Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:594/23.2 BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:02/15/2024
Relator:ISABEL FERNANDES
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
GARANTIA
AVALIAÇÃO DO BEM
VALOR
Sumário:I – Dispõe o artigo 199.º-A do CPPT o seguinte:
“1 - Na avaliação da garantia, com excepção de garantia bancária, caução e seguro-caução, deve atender-se ao valor dos bens ou do património apurado nos termos dos artigos 13.º a 17.º do Código do Imposto do Selo”. (aditado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março)
II – Na circunstância de serem apresentados junto da AT elementos que podem atestar a ocorrência de circunstâncias especiais justificativas de que, para efeitos de garantia fundada em bens imóveis, se deva atender a valor diverso do VPT (designadamente ao valor de mercado), tais elementos devem ser objecto de apreciação pela AT e, eventualmente, dar origem à realização de uma avaliação ad hoc dos prédios em causa.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção de execução fiscal e de recursos contra-ordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO


M…, nos autos melhor identificada, deduziu reclamação, ao abrigo do artigo 276º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), da decisão proferida em 30 de agosto de 2023, pela Chefe de Divisão da Justiça Tributaria da Direção de Finanças de Faro, em regime de substituição, que indeferiu o seu pedido de prestação de garantia, com vista à obtenção da suspensão do processo de execução fiscal n.º 1082202301016032.

O TAF de Loulé julgou procedente a reclamação.

Não se conformando com a decisão, a Fazenda Pública, interpôs recurso da mesma, tendo, nas suas alegações de recurso, formulado as seguintes conclusões:

«I) Decidiu a Meritíssima Juiz a quo pela procedência dos autos de Reclamação de Atos do Orgão de Execução Fiscal e, em consequência, anulou o despacho reclamado, por considerar que;

II) “Está em causa nos presentes autos o indeferimento do pedido de aceitação de uma garantia, prestada sob a forma de hipoteca (…), com vista à obtenção da suspensão do processo de execução fiscal n.º 1082202301016032;

III)“Verifica-se (…) que a AT não procedeu à avaliação em concreto da garantia oferecida, quedando-se apenas pelo seu valor patrimonial tributário, desvalorizando a discrepância existente entre esse valor e o valor de mercado constante do documento fornecido pela Reclamante (…);

IV) Deveria a AT ter analisado o relatório de avaliação apresentado pela Reclamante e, em função da análise que fizesse, decidir, sustentadamente, em conformidade.Não o tendo feito, a sua atuação é ilegal, pelo que o despacho reclamado não pode ser mantido na ordem jurídica.”;

V) Salvo melhor e douta opinião, não pode a Fazenda Pública concordar com tal decisão;

VI) Se bem interpretamos a Sentença sob recurso, o Douto Tribunal a quo consignou que, atendendo ao valor a prestar para efeitos de prestação de garantia e ao valor de mercado do imóvel oferecido como garantia, que a AT quedou-se apenas pelo seu valor patrimonial tributário, desvalorizando a discrepância existente entre esse valor e o valor de mercado constante do documento fornecido pela Reclamante;

VII) Ora, a execução fiscal suspender-se-á nos casos previstos no artigo 169.º do CPPT, desde que tenha sido constituída ou prestada garantia, nos termos do disposto nos artigos 195.º e 199.º, ambos do CPPT;

VIII) A Reclamante ofereceu como garantia, para efeitos da suspensão da execução fiscal, a constituição de hipoteca voluntária sobre o prédio urbano situado em Torre, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Almancil, concelho de Loulé, sob o artigo n.º 1…, com o Valor Patrimonial Tributário (VPT) de € 106.170,00;

IX) Este prédio encontra-se onerado por uma hipoteca voluntária a favor do Banco S…, SA (apresentação n.º 10354 de 2022-07-11) com um valor máximo assegurado de € 241.200,00;

X) O valor da garantia a prestar para efeitos de suspensão da execução, calculado nos termos do n.º 6 do art º 199.º do CPPT, é de € 112.775,60;

XI) No caso das garantias constituídas por imóveis deve ter-se em conta o seu valor liquido, resultante da dedução ao VPT, nos termos do CIMI, dos ónus e encargos que sobre ele incidem, dado que a lei determina que a garantia tem que ser idónea;

XII) Pelo que conclui e bem a AT que nestes “termos, afigura-se não estarem reunidas as condições necessárias para efeitos de suspensão do processo executivo em referência, uma vez que considerando que o valor de garantia a prestar é de € 112.775,60, o VPT do imóvel onde foi constituída a hipoteca voluntária é de € 106.170,00 e o ónus que recai sobre a mesma é de € 241200,00, a mesma torna-se insuficiente considerando-se não idónea (…).”;

XIII) No mesmo sentido a Exma Magistrada do Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência da Reclamação, por entender ser de dar razão à Autoridade Tributária;

XIV) Alegando em suma que “tendo-se em consideração que o valor da garantia a prestar para efeitos de suspensão da execução, calculado nos termos do n.º 6 do art º 199.º do CPPT, é de € 112.775,60, facilmente se conclui que a garantia prestada não é idónea, já que sobre o dito imóvel recai outro ónus, no montante máximo de € 241.200,00, a favor do Banco S… SA”;

XV) Tem entendido uniformemente a jurisprudência que a utilização da expressão “garantia idónea” integra um conceito impreciso, pois que não determina, de forma exata, quando é que a garantia é idónea para assegurar os créditos do exequente. Poderá concluir-se, no entanto, que emana das disposições conjugadas dos artigos 169.º e 199.º do CPPT que a idoneidade da garantia se afere pela capacidade de, em caso de incumprimento do devedor, salvaguardar a efetiva cobrança da dívida exequenda e acrescidos;

XVI) Neste sentido acórdão do STA de 18-06-2014, proferido no processo n.º 0507/14;

XVII) Ora, se é certo que a Administração Tributária tem uma certa margem de discricionariedade para decidir, em função de cada caso concreto, se a garantia prestada é ou não idónea para assegurar a cobrança efetiva da dívida exequenda e acrescidos mais certo se revela, ainda, que esta margem de livre apreciação não deixa de estar condicionada pelos princípios gerais da atividade administrativa, de entre os quais o princípio da proporcionalidade e o da legalidade;

XVIII) Daqui resulta, desde logo, que outra solução não poderia ter sido alcançada no caso concreto, porquanto, a garantia apresentada afigura-se, claramente, insuficiente;

XIX) Neste sentido, trazemos à colação o Douto Acordão do STA, de 13/07/2016, processo 0563/16, de onde se retira o seguinte excerto:

“Tem afirmado este STA, em Acórdãos por nós subscritos (…) que «a exigência, como regra, de prestação de garantia para suspensão da execução na pendência de meio procedimental ou processual tendo por objecto a legalidade ou exigibilidade da dívida exequenda visa acautelar a boa cobrança do crédito tributário caso o diferendo venha a ser resolvido em sentido favorável à pretensão da Administração tributária, sendo que, nesse caso, se não for voluntariamente efectuado o pagamento, a Administração accionará a garantia (….) Faz, por isso, sentido que, embora o artigo 199.º do CPPT não remeta expressamente para o artigo 250.º do CPPT no que concerne à forma de determinar o valor dos bens oferecidos como garantia, se recorra a este último preceito legal para a determinação também de tal valor, pois que, a final, será esse o valor de referência se a execução houver que prosseguir pela venda executiva dos bens penhorados oferecidos em garantia»;

XX) Não pode, por isso, conformar-se a Fazenda Publica com a sentença ora recorrida onde se lê que a AT (…) quedou-se “apenas pelo seu valor patrimonial tributário, desvalorizando a discrepância existente entre esse valor e o valor de mercado constante do documento fornecido pela Reclamante (…)”;

XXI) Importa ter presente que, no fundo, o que releva é aferir da suficiência da garantia do crédito exequendo e do acrescido, num juízo de prógnose futura no sentido de que os bens vão ser vendidos, pelo menos, pelos valores por que forem anunciadas as respetivas vendas. Daí que, a aferição da suficiência da garantia, no caso concreto, passa, necessariamente, pela determinação do respetivo valor de venda;

XXII) Ora o imóvel cuja hipoteca se oferece como garantia possui o VPT de €106.170,00, sendo o valor a prestar, para efeitos de garantia € 112.775,60. Assim sendo, de acordo com o disposto no artigo 250º, nº 5 do CPPT, o valor base a anunciar para venda é igual a 70% do valor patrimonial do imóvel;

XXIII) Pelo que e desde logo facilmente se conclui que este valor não se mostra suficiente para garantir o pagamento da dívida exequenda e acrescidos;

XXIV) Importa não olvidar que o escopo do processo judicial tributário de execução é sempre de assegurar a efetiva cobrança da dívida, designadamente, no que respeita à garantia a prestar para a suspensão a que a sua tramitação respeita;

XXV) Considerando tudo o exposto, o critério do valor patrimonial tributário para efeito de aferir da suficiência do bem imóvel não se nos afigura violador do princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 266.º, n.º 2 da CRP, nas vertentes da necessidade e do equilíbrio ou da proibição do excesso;

XXVI) Ao contrário do assim decidido, não se-nos-afigura legal (e muito menos proporcional) que se possa aceitar valer o bem imóvel oferecido em garantia mais do que o valor pelo qual poderá ser avaliado para venda executiva;

XXVII) Isto porque, descura a sentença ora recorrida que o VPT é calculado tendo por base formulas fixadas por lei em que são tidos em atenção diversos coeficientes, fixados pelo legislador tendo em conta, precisamente, os preços de mercado correntes na zona em que os imóveis se inserem, com o objetivo último de por via da avaliação, aproximar o valor do imóvel o mais próximo dos valores de mercado;

XXVIII) Assim, ao decidir pela procedência da Reclamação, incorreu a Mmª Juiz “a quo” em erro de julgamento e violou a douta sentença o disposto nos artigos 169.º, 199.º e 250.º, todos do CPPT e artigo 13.º do CIS.

Pelo exposto e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogada a sentença recorrida como é de inteira JUSTIÇA.»


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A Recorrida, M… apresentou contra alegações, tendo formulado as conclusões:

«A. A Recorrente “AT” conformou-se, no recurso que interpôs da decisão recorrida, com os factos dados como provados pelo Tribunal a quo.

B. Dá o Tribunal a quo como provado, além do mais, que:

“A) Em 28-01-2023, foi instaurado contra a ora Reclamante M… o processo de execução fiscal n.º 1082202301016032 para cobrança coerciva de dívida de IRS do ano de 2018, no valor de € 86.661,64

D) Em 28-04-2022, a empresa avaliadora B…, S.A elaborou, a pedido do Banco S…, um relatório de avaliação imobiliária do imóvel referido em C), ao qual atribuiu o valor de mercado de € 785.400,00”

C. Isto é, para todos os efeitos, ficou provado – e, nessa parte, a decisão transitou em julgado – que o Tributo aqui em causa é de 86.661,64€.

D. E que o imóvel que foi objeto de hipoteca / garantia por parte da Recorrida foi avaliado em 2022 em 785.400,00€.

E. E perante isto, só pode concluir-se, que o prédio aqui em causa tem de facto um valor positivo, sendo a constituída hipoteca idónea para a pretendida suspensão de execução fiscal.

F. No mais, improcedem todas as conclusões de Recurso apresentadas pela Recorrente.

G. Devendo ser mantida a decisão recorrida pelos fundamentos dela constantes e pelos também resultantes das presentes contra alegações

Termos em que e nos demais de direito doutamente supridos, deve a decisão recorrida ser mantida, improcedendo in totum as alegações de recurso apresentadas pela AT.»


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O Exmº. Procurador-Geral Adjunto do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, devidamente notificado para o efeito, ofereceu aos autos o seu parecer no sentido de que sentença recorrida deve ser mantida na ordem jurídica, por nenhum agravo lhe ter sido feito, e, em consequência, improceder o recurso.
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Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à conferência da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul para decisão.

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II – FUNDAMENTAÇÃO

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

A) Em 28-01-2023, foi instaurado contra a ora Reclamante M… o processo de execução fiscal n.º 1082202301016032 para cobrança coerciva de dívida de IRS do ano de 2018, no valor de € 86.661,64 – cfr. informação a fls. 30-31 do sitaf; fls. 1 do registo do sitaf n.º 004818619;

B) Em 10-05-2023, foi apresentada reclamação graciosa relativamente à liquidação de IRS – cfr. informação a fls. 30-31 do sitaf;

C) Em 20-06-2023, para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal identificado em A), a ora Reclamante apresentou junto do Serviço de Finanças de Loulé 1 garantia por hipoteca já constituída sobre o prédio urbano situado em Torre, freguesia de Almancil, concelho de Loulé, descrito na Conservatória de Registo Predial de Loulé sob o número 1… daquela freguesia e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo 1…, tendo junto cópia de escritura de hipoteca, do respetivo registo de na Conservatória de Registo Predial e relatório de avaliação bancária do prédio em questão – facto não controvertido; cfr. informação a fls. 30-31 do sitaf;

D) Em 28-04-2022, a empresa avaliadora B…, S.A elaborou, a pedido do Banco S…, um relatório de avaliação imobiliária do imóvel referido em C), ao qual atribuiu o valor de mercado de € 785.400,00 – cfr. relatório de avaliação a fls. 81-94 do sitaf;

E) O pedido de suspensão do processo de execução fiscal mediante a prestação de garantia referido em C) foi indeferido por despacho de 30-08-2023 da Chefe de Divisão da Justiça Tributaria da Direção de Finanças de Faro, em regime de substituição – cfr. fls. 21 a 25 do registo do sitaf n.º 004818619;

F) O despacho de indeferimento referido na alínea anterior estribou-se na informação dos serviços, da qual se extrai, designadamente, o seguinte:

(…)


«Imagem em texto no original»

- cfr. fls. 21 a 25 do registo do sitaf n.º 004818619.»

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Factos não provados

«Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa.»

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Motivação da decisão de facto

«A convicção do Tribunal, quanto aos factos provados, decorreu da análise crítica dos documentos juntos aos autos, tal como se fez referência a propósito de cada uma das alíneas do probatório e cujo conteúdo não foi impugnado pelas partes.»


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- De Direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Ora, lidas as conclusões das alegações de recurso, resulta que está em causa saber se o Tribunal a quo errou no seu julgamento ao considerar procedente a reclamação por não ter a AT considerado o valor de mercado do imóvel (apurado em avaliação externa a pedido de instituição bancária) apresentado como garantia.

Está em causa o indeferimento, pela AT, do pedido de prestação de garantia, sob a forma de hipoteca constituída em imóvel, em que não foi tido em consideração o valor da avaliação constante de relatório junto pela Requerente, ora Recorrida.

A sentença entendeu que é ilegal a actuação da AT por não ter analisado o relatório de avaliação apresentado pela Recorrida, pelo que considerou procedente a Reclamação e anulou o despacho reclamado.

Vejamos, então, começando por recuperar o que, a este propósito, se escreveu na sentença recorrida, depois de elencar o quadro legal aplicável:

“(…) decorre do probatório que a Reclamante apresentou, junto com o seu pedido de prestação de garantia, com vista à obtenção da suspensão do processo de execução fiscal, relatório de avaliação imobiliária que atribuiu ao imóvel em causa o valor de mercado de € 785.400,00, valor este muito superior ao valor patrimonial tributário (€ 106.170,00).

Verifica-se, atento o despacho referido nas alíneas E) e F) do probatório, que a AT não procedeu à avaliação em concreto da garantia oferecida, quedando-se apenas pelo seu valor patrimonial tributário, desvalorizando a discrepância existente entre esse valor e o valor de mercado constante do documento fornecido pela Reclamante, sendo certo que nesse desiderato não estava o órgão da execução fiscal impedido de solicitar os elementos, as informações e os dados necessários para tal quando, no caso, as circunstâncias especiais o justificavam (vide acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 03-12-2020, proferido no âmbito do processo n.º 1061/20.1BELRS).

Deveria a AT ter analisado o relatório de avaliação apresentado pela Reclamante e, em função da análise que fizesse, decidir, sustentadamente, em conformidade.

Não o tendo feito, a sua actuação é ilegal, pelo que o despacho reclamado não pode ser mantido na ordem jurídica.(…)”

A Recorrente dissente do assim decidido invocando que, no caso das garantias constituídas por imóveis, deve ter-se em conta o seu valor líquido, resultante da dedução ao VPT, nos termos do CIMI, dos ónus e encargos que sobre eles incidem, dado que a lei determina que a garantia tem de ser idónea.

Em abono da sua tese, invoca, que o prédio encontra-se onerado por uma hipoteca voluntária a favor do Banco S…, SA (apresentação n.º 10354 de 2022-07-11) com um valor máximo assegurado de € 241.200,00;

Que o valor da garantia a prestar para efeitos de suspensão da execução, calculado nos termos do n.º 6 do art º 199.º do CPPT, é de € 112.775,60;

E que, no caso das garantias constituídas por imóveis deve ter-se em conta o seu valor liquido, resultante da dedução ao VPT, nos termos do CIMI, dos ónus e encargos que sobre ele incidem, dado que a lei determina que a garantia tem que ser idónea;

Conclui que bem andou a AT ao referir que “nestes termos, afigura-se não estarem reunidas as condições necessárias para efeitos de suspensão do processo executivo em referência, uma vez que considerando que o valor de garantia a prestar é de € 112.775,60, o VPT do imóvel onde foi constituída a hipoteca voluntária é de € 106.170,00 e o ónus que recai sobre a mesma é de € 241200,00, a mesma torna-se insuficiente considerando-se não idónea (…).”;

Comecemos por dizer que não vem posta em causa a factualidade assente na sentença recorrida, o que significa que não é controvertida a circunstância de a Recorrida, com o requerimento em que solicitou a prestação de garantia ter junto avaliação do imóvel efectuada a pedido da instituição bancária – cfr. alíneas c) e d) do probatório.

Constata-se, por outro lado que, na fundamentação do acto de indeferimento a que se refere a alínea f) da matéria de facto assente, nada se disse relativamente ao documento de avaliação do imóvel junto pela Recorrida com o pedido.

De referir que a Recorrente não coloca em causa o facto de ter sido apresentada, pela Recorrida, a avaliação do imóvel juntamente com o requerimento de prestação de garantia.

Atentemos no quadro legal aplicável:

Preceitua o artigo 52.º da LGT:

“1 - A cobrança da prestação tributária suspende-se no processo de execução fiscal em virtude de pagamento em prestações ou reclamação, recurso, impugnação e oposição à execução que tenham por objecto a ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda, bem como durante os procedimentos de resolução de diferendos no quadro da Convenção de Arbitragem n.º 90/436/CEE, de 23 de Julho, relativa à eliminação da dupla tributação em caso de correção de lucros entre empresas associadas de diferentes Estados membros.

2 - A suspensão da execução nos termos do número anterior depende da prestação de garantia idónea nos termos das leis tributárias.

3 - A administração tributária pode exigir ao executado o reforço da garantia no caso de esta se tornar manifestamente insuficiente para o pagamento da dívida exequenda e acrescido”.

Por seu turno, dispõe o nº1 do artigo 169.º do CPPT, sob a epígrafe “Suspensão da execução. Garantias”:

“1 - A execução fica suspensa até à decisão do pleito em caso de reclamação graciosa, a impugnação judicial ou recurso judicial que tenham por objecto a legalidade da dívida exequenda, bem como durante os procedimentos de resolução de diferendos no quadro da Convenção de Arbitragem 90/436/CEE, de 23 de Julho, relativa à eliminação da dupla tributação em caso de correcção de lucros entre empresas associadas de diferentes Estados-Membros, ou de convenção para evitar a dupla tributação, desde que tenha sido constituída garantia nos termos do artigo 195.º ou prestada nos termos do artigo 199.º ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, o que deve ser informado no processo pelo funcionário competente”.

Nos termos do preceituado no artigo 199.º, também do CPPT:

“1 - Caso não se encontre já constituída garantia, com o pedido deverá o executado oferecer garantia idónea, a qual consistirá em garantia bancária, caução, seguro-caução ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente.

2 - A garantia idónea referida no número anterior poderá consistir, ainda, a requerimento do executado e mediante concordância da administração tributária, em penhor ou hipoteca voluntária, aplicando-se o disposto no artigo 195.º, com as necessárias adaptações.

(…)

6 - A garantia é prestada pelo valor da dívida exequenda, juros de mora contados até ao termo do prazo de pagamento voluntário ou à data do pedido, quando posterior, com o limite de cinco anos, e custas na totalidade, acrescida de 25 % da soma daqueles valores, excepto no caso dos planos prestacionais onde a garantia é prestada pelo valor da dívida exequenda, juros de mora contados até ao termo do prazo do plano de pagamento concedido e custas na totalidade, sem prejuízo do disposto no n.º 14 do artigo 169.º

7 - As garantias referidas no n.º 1 serão constituídas para cobrir todo o período de tempo que foi concedido para efectuar o pagamento, acrescido de três meses, e serão apresentadas no prazo de 15 dias a contar da notificação que autorizar as prestações, salvo no caso de garantia que pela sua natureza justifique a ampliação do prazo até 30 dias, prorrogáveis por mais 30, em caso de circunstâncias excepcionais.

(…) 10 - Em caso de diminuição significativa do valor dos bens que constituem a garantia, o órgão da execução fiscal ordena ao executado que a reforce ou preste nova garantia idónea no prazo de 15 dias, com a cominação prevista no n.º 8 deste artigo.

11 - A garantia poderá ser reduzida, oficiosamente ou a requerimento dos contribuintes, à medida que os pagamentos forem efectuados e se tornar manifesta a desproporção entre o montante daquela e a dívida restante.”

O artigo 199.º-A do CPPT dispõe o seguinte:

“1 - Na avaliação da garantia, com excepção de garantia bancária, caução e seguro-caução, deve atender-se ao valor dos bens ou do património apurado nos termos dos artigos 13.º a 17.º do Código do Imposto do Selo”. (aditado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março)

Importa convocar o nº1 do artigo 13º do Código do Imposto do Selo:

“1 - O valor dos imóveis é o valor patrimonial tributário constante da matriz nos termos do CIMI à data da transmissão, ou o determinado por avaliação nos casos de prédios omissos ou inscritos sem valor patrimonial.”

Releva, igualmente, o preceituado no artigo 250.º do CPPT, nos termos do qual:

“1 - O valor base para venda é determinado da seguinte forma:

a) Os imóveis urbanos, inscritos ou omissos na matriz, pelo valor patrimonial tributário apurado nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI);

b) Os imóveis rústicos, pelo valor patrimonial actualizado com base em factores de correcção monetária, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, ou pelo valor de mercado, quando superior;

(…)

2 - Sem prejuízo da determinação do valor dos bens imóveis para venda nos termos do número anterior, quando se mostre evidente que o valor de mercado dos bens é manifestamente superior ao apurado por aquelas regras, a requerimento do executado ou por iniciativa do órgão de execução fiscal pode ainda recorrer-se à determinação do valor com recurso a parecer técnico de um perito especializado e registado na Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, seguindo-se a demais tramitação do processo”.

Esta questão foi tratada no Acórdão deste TCAS de 14/07/2022, proferido no âmbito do processo nº 32/22, onde se escreveu o seguinte:

“(…) Com o aditamento do art.º 199.º-A, ficou positivado o que, no tocante ao VPT, já era defendido pela jurisprudência. Assim, nestes casos, em princípio, o valor a ter em conta pela AT, para os bens imóveis, será o VPT.

No entanto, e já na vigência deste art.º 199.º-A, n.º 1, do CPPT, a posição dos nossos tribunais superiores não se alterou substancialmente face à anterior, desde logo porque o art.º 199.º-A, n.º 1, do CPPT, ao remeter para o CIS e daí para o VPT, não afasta a possibilidade de aplicação do n.º 2 do art.º 250.º do CPPT, nos termos já anteriormente admitidos, quanto tal excecionalmente se justifique e desde que haja oportuna e sustentada alegação do contribuinte.

Assim, refere-se no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 29.11.2017 (Processo: 01248/17):

“[A] sentença recorrida, além de considerar que o reclamante não alegou, quando formulou o pedido de constituição da hipoteca, que o respectivo imóvel tivesse um valor diferente do VPT (…), também considera, por outro lado, que com o aditamento do art. 199º-A do CPPT, da margem de discricionariedade que, jurisprudencialmente, é reconhecida ao órgão responsável pela apreciação da idoneidade da garantia, ficou arredada a definição do critério de valorização dos imóveis oferecidos em garantia.

[A]pesar de não se ignorar que, já anteriormente ao mencionado aditamento constante do art. 199º-A do CPPT, se considerou a possibilidade de a AT proceder a uma avaliação ad hoc, quando circunstâncias especiais o justificassem (Cfr. o ac. desta Secção do STA, de 13/7/2016, no proc. nº 0563/16 e o ac. do TCAS - SCT, de 18/12/2014, proc. nº 08144/14; bem como, numa diferente perspectiva, os acs. desta Secção do STA, de 2/3/2016, no proc. nº 0137/16, de 18/9/2013, no proc. nº 01362/13 e de 16/1/2013, no proc. nº 01294/12.), dado que, como ali se sumaria, «I - Embora o art. 199º do CPPT, não remeta expressamente para o art. 250º do CPPT no que concerne à forma de determinar o valor dos bens oferecidos como garantia é lícito que se recorra a este preceito legal para a determinação também de tal valor, pois que, a final, será esse o valor de referência se a execução houver que prosseguir pela venda executiva dos bens penhorados oferecidos em garantia» e «II - A lei não impõe uma prévia avaliação ad-hoc dos imóveis para determinar a idoneidade ou a suficiência da garantia oferecida que sobre eles se constitua, embora - por razões de justiça e proporcionalidade – tal avaliação possa e deva ser realizada quando circunstâncias especiais o justifiquem, cabendo ao recorrente trazer ao conhecimento da Administração as circunstâncias especiais que, a verificarem-se, justifiquem eventualmente que a garantia constituída sobre imóveis deva atender a valor diverso do valor patrimonial tributário destes», o que é verdade é que, no caso vertente (vigorando o disposto no art. 199º-A do CPPT), (…) não se vê que, face à factualidade julgada provada, ocorra a predita violação do princípio constitucional da proporcionalidade, ou dos restantes princípios constitucionais igualmente invocados pelo recorrente: é que não se vislumbra a ocorrência das referidas circunstâncias especiais que justifiquem a pretendida avaliação ad hoc. Com efeito, no caso, para além de o recorrente, como exara a sentença, só ter indicado como valor do imóvel o correspondente ao VPT, também, como ora sublinha o MP, aquele não invocou perante a AT que não existem os apontados ónus (anteriores hipotecas voluntárias enumeradas e constantes da informação prestada pelo Serviço de Finanças) incidentes sobre esse mesmo imóvel oferecido em hipoteca; sendo que, por outro lado, na presente reclamação judicial deduzida do acto do OEF, o que o recorrente essencialmente invoca é que «o imóvel em causa denominado “……………..” localiza-se na zona do Monte Estoril, concelho de Cascais, a qual é objecto de grande valorização».

Ou seja, não pode concluir-se que, no concreto caso dos autos, o recorrente haja trazido ao conhecimento da AT as ditas circunstâncias especiais justificativas de que, para efeitos da constituição da garantia hipotecária, se deva atender a valor diverso (nomeadamente a eventual valor de mercado) do valor patrimonial tributário e, consequentemente, se deva proceder a uma avaliação para tal efeito.

Não ocorrendo, portanto, violação do princípio do inquisitório, nem dos princípios constitucionais invocados (legalidade, segurança jurídica e protecção da confiança, justiça, igualdade, proporcionalidade e interesse público), nem, consequentemente, os erros de julgamento que o recorrente imputa à sentença recorrida”.

No mesmo sentido vejam-se, a título ilustrativo, os Acórdãos deste TCAS de 29.06.2017 (Processo: 243/17.8BELRS), de 03.12.2020 (Processo: 1061/20.1BELRS) e de 28.04.2022 (Processo: 2028/21.8 BELRS) e do TCAN de 27.05.2021 (Processo: 00414/20.0BEBRG).

Desta jurisprudência extrai-se, pois, que o elenco dos elementos referidos no art.º 199.º-A, n.º 1, do CPPT não é taxativo, concretamente quanto aos bens imóveis, porquanto o objetivo da aferição da idoneidade da garantia pressupõe a verificação da sua capacidade patrimonial, que pode passar, justamente, pela avaliação ad hoc do património imobiliário, avaliação essa, aliás, inequivocamente prevista na fase de venda do património, conforme resulta do disposto no já mencionado n.º 2 do art.º 250.º do CPPT.

Consideramos que esta é a interpretação que mais se coaduna com os princípios que devem enformar a atividade da AT, sendo interpretação reveladora da incoerência do sistema, em nosso entender, aquela que permite que seja feita uma avaliação ad hoc na fase de venda, mas já não a admite na fase que a antecede, ou seja, a da penhora.

Extrai-se, pois, do entendimento jurisprudencial a que fizemos referência supra que o art.º 199.º-A, n.º 1, do CPPT, não exclui, per se, a possibilidade de realização de uma avaliação ad hoc, conquanto a mesma seja solicitada de forma sustentada pelo sujeito passivo.(…)”

Veja-se, igualmente, o que se decidiu no Acórdão deste TCAS de 12/03/2020, proferido no âmbito do processo nº 1061/20, nos seguintes termos:

“(…)I – Embora a lei não imponha uma prévia avaliação ad-hoc, esta - por razões de justiça e proporcionalidade - pode e deve ser realizada quando circunstâncias especiais o justifiquem, cabendo ao reclamante – como foi o caso - trazer ao conhecimento da Administração Tributária as circunstâncias especiais que, a verificarem-se, justifiquem eventualmente que a garantia constituída sobre imóveis deva atender a valor diverso do valor patrimonial tributário destes, pois que é razoável presumir que o valor patrimonial tributário constitua um valor aproximado do valor de mercado dos bens imóveis.
II - Verifica-se, após leitura do despacho reclamado que, efectivamente, a AT não procedeu à avaliação em concreto da garantia oferecida quedando-se apenas pelo seu valor patrimonial tributário, desvalorizando a discrepância existente entre esse valor e o valor de mercado constante dos documentos fornecidos pela Reclamante, sendo certo que nesse desiderato não estava o órgão da execução fiscal impedido de solicitar os elementos, as informações e os dados necessários para tal quando, no caso, as circunstâncias especiais o justificavam.(…)”

Regressando ao caso dos autos, verificamos que, não obstante a Recorrida ter efectuado a junção da avaliação do imóvel (que avaliou o bem em € 785.400,00, valor muito superior ao VPT que se cifra em € 106.170,00), a AT, na apreciação que fez do pedido de prestação de garantia, não se pronunciou relativamente ao valor da avaliação.

Nem há notícia nos autos que tenha solicitado quaisquer elementos adicionais com vista a comprovar se o valor da avaliação estaria correcto.

Limitou-se a AT a apreciar o pedido por referência ao VPT, sendo certo que, a ser correcto o valor da avaliação a que se refere a alínea d) do probatório, o mesmo seria suficiente para suportar, não só o ónus que sobre o bem recai (hipoteca a favor de instituição bancária no montante máximo de € 241.200,00) como também o processo de execução fiscal a correr termos contra a Recorrida.

Cabia à AT, no mínimo, ponderar e analisar o valor constante da avaliação junta pela Recorrida, pelo que, não o tendo feito, bem andou a sentença recorrida ao anular o acto de indeferimento reclamado.

Neste sentido, veja-se o Acórdão deste TCAS de 19/12/2023, proferido no âmbito do processo nº 1095/23, onde se sumariou o seguinte:

“Sendo apresentados junto da AT elementos que podem atestar a ocorrência de circunstâncias especiais justificativas de que, para efeitos penhora de bens imóveis, se deva atender a valor diverso do VPT (designadamente valor de mercado), tais elementos devem ser objecto de apreciação e eventualmente motivar a realização de uma avaliação ad hoc dos prédios em causa.”

Improcedem, por conseguinte, as alegações recursivas, o que nos leva a negar provimento ao recurso, assim se mantendo a sentença recorrida, que bem decidiu.


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III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 15 de Fevereiro de 2024