Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06515/13
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:11/27/2014
Relator:BÁRBARA TAVARES TELES
Descritores:CESSAÇÃO DA ACTIVIDADE. ÓNUS DA PROVA.
Sumário:1- Estando definitivamente decididas as questões inerentes à data da cessação da actividade da sociedade em causa esta tem o ónus da prova, relativamente ao afastamento da presunção prevista no art. 73º da LGT, restando agora apurar se conseguiu, ou não, ilidira presunção de rendimentos prevista no nº4 do art. 53º do CIRS(colecta mínima), durante o período de tributação aqui em causa.

2- Por falta de actividade, a sociedade não pode ter documentadas na sua contabilidade verbas a título de proveitos ou encargo relevantes fiscalmente para trazer aos autos. A isto acresce o imperativo constitucional de que a tributação das empresas deverá incidir sobre o seu rendimento real e efectivo (cfr. art. 107º, nº 2, da CRP), e este, em primeira linha, será apurado segundo a declaração do contribuinte.

3- Impõe-se pois concluir que a liquidação de IRC feita pela AT não pode subsistir já que se encontra demonstrada a inexistência de facto tributário e não pode manter-se uma situação tributária com base em matéria colectável que se provou não ser real.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO
A Fazenda Pública, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que julgou procedente a impugnação judicial, contra si instaurada e intentada por Florentina Gonçalves da Conceição na qualidade de revertida como responsável subsidiária na execução fiscal nº ………………, visando a liquidação de IRC relativa ao período de 01/01/2007 a 24/01/2007, no valor de €1443,50.
veio dela interpor o presente recurso jurisdicional:
A Recorrente termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
A). A questão decidenda é aferir se a impugnante logrou demonstrar a inexistência de actividade e de rendimentos da sociedade originária devedora no período de tributação aqui em causa;
B). A liquidação oficiosa de IRC, ora impugnada, foi efectuada de acordo com as regras do regime simplificado, por aplicação do disposto no n.o 4 do art." 53.o do CIRC, a um sujeito de IRC colectado pelo exercício da actividade de prestação de serviços no âmbito de actividades hoteleiras e similares, restauração e bebidas;
C).A lei estabelece para as entidades com sede e direcção efectiva em Portugal, que a cessação de actividade se verifica na data do encerramento da liquidação (cfr. al. a) do n.º 5 do artº 8.º do CIRC e n.º 2 do artº 160.º do CSC), ou seja;
D). Uma sociedade dissolvida só se considera extinta após o registo do encerramento da liquidação;
E).No caso sub judice, a sociedade originária devedora cessou a actividade em sede de IVA em 2006/12/31 e em sede de IR em 2007101124 (data em que ocorreu a dissolução e encerramento da liquidação da sociedade registada na Conservatória do Registo Predial/Comercial de Lagos). A data da aprovação das contas foi em 2006/12/31;
F). Dissente-se do decidido na douta sentença, já que a impugnante não logrou provar, como lhe competia, que a sociedade não exerceu qualquer actividade nem obteve qualquer rendimento susceptível de tributação em sede de IRC, durante o período de tributação aqui em causa (vide n.º 1 do art.o 342.º do CC e art. 74.º n.o 1 da LGT), pois embora,
H). Com a p.i tenha arrolado prova documental e testemunhal, essa;
I). Prova documental é constituída por: citação da reversão, informação e despacho de reversão, acta da sociedade n.o 12, certidão permanente da Conservatória do Registo Predial/Comercial de Lagos, declaração periódica de IVA (2006/12T), declaração de IRC Mod. 22 de 2007 e Anexo B relativo ao Regime Simplificado;
J). E, no dia marcado para a inquirição da testemunha arrolada pela impugnante - 19 de Outubro de 2012, pelas 10h00 -, não compareceu nem a Mandatária da impugnante nem a testemunha;
L). Assim sendo, e salvo melhor entendimento, da prova documental apresentada não se infere a inactividade da empresa e a ausência de rendimentos tributáveis, pois, mantendo a sua existência jurídica até à sua efectiva dissolução pode sempre obter rendimentos, ainda que não directamente resultantes do exercício da sua actividade propriamente dita, mas através da obtenção de outros rendimentos tributáveis (vide Ac. do STA, de 2009111104, proc. 0553/09, 2010111117, proc. 0609110 e 2011103122, proc. 0988110);
M). Por isso, não é a mera junção da declaração de rendimento de IRC de 2007 e da DP de IVA do período de 2006/12T que permitem concluir que a sociedade não obteve rendimentos tributáveis, porque mantendo a sua existência jurídica até à data da sua dissolução e encerramento da liquidação, podia sempre proceder à venda do seu imobilizado corpóreo. Não há prova que durante esse período tal não tivesse ocorrido, dando origem a rendimentos sujeitos a tributação;
N). E, por isso, a impugnante não conseguiu ilidir a presunção de rendimentos prevista no n.0 4 do art.0 53.0 do CIRS (colecta mínima), sendo que não demonstrou a inexistência de facto tributário, durante o período de tributação aqui em causa;
O). Com efeito, encontra-se legitimada a conduta da Administração Tributária relativamente às liquidações impugnadas, como a douta sentença reconheceu (fls. 5/6), mas verifica-se que a impugnante não apresentou prova, nomeadamente, testemunhal, que viesse esclarecer o percurso da sociedade durante o referido período de tributação;
P). A não prova de um facto não pode significar a prova do seu contrário;
Q). Logo, ao decidir como decidiu, a douta sentença violou as normas legais aqui invocadas, padecendo de erro de julgamento.
Pelo exposto, deve ser dado provimento ao presente recurso e consequentemente revogada a douta sentença recorrida, que deverá ser substituída por acórdão que mantenha as liquidações impugnadas, assim se fazendo JUSTIÇA.”

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A Recorrida não apresentou contra-alegações.
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Neste Tribunal, o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer, defendendo a improcedência do recurso, por a decisão não padecer de quaisquer vícios.
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Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.
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Objecto do recurso - Questão a apreciar e decidir:
Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pela Recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.
A questão suscitada pela Recorrente consiste em apreciar se o Tribunal a quo errou ao decidir que a sociedade, da qual a Recorrente era sócia – gerente, não exerceu qualquer actividade, nem obteve qualquer rendimento, susceptível de tributação em sede de IRC, durante o período de tributação em causa.
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II.FUNDAMENTAÇÃO
II. 1. Da Matéria de Facto
A sentença recorrida deu como assente a seguinte matéria de facto:

A. A devedora originária “Florentina ……………. & ……………….., Lda., foi criada em 1995” (cfr. fls. 40 do p.a.);
B. A devedora originária cessou a sua actividade para efeitos de IVA em 31 de Dezembro de 2006 (cfr. fls. 42 do p.a.);
C. A devedora originária foi dissolvida, com declaração simultânea de liquidação e aprovação de contas, por reunião datada de 31/12/2006, de acordo com a acta de fls. 19 a 23 do p.a.);
D. A devedora originária registou na Conservatória do Registo Comercial de Lagos, a sua dissolução e encerramento da liquidação, pela Ap. 1, de 24 de Janeiro de 2007 (cfr. fls. 24 do p.a.);
E. A devedora originária relativamente ao exercício de 2007 entregou, declaração, modelo 22, relativo aos dias 01-01-2007 a 24-01-2007 (cfr. fls. 27 a 31 do p.a.);
F. A Impugnante era gerente da devedora originária (cfr. fls. 40 do p.a.);
G. Em 10/10/2008 foi instaurado contra a devedora originária o processo de execução nº 1074200801067788, pela quantia de € 1.443,50 a título de IRC e juros de mora (cfr. fls. 38 e 39 do p.a.);
H. Em 11/08/2010 a execução foi revertida contra a Impugnante (cfr. fls. 43 do p.a.)
I. Em 11/08/2010 foi enviada notificação para “audição-prévia” (cfr. fls. 45 do p.a.);
J. A Impugnante respondeu por carta em 03/09/2010 (cfr. fls. 75 do p.a.);
K. Em 06/09/2010, foi feita informação pelo Chefe de Serviço de Finanças de Faro onde se propõe o prosseguimento da reversão (cfr. fls. 17 e 17 do p.a.);
L. Em 07/09/2010 é feito despacho de reversão (cfr. fls. 18, 58 e 59 do p.a.);

III-2. Factualidade não provada:

Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.”


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Estabilizada a matéria de facto, avancemos para a questões que nos vêm colocada.
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II.2. Do Direito
Como já deixámos expresso, importa apreciar se a sentença a quo andou bem quando julgou provado por parte da Recorrente, que a sociedade Florentina …………………….. & ………………., Lda., não exerceu qualquer actividade, nem obteve qualquer rendimento, susceptível de tributação em sede de IRC durante o período de 01/01/2007 a 24/01/2007.
A Recorrente entende em sentido contrário, com base nas razões que condensou nas conclusões da alegação de recurso, onde consta, em síntese, que a data relevante para efeitos fiscais é a do registo do facto extintivo da sociedade na Conservatória do Registo Comercial, ou seja, quase um mês após a deliberação societária e que a Recorrente, a quem cabia tal, não logrou demonstrar a inexistência de proveitos.


Vejamos então, deixando, porém, uma breve nota sobre as ocorrências processuais verificadas nos presentes autos. Assim, conforme consta do probatório, a sociedade devedora originária, Florentina ……………….. & …………, Lda.,
- cessou a sua actividade para efeitos de IVA em 31 de Dezembro de 2006 ;
- foi dissolvida, com declaração simultânea de liquidação e aprovação de contas, por reunião datada de 31/12/2006, de acordo com a acta de fls. 19 a 23 do p.a.);
- registou na Conservatória do Registo Comercial de Lagos, a sua dissolução e encerramento da liquidação, pela Ap. 1, de 24 de Janeiro de 2007 (cfr. fls. 24 do p.a.);
Estes são os factos, dados como provados na decisão a quo, a ter em conta no presente recurso.
Com base nos factos supra descritos entendeu a juiz que proferiu decisão em 1ª instância que, tratando-se de uma liquidação oficiosa de IRC efectuada segundo as regras do regime simplificado, por aplicação do disposto no artigo 53.º nº 4, do CIRC, a inactividade da empresa não obsta a que esta possa ser sujeito passivo de imposto, pois mantendo a sua existência jurídica pode ter obtido rendimentos tributáveis, ainda que não resultantes do exercício do seu objecto social; e, por outro lado, o valor mínimo constante da referida disposição legal terá de ser entendido como mera presunção de rendimento ilidível nos termos do artigo 73.º da Lei Geral Tributária. Como presunção ilidível que, é cabia à Impugnante (ora e doravante Recorrida) apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, provando que não exerceu qualquer actividade nem obteve os rendimentos ficcionados na norma, obstando, assim, à sua aplicação.
Dando como assente que a Recorrida não cessou a actividade da sociedade devedora originária, para efeitos do CIRC, no dia 31/12/2006, como alega na p.i., mas sim em 24/101/2007, conclui que não resultam dos autos quaisquer indícios de terem sido obtidos rendimentos no período em causa (01/01 a 24/01/2007), sendo, aliás, todos os indícios em sentido inverso. A este propósito diz a sentença que “resulta dos autos que a Impugnante provou que, no exercício de 2007, não teve qualquer actividade e, consequentemente qualquer lucro susceptível de tributação em sede de IRC pelo que, inexistindo rendimento tributável - facto tributário - a liquidação, ainda que oficiosa, não pode manter-se na ordem jurídica, por violação do art. 104º nº 2 da CRP. Inexistindo o facto tributário, a impugnação tem de proceder e, em consequência, não pode manter-se uma situação tributária com base em matéria colectável que se provou não ser real, sob a pena de violação do princípio estatuído no artigo 104°/2 da CRP, anulando-se as liquidações impugnadas.”

Ora, estando definitivamente decididas as questões inerentes à data da cessação da actividade da sociedade aqui em causa, em 24/01/2007, e ao ónus da prova da Recorrida relativamente ao afastamento da presunção prevista no art. 73º da LGT, uma vez que a Recorrida se conformou com a sentença, resta agora apurar se a conseguiu, ou não, ilidir a presunção de rendimentos prevista no nº4 do art. 53º do CIRS (colecta mínima), durante o período de tributação aqui em causa.
Aos autos a Impugnante trouxe apenas a declaração modelo 22 – cf. alínea E. do probatório e fls. 27 a 31 do p.a - com data de recepção em 15/02/2007, e onde se pode concluir, da sua leitura, a inexistência de quaisquer compra ou venda prestação de serviço, rendimentos, lucros, apresentando um rendimento nulo.
Face ao circunstancialismo individualizado do presente caso, que se reflecte no facto de se tratar apenas de 24 dias de suposta actividade, da cessação da actividade para efeitos de IVA que ocorreu em 31 de Dezembro de 2006, e da acta de dissolvição, com declaração simultânea de liquidação e aprovação de contas, por reunião datada de 31/12/2006, tem de aceitar-se que a Recorrida por falta de actividade, não pode ter documentadas na sua contabilidade verbas a título de proveitos ou encargo relevantes fiscalmente para trazer aos autos. A isto acresce o imperativo constitucional de que a tributação das empresas deverá incidir sobre o seu rendimento real e efectivo (cfr. art. 107º, nº 2, da CRP), e este, em primeira linha, será apurado segundo a declaração do contribuinte.
Impõe-se pois concluir que a liquidação de IRC feita pela AT não pode subsistir já que, atendendo a tudo que consta do processo e que foi agora novamente analisado, encontra-se demonstrada a inexistência de facto tributário, não pode manter-se uma situação tributária com base em matéria colectável que se provou não ser real.

Sobre este assunto veja-se o douto acórdão deste TAS – Sul de 13/10/2007, ao qual se adere a no qual se pode ler além do mais, o seguinte:

“ (…) se é certo que a administração no momento em que emitiu a liquidação procedeu com respeito ao princípio da legalidade, tal não impede que a impugnante prove a inexistência do facto tributário e após tal prova a liquidação enfermará de vício de violação de lei. Na verdade, o que sucede é que, agindo a administração em conformidade com a lei aquando a emissão da liquidação oficiosa, e alegando a impugnante factos que põem em causa a legalidade dessa liquidação, cabe à impugnante o ónus da prova desses factos e, provando-se a inexistência de facto tributário, resultante da inactividade da impugnante no exercício de 2000, a liquidação impugnada não se poderá manter na ordem jurídica por respeito ao princípio da capacidade contributiva (art° 104° da CRP), interpretado no sentido de que as sociedades apenas devem ser tributadas quando têm rendimento e na exacta medida desse rendimento.
Acresce que, como salienta o Mº Juiz « a quo», desde 31/12/2000 que a impugnante se encontra em cessação de facto da sua actividade nos termos do disposto no art.° 33.° n.° 1 b) do CIVA, ou seja, a cessação de actividade de facto é legalmente declarada para 2001, o que de per si poderá não ter grande relevância para o exercício de 2000, mas juntamente com os demais elementos de prova reforça a nossa convicção de que a impugnante, de facto, não exerceu qualquer actividade no exercício de 2000 (…)” do dito ficou, impõe-se concluir que a liquidação feita pela AT não pode subsistir já que, demonstrada a inexistência de facto tributário, não pode manter-se uma situação tributária com base em matéria colectável que se provou não ser real, soba pena de violação do princípio estatuído no artigo 104°/2 da CRP.
-sendo o acto tributário inválido, por inexistência de facto tributário, deverá o mesmo ser anulado.”


Face a tudo que vem exposto, apresenta-se como correcto o julgamento efectuado pelo Tribunal a quo pelo que a sentença recorrida é de manter integralmente.

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III. DECISÃO
Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
Lisboa, 27 de Novembro de 2014.

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(Barbara Tavares Teles)

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(Pereira Gameiro)
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(Anabela Russo)