Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:00072/04
Secção:Contencioso Tributário - 2º Juizo
Data do Acordão:05/25/2004
Relator:Francisco Rothes
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DOS GERENTES
GERÊNCIA DE DIREITO E GERÊNCIA DE FACTO
REGISTO COMERCIAL
ART. 13.º DO CPT
DÉFICE INSTRUTÓRIO
Sumário:I - As sociedades comerciais estão sujeitas ao princípio da tipicidade, o que significa, não só que não podem adoptar outros tipos que não os previstos na lei, mas também que a designação, composição e funcionamento dos órgãos de administração e representação não podem ser outros que os previstos na lei relativamente a cada um dos tipos, motivo por que só é gerente (de direito) de uma sociedade por quotas quem tenha sido como tal designado no contrato de sociedade ou eleito ulteriormente por deliberação dos sócios, a menos que o pacto social preveja outro tipo de designação (cfr. art. 252.º, n.º 2, do CSC).
II - Nos termos do art. 252.º, n.º 3, do CSC, a gerência atribuída a todos os sócios não se entende conferida aos que só posteriormente adquiram esta qualidade.
III - No entanto, constando do pacto social que «a administração e representação da sociedade, em juízo e fora dele, ficam a cargo do todos os sócios, presentes e futuros» (itálico nosso), deve considerar-se que foi vontade dos que constituíram a sociedade que também os sócios futuros viessem a fazer parte da gerência.
IV - Assim, aquele que ulteriormente adquiriu a qualidade de sócio fica também designado gerente, nos termos do contrato social.
V - Ainda que a Conservatória do Registo Comercial tenha procedido oficiosamente à rectificação da inscrição registral da constituição da sociedade originária devedora, por forma a que dessa inscrição, onde contava «gerência: é exercida por todos os sócios, presentes e futuros», passou a constar «gerência: nomeados todos os sócios», o que releva é o que consta do pacto social, pois, por um lado, o registo não tem efeitos constitutivos, antes se destina a dar publicidade, designadamente, à situação das sociedades comerciais (cfr. art. 1.º do CRC), motivo por que deve conformar-se com o que consta dos respectivos pactos sociais e, por outro lado, a presunção dele resultante, nos termos do art. 11.º do respectivo código, é ilidível.
VI - As normas com base nas quais se determina a responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes das sociedades de responsabilidade limitada e as condições da sua efectivação são as que estejam em vigor no momento em que se verificam os pressupostos de tal responsabilidade (art. 12.º, do CC).
VII - Assim, estando em causa dívidas de IVA dos meses de Julho de 1991 a Junho de 1992 e de Setembro a Dezembro de 1992, esse regime é o do art. 13.º do CPT, código que entrou em vigor em 1 de Julho de 1991, nos termos do art. 2.º do Decreto-Lei n.º 154/91, de 23 de Abril, diploma que o aprovou.
VIII - Nos termos desse regime (como no de todos os que o antecederam e sucederam), para responsabilizar os gerentes exige-se a gerência efectiva, de facto, traduzida na prática de actos de administração ou disposição em nome e no interesse da sociedade, uma vez que a culpa susceptível de basear a responsabilidade subsidiária exige a gerência de facto.
IX - Sendo que a gerência de direito faz presumir a gerência de facto, esta presunção, porque meramente judicial, admite ilisão por qualquer meio de prova, bastando para o efeito a contraprova, não sendo exigível a prova do contrário, tudo nos termos dos arts. 350.º e 351.º do CC.
X - Assim, tendo o oponente arrolado testemunhas com vista a demonstrar que nunca praticou actos de gerência da sociedade originária devedora, não pode o tribunal dispensar-se de inquirir tais testemunhas e concluir, com base na presunção dita em VII, que o gerente de direito também o foi de facto.
XI - Na falta de averiguação dos factos alegados pelo Oponente e pertinentes para dirimir a questão da gerência de facto, deve o Tribunal ad quem anular oficiosamente a sentença recorrida e ordenar que o processo regresse ao Tribunal a quo a fim de aí se proceder à ampliação da matéria de facto através dos meios probatórios tidos por convenientes, designadamente através da inquirição das testemunhas arroladas pelo Oponente.
Aditamento:1. RELATÓRIO

1.1 ROBERTO .... (adiante Oponente, Executado por reversão ou Recorrente) deduziu oposição à execução fiscal que, instaurada contra a sociedade denominada “ E.... Lda.” para cobrança coerciva de uma dívida proveniente de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) dos meses de Julho de 1991 a Junho de 1992 e de Setembro a Dezembro de 1992, reverteu contra ele por a Administração tributária (AT) o ter considerado responsável subsidiário pelas dívidas exequendas.

1.2 O Oponente, invocando o art. 204.º, n.º 1, alínea b), do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), pediu «a anulação do despacho de reversão» As partes entre aspas e com um tipo de letra diferente, aqui como adiante, constituem transcrições.- Pedido que interpretamos como de extinção da execução quanto a ele Oponente. proferido contra ele, com os fundamentos que ele próprio sintetizou nos seguintes termos na parte final da petição inicial:
«
1. A dívida de Esc. 4.234.000400, da responsabilidade inicial da EMOPEL, respeita a IVA do período de Julho de 91 a Dezº de 92 (c/ excepção dos meses de Jul. e Ago. de 1992), com 16 conhecimentos, corresponde no seu todo a LO (liquidações oficiosas), por falta de remessa das declarações periódicas do Imposto.
2. À devedora primária não foram encontrados bens penhoráveis, tendo, por despacho do Sr. Chefe do Servº Fin. P. Delgada, de 24/10/01, mantido por despacho de 28/11/2001, da mesma Entidade, revertido o pagamento de tal dívida pelo opo-nente, por ser este gerente daquela devedora.
3. O despacho refere ter a reversão ocorrido por força do artº 23º de L.G.T.; porém,
4. Atento o período a que a dívida respeita, só poderia ser ao abrigo do artº 13º do C.P.T-, aplicável por força do artº 243º do mesmo Diploma.
5. O Oponente ao adquirir a sua quota, desconhecia o "pacto social", não o tendo, por tal, aceitado.
6. O oponente é tão só sócio, e, se gerente, quanto muito sê-lo-á de direito, pois nun-ca aceitou o pacto social, e, consequentemente o artº 5º respeitante à gerência;
7. nunca foi gerente de facto da Empresa,
8. Não pode, pois, ser responsabilizado pelo pagamento da quantia exequenda em causa (Ac. de 21/05/86, do T.T. 2ª Inst., in C.T.F. nº 337-339, p. 423; e Acs. do S.T. A. de 13/11/85, Rec. Nº 3388, Apêndice, p. 700; e de 03/05/89, in Acs. Douts. Nº 339, Ano XXIX, p. 378)».

Arrolou testemunhas e juntou documentos.

1.3 Ulteriormente, o Oponente veio juntar certidão do registo comercial, com a qual pretende demonstrar que, nos termos do averbamento oficioso efectuado em 2 de Dezembro de 2002, verifica-se que nunca foi gerente de direito da sociedade originária devedora, motivo por que considerou que «deverá considerar-se “alterado” o artº 10º da p.i. de oposição».

1.4 O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal Agregado de Ponta Delgada, conhecendo da oposição, julgou-a improcedente.
Para tanto, e em síntese, depois de dar como provado, para além do mais, que
– foi inscrita no registo comercial a constituição da sociedade originária devedora e dessa inscrição consta que, nos termos do pacto social, a gerência é exercida por todos os sócios;
– no registo comercial está também inscrita a aquisição pelo Oponente de uma quota da sociedade,

considerou
– que o regime da responsabilidade subsidiária aplicável à situação sub judice é o do art. 13.º do Código de Processo Tributário (CPT), por ser o que estava em vigor à data em que se constituíram as dívidas exequendas;
– que, nos termos daquele regime, «a responsabilidade do oponente está sujeita à demonstração, em primeiro lugar da sua qualidade de gerente da devedora originária e, em segundo lugar da prova de inexistência de culpa na insuficiência do património da originária devedora para a satisfação das obrigações fiscais, a efectuar pelo oponente»;
– com base nos referidos factos que deu como provados, que, atenta a presunção decorrente do registo comercial, o Oponente é gerente de direito da sociedade originária devedora;
– que, face à gerência de direito, competia ao Oponente demonstrar que não era gerente de facto, o que (se bem interpretamos a sentença), não logrou fazer;
– que o Oponente também não logrou afastar a presunção de culpa que sobre ele recai, bem pelo contrário a sua própria alegação revela tal culpa.

1.5 Inconformado com essa sentença, o Oponente dela recorreu para este Tribunal Central Administrativo e o recurso foi admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

1.6 O Recorrente apresentou as alegações de recurso, que sintetizou nas seguintes conclusões:
«
I - A atribuição de gerência foi feita no pacto social a todos os sócios em momento em que o recorrente não era sócio da E.....;
II - A gerência atribuída no contrato a todos os sócios não se entende conferida aos que só posteriormente adquiram essa qualidade;
III - Pelo que o recorrente não é nem nunca foi gerente da E.....;
IV - Ao decidir pela improcedência da oposição, partindo do pressuposto de que o recorrente é gerente (porque nomeado no pacto social), a sentença recorrida violou o citado nº. 3 do artº. 252º do Cód. Soc. Com., devendo ser revogada e propalado douto acórdão que anule o despacho de reversão contra o ora recorrente;

Nulidade da sentença
Omissão de pronúncia
V - Mas ainda que se entendesse - admitindo, sem transigir- que o recorrente era gerente nomeado no pacto social, não deveria a sentença ser proferida antes de serem ouvidas as testemunhas arroladas pelo ora recorrente e com as quais este se propunha demonstrar que nunca exerceu a gerência da E....;
VI - Porque assim não aconteceu, a sentença recorrida enferma de nulidade por omissão de pronúncia (artº. 668º, nº. 1, al. d) do CPC);

Oposição dos fundamentos com a decisão
VII - Aquando da apreciação da culpa do recorrente, a sentença recorrida conclui pela sua verificação, dado o "alheamento" daquele relativamente aos negócios da sociedade;
VIII - Ao considerar que o recorrente esteve alheio aos negócios da sociedade, a sentença recorrida deveria retirar a consequência primeira de que o recorrente, de facto, não exercia a gerência;
IX - que levaria à procedência da oposição;
X - Decidindo como decidiu, verifica-se que os fundamentos da decisão estão em oposição com esta, o que é causa de nulidade nos termos do disposto na al. c) do nº. 1 do artº. 668º do CPC;

Ex abundante
XI - A sentença recorrida, ao mesmo tempo que considera que o recorrente não praticou actos de gerência (dado o seu alheamento), também considera que os praticou "emprestando" o seu nome à sociedade;
XII - que, de igual modo, conduz à nulidade da decisão nos termos da al. b) do nº. 1 do citado artº 668º do CPC.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida e propalando acórdão que anule a decisão de reversão e absolva o recorrente do pagamento.
Quando assim se não entenda e subsidiariamente, deve a sentença ser declarada nula e ordenada a baixa do processo para que o tribunal aprecie se o recorrente exerceu ou não a gerência, decidindo-se de acordo com a prova que vier a ser produzida».

1.7 A Fazenda Pública não contra alegou.

1.8 O Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu parecer no sentido de que seja concedido provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida, com a seguinte argumentação:

«[...] não teve o oponente oportunidade de demonstrar que não era gerente da sociedade nem de afastar a sua presunção de culpa já que o tribunal "a quo " não procedeu à inquirição das testemunhas arroladas por aquele , traduzindo-se este facto numa inegável omissão de pronúncia que fere de nulidade a sentença recorrida. E que, não basta alegar a culpabilidade do oponente, a mesma tem que ser sustentada em prova documental podendo ainda a prova testemunhal produzir o

afastamento da presunção a que alude o já referido preceito legal [art. 13.º do CPT]».

1.9 Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

1.10 As questões sob recurso, delimitadas pelas alegações do Recorrente e respectivas conclusões, são as de saber se a sentença recorrida

fez errado julgamento Embora o Recorrente tenha invocado que a sentença enferma de diversas nulidades – omissão de pronúncia, oposição dos fundamentos com a decisão e contradição entre os factos dados como provados – entendemos que a alegação por ele aduzida não permite tal qualificação. Nos termos da sua alegação, estaremos perante verdadeiros erros de julgamento, ou seja, vícios substanciais do julgamento efectuado pela 1.ª instância e não perante nulidades da sentença, que são meros vício formais.:
1.ª - quando considerou demonstrado que o Oponente foi gerente de direito da sociedade originária devedora (cfr. conclusões I a IV);
2.ª - quando considerou que o Oponente foi gerente de facto da sociedade originária devedora sem que tenha ouvido as testemunhas por ele arroladas e com as quais se propunha demonstrar que nunca exerceu a gerência daquela sociedade (cfr. conclusões V e VI);
3.ª - quando, depois de considerar que o Oponente se alheou da actividade da sociedade originária devedora, entendeu que o mesmo exerceu a gerência de facto da sociedade e, afinal, que praticou actos de gerência (cfr., respectivamente, conclusões VII a X e XI e XII).

* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

2.1.1 Na sentença recorrida, o julgamento da matéria de facto foi efectuado nos seguintes termos:

«Os factos essenciais a ter em conta são:
­ “E....., Ldª” é devedora à Fazenda Nacional da quantia de 4.234.000$00, respeitante a IVA relativo ao período de Julho de 1991 a Dezembro de 1992 (com excepção dos meses de Julho a Agosto de 1992), a que correspondem 16 conhecimentos, todos reportados a liquidações oficiosas por falta de remessa das declarações periódicas de IVA;
­ Em 6/1/1989 foi inscrita no registo comercial de Ponta Delgada a sociedade acima referida, com o capital social de 700.000$00, dividido em 2 quotas, uma de 500.000$00 pertencente a Luís Manuel Carreiro da Câmara Teixeira, casado com Maria Manuela B. G. Teixeira e outra de 200.000$00 pertencente a esta última;
­ Da inscrição consta ainda que a gerência é exercida por todos os sócios;
­ Em 6/1/89, foi ainda inscrito no registo comercial a aquisição de uma quota de 200.000$00 pelo ora oponente, por cessão;
­ À "EMOPEL - Embalagens e Moldes em Papel, Ldª" não foram encontrados bens penhoráveis;
­ Por despacho do Sr. Chefe dos Serviços de Finanças de Ponta Delgada, datado de 24/10/2001, mantido por despacho de 28/11/2001, foi determinado a reversão do processo contra o ora oponente e Maria Manuela B. G. Teixeira, na qualidade de responsáveis subsidiários pela dívida».

2.1.2 Com interesse para a decisão a proferir, para além da factualidade dada como assente na 1.ª instância, cumpre ainda considerar a seguinte, revelada pelos elementos constantes dos autos e especificadamente referidos a seguir a cada uma das alíneas:

– A sociedade denominada “ E.... Lda.” foi constituída em 17 de Novembro de 1988 entre Luís Manuel Carreiro da Câmara Teixeira e Maria Manuela Branco Guimarães Teixeira (cfr. cópia autenticada da escritura de constituição da sociedade de fls. 88 a 95);
– Nos termos do artigo quarto do respectivo pacto social, o capital social, do montante de esc. 700.000$00, foi dividido em duas quotas: uma, do valor de esc. 500.00$00, pertencente a Luís Manuel Carreiro da Câmara Teixeira e a outra, do valor de esc. 200.000$00, pertencente Maria Manuela Branco Guimarães Teixeira (cfr. a referida cópia, maxime fls. 90/91);
– Nos termos do artigo quinto do respectivo pacto social, «A administração e representação da sociedade, em juízo e fora dele, ficam a cargo de todos os sócios, presentes e futuros» (cfr. a referida cópia, maxime fls. 91/92);
– Em 17 de Novembro de 1988, foi celebrada uma escritura pública pela qual Luís Manuel Carreiro da Câmara Teixeira dividiu a sua quota em duas, dos valores de esc. 300.000$00, uma, e de esc. 200.000$00, a outra, e devidamente autorizado por Maria Manuela Branco Guimarães Teixeira, cedeu esta última a Roberto .... (cfr. cópia autenticada da referida escritura de fls. 96 a 100);
– A constituição da sociedade foi inscrita no registo, pela apresentação com o n.º 6 de 6 de Janeiro de 1989, ficando a constar da respectiva inscrição, para além do mais, o seguinte: «Gerência: é exercida por todos os sócios, presentes e futuros» (cfr. certidão de emitida pela Conservatória do Registo Comercial de Ponta Delgada, de fls. 59 a 62);
– Em 2 de Dezembro de 2002, mediante averbamento oficioso, a Conservatória do Registo Comercial procedeu à rectificação da inscrição, nos seguintes termos: « Gerência: nomeados todos os sócios» (cfr. a mesma certidão).


*
2.2 DE FACTO E DE DIREITO
2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

Instaurada que foi uma execução fiscal contra a sociedade denominada “ E.... Lda.” para cobrança coerciva de uma dívida proveniente de Imposto sobre o Valor Acrescentado dos meses de Julho de 1991 a Junho de 1992 e de Setembro a Dezembro de 1992, a execução reverteu contra Roberto ...., que foi considerado responsável subsidiário pelas dívidas exequendas, na qualidade de gerente da sociedade.
Na petição por que se veio opor à execução fiscal, alegou o Oponente que não pode ser responsabilizado pela dívida exequenda. Isto, em síntese, porque:
– quando adquiriu a quota, desconhecia o pacto social, pelo que não o aceitou;
– apesar de constar do pacto social que a «gerência é exercida por todos os sócios, presentes e futuros», certo é que acordou com os outros sócios que não queria nem podia ser gerente;
– nunca foi gerente de facto da sociedade originária devedora.

Mais tarde, na sequência da rectificação da inscrição registral da constituição da sociedade, o Oponente veio pedir que se considerasse provado que nunca foi gerente de direito da sociedade originária devedora, motivo por que a reversão é ilegal.

O Tribunal Administrativo e Fiscal Agregado de Ponta Delgada, tendo efectuado o julgamento de facto nos termos referidos em 2.1.1, julgou a oposição improcedente.
Se bem interpretamos a fundamentação da sentença, depois de determinar o regime legal da responsabilidade subsidiária aplicável, que entendeu ser o do art. 13.º do CPT, o Juiz do Tribunal a quo considerou:
– que, nos termos daquele regime, «a responsabilidade do oponente está sujeita à demonstração, em primeiro lugar da sua qualidade de gerente da devedora originária e, em segundo lugar da prova de inexistência de culpa na insuficiência do património da originária devedora para a satisfação das obrigações fiscais, a efectuar pelo oponente»;
– que, atenta a presunção decorrente do registo comercial, do qual consta que a gerência pertence a todos os sócios, o Oponente é gerente de direito da sociedade originária devedora;
– que, face à gerência de direito, competia ao Oponente demonstrar que não era gerente de facto, o que (se bem interpretamos a sentença), não logrou fazer;
– que o Oponente também não logrou afastar a presunção de culpa que sobre ele recai, bem pelo contrário a sua própria alegação revela tal culpa.

O Oponente não se conformou com a sentença e dela veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo. Os motivos da sua discordância com o decidido em 1.ª instância assentam essencialmente no seguinte:
– foi feito errado julgamento de direito quando se considerou que o Oponente era gerente de direito da sociedade originária devedora; na verdade, porque a atribuição da gerência a todos os sócios foi feita antes do Oponente ter a qualidade de sócio, não se pode considerar que lhe tenha sido conferida tal qualidade, atento o disposto no n.º 3 do art. 252.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC);
– ainda que se entendesse que o Oponente era gerente de direito, não podia a sentença ser proferida, como foi, sem que fossem ouvidas as testemunhas com as quais o Oponente pretendia demonstrar que nunca foi gerente de facto;
– a sentença recorrida não pode, por um lado, considerar que o Oponente se “alheou dos negócios da sociedade” e, por outro, considerar que ele foi gerente de facto da mesma;
– a sentença recorrida não pode considerar que o Oponente não praticou actos de gerência e que os praticou, “emprestando o seu nome à sociedade”.

Daí que, no ponto 1.10 supra, tenhamos deixado referidas como questões a apreciar nestes autos as de saber se a sentença sob recurso fez errado julgamento:
– quando considerou demonstrado que o Oponente foi gerente de direito da sociedade originária devedora (cfr. conclusões I a IV);
– quando considerou que o Oponente foi gerente de facto da sociedade originária devedora sem que tenha ouvido as testemunhas por ele arroladas e com as quais se propunha demonstrar que nunca exerceu a gerência daquela sociedade (cfr. conclusões V e VI);
– quando, depois de considerar que o Oponente se alheou da actividade da sociedade originária devedora, entendeu que o mesmo exerceu a gerência de facto da sociedade e, afinal, que praticou actos de gerência (cfr., respectivamente, conclusões VII a X e XI e XII).

2.2.2 ALGUMAS NOTAS SOBRE O REGIME DE RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DOS GERENTES APLICÁVEL À SITUAÇÃO SUB JUDICE

Diga-se desde já que, respeitando as dívidas exequendas a IVA dos meses de Julho de 1991 a Junho de 1992 e de Setembro a Dezembro de 1992, o regime legal de responsabilidade tributária subsidiária dos gerentes aplicável é o do art. 13.º do CPT, como bem se decidiu na sentença recorrida. Na verdade, é hoje jurisprudência uniforme que as normas com base nas quais se determina a responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes das sociedades de responsabilidade limitada e as condições da sua efectivação são as que estejam em vigor no momento em que se verificam os pressupostos de tal responsabilidade (art. 12.º, do Código Civil (CC)) Neste sentido, com indicação de doutrina e de numerosa jurisprudência, vide JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado, 4.ª edição, nota 16 ao art. 204.º, págs. 880/881. .
Face a esse regime, a responsabilidade subsidiária dos gerentes das sociedades de responsabilidade limitada exige a gerência efectiva ou de facto no período a que se referem as dívidas.
Quanto à gerência nominal ou de direito como pressuposto necessário da responsabilidade tributária dos gerentes e administradores (pressuposto que nunca foi questionado no domínio da vigência do Código de Processo das Contribuições e Impostos), no domínio da vigência do CPT a questão não se nos afigura pacífica, pelo menos enquanto o art. 13.º, n.º 1, manteve a sua redacção original Dizia o art. 13.º, n.º 1, do CPT, do CPT, na redacção inicial (rectificada pela Declaração n.º 137/1991, de 29 de Junho:
«Os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam funções de administração nas empresas e sociedades de responsabilidade limitada são subsidiariamente responsáveis em relação àquelas e solidariamente entre si por todas as contribuições e impostos relativos ao período de exercício do seu cargo, salvo se provarem que não foi por culpa sua que o património da empresa ou sociedade de responsabilidade limitada se tornou insuficiente para a satisfação dos créditos fiscais».. Só com a nova redacção que foi dada a este art. 13.º, n.º 1, pelo art. 52.º da Lei n.º 52-C/96, de 27 de Dezembro (Orçamento de Estado para 1997) que lhe acrescentou a expressão «ainda que somente de facto», é inequívoco que a gerência de direito deixou de ser pressuposto necessário daquela responsabilidade JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado, 4.ª edição, nota 22 ao art. 204.º, pág. 888/889, sustenta que, mesmo na redacção inicial do art. 13.º do CPT, a referência a «outras pessoas que exerçam funções de administração», face à tipicidade dos órgãos de administração e representação previstos para cada tipo de sociedade, já teria o alcance de alargar o regime da responsabilidade subsidiária a pessoas que, não tendo a qualidade de administradores ou gerentes, exercessem de facto funções de administração. Assim, conclui que «a alteração do texto legal operada pelo referido Decreto-Lei n.º 52-C/96, deverá ser interpretada como uma explicitação do conteúdo da norma e não como uma alteração do regime legal». Em sentido diferente, afigura-se-nos que se pronuncia ISABEL MARQUES DA SILVA, A Responsabilidade Tributária dos Corpos Sociais, em Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis, 1999, pág. 130/131, que afirma que a nova redacção dada ao art. 13.º do CPT «pôs termo, ainda que somente para o futuro, ao pressuposto legal da responsabilidade que representava a verificação simultânea da qualidade de gerente ou administrador de facto e de direito» (sublinhado nosso), com o que parece afastar de todo a possibilidade de conferir carácter interpretativo à nova redacção, carácter esse que autorizaria a sua aplicação a situações anteriores, nos termos e com as restrições do n.º 1 do art. 13.º do CC.
Em todo o caso, na situação sub judice a responsabilização do Oponente foi feita com base no considerando de que ele era gerente de direito (e, por isso, nos termos que veremos de seguida, se presumia gerente de facto) e não com base no fundamento de que, não sendo gerente de direito, era direito de facto (caso em que a Fazenda Pública não poderia valer-se da referida presunção, antes tendo de alegar e provar a factualidade de que pudesse concluir-se pela gerência de facto).
Como é sabido, é à Fazenda Pública, como titular do direito de reversão da execução contra o responsável subsidiário, que cumpre fazer prova da gerência como pressuposto da obrigação de responsabilidade subsidiária. Mas demonstrada que seja a gerência de direito, é de presumir a gerência de facto, presunção essa que, porque meramente judicial Há presunções legais e presunções judiciais (arts. 350.º e 351.º do CC). As presunções legais são as que estão previstas na própria lei. As presunções judiciais, naturais ou de facto são «são aquelas que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos. É nesse saber de experiência feito que mergulham as suas raízes as presunções continuamente usadas pelo juiz na apreciação de muitas situações de facto» (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 2ª edição, pág. 502 e MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 215/216. , admite ilisão por qualquer meio de prova, bastando para o efeito a contraprova, não sendo exigível a prova do contrário, tudo nos termos dos arts. 350.º e 351.º do Código Civil (CC).
Ainda no regime da responsabilidade subsidiária dos gerentes que vimos considerando, é pressuposto da responsabilidade a culpa do gerente pela situação de insuficiência do património da empresa para satisfação dos créditos fiscais, mas faz-se recair sobre o gerente o ónus da prova da falta dessa culpa, nos termos do referido art. 13.º do CPT. Culpa que, como tem vindo repetidamente a firmar a jurisprudência, não se refere à falta de pagamento das dívidas exequendas, mas antes à inobservância pelo gerente das disposições legais ou contratuais destinadas à protecção dos credores e que essa inobservância tenha causado a situação de insuficiência do património social para a satisfação das dívidas fiscais Neste sentido, entre muitos outros, vide os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 5 de Novembro de 1997, proferido no processo com o n.º 21.900, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de Março de 2001, págs. 2887 a 2891;
- de 12 de Novembro de 1997, proferido no processo com o n.º 21.469, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de Março de 2001, págs. 2954 a 2960;
- de 9 de Junho de 1999, proferido no processo com o n.º 23.702, publicado no Apêndice ao Diário da República de 19 de Junho de 2002, págs. 2339 a 2343;
- de 9 de Junho de 1999, proferido no processo com o n.º 23.871, publicado no Apêndice ao Diário da República de 19 de Junho de 2002, págs. 2354 a 2358;
- de 9 de Junho de 1999, proferido no processo com o n.º 23.961, publicado no Apêndice ao Diário da República de 19 de Junho de 2002, págs. 2361 a 2365;
- de 22 de Junho de 1999, proferido no processo com o n.º 23.882, publicado no Apêndice ao Diário da República de 19 de Junho de 2002, págs. 2627 a 2631;
- de 27 de Outubro de 1999, proferido no processo com o n.º 24.131, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de Setembro de 2002, págs. 3494 a 3498;
- de 3 de Novembro de 1999, proferido no processo com o n.º 24.300, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de Setembro de 2002, págs. 3618 a 3623..
Feitos estes considerandos, necessariamente breves, sobre o regime legal da responsabilidade tributária dos gerentes aplicável à situação sub judice, estamos em condições para avançar na averiguação da legalidade da reversão operada contra o ora Oponente e, assim, verificar se a sentença recorrida fez ou não correcto julgamento.
Antes do mais, vejamos, se, tal como consideraram a AT e o Juiz do Tribunal recorrido, o Oponente era ou não gerente de direito da sociedade originária devedora no período relevante.

2.2.3 O OPONENTE ERA GERENTE DE DIREITO DA SOCIEDADE ORIGINÁRIA DEVEDORA ?

A AT procedeu à reversão da execução contra o ora recorrente no pressuposto de que este era gerente de direito da sociedade, motivo porque se presumia a gerência de facto. Para concluir que aquele era gerente de direito baseou-se na cópia da certidão emitida pela Conservatória do Registo Comercial de Ponta Delgada, da qual consta que a gerência «é exercida por todos os sócios, presentes e futuros» e que o ora recorrente adquiriu uma quota da sociedade (cfr. cópias do despacho de reversão, a fls. 28, bem como da referida certidão, de fls. 24 a 27).
O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal Agregado de Ponta Delgada também considerou que o Oponente era gerente de direito com base numa certidão emitida pela Conservatória do Registo Comercial de Ponta Delgada. Apesar de na certidão considerada na sentença já constar a rectificação oficiosa da inscrição registral no que se refere à gerência, por forma a que, onde constava que a gerência «é exercida por todos os sócios, presentes e futuros», passou a constar «nomeados todos os sócios» e de não haver dúvidas de que tal rectificação foi levada em conta, o Juiz da 1.ª instância concluiu que «o oponente é gerente da sociedade em causa».
O Oponente insurge-se contra tal conclusão, invocando o disposto no n.º 3 do art. 252.º do CSC, nos termos do qual «A gerência atribuída no contrato a todos os sócios não se entende conferida aos que só posteriormente adquiram essa qualidade».
Afigura-se-nos que se deve concluir que o Oponente era gerente de direito da sociedade, mas não com a fundamentação aduzida pelo Juiz da 1.ª instância. A essa fundamentação poderia opor-se com êxito a invocada pelo Recorrente.
Vejamos:
No art. 5.º do pacto social da sociedade originária devedora consta: «A administração e representação da sociedade, em juízo e fora dele, ficam a cargo de todos os sócios, presentes e futuros».
Como é sabido, os gerentes podem ser designados por várias formas, sendo algumas as enumeradas no art. 252.º, n.º 2, do CSC As sociedades comerciais estão sujeitas ao princípio da tipicidade, o que significa, não só que não podem adoptar outros tipos que não os previstos na lei, mas também que a designação, composição e funcionamento dos órgãos de administração e representação não podem ser outros que os previstos na lei relativamente a cada um dos tipos, só pode ser gerente de uma sociedade por quotas quem tenha sido como tal designado no contrato de sociedade ou eleito ulteriormente por deliberação dos sócios, a menos que o pacto social preveja outro tipo de designação., e das quais nos interessa agora considerar a designação no contrato de sociedade (alínea a) do referido preceito).
«A designação dos gerentes no contrato de sociedade resulta da vontade unânime dos sócios e nenhuma razão haveria para impedir que esta se manifestasse logo no instrumento de constituição da sociedade» RAUL VENTURA, Sociedades por Quotas, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, vol. III, 2.ª reimpressão da 1.ª edição, pág. 14..
Se bem que, por regra a designação dos gerentes no contrato de sociedade seja feita nominalmente, nada obsta à designação no contrato de «todos os sócios», sem indicação nominal destes.
É certo que, como bem salientou o Recorrente, nos termos do n.º 3 do art. 252.º do CSC, «A gerência atribuída no contrato a todos os sócios não se entende conferida aos que só posteriormente adquiram essa qualidade». RAÚL VENTURA indica-nos a teleologia da norma: «Trata-se de regra extraída da vontade normal dos interessados, pois se é natural que todos queiram conferir a gerência a todos os outros, definidos e conhecidos, é pouco provável que tenha havido vontade de tornar gerentes todas as pessoas que no futuro venham a ser sócios, por transmissão de quotas, entre vivos ou por morte, ou por entradas no caso de aumento de capital. Assim, um novo sócio só assumirá a gerência por designação individual» Idem, pág. 15.. Mas, como logo ressalva o mesmo Autor, «não há interpretação a fazer se a cláusula for claramente redigida no sentido de abranger os sócios actuais como os futuros» Ibidem..
No caso sub judice a cláusula do pacto social é bem explícita: são designados gerentes os sócios presentes e os futuros.
Assim, é inquestionável que o Oponente foi designado gerente pelo pacto social. A regra do n.º 3 do art. 252.º do CSC cede perante a vontade dos sócios, inequívoca e expressamente consagrada no contrato de sociedade.
O Oponente é, pois, gerente de direito da sociedade originária devedora.
O facto de a Conservatória do Registo Comercial de Ponta Delgado ter procedido oficiosamente à rectificação da inscrição registral da constituição da sociedade originária devedora, por forma a que dessa inscrição, onde contava «gerência: é exercida por todos os sócios, presentes e futuros», passou a constar «gerência: nomeados todos os sócios», não pode, de forma alguma, assumir a relevância que o Oponente parece pretender conferir-lhe. Na verdade, não cumprindo aqui averiguar do acerto da rectificação Em todo o caso, sempre diremos que não se verifica qualquer desconformidade com o título, susceptível de originar a rectificação do registo., o que releva é o que consta do pacto social. Ora, como é sabido, o registo não tem efeitos constitutivos, antes se destina a dar publicidade, designadamente, à situação das sociedades comerciais (cfr. art. 1.º do CRC), motivo por que deve conformar-se com o que consta dos respectivos pactos sociais e, por outro lado, a presunção dele resultante, nos termos do art. 11.º do respectivo código, é ilidível.
Em suma, o Oponente é gerente de direito da sociedade originária devedora.

2.2.4 SOBRE O ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO

O Recorrente invocou a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, uma vez que, segundo ele, mesmo a admitir-se que era gerente de direito, o que não concedeu, «não deveria a sentença ser proferida antes de serem ouvidas as testemunhas arroladas pelo ora recorrente e com as quais este se propunha demonstrar que nunca exerceu a gerência da EMOPEL».
Salvo o devido respeito, como adiantámos já na nota de rodapé com o n.º 3, tal alegação não é susceptível de integrar nulidade da sentença, designadamente a invocada omissão de pronúncia. Vejamos porquê:
Nos termos do art. 125.º, n.º 1, do CPPT, «Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer».
O juiz deve conhecer de toda as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e cuja apreciação não tenha ficado prejudicada, sob pena de, não o fazendo, a sentença ficar ferida de nulidade (cfr., para além do já referido art. 125.º, n.º 1, do CPPT, os arts. 660.º, n.º 2, e 668, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil (CPC)).
Como é jurisprudência pacífica Vide, por todos, os seguintes acórdãos do Pleno da 2.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo:
­ de 7 de Junho de 1995, proferido no recurso com o n.º 5239 e publicado no Apêndice ao Diário da República de 31 de Março de 1997, págs. 36 a 40;
­ de 6 de Dezembro de 1995, proferido no recurso com o n.º 5780, publicado no Apêndice ao Diário da República de 14 de Abril de 1997, págs. 159 a 166., a omissão de pronúncia verifica-se apenas em relação a questões e não em relação a argumentos ou razões invocadas nem sequer em relação a factos alegados. Assim, e porque o conceito de “questões”, não se confunde com o de “argumentos” ou “razões”, o tribunal, devendo embora «resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação» (art. 660.º, n.º 2, do CPC), não está vinculado a apreciar todos os argumentos utilizados pelas partes, do mesmo modo que não está impedido de, na decisão, usar considerandos por elas não produzidos.
Na sentença recorrida havia apenas obrigação de conhecer das questões suscitadas pelo Impugnante e, entre elas, a de saber se o Oponente tinha ou não sido gerente de facto da sociedade originária devedora, e já não de escalpelizar todos os argumentos por ele aduzidos em favor da sua tese nem de conhecer de todos os factos por ele alegados, mas tão só dos que repute relevantes.
Saber se deveriam ou não ter sido inquiridas as testemunhas, se deveria ou não o Tribunal ter-se pronunciado sobre os factos alegados com vista a demonstrar a inexistência de gerência de facto, designadamente para serem julgados provados ou não provados, por, segundo alega o Recorrente, serem relevantes para o enquadramento jurídico das questões a apreciar e decidir, é matéria que se coloca já no âmbito da validade substancial da sentença, que não no da sua validade formal. Ou seja, o facto de na sentença não ter sido considerada aquela factualidade, nem efectuadas as pertinentes diligências instrutórias, poderá constituir erro de julgamento, mas já não nulidade da sentença.
Aliás, a questão da gerência de facto foi abordada e decidida na sentença recorrida, motivo por que nunca poderia sustentar-se ter o Tribunal a quo omitido pronúncia relativamente a tal questão. Não é o facto de o Tribunal ter omitido uma diligência instrutória que o Recorrente reputa essencial que determina a omissão de pronúncia; poderá, isso sim, determinar uma nulidade processual se tal irregularidade, que não consta do rol das nulidades absolutas (insanáveis, na terminologia da lei) previstas no art. 98.º do CPPT, for susceptível de influir no exame ou decisão da causa (cfr. art. 201.º, n.º 1, do CPC), como, manifestamente, parece ser no caso. No entanto, tal nulidade processual não foi arguida e não é do conhecimento oficioso (art. 202.º do CPC).
Sem prejuízo do que vimos de dizer, a gerência de facto constitui requisito da responsabilidade subsidiária dos gerentes em todos os regimes legais que se foram sucedendo ao longo do tempo. Assim também no regime do art. 13.º do CPT e bem se compreende que assim seja, pois a culpa susceptível de basear a responsabilidade subsidiária exige a gerência de facto. Como diz JORGE LOPES DE SOUSA, «Se o administrador ou gerente não exercia quaisquer funções de gerência de facto, não se justificava que fosse formulado em relação a ele um juízo de culpa susceptível de basear a responsabilidade subsidiária, já que não era possível a existência de nexo de causalidade entre a sua actuação e a situação de insuficiência patrimonial da sociedade, nem se podia falar em relação a ele de possibilidade de pagar as dívidas fiscais e não o fazer, dívidas essas de que, sem um exercício ao menos parcial da gerência, não poderia ter sequer conhecimento.
Era nesta relação de proximidade real entre o gerente de direito e a vida da sociedade que assen-tava aquela presunção de culpa e a responsabilidade subsidiária do gerente.
A mera omissão de concretização prática dos deveres de controle da vida da sociedade inerentes ao cargo de gerente de direito nunca foi considerada pelo Supremo Tribunal Administrativo bastante para justificar a responsabilidade» Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado, 4.ª edição, nota 26 ao art. 204.º, pág. 895..
Significa isto que, assente que ficou que o Oponente era gerente de direito na sociedade originária devedora, cumpre averiguar se ele foi ou não gerente de facto da mesma sociedade. Como ficou já dito, a presunção de que o gerente de direito exerce a gerência de facto é uma presunção judicial e, assim, susceptível de ser arredada por mera contraprova, ou seja, pela criação no espírito do julgador de dúvida séria relativamente ao facto presumido A este propósito, vide ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 2ª edição, pág. 504..
Assim, não pode o Tribunal dispensar-se de indagar da factualidade alegada pelo Oponente no sentido de que não foi gerente de facto da sociedade originária devedora. Para tanto, deveria o Tribunal Administrativo e Fiscal Agregado de Ponta Delgada, não só ter ouvido as testemunhas arroladas pelo Oponente, como inclusive, se o entendesse pertinente, ordenar ou efectuar outras diligências, ao abrigo dos poderes que lhe são conferidos pelos arts. 13.º e 114.º, este último ex vi do art. 211.º, n.º 1, todos do CPPT, bem como pelo art. 99.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro.
Porque não o fez, e tal indagação se nos afigura indispensável à boa decisão da causa, consideramos ocorrer motivo de anulação oficiosa da sentença, a determinar a remessa do processo ao Tribunal recorrido, para melhor investigação e nova decisão, de harmonia com os termos do disposto no art. 712.º, n.º 4, do CPC, por força dos arts. 792.º e 749.º do mesmo diploma, e art. 2,º alínea e) do CPPT.

2.2.5 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulam-se as seguintes conclusões:
I - As sociedades comerciais estão sujeitas ao princípio da tipicidade, o que significa, não só que não podem adoptar outros tipos que não os previstos na lei, mas também que a designação, composição e funcionamento dos órgãos de administração e representação não podem ser outros que os previstos na lei relativamente a cada um dos tipos, motivo por que só é gerente (de direito) de uma sociedade por quotas quem tenha sido como tal designado no contrato de sociedade ou eleito ulteriormente por deliberação dos sócios, a menos que o pacto social preveja outro tipo de designação (cfr. art. 252.º, n.º 2, do CSC).
II - Nos termos do art. 252.º, n.º 3, do CSC, a gerência atribuída a todos os sócios não se entende conferida aos que só posteriormente adquiram esta qualidade.
III - No entanto, constando do pacto social que «a administração e representação da sociedade, em juízo e fora dele, ficam a cargo do todos os sócios, presentes e futuros» (itálico nosso), deve considerar-se que foi vontade dos que constituíram a sociedade que também os sócios futuros viessem a fazer parte da gerência.
IV - Assim, aquele que ulteriormente adquiriu a qualidade de sócio fica também designado gerente, nos termos do contrato social.
V - Ainda que a Conservatória do Registo Comercial tenha procedido oficiosamente à rectificação da inscrição registral da constituição da sociedade originária devedora, por forma a que dessa inscrição, onde contava «gerência: é exercida por todos os sócios, presentes e futuros», passou a constar «gerência: nomeados todos os sócios», o que releva é o que consta do pacto social, pois, por um lado, o registo não tem efeitos constitutivos, antes se destina a dar publicidade, designadamente, à situação das sociedades comerciais (cfr. art. 1.º do CRC), motivo por que deve conformar-se com o que consta dos respectivos pactos sociais e, por outro lado, a presunção dele resultante, nos termos do art. 11.º do respectivo código, é ilidível.
VI - As normas com base nas quais se determina a responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes das sociedades de responsabilidade limitada e as condições da sua efectivação são as que estejam em vigor no momento em que se verificam os pressupostos de tal responsabilidade (art. 12.º, do CC).
VII - Assim, estando em causa dívidas de IVA dos meses de Julho de 1991 a Junho de 1992 e de Setembro a Dezembro de 1992, esse regime é o do art. 13.º do CPT, código que entrou em vigor em 1 de Julho de 1991, nos termos do art. 2.º do Decreto-Lei n.º 154/91, de 23 de Abril, diploma que o aprovou.
VIII - Nos termos desse regime (como no de todos os que o antecederam e sucederam), para responsabilizar os gerentes exige-se a gerência efectiva, de facto, traduzida na prática de actos de administração ou disposição em nome e no interesse da sociedade, uma vez que a culpa susceptível de basear a responsabilidade subsidiária exige a gerência de facto.
IX - Sendo que a gerência de direito faz presumir a gerência de facto, esta presunção, porque meramente judicial, admite ilisão por qualquer meio de prova, bastando para o efeito a contraprova, não sendo exigível a prova do contrário, tudo nos termos dos arts. 350.º e 351.º do CC.
X - Assim, tendo o oponente arrolado testemunhas com vista a demonstrar que nunca praticou actos de gerência da sociedade originária devedora, não pode o tribunal dispensar-se de inquirir tais testemunhas e concluir, com base na presunção dita em VII, que o gerente de direito também o foi de facto.
XI - Na falta de averiguação dos factos alegados pelo Oponente e pertinentes para dirimir a questão da gerência de facto, deve o Tribunal ad quem anular oficiosamente a sentença recorrida e ordenar que o processo regresse ao Tribunal a quo a fim de aí se proceder à ampliação da matéria de facto através dos meios probatórios tidos por convenientes, designadamente através da inquirição das testemunhas arroladas pelo Oponente.

* * *

3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo acordam, em conferência, anular a sentença recorrida e ordenar a devolução do processo à 1.ª instância, a fim de aí, depois de serem adquiridos para o processo os elementos referidos e outros tidos por pertinentes, ser proferida nova decisão.

Sem custas.


*

Lisboa, 25 de Maio de 2004


1
Decisão Texto Integral: