Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1641/14.4BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:09/30/2021
Relator:LURDES TOSCANO
Descritores:ERRO NA FORMA DO PROCESSO
CONVOLAÇÃO
Sumário:I – Não é em função do vício do acto sindicado, mas antes do próprio acto sindicado, que se determina qual o meio de defesa processualmente adequado dentre os que a lei assegura ao executado por reversão, e sendo que, no caso dos autos, o acto sindicado é o despacho de reversão, e não as liquidações das dívidas exequendas, tem de concluir-se que a impugnação judicial de que o então impugnante lançou mão não é o meio processualmente idóneo para contra ele reagir, pois que sendo tal acto praticado no âmbito de processos de execução fiscal, terá de ser sindicado através dos meios de defesa próprios deste processo. Pelo que forçoso é concluir que estamos perante o erro na forma do processo.

II – Se a tal não obstava o pedido formulado, a verdade é que só é possível a convolação se a petição inicial tiver sido apresentada no prazo da oposição.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

J..., com os sinais nos autos, veio, em conformidade com os artigos 279.º, 280.º, 281.º e 286.º, n.º 2, todos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, interpor recurso da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, a qual, no âmbito da impugnação judicial deduzida por aquele contra a reversão por dívidas fiscais no montante de €264.815,49, julgou procedente a excepção de erro na forma do processo e, em consequência, absolveu a Fazenda Pública da instância. Mais, aquela sentença, fixou à causa o valor de €264.815,49 e condenou o Impugnante nas custas.

O Recorrente termina as alegações de recurso formulando as conclusões seguintes:

i. Veio o douto Tribunal “a quo” proferir douta sentença a julgar procedente a excepção de erro na forma do processo e, consequente a absolver a AT da instância uma vez que considerou o douto tribunal existir um erro na forma do processo bem como considerou que a arguição de nulidade de citação deveria ter sido suscitada no respectivo processo executivo, perante o órgão de administração fiscal e dentro do prazo de oposição.
ii. Ora, salvo o devido respeito, que aliás é muito, não pode a ora recorrente concordar com o douto despacho proferido pelo douto Tribunal “a quo” uma vez que representa uma clara violação do Princípio da Materialidade Subjacente bem como violação da legislação aplicável aos presentes autos.
iii. A arguição da nulidade de citação foi feita perante o douto tribunal, fazendo parte integrante da petição inicial apresentada onde se colocavam outras questões de matéria controvertida e que impunham uma decisão de mérito.
iv. E, tendo a petição inicial sido apresentada perante o órgão de administração fiscal pelo que, a existir erro na forma do processo, deveria o órgão de administração ter promovido pela sanação de tal deficiência processual.
v. Não o tendo feito em momento oportuno, determina a prejudicialidade do ora recorrente, determinando uma frustração e violação do próprio princípio da Confiança, proclamado que é no Estado de Direito Democrático.
vi. E mesmo que assim o não fosse, quando suscitada tal alegado erro na forma de processo em juízo, sempre se determinaria que viesse o douto Tribunal a quo promover a convolação oficiosa na forma de processo correcta (Ac. do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no âmbito do processo n.º 01271/13, de 04-03-2015).
vii. Ao determinar o erro na forma do processo, o douto tribunal agiu totalmente contrário quer à Lei quer à própria jurisprudência dominante, promovendo o douto tribunal por uma decisão surpresa (Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no âmbito do processo n.º 572/11.4TBCND.C1, de 13-11-2012).
viii. A douta sentença na qual vem indicar que é errada a forma de processo, sem qualquer exercício prévio do Direito de Contraditório e sem promover sequer a convolação oficiosa da mesma, é “uma verdadeira decisão surpresa”, não lhe tendo sido assegurado o direito ao contraditório (art. 3º do CPC).
ix. Ora, salvo melhor opinião, ao não ter o douto Tribunal a quo promovido a audição do recorrente no quanto concernia a eventual erro na forma de processo respeitante ao pedido de nulidade invocado e bem assim, ao não promover de forma oficiosa à convolação desta, promoveu a omissão de uma previsão legal considerada essencial para a regular tramitação processual.
x. Pelo que o douto tribunal, tendo sido a nulidade de citação arguida na qualidade de matéria controvertida, deveria ter sido apreciada pelo douto tribunal.
xi. Nestes termos, requer-se a V. Exa., a revogação da douta sentença que ora se recorre por forma a que seja proferida decisão de mérito sobre questões suscitadas na impugnação judicial.

Nestes termos em que com os mais de Direito doutamente supridos por V. Exa. se requer a procedência por provado do presente Recurso e, consequentemente, se determine a revogação da sentença proferida ora em crise e a sua substituição por outra que proferida decisão de mérito sobre questões suscitadas na impugnação judicial ao caso concreto em estrita conformidade com o postulado pela douta JUSTIÇA!
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A Fazenda Pública, aqui Recorrida, notificada, não apresentou contra-alegações.
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Notificado, o Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que a recorrente remate a sua alegação (art. 639º do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal.
De outro modo, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.
Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que no caso concreto, a questão fundamental a decidir é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao julgar verificada a excepção de erro na forma de processo e ainda, no pressuposto de que não era possível a convolação dos autos de impugnação judicial em oposição, ter absolvido a Fazenda Pública da instância. Importa, ainda, apreciar se a decisão recorrida constitui uma “decisão supresa”.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. De facto
Com interesse para a decisão de mérito, levam-se ao probatório, os seguintes factos, que se encontram provados documentalmente:
A) Em 17/01/2014, o impugnante assinou o A.R. que acompanhou o envio da comunicação atinente à citação em reversão, no âmbito do processo de execução fiscal nº 31072005011... e apensos, da sociedade P..., S.A., cfr. fls. 49 do PAT apenso;
B) A petição inicial da presente impugnação judicial deu entrada, via fax, no dia 07/05/2014, no SF de Lisboa 8, conforme cabeçalho e rodapé da p.i. junto aos autos, fls. 4 e sgs.
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II.2. De Direito
Em sede de aplicação de direito, a sentença recorrida julgou procedente a excepção de erro na forma do processo e absolveu a AT da instância.
Para tal, apresentou a seguinte fundamentação em síntese:
«Do erro na forma do processo
Vem invocado pela RFP que uma vez que vem apresentar impugnação judicial na qual peticiona a anulação do acto de reversão e requer a nulidade da citação por vício de violação de lei.
No que concerne ao acto de reversão o meio processual adequado para reagir contra o despacho de reversão é a oposição à execução fiscal e não a impugnação judicial e no que concerne à nulidade da citação também a impugnação judicial não é o meio processual adequado.
Após citação no PEF nº 31072005011... e apensos, veio o impugnante deduzir oposição peticionando a anulação do acto de reversão e requer a nulidade da citação, por vício de violação de lei.
A impugnação apenas é admitida, como decorre do art. 97º. nº 1 do CPPT, nas situações previstas nas suas alíneas a) e g). Significa isto que o revertido pode deduzir impugnação judicial, com fundamento em qualquer ilegalidade, porém, apenas naquelas situações; nelas não se inclui, todavia, o despacho que ordena a reversão da execução.
De concluir é, que do despacho que ordena a reversão não cabe impugnação judicial. Nos termos das alíneas c) e d) do artigo 99º do CPPT, a impugnação pode fundar-se em qualquer ilegalidade, designadamente, a «ausência ou vício da fundamentação legalmente exigida» e a «preterição de outras formalidades legais». Sendo objectivo do recorrente demonstrar que o acto que determinou a reversão da execução contra si enferma de vício atinente à fundamentação, e que não foram cumpridas formalidades impostas pela lei, parece adequado, à luz das transcritas alíneas, usar a impugnação. Porém, a impugnação dos despachos de reversão proferidos no processo de execução fiscal não cabe neste rol. No que toca ao despacho de reversão, o meio mais adequado, por melhor tutelar os interesses do revertido, é a oposição à execução.
Pelo que, a anulação do despacho de reversão só no processo de oposição pode ser peticionada.
No que concerne à nulidade da citação, igualmente a impugnação não é o meio próprio. A arguição da nulidade da citação para a execução fiscal tem de ser suscitada no respectivo processo executivo, perante o órgão de administração fiscal, e dentro do prazo da oposição (artigo 198.º, nº 2 do CPC), com posterior reclamação prevista no artigo 276º e seguintes do CPPT para o tribunal tributário de 1ª instância da decisão de indeferimento. Sendo o prazo para deduzir oposição à execução fiscal, em regra, de 30 dias, a contar da citação pessoal [artigo 203, nº 1, alínea a) do CPPT], na data da apresentação da petição. Na data em que foi apresentada a impugnação judicial em 27.03.2012, já tinha decorrido mais de 30 dias pelo que não se mostrava viável a convolação pretendida, como bem decidiu a sentença recorrida. Em face do pedido formulado e tendo em conta o facto de ter sido instaurada a acção de impugnação judicial para além do prazo de 30 dias (e até do prazo de 3 meses), a convolação em requerimento a apresentar ao órgão de execução fiscal, seria um ato inútil que a lei proíbe, por força do art.º 137,º do CPC.
(…)
Ocorrendo erro na forma do processo há lugar à absolvição da FP da instância, nos termos do artº 577º al b) do CPC, ex vi do artº 2º al e) do CPPT.»
Inconformado, o recorrente veio apresentar recurso da referida decisão alegando que a mesma representa uma clara violação do Princípio da materialidade subjacente bem como violação da legislação aplicável aos presentes autos (conclusão II. do recurso).
O recorrente vem insurgir-se contra a decisão, sustentando, no que aqui importa, que:
(i) A arguição da nulidade de citação impunha uma decisão de mérito;
(ii) O alegado erro na forma do processo determinaria a convolação oficiosa na forma de processo correcta;
(iii) A decisão ao ter determinado o erro na forma do processo, sem exercício prévio do contraditório (art. 3º do CPC), é “uma verdadeira decisão surpresa”.

Vejamos.

Nos termos do disposto no artigo 2º, nº 2, do CPC, “a todo o direito, excepto quando a lei determine o contrário, corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da acção”.

O erro na forma de processo, previsto no art. 193º do CPC, ocorre sempre que a forma processual escolhida não corresponde à natureza da acção, ou seja, o erro na forma de processo ocorre quando o autor use uma forma processual inadequada para fazer valer a sua pretensão.

Constitui entendimento doutrinal e jurisprudencial que a ocorrência de tal erro deve aferir-se pelo pedido formulado na acção, pois é pela pretensão que o requerente pretende fazer valer que se determina a propriedade ou impropriedade do meio processual empregue para o efeito.

O responsável subsidiário pode impugnar a liquidação de imposto cuja responsabilidade lhe é atribuída e/ou opor-se à execução que contra ele reverteu, mas não pode fazê-lo indiferentemente por um ou outro meio consoante o que mais lhe convier, pois a cada direito corresponde o meio processual adequado para o fazer valer em juízo.
Ora, não é em função do vício do acto sindicado, mas antes do próprio acto sindicado, que se determina qual o meio de defesa processualmente adequado dentre os que a lei assegura ao executado por reversão, e sendo que, no caso dos autos, o acto sindicado é o despacho de reversão, e não as liquidações das dívidas exequendas, tem de concluir-se que a impugnação judicial de que o então impugnante lançou mão não é o meio processualmente idóneo para contra ele reagir, pois que sendo tal acto praticado no âmbito de processos de execução fiscal, terá de ser sindicado através dos meios de defesa próprios deste processo.
Pelo que forçoso é concluir que, tal como foi decidido pelo tribunal a quo, estamos perante o erro na forma do processo.

Prosseguindo.

(i) Da arguição da nulidade da citação

Alega o recorrente que a arguição da nulidade de citação feita perante o tribunal, e fazendo parte integrante da petição inicial, impunha uma decisão de mérito.

Ora, a nulidade da citação deve ser arguida no próprio processo de execução fiscal no prazo que tiver sido indicado para a dedução da oposição [artigo 191º, nº 2 do CPC] e que, em regra, é de 30 dias a contar da citação [artigo 203º, nº 1 do CPPT], com posterior reclamação para o tribunal tributário de 1ª instância da eventual decisão de indeferimento [artigos 276º do CPPT e 103º, nº 2 da LGT], como constitui jurisprudência pacífica e uniforme - neste sentido, entre muitos, acórdãos do STA de 4/11/2009 e de 10/3/2011, Processo 0416/06 e nº 042/11, respectivamente e acórdão do TCAN de 7/7/2011, Processo 712/10.0 BEPRT.

Deste modo, não assiste razão ao recorrente e improcede o presente fundamento de recurso.

Prosseguindo.

(ii) O alegado erro na forma do processo determinaria a convolação oficiosa na forma de processo correcta

A decisão recorrida pronunciou-se pela impossibilidade de convolação [cf. artigo 97º, nº 3, da LGT e pelo artigo 98º, nº 4, do CPPT] da impugnação judicial em qualquer dos meios processuais considerados idóneos à pretensão do Recorrente.

Com efeito, se a tal não obstava o pedido formulado, a verdade é que só é possível a convolação se a petição inicial tiver sido apresentada no prazo da oposição (acórdãos do STA de 4/6/2008, 25/6/2008 e de 19/11/2008, proferidos nos recursos 076/08, 0123/08 e 0711/08).

O prazo para deduzir oposição à execução fiscal é, em regra, de 30 dias a contar da citação pessoal (artigo 203, nº 1, alínea a) do CPPT), contando-se de forma contínua nos termos do Código de Processo Civil, por força do disposto no artigo 20º, nº 2 do CPPT, uma vez que o processo de execução fiscal, não obstante corra perante órgãos da administração tributária, tem natureza judicial (artigo 103º, n.º 1 da LGT).

Tendo o ora Recorrente sido citado para a execução em 17/01/2014, e a apresentação da petição que deu origem aos presentes autos ter acontecido em 07/05/2014, foi manifestamente apresentada já depois de esgotado o referido prazo legal de 30 dias, que é peremptório e cuja extemporaneidade faz precludir o direito que se pretendia fazer valer, pelo que não pode operar-se a convolação em processo de oposição nem em requerimento dirigido ao órgão de execução fiscal, sob pena da prática de actos inúteis, proibida por lei (artigo 130º do CPC).

Pelo que não assiste razão ao recorrente e improcede o presente fundamento de recurso.

Por último,

(iii) A decisão ao ter determinado o erro na forma do processo, sem exercício prévio do contraditório (art. 3º do CPC), é “uma verdadeira decisão surpresa”.

Alega o recorrente que tendo a decisão recorrida indicado que é errada a forma do processo sem o exercício prévio do contraditório (art. 3º do CPC), e sem promover a convolação a oficiosa da mesma “é uma verdadeira decisão surpresa”.

Mas não tem razão.

Quanto à promoção oficiosa da convolação já supra nos pronunciámos, pelo que nada temos a acrescentar.

Quanto à “decisão surpresa”, a mesma não aconteceu.

Visa o nº 3, do artigo 3º, do CPC banir as decisões surpresa e, por isso, se defende que o Juiz não pode decidir questões de conhecimento oficioso sem que previamente tenha sido facultada às partes a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.

Ora, no caso dos presentes autos, já na contestação apresentada pela Fazenda Pública, a mesma levantou “Questão prévia” intitulada “Da impropriedade do meio processual utilizado”.

E, não só o recorrente foi notificado da contestação, como respondeu à mesma, conforme o próprio escreveu «ao abrigo do Princípio do Contraditório, o seu elementar Direito de Pronúncia» tendo referido que não colhia o entendimento de que não é o presente meio, o meio adequado para reagir contra a citação por reversão, tudo conforme números 22. e 23. da resposta à contestação.

Assim, teve o recorrente a oportunidade de se pronunciar sobre o erro na forma do processo e pronunciou-se, pelo que a decisão recorrida não constituiu nenhuma “decisão surpresa”.

Termos em que, igualmente, improcede o presente fundamento de recurso.

Deste modo, improcede o presente recurso e mantém-se a sentença recorrida.



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III – DECISÃO

Termos em que, acordam os Juízes da 1ª Subsecção da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao presente recurso, e em consequência, manter a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente, sem prejuízo de eventual apoio judiciário.

Registe e notifique.

Lisboa, 30 de Setembro de 2021

[O Relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão as restantes Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, as Desembargadoras Maria Cardoso e Catarina Almeida e Sousa]