicado para ser devolvido à devedora originária, conforme se extrai do ponto aditado agora ao probatório), é muito inferior ao valor das dívidas em execução (€ 2.278.435,02), e por esse motivo, tal penhora de modo algum poderia ter obstaculizado ao pagamento das dívidas em cobrança nos presentes autos de execução, e ao cumprimento dos planos prestacionais. FF. Assim como errou o douto tribunal, ao concluir que a alegada demora da resposta no âmbito do SIREVE pelo IGFSS, precipitou a inviabilidade da sociedade devedora originária, porquanto há muito que se encontravam evidenciadas as debilidades financeiras da devedora originária. GG. Além disso, considerando que o acordo proposto no âmbito do SIREVE teve a adesão de 90% dos credores, questiona esta Fazenda que medidas adotou a devedora originária para obviar a não aprovação do SIREVE, e bem assim em que medida a não aprovação do SIREVE afetou a viabilidade da empresa. HH. Assim sendo, as iniciativas [celebração de planos de pagamentos, adesão ao PEC, pedido de regularização de divida em 120 prestações ao IGFSS, etc.] que o douto tribunal enaltece e numera, como sendo evidenciadoras de uma atitude diligente e responsável do oponente na condução da sociedade, se mostram, ao invés, claramente reveladoras de um comportamento censurável. II. Donde, salvo o devido respeito, errou o douto tribunal ao concluir que o oponente teve uma atuação diligente, no pressuposto de que sempre acreditou na recuperação da sociedade e que procurou encontrar soluções com vista a minimizar os efeitos da crise e a sanar ou minimizar os problemas financeiros e de tesouraria, porquanto não se coaduna com a figura do gerente diligente, uma mera crença na viabilidade da sociedade, há que ajuizar se essas medidas propostas e tomadas são as adequadas, face às dificuldades financeiras que a sociedade devedora originária enfrentava. JJ. Perante o acumular das dívidas que ascendia a milhões de euros e ao incumprimento reiterado dos planos de pagamento, tais medidas adotadas pela gerência pecam por tardias e são claramente desfasadas do contexto económico e financeiro que a sociedade devedora originária enfrentava ao longo dos anos, e nessa medida, a atuação da gerência da sociedade é reveladora de um comportamento censurável. KK. Face à comprovada falta de pagamento de dívidas não só à AT, bem como aos demais credores como a Banca e IGFSS, que pelo seu montante e pelas circunstâncias do incumprimento, já há muito eram reveladoras da impossibilidade de a devedora originária satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações, se conclui que a atuação da gerência representa também uma clara violação do dever de apresentação à insolvência previsto no artigo 18 do CIRE. LL. Donde, pese embora o tribunal sublinhe que a apresentação à insolvência constitui uma medida preventiva dos credores, demonstrativa da observância dos deveres de cuidado e diligência, certo é que no caso quando a gerência requereu a insolvência da sociedade devedora originária já há muito esta se encontrava impossibilitada de cumprir com as suas obrigações, o que consubstancia uma conduta censurável, nada consentânea com a figura do “bonnus pater família”. MM. De resto, a apresentação da devedora originária ao PEC, ou ao SIREVE, ou mesmo a apresentação à insolvência, não permite ilidir a presunção de culpa na falta de pagamento daqueles impostos, até porque tais medidas são o final de uma sequência de acontecimentos, pelo que ao invés do sentenciado deveria o douto tribunal a quo ter concluído que a conduta do oponente foi adequada à insuficiência do património da devedora originária para pagamento das dívidas em execução. NN. Daí que também, salvo o devido respeito, erra o Tribunal, no juízo de prognose que fez e o levou a concluir que a circunstância de 90% dos credores (entre os quais a AT) ter aceite o SIREVE, permite afirmar que a sociedade devedora originária estava em condições financeiras e patrimoniais de ver o SIREVE aprovado, e que se tivesse logrado alcançar a aprovação e execução do SIREVE, e considerando o montante dos saldos bancários penhorado, assim como o facto de a sociedade, ao longo do tempo ter mantido a realização de pagamentos à Autoridade Tributária a gerência teria conseguido manter a atividade da sociedade e evitar a apresentação da sociedade devedora à insolvência e o incumprimento quanto ao pagamento dos créditos tributários em cobrança nos presentes autos. OO. Por fim, na perspetiva da fazenda Pública mal andou o douto tribunal ao assentir que é lícito a gerência da sociedade afetar o IVA arrecadado e o IRS recebido dos clientes a outras finalidades. Ignorando que tal conduta além da merecedora censura penal, é reveladora de um comportamento contrário aos ditames do artigo 64º do CSC. PP. E nessa medida, salvo o devido respeito, erra igualmente o douto Tribunal ao ajuizar que é perfeitamente aceitável que a gerência tivesse afetado o IVA recebido ao pagamento dos salários e dos principais fornecedores, por tais pagamentos se mostrarem essenciais para a manutenção da fonte produtora que permitiria a recuperação da situação financeira da sociedade e o cumprimento das suas obrigações, designadamente de pagamento das dívidas tributárias, pois que de modo algum o IVA, bem como os impostos retidos na fonte, poderão ser afetos a fins alheios ao seu destino legal, sendo que a sua afetação a outras finalidades, sempre será reveladora de uma conduta não conforme com uma gestão diligente. QQ. E ainda que por mera hipótese, se entenda como aceitável a afetação do IVA, e dos impostos retidos na fonte, a fins alheios ao seu destino legal (entrega nos Cofres do Estado), como seja o pagamento de salários e dos fornecedores estratégicos, apenas seria concebível tal afetação em situações excecionais, não como uma prática reiterada, como sucedeu nos autos. RR. De resto, não será pagando prioritariamente as dívidas dos trabalhadores em detrimento das dívidas fiscais, oriundas em impostos repercutidos a terceiros e retidos na fonte, nem pagando aos fornecedores estratégicos, que se afasta a presunção de culpa, aliás atenta a natureza das dívidas em presença, mais censurabilidade assumem tais pagamentos. SS. Por outro lado, justificar o pagamento prioritário dos salários e dos fornecedores por se mostrar essencial à manutenção da atividade, levar-nos-á a questionar se uma empresa para continuar a sua atividade regular não tem também de proceder ao pagamento dos impostos legalmente devidos. TT. Assim, e ao invés do sentenciado, deveria o douto tribunal a quo ter concluído que a conduta do oponente foi adequada à insuficiência do património da devedora originária para pagamento das dívidas em execução. UU. Concludentemente, considera a Fazenda Pública que douta sentença errou no seu julgamento, pois o oponente/recorrido não conseguiu ilidir a presunção de culpa na falta de pagamentos dos tributos em causa nos PEF’s revertidos. VV. E, deste modo, entende a Fazenda Pública que a sentença aqui em escrutínio deverá ser revogada. WW. A Fazenda Pública requer, ainda, muito respeitosamente a V.ªs Ex.ªs, ponderada a verificação dos seus pressupostos, a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça prevista no n.º 7 do art.º 6º do RCP. Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida, com todas as legais consequências. ». O Recorrido apresentou contra-alegações, que culmina com as seguintes e doutas conclusões: « A. A Recorrente não se conforma com a interpretação e conclusão do douto tribunal, alegando existir erro de julgamento quanto à matéria de facto e de direito, por errada valoração dos elementos constantes dos autos de execução e deficiente análise crítica das provas que lhe cumpria conhecer, e consequente, erro na aplicação do disposto nos artigos 74º da Lei Geral Tributário (LGT) e 342º do Código Civil (CC). B. Na perspetiva da Recorrente os factos provados, descritos nas alíneas p), r), r), t), v), x), z), ee) e gg), contém afirmações meramente conclusivas, pelo que, deveriamm tais factos ser eliminados do elenco factual constante do probatório, o que requereu. C. Considerando, ainda, que o facto provado a que corresponde a letra cc), deveria ser corrigido, passando a constar que no processo crime nº 427/10.0IDLSB.L1, quanto ao crime de abuso de confiança fiscal, processo onde foram absolvidos os arguidos, declarando-se que os factos praticados naqueles autos se consideram integrados na continuação criminosa dos factos praticados no processo nº 771/14.7IDLSB, que correu termos junto do Juízo Local Criminal de Lisboa, Juiz 2, devendo considerar-se, em aplicação do artigo 79.º do Cód. Penal, integrados na continuação criminosa dos factos praticados naquele processo n.º 771/14.7IDLSB.– cfr. documentos n.ºs 1 e 2, extraídos de fls. 706 e 768 a 780, numeração do SITAF, no processo n.º 539/17.9BELRS, juntos aos autos.”. D. Ora, desde logo, a questão da condenação e das absolvições criminais não constam das informações prévias ao despacho de reversão, nem da própria fundamentação do despacho de reversão, pelo que não podem ser consideradas. E. Ainda assim, quer à condenação, quer à absolvição em processo penal, a lei não lhes atribui relevância em processo de oposição fiscal, apenas se consubstancia num elemento de prova, que pode ser valorado de acordo com o princípio da livre apreciação da prova. F. Na escolha e na determinação da pena em processo criminal são elementos fundamentais a proteção dos bens jurídicos e a reintegração social do agente, portanto, fins de prevenção – geral e especial – por um lado, e a sua limitação pela medida da culpa do agente, por outro. G. Donde, o tipo de ilícito criminal e o tipo de ilícito civil previsto no artigo 64.º do CSC são distintos, não só por serem distintos os comportamentos relevantes para o preenchimento do tipo legal, mas também por serem diferentes os bens que se pretendem tutelar, bem como os critérios a elevar na formação do juízo sobre a culpa do agente. H. A culpa relevante para efeitos dessa responsabilidade é a que se refere à inobservância culposa das disposições legais e contratuais destinadas à proteção dos credores que tenha como efeito, à luz dos princípios da causalidade adequada, a insuficiência do património para pagamento das dívidas da sociedade, e não a que respeita ao incumprimento da obrigação de pagamento. I. No presente caso, o Recorrido nunca pôs em causa o exercício da gerência de facto, pelo que a reversão operou com fundamento na alínea b) do n.° 1 do artigo 24.° da LGT, em que o legislador estabelece a imputação da falta de entrega ou pagamentos dos tributos ao gestor que, tendo o prazo de pagamento ou de entrega da prestação tributária terminado no seu período de gerência, os não tenha efectuado, a menos que se demonstre que não lhe foi imputável essa falta. J. Assim, importa apurar se o Oponente logrou provar que se empenhou no pagamento dos créditos fiscais e/ou na preservação do património societário que garante o seu pagamento e que fez todos os esforços possíveis e necessários, no sentido de inverter essa situação e de cumprir as respetivas obrigações legais, e que não foi a sua gerência que motivou, por ação ou por omissão, a falta de pagamento das dívidas em causa. K. Quanto ao ponto P), dos factos provados ficou demonstrado que devido às dificuldades financeiras sentidas, no contexto da crise económica, a sociedade devedora originária recorreu ao PEC – Plano Extrajudicial de Conciliação n.º 2213, cuja ata final foi outorgada em 26/07/2012 (acordo das partes, prova testemunhal e documento n.º 11, extraído de fls. 759 a 761 e e-mail trocado entre os Serviços do IGFSS, I.P., a fls. 723 a 758, numeração do SITAF, processo n.º 539/17.9BELRS, junto aos autos). L. Por outro lado, quanto ao facto provado R), a redução do cash flow operacional da sociedade devedora originária, implicou a concentração do seu esforço financeiro no cumprimento de salários e obrigações bancárias, por imposição de cativação de dinheiros pelos mesmos, importa relevar que a sociedade devedora originária manteve pagamentos à Autoridade Tributária, nos períodos em causa nos presentes autos (cfr. documento n.º 12, a fls. 759 a 761 e doc. 13, a fls. 765, numeração do SITAF, do processo n.º 539/17.9BELRS). M. Com efeito, o Recorrido juntou declaração do Serviço de Finanças Lisboa 7 em que atesta que a sociedade devedora originária fez pagamentos em diversos planos de pagamento prestacional deferidos pela Recorrente, no montante de 3.995.219,50€, entre 2010 e Fevereiro de 2013 (cfr. doc. 13, a fls. 765, numeração do SITAF, do processo n.º 539/17.9BELRS, junto aos autos). N. Relativamente aos valores respeitantes ao IVA, foi provada a identificação dos pagamentos feitos com atraso pelos clientes, ou seja, os montantes recebidos após o termo do prazo de entrega dos impostos em causa, quais os períodos e valores em débito, as datas de realização dos pagamentos (documento n.º 12, a fls. 759 a 761, numeração do SITAF). O. Não obstante, tal como consta do ponto S) dos factos provados, o fundo de maneio da sociedade passou a ser negativo (acordo das partes, relatório de gestão, balancete e IES, juntos com a petição inicial do processo de insolvência da devedora originária, como documentos n.ºs 11, 12 e 13, extraídos de fls. 409 a 507 e 508 a 606, numeração do SITAF, do processo n.º 539/17.9BELRS, junto aos autos). P. Ou ainda, do facto assente t), tendo em vista a recuperação da empresa e a manutenção de postos de trabalho, foi celebrado acordo de pagamento, em 120 prestações, cuja divida englobando a quantia exequenda, juros de mora e custas totalizava, em 19/10/2014, o valor de €4.918.586,48 – acordo das partes, documentos n.ºs 4, 5 e 6, extraídos de fls. 723 a 758, numeração do SITAF, no processo n.º 539/17.9BELRS, juntos aos autos Q. De igual forma, quanto ao facto assente x), foi provado que para tentar viabilizar a sociedade executada e a sua recuperação, em 06/10/2014, a gerência apresentou pedido de adesão ao SIREVE, procedimento n.º SIREVE nº 14104/2014 – acordo das partes, prova testemunhal e facto que se extrai dos documentos n.ºs 3 e 11, extraídos de fls. 722 e 759 a 761, numeração do SITAF, no processo n.º 539/17.9BELRS, juntos aos autos. R. Quanto ao facto Z) dos factos provados, assente em prova que não oferece qualquer reparo, ficou demonstrado, que o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social IP só respondeu em 29/09/2015, um ano após as negociações, o que acabou por determinar que o IAPMEI comunicasse que o processo SIREVE 140104/2014, foi extinto em 19/11/2015, pelo motivo de não obtenção de acordo no prazo máximo permitido [artigo 15.º do DL 178/2012 de 3 de Agosto], o que precipitou a situação de insolvência e determinou a inviabilidade da sociedade devedora originária – acordo das partes, documento informação extraída do PEF, apenso aos autos e documento n.º 3, extraído de fls. 722, numeração do SITAF, no processo n.º 539/17.9BELRS S. O facto de o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. ter demorado mais de um ano a responder ao pedido de adesão ao SIREVE, precipitou a inviabilidade da sociedade devedora originária e fez com que, na ausência de um plano e na impossibilidade de a mesma cumprir os seus compromissos, a gerência da sociedade requeresse a sua insolvência, a qual veio a ser declarada por sentença proferida em 16/03/2016. T. No seu conjunto são factos que evidenciam a observância das disposições legais aplicáveis ao Recorrido, em especial do artigo 64.º do CSC, no que respeita à observância de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade. U. Demonstra-se, assim, ao contrário do alegado pela Recorrente, que os factos p), r), s), t), v), x), z), ee) e gg) do probatório não contém afirmações meramente conclusivas, mas assentes em prova documental e testemunhal, que não oferecem dúvidas, pelo que, não devem tais factos ser eliminados do elenco factual constante do probatório, conforme requerido. V. Na verdade, de tais factos resulta, outrossim, evidente os esforços possíveis e necessários, levados a cabo pela gerência/Recorrido no sentido de inverter essa situação e de cumprir as respetivas obrigações legais, e que não foi a sua gerência que motivou, por ação ou por omissão, a falta de pagamento das dívidas em causa. W. Nesse sentido, não pode ser ignorada a existência de factores exógenos resultantes das dificuldades sentidas por Portugal, concretamente pelo seu tecido produtivo, face à profunda crise económica mundial iniciada em 2008, e que teve particular impacto no país, face ao seu desequilíbrio orçamental, o que determinou a imposição de medidas económicas restritivas, ocorrendo ainda uma forte contração do financiamento bancário, face à crise que assolou o sector. X. Por isso, ainda que a Recorrente diga, que tais dificuldades financeiras não constituem por si só um indicio bastante para afastar a culpa do gerente, a verdade é que, uma crise financeira mundial como a vivida naqueles anos e com o impacto que teve nas famílias, no tecido empresarial e no Estado, uma tal situação, não era evitável por um gestor criterioso e prudente. Y. No requerimento de adesão ao PEC constam os sectores da devedora originária que mais foram afectados pela crise, nomeadamente sector automóvel, montante dos prejuízos verificados nos exercícios anteriores e efeitos sobre a tesouraria da empresa (cfr. documento n.º 11, extraído de fls. 759 a 761 e e-mail trocado entre os Serviços do IGFSS, I.P., a fls. 723 a 758, numeração do SITAF, processo n.º 539/17.9BELRS, junto aos autos Z. Tais factos também se comprovam no pedido de adesão ao SIREVE e respectivos documentos que foram juntos aos autos (cfr. documentos n.ºs 3 e 11 a fls. 722, 723 a 758 e 759 a 761, numeração do SITAF, do processo n.º 539/17.9BELRS, junto aos autos). AA. Em relação ao facto do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., aquando do pedido de adesão ao SIREVE, ter promovido penhoras generalizadas sobre os saldos bancários e créditos sobre clientes daquela sociedade no valor de 369.463,20€, não se baseou apenas no depoimento das testemunhas N… e C…, mas também nos documentos n.ºs 9 e 10 e e-mail trocado entre serviços do IGFSS, I.P., extraídos de fls. 723 a 758, numeração do SITAF, do processo n.º 539/17.9BELRS, juntos aos autos. BB. O referido documento nº 10 é uma comunicação interna da responsável da Secção de Processo de Lisboa III do IGFSS (S…), ao presidente do IGFSS (R..), onde reconhece que a data da reunião foi a 26-08-2014 e que a data da comunicação da penhora às entidades bancárias foi feita em 27-08-2014, pese embora reconheça que tenha ficado acordado que se fosse dada uma ordem de penhora no dia seguinte à reunião, a mesma seria cancelada sem transferência de valores ( o que não se verificou), e ainda que a solução preconizada por esta responsável asseguraria uma arrecadação de 369.463,20€. CC. De igual modo, todas as medidas concretas e esforços desenvolvidas pela gerência, nomeadamente pedido de pagamento em prestações apresentado pela sociedade devedora e atendendo à manutenção das penhoras realizadas em 27/08/2019, apresentou pedido de revisão de acto tributário (doc. 5 extraídos de fls. 723 a 758, numeração do SITAF, do processo n.º 539/17.9BELRS). DD. Assim como, face à ausência de resposta ao pedido de pagamento em prestações, a sociedade arguiu ainda a nulidade das penhoras e o seu levantamento junto do presidente do IGFSS e que só em 12/10/2014 a sociedade foi citada da execução, conforme docs. 6 e 7, a fls. 723 a 758, numeração do SITAF, do processo n.º 539/17.9BELRS. EE. O Recorrido logrou ainda provar que face à manutenção das penhoras e falta de resposta ao pedido de pagamento em prestações, a sociedade requereu em 16/10/2014, a intervenção tutelar, através de requerimento apresentado ao Secretário de Estado da Solidariedade e Segurança Social, conforme doc. 9, a fls. 723 a 758, numeração do SITAF, do processo n.º 539/17.9BELRS. FF. Importa clarificar a alegação errónea da Recorrente que o valor arrecadado das penhoras (€ 369.643, 20) foi indicado para ser devolvido à devedora originária, porquanto o que foi ordenado devolver à sociedade foi o excedente a esse montante, como resulta de forma clara dos documentos n.ºs 9 e 10 e e-mail trocado entre serviços do IGFSS, I.P., extraídos de fls. 723 a 758, numeração do SITAF, do processo n.º 539/17.9BELRS. GG. A Recorrente alega, que perante o acumular das dívidas que ascendia a milhões de euros e ao incumprimento reiterado dos planos de pagamento, tais medidas adotadas pela gerência pecam por tardias e são claramente desfasadas do contexto económico e financeiro que a sociedade devedora originária enfrentava ao longo dos anos, e nessa medida a atuação da gerência da sociedade é reveladora de um comportamento censurável. HH. Também aqui as alegações da Recorrente são contraditórias, porquanto a AT aprovou quer o PEC, quer o SIREVE (este por um conjunto de 90% dos credores), pelo que, se a Recorrente não acreditasse na viabilização da sociedade teria certamente votado contra. II. A viabilidade da sociedade devedora originária era partilhada por 90% dos credores, incluindo a Recorrente. JJ. Por outro lado, ainda que não fosse lícito à sociedade direcionar o IVA arrecado e o IRS retido na fonte para outras finalidades que não aquelas pelas quais foram criados e são cobrados, esse comportamento ocorreu no mesmo período em que a sociedade mantinha simultaneamente pagamentos à AT. KK. Com efeito, conforme declaração do Serviço de Finanças Lisboa 7 ficou demonstrado que a sociedade devedora originária fez pagamentos no montante de 3.995.219,50€, entre 2010 e Fevereiro de 2013 (cfr. doc. 13, a fls. 765, numeração do SITAF, do processo n.º 539/17.9BELRS, junto aos autos e sentença de insolvência). LL. Em resumo, se à penhora de saldos bancários e de créditos de clientes da sociedade devedora originária pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., acrescentarmos as consequências da crise financeira que afetou o país e o tecido empresarial, concretamente na área automóvel e industrial [como descrito pelas testemunhas inquiridas], com consequências ao nível da diminuição de vendas e a crescente dificuldade em obter o pagamento/recebimento atempado dos clientes [também estes afetados pela mesma crise financeira, como é de conhecimento geral], podemos concluir que tais circunstâncias constituem eventos que afetam a capacidade e disponibilidade financeira e de tesouraria da sociedade devedora originária e que tais fatores não estão ao alcance de ser controlados e evitados por um gestor zeloso e cuidado na defesa dos interesses societários e dos seus credores. MM. Ou seja, os factos exógenos invocados pelo Recorrido, conjugados com os vários meios de prova constantes do autos, são suscetíveis de demonstrar que a devedora originária viveu dificuldades financeiras e que essas dificuldades impediram o cumprimento integral e pontual das suas obrigações tributárias. NN. Pelo que, não pode a Recorrente, por discordar da decisão, vir alegar erro na apreciação da prova ou de direito ou, ainda, que o oponente não satisfez o ónus legal que sobre si impendia de provar a não imputabilidade da falta de pagamento dos tributos pela devedora originária. OO. A mera discordância em relação ao decidido não constitui fundamento para invocação de erro de julgamento de matéria de facto ou de direito. PP. Assim, decidiu bem a douta sentença ao considerar que ficou demonstrado que não foi por culpa do Oponente que o património da sociedade se tornou insuficiente para solver as dívidas fiscais, logrando o mesmo ilidir a presunção de culpa que sobre si recaia, prevista na alínea b) do n.° 1 do artigo 24.° da LGT. Nestes Termos, Com o douto suprimento de V. Exas., deverá ser julgado improcedente o recurso interposto pela Recorrente, por a decisão não ter incorrido em erro de julgamento, nem na apreciação da prova, nem no enquadramento jurídico que fez da questão da verificação do ónus da prova da ausência de culpa do Recorrido no incumprimento tributário, devendo ser, em consequência, confirmada a douta decisão recorrida. Assim se fazendo sã, serena e objectiva, JUSTIÇA!». A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu mui douto parecer em que conclui ser de negar provimento ao recurso, mantendo-se o decidido in totum. Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão. 2 – DO OBJECTO DO RECURSO Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação do Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), a questão controvertida reconduz-se a indagar se a sentença incorreu em erro de julgamento, de facto e de direito, ao concluir que o revertido oponente fez prova de que não lhe é imputável a falta de pagamento da dívida exequenda. 3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Em sede factual, deixou-se consignado na sentença recorrida: « Com relevo para a apreciação do mérito da pretensão da Oponente, consideram-se provados os seguintes factos: a) Em 29/12/1999, pela Ap. 4/191229 foi registada a constituição da agora sociedade executada E…LDA, figurando entre os 16 sócios o ora Oponente, o qual veio a ser designado gerente em 12/02/2003, juntamente com N…e V…, passando a gerência da sociedade a ser constituída pelo Oponente, L…, H…, F…, L…, N… e V…– certidão do registo comercial a fls. 16 a 26 do PEF apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. b) Em 23/12/2009, com base na certidão de dívida n.º 2009/328248, emitida em 21/12/2009, pelo Serviço de Finanças de Lisboa 7 foi instaurado contra a sociedade executada identificada na alínea a) supra, o processo de execução fiscal n.º 3239200901084585, para cobrança coerciva de dívida proveniente de IVA, no valor de €163.368,01, cujo prazo legal de pagamento terminou em 12/10/2009 – cfr. autuação de execução, certidão de dívida e listagem, a fls. 2 a 4 do PEF apenso aos autos c) Ao processo de execução fiscal identificado em b) foram apensados os seguintes processos de execução fiscal, perfazendo a quantia exequenda o valor de €2.278.435,02: d) Para obter a cobrança do crédito tributário, o Serviço de Finanças de Lisboa 7 realizou diligências no sentido de obter a penhora de bens e créditos da sociedade devedora originária – cfr. diligências documentadas a fls. 9 a 15, 36 a 71, 80 a 82 do PEF apenso aos autos e) Em 16/03/2016 a sociedade devedora originária identificada em a) foi declarada insolvente por sentença proferida no processo n.º 3050/16.1T8LSB, que correu termos no Juízo 4, do Tribunal do Comércio da Comarca de Lisboa – cfr. oficio remetido pelo Tribunal do Comércio ao SF de Lisboa 7 e sentença, a fls. 72 a 79 do PEF apenso aos autos f) Em 17/05/2016, pelo Serviço de Finanças de Lisboa 7 for elaborada a seguinte informação: (IMAGEM, ver no original) - cfr. informação a fls. 103 e 104 do PEF apenso aos autos g) Em 17/05/2017, pela Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 7 foi proferido despacho que concordando com a informação citada na alínea f) anterior, ordenou a realização das diligências necessárias para o efeito – cfr. despacho a fls. 83/v do PEF apenso aos autos h) Na mesma data, foi proferido despacho pela Chefe do Serviços de Finanças de Lisboa 7 que ordenou a notificação do Oponente, na qualidade de responsável subsidiário, para audição prévia em reversão, com fundamento nos artigos 23.º, n.º 1 e 3 a 7 e 24.º, n.º 1, alínea b), ambos da LGT e artigo 153.º, n.º 1 e 2, alínea b) do CPPT: (IMAGEM, ver no original) – cfr. despacho para audição prévia em reversão, listagem de dividas e ofício de notificação, a fls. 108 a 110 e 133 a 135, do PEF apenso aos autos i) O Oponente requereu a apensação dos processos de execução fiscal nos quais havia intenção de reversão na qualidade de responsável subsidiário, o qual foi indeferido por os processos se encontrarem em fases distintas – cfr. requerimento e decisão proferida pelo SF de Lisboa 7, a fls. 155, 156, 158 e 169 do PEF apenso aos autos. j) O Oponente apresentou alegações em sede de audição prévia, nas quais alegou a falta de preenchimento do pressuposto da reversão quanto à insuficiência de bens, a violação do direito à excussão prévia do património da devedora originária, a ausência de culpa na situação de insuficiência patrimonial, a declaração de insolvência da devedora originária e arrolou 2 testemunhas - cfr. fls. 193 a 197 do PEF apenso aos autos k) Na sequência das alegações apresentadas pelo Oponente, o Serviço de Finanças de Lisboa 7 prestou informação no sentido de reverter os processos de execução fiscal contra o Oponente: (IMAGEM, ver no original) - cfr. informação a fls. 198 e 199 do PEF apenso aos autos l) Com base na informação mencionada em l), a Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 7, por despacho proferido em 16/09/2016, ordenou o prosseguimento dos autos para reversão contra o Oponente, o qual foi notificado ao mandatário do Oponente: (IMAGEM, ver no original) - cfr. despacho, ofício e AR, a fls. 227, 231 e 235 do PEF apenso aos autos m) Em 03/11/2016, foi elaborado ofício de citação em reversão do Oponente e para pagamento da quantia exequenda no valor de €2.278.435,02: - cfr. ofício de citação, acompanhada de listagem de dividas, informação mencionada na alínea l), despacho de reversão e certidões de dívida, a fls. 302, 303, 304 a 305, 306, 307 a 334 do PEF apenso aos autos n) Em 18/11/2016, o Oponente foi notificado pelo Serviço de Finanças e Lisboa 7 da citação em pessoa diversa do citando, nos termos do artigo 233.º do CPC – cfr. ofício a fls. 370 do PEF apenso aos autos o) O Serviço de Finanças de Lisboa 7 reverteu os processos de execução fiscal contra o Oponente e A…, N..e V…– cfr. despachos de reversão e citação constantes do PEF apenso aos autos p) Apesar das dificuldades financeiras, os sócios da sociedade originária acreditaram na sua possível recuperação – acordo das partes e prova testemunhal q) A sociedade devedora originária recorreu ao PEC – Plano Extrajudicial de Conciliação n.º 2213, cuja ata final foi outorgada em 26/07/2012 – acordo das partes, prova testemunhal e documento n.º 11, extraído de fls. 759 a 761 e e-mail trocado entre os Serviços do IGFSS, I.P., a fls. 723 a 758, numeração do SITAF, processo n.º 539/17.9BELRS, junto aos autos. r) A redução do cash flow operacional da sociedade devedora originária implicou a concentração do seu esforço financeiro no cumprimento de salários e obrigações bancárias, por imposição de cativação de dinheiros pelos mesmos – acordo das partes, relatório de gestão, certificação legal de contas, balancete e IES junto com a petição inicial do processo de insolvência da devedora originária, como documentos n.ºs 11, 12 e 13, extraídos de fls. 409 a 507 e 508 a 606, numeração do SITAF, do processo n.º 539/17.9BELRS, junto aos autos, e prova testemunhal. s) O fundo de maneio da sociedade passou a ser negativo – acordo das partes, relatório de gestão, balancete e IES, juntos com a petição inicial do processo de insolvência da devedora originária, como documentos n.ºs 11, 12 e 13, extraídos de fls. 409 a 507 e 508 a 606, numeração do SITAF, do processo n.º 539/17.9BELRS, junto aos autos. t) Face à eminência do incumprimento do PEC, a gerência da sociedade devedora originária, acreditando na viabilização da empresa, encetou contatos com os credores públicos no sentido de alargar parte da divida que não tinha sido incluída no Acordo com os credores, transitando para um novo processo no âmbito do Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial – SIREVE, criado pelo Decreto-Lei n.º 176/2012 de 3 de Agosto, de forma a garantir a implementação de um processo de recuperação e viabilização – acordo das partes, documentos n.ºs 3 e 11 extraídos de fls. 722, 723 a 758 e 759 a 761, numeração do SITAF, do processo n.º 539/17.9BELRS, junto aos autos, e prova testemunhal. u) O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social IP a partir de 27/08/2014, tomando conhecimento de tal facto em reunião ocorrida nessa data, promoveu penhoras generalizadas sobre os saldos bancários da sociedade executada e créditos sobre clientes, reduzindo a capacidade da sociedade em fazer face às suas obrigações legais o que levou à paralisação da sociedade – acordo das partes, documentos n.ºs 9 e 10 e e-mail trocado entre serviços do IGFSS, I.P., extraídos de fls. 723 a 758, numeração do SITAF, do processo n.º 539/17.9BELRS, juntos aos autos e prova testemunhal v) Não obstante, tendo em vista a recuperação da empresa e a manutenção de postos de trabalho, foi celebrado acordo de pagamento com aquela entidade pública, em 120 prestações, cuja divida englobando a quantia exequenda, juros de mora e custas totalizava, em 19/10/2014, o valor de €4.918.586,48 – acordo das partes, documentos n.ºs 4, 5 e 6, extraídos de fls. 723 a 758, numeração do SITAF, no processo n.º 539/17.9BELRS, juntos aos autos w) O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social IP arrecadou através das diligencias de penhora €369.463,20 – acordo das partes, documentos n.ºs 9 e 10, extraídos de fls. 723 a 758, numeração do SITAF, do processo n.º 539/17.9BELRS, juntos aos autos. x) De forma a tentar viabilizar a sociedade executada e a sua recuperação, em 06/10/2014, a gerência apresentou pedido de adesão ao SIREVE, procedimento n.º SIREVE nº 14104/2014 – acordo das partes, prova testemunhal e facto que se extrai dos documentos n.ºs 3 e 11, extraídos de fls. 722 e 759 a 761, numeração do SITAF, no processo n.º 539/17.9BELRS, juntos aos autos. y) A Autoridade Tributária aceitou o acordo proposto em 15/10/2014 no âmbito das negociações promovidas pelo IAPMEI, o que aconteceu com 90% dos credores – acordo das partes, prova testemunhal e documentos n.ºs 3 e 11, extraídos de fls. 722 e 759 a 761, numeração do SITAF, no processo n.º 539/17.9BELRS, juntos aos autos. z) Porque o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social IP só respondeu em 29/09/2015, um ano após as negociações, acabou por determinar que o IAPMEI comunicasse que o processo SIREVE 140104/2014, foi extinto em 19/11/2015, pelo motivo de não obtenção de acordo no prazo máximo permitido [artigo 15.º do DL 178/2012 de 3 de Agosto], o que precipitou a situação de insolvência e determinou a inviabilidade da sociedade devedora originária – acordo das partes, documento informação extraída do PEF, apenso aos autos e documento n.º 3, extraído de fls. 722, numeração do SITAF, no processo n.º 539/17.9BELRS aa) Os bens imóveis, veículos automóveis e bens móveis existentes nas instalações de Matosinhos e Lisboa da sociedade devedora originária integram a massa insolvente da insolvente e encontram-se a ser vendidos através de leiloeira – cfr. doc. n.º 1 junto com a contestação. bb) Relativamente ao período 2014/02, referente a IVA, a sociedade devedora originária, e os seus gerentes, foi condenada no processo n.º 771/2014.7IDLSB, que correu termos no Tribunal de Comarca de Lisboa, pela prática de crime de abuso de confiança fiscal e no processo n.º 427/10.0IDLSB foi proferido despacho de arquivamento parcial e acusação – cfr. doc. n.ºs 2 e 3 junto com a contestação MAIS SE PROVOU QUE: cc) Correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Criminal de Lisboa - Juiz 2, o processo n.º 2010/16.7T9LSB, com sentença transitada em julgado, que absolveu a sociedade devedora originária e gerentes do crime de abuso de confiança fiscal contra a Segurança Social e foi proferido acórdão absolutório pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no processo crime n.º 427/10.0IDLSB.L1, quanto ao crime de abuso de confiança fiscal – cfr. documentos n.ºs 1 e 2, extraídos de fls. 706 e 768 a 780, numeração do SITAF, no processo n.º 539/17.9BELRS, juntos aos autos dd) A sociedade devedora originária manteve pagamentos à Autoridade Tributária, nos períodos em causa nos presentes autos – cfr. documentos n.ºs 12 e 13, extraídos de fls. 759 a 761 e fls. 765, numeração do SITAF, no processo n.º 539/17.9BELRS, junto aos autos, e prova testemunhal ee) Existindo disponibilidade financeira, a sociedade devedora originária privilegiava o pagamento de salários dos trabalhadores e fornecedores estratégicos de modo a evitar a paralisação da atividade, à banca e à Autoridade Tributária – prova testemunhal ff) O IVA arrecadado era direcionado para pagamento de salários dos trabalhadores e dos fornecedores estratégicos para manter a atividade da empresa e cumprir com as suas obrigações – prova testemunhal gg) Sem a aprovação do SIREVE, a sociedade devedora originária viu-se obrigada a apresentar-se à insolvência – prova testemunhal hh) Relativamente às penhoras mencionadas em u), a sociedade devedora originária apresentou pedido de revisão de ato tributário, com pedido de levantamento das penhoras, arguiu a nulidade das penhoras e, face à manutenção das penhoras e falta de resposta ao pedido de pagamento em prestações, em 16/10/2014, requereu a intervenção tutelar, através de requerimento dirigido ao Secretário de Estado da Solidariedade e da Segurança Social – cfr. documentos n.ºs 5, 6, 7 e 9, extraídos de fls. 723 a 758, numeração do SITAF, no processo n.º 539/17.9BELRS, juntos aos autos. FACTOS NÃO PROVADOS Com relevância para a decisão a proferir nos autos, inexistem factos não provados. MOTIVAÇÃO Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa [ou causas] de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor e consignar se a considera provada ou não provada [cf. artigo 123.º, nº. 2, do CPPT, in casu, ex vi do artigo 211.º, n.º 1 do CPPT]. Assim, a convicção do Tribunal resultou da análise dos documentos juntos aos autos e constantes do PEF, supra ids., a propósito de cada uma das alíneas do probatório, cujo conteúdo não foi impugnado pelas partes. Por despacho de fls. 282 do SITAF, datado de 17/05/2021, foi determinado o aproveitamento da prova produzida no processo n.º 539/17.9BELRS. Com efeito, o Tribunal procedeu à audição do depoimento das testemunhas arroladas pelo Oponente, N….e C…. As testemunhas arroladas e inquiridas no âmbito do processo n.º 539/17.9BELRS mostraram possuir conhecimento direto dos factos relevantes para a decisão da causa, prestando um depoimento coerente e credível. A testemunha N…., desempregada, exerceu funções na sociedade devedora ente 08/11/1982 e 18/04/2016, afirmou que a sociedade devedora aderiu ao PEC e que foram deferidos planos de pagamento em prestações das dividas existentes, sendo dada prioridade ao pagamento das obrigações com os trabalhadores, a banca, fornecedores e Autoridade Tributária, o pagamento dos trabalhadores e dos fornecedores estratégicos eram essenciais para não paralisar a atividade da empresa e assim cumprir as suas obrigações. Disse que o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social penhorou saldos bancários da empresa e créditos sobre clientes. Mais disse que, para além do PEC, a sociedade devedora requereu a adesão ao SIREVE, o qual foi aprovado pela maioria dos credores, mas o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social demorou mais de um ano a responder, e o SIREVE não foi aprovado. Mais disse que sempre que existia disponibilidade, a empresa nunca deixou de cumprir, fosse através de planos de pagamento, fosse através da cedência de créditos à Autoridade Tributária e que entre 2010 e 2014, a sociedade pagou à Autoridade Tributária cerca de três milhões de euros em impostos, entre pagamentos voluntários e penhoras. Em sede de esclarecimentos à Fazenda Pública referiu que o IVA pago pelos clientes era direcionado para pagamento de salários e fornecedores estratégicos para evitar paralisar a empresa e não se recorda se o IVA em divida foi todo recebido. A instâncias do Tribunal acrescentou que os clientes nunca pagavam antes de 90 dias e o Estado antes dos 120 dias, que a gerência da sociedade, recorreu ao PEC, ao SIREVE e só por fim à insolvência, pois acreditavam que a empresa era viável e queriam manter a empresa, fizeram reestruturação da empresa, na tentativa de diminuição de custos, saíram trabalhadores, por estarem próximos da reforma e reduziram custos externos. Foi também ponderado o depoimento da testemunha C…, responsável por recursos humanos, exerceu funções na sociedade devedora entre 02/2002 e 0172016. Disse a sociedade devedora originária com a crise financeira de 2009, passou a sentir dificuldades financeiras e de tesouraria, em virtude da redução das vendas, por causa da crise que afetou a área automóvel e a área industrial, cujos clientes pertenciam essencialmente ao Estado [aeroporto, hospitais] e também por causa das dificuldades em obter os recebimentos dos clientes, assim a empresa fez uma reestruturação com dispensa de colaboradores e acordos de rescisão, o que aumentou as dificuldades de tesouraria, alguns acordos pagos em prestações. Afirmou que a sociedade devedora requereu o pagamento em prestações das suas dividas, quer à Segurança Social, quer à Autoridade Tributária. Disse também que, quando havia tesouraria suficiente existia a preocupação de assegurar o pagamento dos salários, pois havia situações em que toda a família trabalhava na empresa. Disse ainda que fruto dessas dificuldades de tesouraria, a empresa aderiu ao Plano Extrajudicial de Conciliação, de modo a liquidar todas as obrigações assumidas em prestações, o qual foi aprovado em 2012, com o voto favorável da Autoridade Tributária. Entretanto, a sociedade devedora reuniu com a Segurança Social, para comunicar a intenção de aderir ao SIREVE para juntar todas as dividas e proceder ao pagamento em prestações, mas apesar de todos os esforços, a Segurança Social logo a seguir penhorou os saldos bancários da sociedade, à volta de 300 mil euros, o que agravou a situação financeira da sociedade e implicou o atraso no pagamento dos salários e o cumprimento das obrigações. Mais disse que a sociedade devedora aderiu ao SIREVE, que foi aprovado pela Autoridade Tributária e pela maioria dos credores, só que a Segurança Social demorou muito tempo a decidir, mais de um ano, o que levou o IAPMEI a “deitar a baixo” o SIREVE por decurso do prazo máximo legal, e precipitou a insolvência da sociedade devedora, sem o SIREVE, sem o pagamento em prestações, não foi possível à empresa continuar. Admitiu ainda que durante o tempo em que a Segurança Social esteve sem responder tenham sido enviados e-mails. Acrescentou que as vendas, quer na área automóvel, quer na área industrial, a faturação não retomou, o que se via dos mapas que eram feitos. Os restantes factos alegados não foram julgados provados ou não provados, em virtude de não ter sido requerida e/ou produzida prova, por constituírem conclusões/considerações pessoais ou conclusões de facto ou de direito, não são os mesmos suscetíveis de ser objeto de juízo probatório [pese embora a sua pertinência nos respetivos articulados]. ». * A Recorrente impugna a matéria de facto, desde logo pretendendo se extraia o segmento conclusivo da matéria vertida nos pontos p), r), t), v), x), z), ee) e gg). Quanto à matéria do ponto p), “Apesar das dificuldades financeiras, os sócios da sociedade originária acreditaram na sua possível recuperação” – constitui, efectivamente, uma ilação material (art.º 349.º do C.C.) que o tribunal poderá retirar de factos provados, mas não constitui facto a integrar no probatório, havendo-se por não escrito (art.º 607.º, n.ºs 2 e 3 do CPC). Quanto ao ponto r), “A redução do cash flow operacional da sociedade devedora originária implicou a concentração do seu esforço financeiro no cumprimento de salários e obrigações bancárias, por imposição de cativação de dinheiros pelos mesmos” – embora este facto conste da sentença de insolvência (doc.1 junto à P.I.), a verdade é que a restante prova dos autos, nomeadamente, a testemunhal, não o corrobora nos exactos termos em que foi levado ao probatório. A alusão a “por imposição de cativação de dinheiros pelos mesmos” nunca é referida pelas testemunhas, nem resulta esclarecido o seu sentido, sendo certo que do seu depoimento, o que se apreende é que a empresa, confrontada com dificuldades de tesouraria, optou por privilegiar o pagamento de salários e das dívidas a fornecedores estratégicos, facto que se fez constar do ponto ee). Este facto, apenas suportado em factualidade importada da sentença de insolvência, mas não corroborado pela restante prova dos autos, terá de ser modificado, de modo a dele constar: “A redução do cash flow operacional da sociedade devedora originária levou-a a concentrar o seu esforço financeiro no cumprimento de salários e obrigações bancárias”. Quanto ao ponto t), “Face à eminência do incumprimento do PEC, a gerência da sociedade devedora originária, acreditando na viabilização da empresa, encetou contatos com os credores públicos no sentido de alargar parte da divida que não tinha sido incluída no Acordo com os credores, transitando para um novo processo no âmbito do Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial – SIREVE, criado pelo Decreto-Lei n.º 176/2012 de 3 de Agosto, de forma a garantir a implementação de um processo de recuperação e viabilização” – Também aqui a referência a “acreditando na viabilização da empresa” terá de se considerar não escrita por traduzir uma ilação material ou de facto. Quanto aos pontos v) - “Não obstante, tendo em vista a recuperação da empresa e a manutenção de postos de trabalho, foi celebrado acordo de pagamento com aquela entidade pública, em 120 prestações, cuja divida englobando a quantia exequenda, juros de mora e custas totalizava, em 19/10/2014, o valor de €4.918.586,48”; x) - “De forma a tentar viabilizar a sociedade executada e a sua recuperação, em 06/10/2014, a gerência apresentou pedido de adesão ao SIREVE, procedimento n.º SIREVE nº 14104/2014” e z) – Porque o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social IP só respondeu em 29/09/2015, um ano após as negociações, acabou por determinar que o IAPMEI comunicasse que o processo SIREVE 140104/2014, foi extinto em 19/11/2015, pelo motivo de não obtenção de acordo no prazo máximo permitido [artigo 15.º do DL 178/2012 de 3 de Agosto], o que precipitou a situação de insolvência e determinou a inviabilidade da sociedade devedora originária” – contrariamente ao que pretende a Recorrente, não encerram matéria conclusiva e estão apoiados documentalmente e no depoimento das testemunhas, pelo que são de manter. Quanto ao facto cc) – “Correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Criminal de Lisboa - Juiz 2, o processo n.º 2010/16.7T9LSB, com sentença transitada em julgado, que absolveu a sociedade devedora originária e gerentes do crime de abuso de confiança fiscal contra a Segurança Social e foi proferido acórdão absolutório pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no processo crime n.º 427/10.0IDLSB.L1, quanto ao crime de abuso de confiança fiscal”, que a Recorrente pretenderia ver alterado, de modo a fazer-se constar que: “Correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Criminal de Lisboa - Juiz 2, o processo n.º 2010/16.7T9LSB, com sentença transitada em julgado, que absolveu a sociedade devedora originária e gerentes do crime de abuso de confiança fiscal contra a Segurança Social e foi proferido acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no processo crime nº 427/10.0IDLSB.L1, quanto ao crime de abuso de confiança fiscal, processo onde foram absolvidos os arguidos, declarando-se que os factos praticados naqueles autos se consideram integrados na continuação criminosa dos factos praticados no processo nº 771/14.7IDLSB, que correu termos junto do Juízo Local Criminal de Lisboa, Juiz 2, devendo considerar-se, em aplicação do artigo 79.º do Cód. Penal, integrados na continuação criminosa dos factos praticados naquele processo n.º 771/14.7IDLSB.– cfr. documentos n.ºs 1 e 2, extraídos de fls. 706 e 768 a 780, numeração do SITAF, no processo n.º 539/17.9BELRS, juntos aos autos.”, apresenta-se inócuo para a matéria em discussão nos autos posto que são diversos os pressupostos da responsabilidade criminal e tributária, como, aliás, bem salienta o Recorrido. Quanto ao facto alegadamente omitido do probatório – “Em 24-10-2014 o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., informou de que iriam ser levantadas as penhoras e transferidos os valores penhorados até ao dia 08-10-2014, conforme documento 10, extraído de fls. 758, numeração SITAF do processo nº 539/17.9BELRS.” – apresenta-se também inócuo, pois o que eventualmente relevaria para a matéria dos autos era saber se, não obstante a informada intenção, os valores penhorados foram efectivamente levantados e transferidos para a sociedade executada e em que momento, o que não se demonstra. Vai indeferido o seu aditamento. Em suma e no que respeita à impugnação da decisão sobre a matéria de facto: - Considera-se não escrito o ponto p). - O ponto r), passa a ter a seguinte redacção: “A redução do cash flow operacional da sociedade devedora originária levou-a a concentrar o seu esforço financeiro no cumprimento de salários e obrigações bancárias”. - O ponto t) passa a ter a seguinte redacção: “Face à eminência do incumprimento do PEC, a gerência da sociedade devedora originária encetou contatos com os credores públicos no sentido de alargar parte da divida que não tinha sido incluída no Acordo com os credores, transitando para um novo processo no âmbito do Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial – SIREVE, criado pelo Decreto-Lei n.º 176/2012 de 3 de Agosto, de forma a garantir a implementação de um processo de recuperação e viabilização”. Improcede quanto ao demais, a impugnação da decisão da matéria de facto. Adita-se oficiosamente ao probatório, nos termos do art.º 662/1 do CPC, o seguinte facto: ii) As dívidas exequendas revertidas respeitam a IVA abrangendo períodos mensais de tributação compreendidos entre 01/03/2010 e 31/03/2014, com prazos de pagamento compreendidos entre 10/05/2010 e 09/06/2014 e a IRS, IRC e Imposto de Selo, todos retidos na fonte, e relativos a períodos de tributação compreendidos entre 01/04/2010 e 31/12/2013, com prazos limite de pagamento até 20/10/2013 (cf. relação de dívidas anexa à citação, a fls. 302 do apenso de execução). 4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO Estabilizado o probatório, é com ele que avançamos na apreciação das demais questões do recurso, as quais se prendem com a verificação dos pressupostos legais de que depende a reversão contra gerentes e administradores de sociedades. Salienta-se que não resulta controvertida efectividade da gerência do oponente nos períodos de constituição e de pagamento ou entrega das prestações tributárias em dívida. Em causa, como ilustra o probatório, estão dívidas no valor global de 2.278.435,02 euros provenientes de IVA, respeitante aos meses de Março, Abril, Maio, Junho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2010, Março, Maio, Junho, Setembro, Outubro e Novembro de 2011, Novembro de 2012, Janeiro, Fevereiro e Outubro de 2013 e Fevereiro de 2014, IRS – Retenção na Fonte referente aos meses de Março, Julho e Agosto de 2010, Março e Outubro de 2011, Dezembro de 2012, Setembro de 2013 e Abril de 2014 e Imposto de Selo, cujo prazo legal de pagamento ocorreu no período compreendido entre 30/04/2010 e 09/06/2014. Aplica-se o regime de responsabilidade subsidiária previsto na Lei Geral Tributária, cujo art.º 24.º, n.º 1, dispõe: «1 - Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si: a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação; b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento». Como a jurisprudência do STA e dos TCAS o tem vindo a salientar em inúmeros arestos (cf. Acórdão do STA, de 10/16/2013, tirado no proc.º 0458/13), de acordo com as regras de repartição do ónus da prova aplicáveis às distintas situações daquelas previsões legais (i) incumbe em qualquer dos casos à AT comprovar a alegação de exercício efectivo do cargo e, ainda, a culpa do revertido na insuficiência do património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado para a satisfação da dívida tributária, quando esta se tenha constituído no período de exercício do cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado após aquele exercício (al. a) do nº 1 do art. 24º da LGT); (ii) incumbe ao revertido comprovar que não lhe é imputável a falta de pagamento pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do cargo (al. b) do nº 1 do art. 24º da LGT). Tendo-se a reversão concretizado nos termos da alínea b) do art.º 24.º da LGT, cabia ao revertido ilidir a presunção legal de culpa na falta de pagamento dos impostos exequendos, demonstrando que essa falta de pagamento não lhe é imputável. Se tal prova não tiver sido feita, ou se subsistirem dúvidas quanto à não imputabilidade da falta de pagamento do imposto, a oposição não poderá proceder. O acto ilícito culposo que se presume praticado pelo gestor não se fica pela omissão de pagamento do imposto vencido. O que se presume é que o gestor não actuou com a diligência de um “bonus pater familiae”, com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial a do art.º 64.º do Código das Sociedades Comerciais, que lhe impõe a observância de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios, que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade – cf., entre muitos, o Acórdão do TCA Norte, de 23/11/2011, proferido no proc.º 00972/09.0 BEVIS. Apesar da dificuldade que existe na prova de um facto negativo, como é o caso da ausência de culpa, o oponente/Recorrido não pode deixar de alegar e provar factos concretos de onde se possa inferir que a insuficiência patrimonial da empresa se deveu a circunstâncias que são alheias à revertida e que não lhe podem ser imputadas. Para afastar a responsabilidade subsidiária por dívidas de impostos cujo prazo de pagamento terminou durante a sua gestão, o gestor tem, pois, que demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser censurável. Realmente, o normativo que subjaz à nossa análise faz recair sobre o gestor o ónus da prova de que não lhe é imputável a falta de pagamento ou de entrega da prestação tributária, pois tal imputabilidade presume-se. Note-se que, embora a alínea b) do art.º 24.º da LGT se refira meramente a imputação, e não a culpa, a jurisprudência tem vindo a interpretá-la reiteradamente no sentido de que é sempre exigível a culpa do gestor, entendida esta como a inobservância ou violação de uma regra de conduta previamente estabelecida. Assim, demonstrada que seja a falta de pagamento ou de entrega da dívida tributária por parte da sociedade devedora originária, recairá sobre o gestor o ónus da prova da falta de culpa por tal facto, sendo certo que a lei impõe a quem exerça funções de administração em pessoas colectivas ou entes fiscalmente equiparados «o cumprimento dos deveres tributários das entidades por si representadas» (art.º 32.º da LGT). Feitos os considerandos julgados pertinentes e descendo aos autos, constata-se que as dívidas em execução respeitam a IVA e IRC/ IRS e Imposto de Selo, todos retidos na fonte, cujos prazos de pagamento/ entrega ocorreram no lapso de tempo compreendido entre 10/05/2010 e 09/06/2014 (cf. aditado ponto ii) do probatório). Que em 26/07/2012 foi formalizada a adesão da sociedade devedora originária ao PEC (Plano Extrajudicial de Conciliação) e que em vista da deterioração da situação financeira da empresa foi diligenciada, em 06/10/2014, a extensão do plano de regularização a outras dívidas através de um outro mecanismo extrajudicial de resolução de dívidas a credores, acompanhado pelo IAPMEI, o SIREVE (Sistema Extrajudicial de Recuperação de Empresas), que se veio a frustrar por falta de resposta atempada do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. (cf. pontos q), r), s), t), x), y) e z) do probatório). E que a partir de 27/08/2014, o IGFSS, I.P., promoveu penhoras de bens da sociedade devedora originária, tendo apreendido o montante de 369.463,20€ (cf. pontos u) a w) do probatório). Frustrado o plano de reorganização das dívidas no âmbito do SIREVE, a empresa apresentou-se a processo de Insolvência. Embora se conceda que prima facie a actuação do gerente não mereça censura ao requerer em 2012, quando a empresa se confrontou com dificuldades de tesouraria, a adesão ao PEC e, ao tentar, mais tarde em 2014 a reorganização do plano de pagamentos alargando-o a outras dívidas no âmbito do SIREVE e, não tendo conseguido o acordo atempado da Segurança Social, ao apresentar-se a processo de Insolvência, a verdade é que os autos não esclarecem como a sociedade devedora originária chegou à situação de insuficiência de meios económicos para solver as dívidas tributárias revertidas, as primeiras das quais, recorda-se, tinham prazo de pagamento/ entrega em 10/05/2010, muito antes do requerimento de adesão ao PEC. A demonstração de factos reportados ao período inicial de pagamento/ entrega dos tributos em dívida é essencial para se pode aquilatar da conduta do gerente. Como está bem de ver, ninguém por certo sustentará que o gerente teve uma conduta diligente e isenta de censura só porque tentou solver esforçadamente as dívidas da sua gerida quando ele próprio tenha dado causa à situação de insuficiência de meios em que a sociedade se colocou. E é este ponto que os autos não esclarecem. A alegada crise económica mundial não permite explicar tudo, até porque há áreas negócio que, pela sua natureza, não são grandemente afectados pela má conjuntura económica. Era essencial que o oponente demonstrasse que a empresa, no contexto da crise económica, teve uma redução acentuada na sua facturação, que tinham sido rescindidos contratos, quais as áreas de negócio que experimentaram maiores dificuldades e que peso tinham na facturação global e por que delas não se desfez ou reduziu custos, se se desfez de activos supérfluos, tanto mais que, referem as testemunhas, tinha à data clientes de peso na sua área industrial de negócios, como o Estado, empresas do Sector Empresarial do Estado e grandes empresas privadas, como a Mota Engil, que se supõe serem mais resilientes a uma conjuntura económica desfavorável. Ou seja, e resumindo, não há nos autos factos que permitam concluir que a situação de insuficiência de meios económicos em que se colocou a sociedade para solver as dívidas tributárias (e que conduziria à adesão aos Planos de Regularização e, por fim, à Insolvência da sociedade) se deveu exclusivamente a factores exógenos que uma gestão prudente e cautelosa, feita no interesse da sociedade, dos sócios e dos credores, não poderia evitar. Por outro lado, mostra o probatório que “o IVA arrecadado era direccionado para pagamento de salários dos trabalhadores e dos fornecedores estratégicos para manter a actividade da empresa e cumprir com as suas obrigações” (cf. ponto ff) do probatório). Pois bem, a utilização de importâncias arrecadadas (no caso do IVA) ou retidas na fonte (caso do IRC/ IRS e Imposto de Selo), em proveito da sociedade devedora originária, mesmo num contexto de insuficiência de meios económicos, não é isenta de censura, bem pelo contrário. Com efeito, não se afigura que o legislador fiscal compactue com a situação em que as empresas compõem a situação deficitária de tesouraria apropriando-se de dinheiros do Estado, que cobraram na facturação a clientes (IVA) ou por via de substituição tributária (IRC/IRS e Imposto de Selo). É que, uma coisa é a empresa deixar de pagar impostos num contexto de insuficiência de meios económicos; outra, bem mais gravosa, é a apropriação que a pretexto da continuidade da actividade empresarial e o cumprimento de obrigações se faça de dinheiros arrecadados de terceiros e cujo destinatário é o Estado. Esta opção gestionária de não pagamento ou entrega ao Estado dos impostos arrecadados de outros sujeitos passivos não é isenta de censura, bem pelo contrário, apresenta-se especialmente censurável. E note-se que a alegação de que as facturas (em que era liquidado o IVA) eram pagas por clientes muito depois dos prazos legais de entrega do imposto (a 90 ou 120 dias, como referem as testemunhas), em nada desvirtua a situação como de falta de entrega do imposto liquidado e cobrado de outros sujeitos passivos, imputável ao gestor. Tudo visto, concluímos que o revertido oponente (aqui, Recorrido) não logrou fazer prova (e essa prova tinha de ser concludente) de que a falta de pagamento ou entrega dos impostos exequendos não lhe é imputável, nem de que a situação de insuficiência de meios em que a sociedade devedora originária se colocou (e que sucessivamente a conduziram para planos extrajudiciais de recuperação de dívidas e posterior insolvência) não resultou de qualquer actuação que lhe possa ser censurada, antes se devendo a razões exógenas, que uma prudente e cuidada gestão não poderiam evitar ou prevenir. A sentença recorrida, que concluiu diferentemente, enferma de erro de julgamento, sendo de revogar e conceder provimento ao recurso. Procedendo a apelação, importa conhecer das questões colocadas na P.I. que a sentença deu por prejudicadas em vista da solução dada ao litígio (art.º 665/2 do CPC), e que se prendem com a insuficiência de bens da devedora originária e a falta de fundamentação do despacho de reversão. A sociedade devedora originária foi declarada insolvente por sentença de 16/03/2016, junta à P.I. como doc.1 (cf. ponto e) do probatório). No seguimento da avocação dos processos de execução fiscal ao de insolvência, foi elaborada a informação executiva de 17/05/2016, a fls.120 do apenso de execução, em que é proposta a preparação com vista à reversão contra os gerentes da devedora originária. De resto, como flui do probatório, a reversão operou após a declaração de insolvência da devedora originária e apensação dos processos de execução fiscal ao de Insolvência. Pretende o oponente que a devedora originária é proprietária de bens móveis e imóveis, pelo que, como pressuposto prévio da reversão, deveria a Administração tributária fazer prova da insuficiência de bens da primitiva executada e, só após excutido o património social, fazer operar a reversão. Dispõe o art.º 23.º da Lei Geral Tributária, na redacção aplicável da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro: «Artigo 23.º 1 - A responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal.Responsabilidade tributária subsidiária 2 - A reversão contra o responsável subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão. 3 - Caso, no momento da reversão, não seja possível determinar a suficiência dos bens penhorados por não estar definido com precisão o montante a pagar pelo responsável subsidiário, o processo de execução fiscal fica suspenso desde o termo do prazo de oposição até à completa excussão do património do executado, sem prejuízo da possibilidade de adopção das medidas cautelares adequadas nos termos da lei. 4 - A reversão, mesmo nos casos de presunção legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário nos termos da presente lei e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação. 5 - O responsável subsidiário fica isento de custas e de juros de mora liquidados no processo de execução fiscal se, citado para cumprir a dívida constante do título executivo, efectuar o respectivo pagamento no prazo de oposição. 6 - O disposto no número anterior não prejudica a manutenção da obrigação do devedor principal ou do responsável solidário de pagarem os juros de mora e as custas, no caso de lhe virem a ser encontrados bens. 7 - O dever de reversão previsto no n.º 3 deste artigo é extensível às situações em que seja solicitada a avocação de processos referida no n.º 2 do artigo 181.º do CPPT, só se procedendo ao envio dos mesmos a tribunal após despacho do órgão da execução fiscal, sem prejuízo da adopção das medidas cautelares aplicáveis». O Supremo Tribunal Administrativo tem considerado, em circunstâncias semelhantes, que a referência à declaração de insolvência em despacho de reversão – o que no caso se verifica (cf. fundamentos da reversão vertidos na citação, a fls.301 do apenso) – basta para que a execução fiscal possa ser revertida contra responsável subsidiário – vd. Ac. do STA de 12/16/2020, proc.º 0415/14.7BEVIS 0346/18. Nesta actual imposição [do nº 7 do art.º 23º da LGT], de que o OEF aprecie desde logo os requisitos da reversão da execução fiscal antes da avocação de processos para efeitos de apensação ao processo de insolvência, terá, naturalmente sido ponderada uma vertente de celeridade processual, permitindo o imediato prosseguimento do processo contra o responsável subsidiário após o processo de insolvência ser declarado findo e os processos de execução fiscal serem devolvidos à AT (nº 4 do art.º180º do CPPT), justificando-se, ainda, tal imposição «por serem situações em que é presumível a insuficiência do património do sujeito passivo devedor originário para o pagamento da totalidade das suas dividas. Porém, o «dever de reversão» de que se fala, não pode deixar de ser entendido como um dever de apreciação dos requisitos da reversão, pois ela só será de decidir se se verificarem os restantes requisitos de que depende, para além da presumível insuficiência patrimonial, designadamente a culpa presumida ou provada do responsável subsidiário e o exercício efectivo das funções que são pressuposto da responsabilidade subsidiária.» – vd. Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, “Lei Geral Tributária, Anotada e comentada”, 4ª Ed., 2012, Encontro da Escrita Editora, p. 223. Ou seja, da interpretação que a jurisprudência e a doutrina fazem da norma do n.º 7 do art.º 23.º da LGT, resulta que pese embora a reversão deva ter lugar com fundamento em declaração de insolvência, a execução tem de ficar sustada após o termo do prazo de oposição, até à completa excussão do património da executada, só podendo prosseguir posteriormente, findo o processo de Insolvência da devedora originária, uma vez que só então fica definido com precisão o montante a pagar pelo responsável subsidiário (art.º 23/3 da Lei Geral Tributária). Revertendo aos autos, contrariamente ao que advoga o oponente, a reversão da execução contra responsáveis subsidiários com fundamento na declaração judicial de insolvência prescinde da excussão prévia (à reversão, que não à penhora dos bens do responsável subsidiário) do património da SDO, bem como de diligências de averiguação dos bens de que a devedora originária seja eventualmente proprietária. E isso é assim, porque essa insuficiência de bens se presume (cf. art.º 3.º, n.º 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), segundo o qual, “É considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas”). Improcede este fundamento da oposição. Por último, quanto à insuficiente fundamentação do despacho de reversão, vejamos. A reversão, sendo um acto administrativo tributário, como bem diz o oponente, deve conter a sua fundamentação. A exigência legal e constitucional de fundamentação do acto administrativo, decorrente dos artigos 268º da CRP e 125º do Cód. do Procedimento Administrativo, visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a Administração a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa. A fundamentação do acto administrativo deverá assim obedecer a três requisitos essenciais: deverá ser clara, deverá ser suficiente e deverá também ser congruente. Como vêm afirmando a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e a doutrina o acto encontra-se suficientemente fundamentado quando dele é possível extrair qual o percurso cognoscitivo seguido pelo agente para a sua prática. Ponto é que a fundamentação responda, às necessidades de esclarecimento do contribuinte informando-o do itinerário cognoscitivo e valorativo do acto administrativo permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática. No que em especial concerne à fundamentação do despacho de reversão da execução fiscal, a lei é expressa a determinar, no já citado n.º 4 do art.º 23.º da LGT, que: «A reversão, mesmo nos casos de presunção legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário nos termos da presente lei e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação». A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem abordado a temática da fundamentação do despacho de reversão em diversos acórdãos (cf., entre outros, os acórdãos de 31/10/2012, proc. 0580/12, de 23/01/2013, proc. 0954/13, de 18/02/2015, proc. 01860/13, de 08/04/2015, proc. 0345/14 e o acórdão do Pleno de 16/10/2013, proc. 0458/13). Fazendo uma síntese da doutrina defendida naqueles arestos assim se sublinhou no referido Acórdão 458/13 do Pleno «…são pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária, a inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal, dos responsáveis solidários e seus sucessores (nº 2 do art. 23º da LGT e nº 2 do art. 153º do CPPT), bem como o exercício efectivo do cargo nos períodos relevantes de verificação do facto constitutivo da dívida tributária ou do prazo legal de pagamento ou entrega desta (nº 1 do art. 24º da LGT). Daí que a fundamentação formal do despacho de reversão se baste com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada (citado nº 4 do art. 23º da LGT)». E especificando o âmbito dessa fundamentação tem o alto tribunal entendido que em relação à fundamentação de direito, para que tal fundamentação se considere suficiente, não é sempre necessária a indicação dos preceitos legais aplicáveis, bastando a referência aos princípios pertinentes, ao regime jurídico ou a um quadro legal bem determinado, devendo considerar-se o acto fundamentado de direito quando ele se insira num quadro jurídico-normativo perfeitamente cognoscível, impondo-se a verificação de duas condições: que se possa afirmar, inequivocamente, perante os dados objectivos do procedimento, qual foi o quadro jurídico tido em conta pelo acto e que se possa concluir que esse quadro jurídico era perfeitamente conhecido ou cognoscível pelo destinatário, hipotizando-se que o seria por um destinatário normal na posição em concreto em que aquele se encontra. Ora, como se constata dos fundamentos da reversão incluídos na citação (consta a fls.301 do apenso de execução), é ali referido: «(…) Dos administradores, directores ou gerentes e ou outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão e pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por Não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/ entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [art.24.º/n.º 1/b) LGT]. Insuficiência de bens da devedora originária (artigos 23.º/1 a 3 e 7 da LGT e 153.º/1/2/b) do CPPT), decorrente da situação líquida negativa (SLN) declarada pela devedora originária na última declaração referente à Informação Empresarial Simplificada (IES) e/ ou em face de insolvência declarada pelo Tribunal». Mais consta da citação como «identificação da dívida em cobrança coerciva» a quantia exequenda de 2.278.435,02EUR, conforme anexo, que é constituído por uma relação em que se identifica a proveniência da dívida, o período do facto constitutivo e o prazo legal de pagamento ou entrega do tributo (cf. fls.302 do apenso). Ora, no caso vertente, os elementos constantes dos autos e a materialidade vertida no probatório (cf. pontos h) a m) do mesmo) permitem concluir que o acto de reversão contém os requisitos de fundamentação exigíveis, não padecendo do vício de forma que lhe é apontado. Improcede também este fundamento da oposição. * Quanto ao pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça ao abrigo do disposto no artigo 6°, n.º 7 do RCP, nesta instância. O valor atribuído ao processo é de 2.278.453,02 Euros. Dispõe o n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais que «[n]as causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.». Trata-se, portanto, de uma dispensa excepcional que, à semelhança do que ocorre com o agravamento previsto no nº 7 do art.º 7º do mesmo Regulamento, depende de concreta e casuística avaliação pelo juiz e deve ter lugar aquando da fixação das custas ou, no caso de aí ser omitida, mediante requerimento de reforma da decisão — cf., neste sentido, o acórdão do Pleno da Secção do CT do STA, de 15/10/2014, tirado no proc. nº 01435/12. Ora, constata-se que, no caso, as questões jurídicas decididas, já foram repetidamente tratadas na jurisprudência e as de facto não se revestiram de especial complexidade e, outrossim, haverá que relevar a apresentação de concisas alegações e contra-alegações de recurso e a adequada conduta processual das partes. Assim, considerando a concreta e casuística avaliação, assente nos supra apontados pressupostos que, no caso, se têm por verificados, a que acrescem ainda razões constitucionais de justiça e proporcionalidade, entende-se estar justificada a dispensa total do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida no recurso, conforme o pedido formulado pela Recorrente ao abrigo do disposto no nº 7 do artigo 6º do citado Regulamento, (que aproveita a ambas as partes), ao que se provirá na parte dispositiva do acórdão. 5 - DECISÃO Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em: i) Conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, conhecendo em substituição, julgar a oposição improcedente. ii) Dispensar as partes do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida no recurso. Condena-se o Recorrido em custas. Lisboa, 24 de Novembro de 2022 _______________________________ Vital Lopes ________________________________ Luísa Soares ________________________________ Tânia Meireles da Cunha |