Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2222/23.7BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:04/11/2024
Relator:FREDERICO MACEDO BRANCO
Descritores:PROCEDIMENTO CONCURSAL
RESERVA DE RECRUTAMENTO
CURSO DE FORMAÇÃO DE GUARDAS
GNR
Sumário:I– Em termos concursais, os candidatos deverão preencher os pressupostos/Requisitos de candidatura até ao termo do prazo para a apresentação das candidaturas.
Para o júri do procedimento concursal, o que se trata de se saber é, se até à data limite de apresentação da candidatura o candidato reunia a condição prevista na alínea c) do ponto 8.1 do Aviso ………./22, conjugada com a alínea c) do artigo 240.° do EMGNR, o que se constata claramente que não, pelo que decidiu bem a sentença ao considerar que não houve qualquer violação das normas aplicáveis.
II- No quadro normativo pelo qual se rege o concurso aqui em causa, os requisitos legalmente exigidos para a admissão a concurso de provimento devem verificar-se até ao termo do prazo para a apresentação das candidaturas e manter-se no momento do provimento.
III– Uma vez que até ao termo do prazo de apresentação de candidatura, o candidato mantinha no seu Registo criminal a referência à prática de dois crimes dolosos, o que se mostrava impeditivo da apresentação da sua candidatura à GNR, sempre o mesmo teria de ser excluído do procedimento concursal.
IV- Não basta invocar a verificação em abstrato de qualquer violação de princípio ínsito em lei ordinária ou inconstitucionalidade, importando que a sua verificação seja densificada e demonstrada.
Não é de conhecer por omissão de substanciação no corpo de alegação, a violação dos princípios Constitucionais, designadamente por interpretação desconforme mormente à Lei Fundamental, se o Recorrente se limita a afirmar a referida desconformidade de interpretação e de aplicação, sem apresentar, do seu ponto de vista, as razões de facto e de direito do discurso jurídico fundamentador nem, sequer, a modalidade a que reverte o vício afirmado.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção SOCIAL
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:


I Relatório
L…………., intentou Procedimento de Massa contra o Ministério da Administração Interna/GNR, tendente à “impugnação do ato exclusão do Autor, no âmbito do procedimento concursal para a constituição de uma reserva de recrutamento para a admissão ao Curso de Formação de Guardas da GNR/Armas (aberto pelo Aviso n.° 2……../2022, de 05 de dezembro), e de condenação à prática do ato devido”, inconformado com a Sentença proferida em 17 de janeiro de 2024 no TAC de Lisboa que julgou improcedente a Ação, veio interpor recurso jurisdicional do mesmo.
Formulou o aqui Recorrente/L…….. nas suas alegações de recurso, apresentadas em 5 de fevereiro de 2024, as seguintes conclusões:
“1. A prática ou atuação da Administração é nesta matéria profundamente desigual e sem qualquer fundamento lídimo, pois, tanto quanto se sabe, existem concorrentes que foram admitidos no presente Curso de Formação de Guardas da GNR, bem como nos anteriores procedimentos concursais, que já incorreram na prática de crime doloso, que são do conhecimento da GNR, mas que não conduzem à exclusão do candidato - tudo numa injustiça atroz e intolerável num Estado de direito democrático, pelo que se roga a intervenção do Tribunal.
2. No entanto e salvo o merecido respeito, a sentença confirmou salvificamente o ato impugnado, efetuando uma interpretação profundamente errónea e mesmo incoerente da lei, que se roga que não seja mantida na ordem jurídica, sob pena de o A. se ver afastado da carreira profissional com a qual sempre sonhou, para a qual tem vocação e à qual não se poderá nunca mais candidatar, dado que já completou 27 anos.
3. Em primeiro, a sentença começa por decidir que um candidato que tenha cometido um crime doloso tem de ser excluído, pelo que o ato de exclusão do Autor é compreensível e justificado.
4. Ora, o normativo vertido no artigo 240.°, al. c) do EMGNR contém uma cláusula absolutamente geral, aberta e indefinida ("condenados por qualquer crime praticado com dolo"), pelo que tem de ser devidamente interpretado e de acordo com a Constituição da República, porquanto num Estado de direito democrático dos cidadãos (art. 1.° e 2.° da CRP), como o nosso, não é (nem pode ser) uma bagatela criminal ou qualquer pequena criminalidade, ainda que eventualmente cometida com dolo, que pode bastar para automática e mecanicamente excluir candidatos a um concurso para uma força de segurança, sob pena de manifesta ilegalidade e mesmo inconstitucionalidade - sobretudo num mundo em que o ilícito administrativo e contraordenacional está a ser verdadeiramente devorado pelo ilícito criminal.
5. Ainda que se saiba que a GNR ou a PSP implicam um grau de confiança acima do normal, como decidiu a sentença, a verdade é que tal não pode obstar, por exemplo, no caso de uma condenação criminal no passado por um qualquer pequeno furto formigueiro, uma infração rodoviária ou do direito estradal em geral cometida na flor da juventude (ainda que o legislador, a tenha criminalizada numa das vagas de sucessivas criminalizações de condutas a que a nossa Ordem Jurídica tem assistido, numa voracidade do direito penal em relação ao direito administrativo), e outras infrações quejandas, não podem (como dizíamos) jamais constituir fundamento legal para excluir um cidadão deste tipo de concurso.
6. No caso concreto, quando era um jovem de 20 anos e num contexto de necessidade, o A. foi condenado por condução sem habilitação legal, situação que o A. lamenta séria e veementemente cada dia que passa, mostrando-se deveras arrependido - tratou-se de conduta absolutamente contextualizada e isolada no tempo, que, na verdade, descaracteriza a vida do A., fiel ao direito e à lei (como resulta quer do relatório social, quer da sentença proferida no processo judicial de cancelamento de registo criminal, que correu termos no Tribunal de Execução de Penas de Coimbra, sob o n.° ………/23.0TXCBR-A, a fs. 1325 a 1336 dos autos).
7. Desde logo, de acordo com o direito fundamental previsto no art. 30.°, n.° 4 da CRP, não pode jamais operar a exclusão do concurso (mormente em sede de exercício de liberdades fundamentais, como é o acesso à função pública) de forma automática, mecânica e por força direta da lei (ope legis), sob pena de existir a proibida automaticidade dos efeitos (perdas de direitos civis, profissionais e ou políticos) das penas, tendo de haver, isso sim, sempre e necessariamente um juízo de ponderação do ilícito e da culpa ínsita no crime em concreto (como por exemplo, existe quanto à PSP).
8. Em primeiro lugar e no sentido que vimos de sustentar (da necessidade de uma parametrização e de um juízo de ponderação em cada caso concreto), joga, por exemplo, o facto de no caso de um militar da GNR cometer crimes ser o próprio Estatuto disciplinar da GNR nos arts. 20.°, 21.°, n.° 1 e n.° 2 ou 34.°, n.° 3 (na qualificação de infrações e aplicação de penas), que efetua, naturalmente, uma parametrização e ponderação da gravidade dos ilícitos (por exemplo, art. 34.°. n.° "3 - Aos militares da Guarda na situação de reforma é ainda aplicável a pena de separação de serviço, quando pratiquem crime doloso que, pela sua natureza, atente gravemente contra o bom nome, o prestígio e a imagem da instituição." e artigo 21.°, n.° "2 - São suscetíveis de inviabilizar a manutenção da relação funcional, designadamente: (...) e) Praticar, no exercício de funções ou fora delas, crime doloso, punível com pena de prisão superior a três anos, que revele ser o militar incapaz ou indigno da confiança necessária ao exercício da função;").
9. Tal como para o militar da GNR para o qual não é a prática de qualquer crime doloso que conduz à sua demissão ou separação do serviço, também (até por argumento de maioria de razão) para o mero candidato a GNR não se pode fazer uma interpretação ainda mais estrita, formal e exigente, em que qualquer crime doloso seria impeditivo da candidatura.
10. Em segundo, ressalvado o devido respeito, a sentença recorrida incorre em manifesto erro de julgamento ao pretender equiparar os regimes jurídicos da GNR e da PSP para estes efeitos, mas sem atentar verdadeiramente nesses regimes e sem extrair as devidas consequências jurídicas, que no caso se impunham, pois, no caso da PSP, força de segurança que também implica um grau de confiança com os cidadãos e com as instituições acima do normal como a GNR, a condição de admissão é devidamente parametrizada, dizendo-se no artigo 8.1, al. h) que o candidato não pode ter "sofrido sanção penal inibidora do exercício da função".
11. Tal como no caso da PSP, em que apenas a sanção penal inibidora do exercício da função é impeditiva da candidatura ao curso, também no caso da GNR não é juridicamente admissível que a prática de "qualquer crime doloso" possa ser impeditiva da candidatura ao curso da GNR, como sustenta esvoaçantemente a sentença, em patente erro de julgamento - maxime, quando as duas forças de segurança visam ambas assegurar o respeito pela lei e pelos direitos humanos, tendo para tal o monopólio do uso da força, portanto, são duas forças de segurança idênticas (ou pelo menos, em tudo equiparáveis) em termos de interesse público e de grau de confiança com os cidadãos e com as instituições, bem como de preservação do prestígio e bom nome das respetivas Instituições - pelo que as razões jurídicas são as mesmas, que ditam que a interpretação quanto a estes casos deva ser a mesma.
12. Pelo que valem exatamente as mesma razões para que quer no caso da PSP quer no caso da GNR só a condenação por crimes graves ou com elevado grau de ressonância ética sejam causa lídima de inaptidão para ingressar nas polícias - sendo, aliás, isso mesmo que a realidade demonstra, dado que são aceites nos cursos da PSP e da GNR candidatos que já foram condenados por crimes dolosos.
13. Por conseguinte, a sentença padece de erro de julgamento, mormente por evidente violação dos princípios constitucionais da igualdade e da justiça, ao manter salvificamente o ato de exclusão na ordem jurídica, excluindo o A. do curso da GNR, quando tal não sucederia no caso de um concurso da PSP - cfr. arts. 2.°, 13.°, 18.° e 266.° da CRP.
14. Em terceiro, e a corroborar igualmente que a prática de "qualquer crime doloso" não pode ser interpretado como imediatamente impeditivo da candidatura ao curso da GNR (como resulta da sentença), antes devendo tal cláusula (que é de tal modo geral, aberta e indefinida) ser interpretada e parametrizada de acordo com os princípios constitucionais, em que avulta o princípio da justiça (já lá iremos), verifique-se que quer o Regulamento Disciplinar da PSP quer o da GNR estabelecem como "infração muito grave", suscetível de "inviabilizar a relação funcional" - ou seja, podendo implicar expulsão ou demissão - "praticar, no exercício de funções ou fora delas, crime doloso, punível com pena de prisão superior a três anos" (cfr.art. 23.°, n.° 2, al. f) da Lei n.° 37/2019, de 30 de Maio).
15. Aliás, como nos serve a experiência, a prática administrativa é a de que são raros os casos de Guardas ou de Polícias que são expulsos ou demitidos quando praticam um crime doloso, ainda que grave.
16. Em suma, o que se retira do que vimos de sustentar é que as normas que regulam a admissão ao curso da GNR (maxime art. 240.° do EMGNR) têm de ser devidamente interpretadas conforme com a Constituição e com os valores de modernidade jurídica e de politica criminal, de forma sistemática e teleológico-racional (considerando o fim da norma em apreço e a valor fundamental da ressocialização do arguido num Estado de direito), e não aplicadas de forma cega, anquilosada, formal e positivística, como o fez a sentença.
17. Pois não é uma bagatela criminal ou qualquer pequena criminalidade (como sucede no caso sub judice), ainda que cometida com dolo (que até pode ser, por exemplo, com dolo eventual, o que necessariamente acarreta um desvalor e censurabilidade deveras mais reduzidos), que podem conduzir à exclusão de candidatos, de forma automática, mecânica, e ope legis, sob pena de inconstitucionalidade - sobretudo quando vivemos um tempo em que o ilícito administrativo e contraordenacional está a ser devorado pelo ilícito criminal.
18. A sentença recorrida incorre em erro de julgamento, pois «perda» de direitos tanto pode querer significar perda definitiva, como incapacidade ou impossibilidade temporária de os exercer, incluindo os direitos de escolha e de acesso à função pública (art. 47.° da CRP - cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I., 4.° ed. revista, pág. 504-505), o que deriva do acquis segundo o qual importa retirar às sanções todo o efeito estigmatizante (impedindo-as de ser como um ferrete que acompanha para sempre o cidadão na sua vida, tornando-o indefinidamente réprobo) e que é um elemento integrador de um Estado de direito democrático e social e baseado na dignidade da pessoa, como o nosso (cfr. art. 1.° e 2.° da CRP).
19. Portanto, as normas e ou a interpretação das normas que a sentença propugna (nomeadamente a vertida no artigo 240.°, al. c) do EMGNR), sempre se afiguram manifestamente erróneas e inconstitucionais, porque violam os estruturantes fins de integração social do condenado e da sua ressocialização, e o direito fundamental vertido entre o mais no art. 30.°, n.° 4 da CRP e, bem assim, os princípios da dignidade da pessoa humana, do Estado de direito democrático, da justiça, da proteção dos direitos e interesses dos cidadãos, da boa administração, da proporcionalidade, da razoabilidade, e ainda da igualdade (cfr. arts. 1.°, 2.°, 13.°, 18.°, 266.° da CRP e arts. 3.°, 4.°, 5.°, 6.°, 7.° e 8.°do CPA).
20. De seguida e incoerentemente, a sentença passa a sustentar que o problema seria o prazo, dado que, no seu entender, o A. não teria verificado os requisitos de admissão à data da candidatura (quanto ao registo criminal), incorrendo, porém, em erro de julgamento, pois que não verificou, de fundo e materialmente, se tal sucedia efetivamente.
21. Considerando os longos anos que decorreram desde a prática dos crimes (cerca de 10 anos), o específico contexto descrito e a boa conduta do A., bem como a natureza de pequena criminalidade e com pouca ressonância ética em causa, o certificado de registo criminal já cumpria, à data da candidatura, ao contrário do que refere a sentença, os requisitos para já não apresentar qualquer averbamento, cumprindo, assim materialmente (que é o que releva), o A. as condições para ser admitido ao concurso.
22. Como o Tribunal a quo podia ter facilmente verificado, note-se que in casu se verificavam, já à data da candidatura, todos os requisitos deste artigo 12.° da Lei n.° 37/2015, pois, por um lado, as penas encontravam-se extintas e há bastante tempo (como resulta, nomeadamente da sentença proferida no processo n.° ………/23.0TXCBR-A, constante a fls... dos autos), por outro lado, o A. e recorrente tem-se comportado de forma exemplar, o que, entre o mais, demonstra a sua total e plena readaptação (como resulta, nomeadamente do relatório social e da sentença proferida no processo n.° ………/23.0TXCBR-A) e, por último, estando em causa um tipo de perigo abstrato e não tendo havido, pois, qualquer lesão efetiva e concreta do bem jurídico, verifica-se a desnecessidade e ou impossibilidade de cumprir a obrigação de indemnizar o suposto ofendido.
23. Posto isto, a interpretação que a sentença faz dos normativos em apreço, conduz a que as sanções penais sejam ou possam ser (que é o que basta) estigmatizantes, e que acompanhem o cidadão ao longo da sua vida, tornando-o indefinidamente réprobo.
24. Em suma e ao contrário do que decidiu o Tribunal recorrido, em erro de julgamento (de que teria inexoravelmente de reunir os requisitos de admissão à data da submissão da sua candidatura), deveria ter-se considerado e decidido que, à data da candidatura, se verificavam, de facto e materialmente, as condições para que os averbamentos no registo criminal estivessem cancelados e não produzissem efeitos, o que apenas não havia sucedido, porque o A. desconhecia que tinha de o solicitar formalmente através de um processo judicial.
25. É a verificação material das condições previstas na hipótese da norma que deve relevar de fundo e materialmente, e não a entrega de requerimentos ou ações formais, como deriva da interpretação das normas conforme a Constituição, mormente de acordo com os princípios constitucionais da justiça, da razoabilidade e da proporcionalidade, que são corolários do princípio basilar do Estado de Direito democrático dos cidadãos - cfr. art. 1.°, 2.°, 18.° e 266.° da CRP.
26. Em suma, já em dezembro de 2022 (na data da candidatura do A.) se verificavam todas as condições previstas no artigo 12.° da Lei n.° 37/2015, não sendo relevante que, formalmente, o A. tenha intentado o processo de cancelamento do registo criminal após ter sido notificado da intenção de ser excluído, nem sendo igualmente relevante que a sentença do Tribunal de Execução de Penas tenha sido prolatada após essa data.
27. Pois uma vez verificada a hipótese contemplada na previsão da norma (como se comprova) e que determina o cancelamento, o registo da condenação deixa de poder ser considerado contra o arguido, ao contrário do que decidiu a sentença, em erro de julgamento, ao falar de efeitos laterias ou acessórios - em dezembro de 2022 já as penas se deviam considerar extintas no plano jurídico, não se lhes ligando nem podendo ligar quaisquer efeitos contra o cidadão, como sustenta a jurisprudência e a doutrina, pois ao sistema de registo preside a intenção de restringir a estigmatização social do cidadão e o conteúdo dos certificados de registo criminal limita-se ao que é verdadeiramente essencial conhecer.
28. Como refere a dogmática e jurisprudência supra citadas, este valor deriva da hodierna política sancionatória segundo a qual importa retirar às sanções todo o efeito estigmatizante (impedindo-as de ser como um ferrete que acompanha para sempre o cidadão na sua vida, tornando-o indefinidamente réprobo, como está a suceder no presente caso) e que é um elemento integrador de um Estado de direito democrático e social e baseado na dignidade da pessoa, como o nosso (cfr. art. 1.° e 2.° da CRP).
29. Aqui chegados e ressalvado o devido respeito, a sentença recorrida padece de erro de julgamento, mormente por violação dos arts. 10.° e 12.° da Lei n.° 37/2015, de 05 de Maio, e entre o mais dos conexos princípios da dignidade da pessoa humana, da justiça, da proteção dos direitos e interesses dos cidadãos, da boa administração, da proporcionalidade, da razoabilidade e ainda da igualdade (cfr. arts. 1.°, 2.°, 13.°, 18.°, 266.° da CRP e arts. 3.°, 4.°, 5.°, 6.°, 7.° e 8.°do CPA), que são frontalmente violados com o ato que excluiu o A. do concurso e que não se pode manter na ordem jurídica.
30. Por outro lado e ainda quanto à questão do prazo de verificação das condições de admissão, no processo n.° 447/17.3GBCNT, o A. foi condenado numa pena de multa de 140 dias à taxa diária de € 5,00, por condução sem habilitação legal, por sentença de 27/09/2017 e transitada em julgado em 02/11/2017, no entanto, apenas veio a ser declarada extinta por despacho proferido em 22 de julho de 2018, ou seja, cerca de um ano depois, porque o A. é (desde o berço) pobre e de parcos recursos financeiros e por isso teve de solicitar o seu pagamento em (oito) prestações (veja-se bem!), o que, por sua vez, determinou que o processo crime só viesse a ser extinto muito mais tarde.
31. Ao invés, se o recorrente tivesse podido pagar a multa prontamente e de uma só vez, como é evidente e resulta até das regras de experiência comum, a pena de multa datada de setembro de 2017 teria sido declarada extinta logo depois e, se assim tivesse sido, então, em dezembro de 2022 (data da candidatura do A. a este procedimento concursal) já teriam decorrido também os cinco anos previstos no art. 11.°, n.° 1, al. b) da Lei n.° 37/2015, de 05/05, para o cancelamento definitivo das decisões inscritas no registo penal.
32. Temos assim que a situação concreta é profundamente chocante do ponto de vista jurídico e dos valores humanitários das sociedades livres, justas e solidárias, bem como do radical último da dignidade da pessoa humana - que caracterizam a República Portuguesa, emblematicamente estabelecida no primeiro artigo da Lei Fundamental -, pois o recorrente foi excluído do concurso (e jamais se poderá candidatar a qualquer concurso da GNR, que tem a limitação de 27 anos) apenas por ser de uma condição social desfavorável, sem dinheiro nem meios para poder pagar uma multa de relativamente pequeno montante.
33. Salvo o merecido respeito, que é muito, a decisão recorrida ao interpretar formal e positivisticamente a lei, afastando a principiologia constitucional, em que avulta o princípio da justiça, acaba por eternizar ou manter a condição socioeconómica depauperada do recorrente, impossibilitando esta visão que o mesmo possa aceder a melhores condições de vida para si e para a sua família, num processo de salutar mobilidade social, e agravadamente assente em questões formais como o não ter mobilizado o processo judicial de cancelamento do averbamento no registo criminal.
34. São absolutamente inidóneas a uma decisão de justiça, considerações de mera legalidade ou normas de natureza procedimental, pelo que a interpretação da sentença incorre em manifesto erro de julgamento, ao sustentar que "a exclusão do Autor é compreensível e justificada" e que tal não sucederia se este tivesse formalmente mobilizado o processo judicial de cancelamento do registo, e ao recusar dar acolhimento aos princípios fundamentais.
35. Como refere a jurisprudência deste TCA Sul (cfr. Ac. de 19/05/2016, proc. n.° 09259/16), o princípio da justiça, que é para muitos o mais estrutural dos princípios de um Estado de Direito e que todos os demais princípios devem absorver, concretizar, ser emanação ou ter como pressuposto primeiro, vincula a Administração Pública e vincula, salvo o devido respeito, acima de tudo, os Tribunais.
36. In casu, considerando também que já se encontra comprovado que o recorrente tem especial motivação para o cargo e que foi aprovado em todos os métodos de seleção (cfr. pontos 10 e 13 da matéria de facto assente), não havia obstáculo a mobilizar a principiologia fundamental, mormente o princípio da justiça, e conferir provimento à ação.
37. A sentença padece de flagrante erro de julgamento, por impedir o fundamental acesso do A. à profissão de GNR, recusando-se a aplicar as normas em consonância com a principiologia nomeadamente os princípios fundamentais da justiça e da igualdade materiais, bem como da proporcionalidade e da razoabilidade - cfr. art. 1.°, 2.°, 13.°, 18.° e 266.° da CRP.
38. Salvo o merecido respeito, também o enfoque decisório relativo à desigualdade face a candidatos que ostentem tatuagens, "piercings" ou outras formas de arte corporal encerra um flagrante erro de julgamento, ao não alcançar a chocante violação dos princípios constitucionais da igualdade e da justiça.
39. Compulsando os resultados da classificação obtida no exame médico (cfr. lista final homologada e ata n.° 4/ Anexo E, de 08/05/2023, constante a fls... do pa.) constata-se que existem nada mais nada menos do que, pelo menos, vinte e sete (27!!) candidatos ao concurso que foram considerados aptos, com a condição de removerem a tatuagem ou outra forma de arte corporal e verificar, assim, a condição de admissão.
40. Não se pode deixar de ver no caso do A. razões em tudo similares ou idênticas às que presidem à possibilidade que é dada - e bem - aos candidatos que possuem tatuagens, piercings e outras formas de arte corporal de manifestar, formalmente, a intenção de as remover, de as remover e serem, dessa forma, integrados no Curso de Formação de Guardas, tanto mais que (posto que representámos candidatos excluídos e acompanhámos vários casos de perto) recordamos muito bem qual era a interpretação e a prática da Administração relativamente a candidatos ao curso de GNR que ostentassem tatuagens, piercings e outras formas de arte corporal: era também a exclusão, como sucedeu no caso do A..
41. Não é preciso recuar muito anos (cerca de 10 anos) para nos depararmos com a mesma interpretação ilegal e anquilosada que agora assistimos neste caso, mas naquela época em relação a tatuagens, piercings e outras formas de arte corporal, no entanto, na sequência da exclusão de vários candidatos nessa época, e após a propositura de ações administrativas especiais nos Tribunais Administrativos, viria a entender-se, num acertado espírito hodierno, favor candidato e humanista, que tal entendimento violava a melhor interpretação de acordo com a Constituição e com os princípios constitucionais, ao negar o acesso à profissão e à função pública a esses cidadãos, devendo ser-lhe dada a possibilidade de removerem essas tatuagens, piercings e outras formas de arte corporal.
42. Há 10 anos tiveram de ser os Tribunais Administrativos a fazer Direito, como lhes compete, o que promoveu uma alteração da atuação da Administração Pública (com as conhecidas alterações aos Estatutos e Regulamentos): o que, na época, foi considerado por uns como um relevante avanço jurídico e uma conquista das sociedades hodiernas e tolerantes, mas por outros foi considerado como uma alteração (permitir que quem já tinha piercings ou tatuagens viesse a integrar a GNR) que desfigurava a imagem do GNR como agente de autoridade, que colocava em causa o próprio prestígio e bom nome da Instituição GNR, inviabilizando a autoridade funcional inerente ao cargo desempenhado (à semelhança da visão anquilosada que a sentença revela).
43. Tal como há 10 anos, também agora em relação à prática de crimes no passado (o que ganha redobrada relevância no caso dos ilícitos de reduzida ressonância ética, como sucede com o recorrente), se roga a este Tribunal superior que inove e faça Direito, promovendo uma interpretação conforme a Constituição.
44. A sentença padece de manifesto erro de julgamento, pois que deveria ter declarado nulo ou, pelo menos, anulado o ato impugnado por ser claramente atentatório do princípio da igualdade oportunidades e de tratamento entre candidatos, porque perante condições de admissão idênticas (seja uma tatuagem corporal, seja uma inscrição no registo criminal em vias de ser cancelada, que funcionam ambos como um ferrete que tornariam o candidato para sempre réprobo) a Administração tem claramente dois pesos e duas medidas, o que não é constitucionalmente suportável - cfr. art. 1.°, 2.°, 13.°, 18.° e 266.° da CRP.
45. Analisando o direito de acesso ao trabalho (art°s. 47° n° 1 e 58° n° 1 da CRP), estamos no plano da total liberdade das pessoas no exercício dos direitos que lhes assistem e de conformação da sua esfera jurídica de interesses, que advém do princípio da dignidade da pessoa humana que constitui a base jurídica da República e do conceito de Estado de direito democrático (cfr. art° 1.° e 2.° da CRP), devendo igualmente chamar-se à colação o direito a um procedimento justo de recrutamento, sem escolha arbitrária pela Administração.
46. A sentença padece de erro de julgamento ao negar a equiparação entre os casos de candidatos que, na sua vida (e, portanto, à data da candidatura), já ostentaram ou ostentam ainda tatuagens, piercings e outras formas de arte corporal (que é ou pode ser representativo de certas mundividências ou formas de vida, que se julgaria opor-se à imagem tradicional da GNR) com os casos de prática de crime doloso no passado, dizendo que, no caso das tatuagens o que se pretende é que o militar não seja portador de qualquer tatuagem durante o exercício das suas funções.
47. Salvo o merecido respeito, são situações idênticas que, na verdade e como todos sabemos, visam que os candidatos não ostentem essas marcas de vida civil (sejam tatuagens seja a prática de crime doloso), durante o exercício das suas funções, de forma a que não sejam identificados nem contribuam para o desprestígio da GNR - e no caso concreto, mais se impunha que o Tribunal a quo efetuasse uma interpretação do EMGNR conforme a Constituição, pois que, agravadamente, o A. e recorrente foi considerado apto em todas (!) as fases do procedimento (prova de conhecimentos, testes psicológicos, exame médico - cfr. pa. a fls... e ponto 10 da matéria assente na sentença), demonstrando irrefragavelmente conhecimentos e todas as condições físicas e psíquicas indispensáveis para frequentar o Curso em apreço, não colocando em causa de forma alguma os interesses públicos prosseguidos pela GNR.
48. Assim sendo, e tal como se permite para os casos de candidatos com tatuagens, piercings e outras formas de arte corporal, também o A. deveria ter sido admitido a manifestar, formalmente, a intenção de promover o cancelamento de averbamentos no registo criminal, só podendo incorporar o Curso de Formação de Guardas, após a sua remoção efetiva do boletim criminal - como o particular requereu expressamente.
49. Por conseguinte e salvo o merecido respeito, a sentença padece de erro de julgamento, por inconstitucionalidade, sendo que as normas e ou a interpretação das normas que a sentença promove (mormente das condições de acesso previstas no ponto 8.1 e 8.2 e 8.4 do Aviso de Abertura n.° ………../2022 e no art. 240.°, al. c) do EMGNR), violam também, de forma grosseira e evidente, os referidos princípios constitucionais da igualdade de oportunidades e de tratamento entre candidatos (direito a não ser discriminado injustificada e arbitrariamente), do procedimento justo de recrutamento e seleção (baseado em critérios objetivos e justos), bem como restringem de forma claramente injustificada a fundamental liberdade de escolha de profissão e acesso à função pública, que advêm do princípio da dignidade da pessoa humana, que constitui a base jurídica da República e do conceito de Estado de direito democrático - cfr. arts. 1.°, 2.°, 13.°, 18.°, 47.°, 58.°, 59.° e 266.° da CRP.
Termos em que requer que o presente recurso seja considerado procedente, por provado, apenas assim se fazendo Justiça!”


O aqui Recorrido/MAI/GNR veio apresentar as suas Contra-alegações de Recurso em 23 de fevereiro de 2024, nas quais concluiu:
“A. Com a presente ação veio o Recorrente impugnar o ato de exclusão do procedimento concursal para o Curso de Formação de Guardas no sentido de que este seja declarado nulo ou, pelo menos, anulado, condenando-se sempre o R. a admitir o Recorrente no concurso (atribuindo-lhe, naturalmente, a respetiva pontuação final) e na reserva de recrutamento, bem como, consequentemente, a integrá-lo na respetiva vaga elegível no próximo, ou num dos próximos Cursos de Formação de Guardas (e aí, a lecionar-lhe a formação, a classificá-lo e a ordená-lo, conjuntamente com os demais e, obtendo aproveitamento, a fazê-lo ingressar na categoria de guarda), com todas as consequências legais.
B. Entende assim o Recorrente que a sentença padece de erro de julgamento, por inconstitucionalidade, nomeadamente por violação dos princípios constitucionais da igualdade de oportunidades e de tratamento entre candidatos, bem como restringe de forma injustificada a fundamental liberdade de escolha de profissão e acesso à função pública;
C. Ora, por Douta Sentença proferida nos autos em 17-01-2024, foi a ação considerada totalmente improcedente, sendo aí expressamente analisado e decidido o seguinte:
"Refere o seguinte o art.° 240.° do EMGNR:
«Condições gerais de admissão
Podem concorrer ao curso de formação de guardas os cidadãos que satisfaçam as condições seguintes:
a) Tenham nacionalidade portuguesa;
b) Possuam qualidades morais e comportamento cívico que se ajustem às características expressas no n.° 2 do artigo 3.°;
c) Não tenham sido condenados por qualquer crime praticado com dolo; (...)»
De acordo com a alínea c) do suprarreferido preceito legal, relativamente aos requisitos de admissão, não é de admitir o candidato que tenha sido condenado por qualquer crime doloso.
O legislador impõe como causa de exclusão a prática de um crime doloso, tendo em conta que a profissão de militar da GNR implica um grau de confiança com os cidadãos e com as instituições acima do normal.
O que se retira do suprarreferido normativo é que um militar da GNR que haja praticado um qualquer crime a título doloso, não transmite a confiança necessária num agente da autoridade, resultando elevados prejuízos para o serviço e para terceiros, colocando gravemente em causa o prestígio e bom nome da GNR, inviabilizando, desta forma, a autoridade funcional inerente ao cargo desempenhado, uma vez, na sua vida civil, praticou atos censuráveis e contrários à lei.
Vale isto por dizer que a exclusão do Autor é compreensível e justificada. A prática de um crime por parte de um candidato a guarda da GNR dita a impossibilidade de criação da relação jurídica como agente da autoridade, não violando qualquer fim de integração social do condenado e da sua ressocialização, nem o direito fundamental vertido entre o mais no artigo 30.° n.° 4 da CRP, ou os princípios da dignidade da pessoa humana, do Estado de direito democrático, da legalidade, da proteção dos direitos e interesses dos cidadãos, da boa administração, da proporcionalidade, da razoabilidade, da justiça ou da igualdade.
E, quanto a facto de estar a aguardar o desfecho relativo ao processo judicial de cancelamento provisório de registo criminal, junto do Tribunal de Execução de Penas de Coimbra, que corre termos sob o processo n.° ………./23.0TXCBR-A, acaba por ser irrelevante, porque os candidatos devem reunir os requisitos de admissão à data da submissão da sua candidatura, e não a posteriori, não havendo qualquer justificativo para que o Autor fosse admitido provisoriamente.
Entende este Tribunal, que não pode ser comparável, a prática de um crime doloso, com a utilização de quaisquer tatuagens ou piercings. O que se pretende com esta restrição, é que o militar, ao exercer a sua profissão de agente de autoridade, não seja portador de qualquer tatuagem ou piercing durante o exercício das suas funções, daí se justificar que seja possível a sua remoção até ao início do seu serviço, não existindo, assim, qualquer discriminação irrazoável, que comporte a violação do princípio da igualdade.
Por outras palavras, as condenações por ilícitos criminais podem produzir efeitos laterais ou acessórios, uma vez que geram a inidoneidade para a prática de determinadas profissões, como seja a de guarda da GNR ou agente da PSP, que são postos de trabalho que fazem apelo a exigências de dignidade e confiança superiores ao normal, tratando-se de uma limitação proporcional ao acesso à função pública, que não coloca em causa o conteúdo essencial desse direito.
No caso dos autos, pelos factos que subjazem à exclusão do Autor, e de acordo com o normativo suprarreferido, é manifesto que o Autor não reúne as condições que lhe permitam desempenhar as funções de guarda da GNR, pelo facto de ter sido condenado pela prática de dois crimes dolosos e, à data da submissão da sua candidatura, ainda constar averbado no certificado de registo criminal, pelo que não há motivo para invalidar o ato impugnado e condenar a Entidade Demandada a admiti-lo.»
D. Resumindo, entendeu o Tribunal a quo, que tendo o recorrente sido condenado pela prática de dois crimes de condução de veículo sem habilitação legal, cometidos com dolo, não é de o admitir ao Curso de Formação de Guardas, pois o legislador impõe como causa de exclusão a prática de um crime doloso, tendo em conta que a profissão de militar da GNR implica um grau de confiança com os cidadãos e com as instituições acima do normal, pelo que a exclusão do Requerente é compreensível e justificada. Entende ainda que a prática de um crime por parte de um candidato a guarda da GNR dita a impossibilidade de criação da relação jurídica como agente da autoridade, não violando qualquer fim de integração social do condenado e da sua ressocialização, nem o direito fundamental vertido entre o mais no artigo 30.° n.° 4 da CRP, ou os princípios da dignidade da pessoa humana, do Estado de direito democrático, da legalidade, da proteção dos direitos e interesses dos cidadãos, da boa administração, da proporcionalidade, da razoabilidade, da justiça ou da igualdade.
E. Defende o ora Recorrente que a Douta Sentença incorre em manifesto erro de julgamento ao ter interpretado, na sua ótica, erradamente o previsto nos regimes jurídicos em apreço, mas sem razão como demonstraremos infra;
F. Na submissão da candidatura ao procedimento concursal para a admissão ao Curso de Formação de Guardas, o aqui Recorrente atestou sob compromisso de honra que nunca tinha sido condenado em processo criminal, tendo-se verificado, no entanto, que tal não correspondia à verdade, pois aquando da apresentação da documentação exigida, e da análise ao seu Certificado de Registo Criminal verificou-se que já tinha sido condenado pela prática de dois crimes dolosos, fincando a convicção, após as diligências promovidas pelo Tribunal, de que houve uma intenção de omitir a prática destes dois crimes;
G. Perante este facto, o júri do procedimento procedeu à exclusão do Recorrente porquanto não reunia o requisito previsto na alínea c) do ponto 8.1 do Aviso n.° ………./22 (“Não ter sido condenado por qualquer crime praticado com dolo"), conjugado com a alínea c) do artigo 240.° do Estatuto dos Militares da GNR, acima transcrito;
H. Vem o recorrente alegar no presente recurso que existem concorrentes que foram admitidos no presente Curso de Formação de Guardas da GNR, bem como nos anteriores procedimentos concursais, que já incorreram na prática de crime doloso, que são do conhecimento da GNR, mas que não conduzem à exclusão do candidato;
I. Tal não corresponde à verdade, tanto mais que durante toda a fase procedimental e mesmo durante o Curso de Formação de Guardas, são tomadas todas as diligências, seja através da análise documental, nomeadamente do Certificado de Registo Criminal, ou a título oficioso, por forma a confirmar que os candidatos reúnem as condições necessárias à admissão e ao exercício das funções de militar da GNR, excluindo ou expulsando, consoante os casos, aqueles que não o cumprem, como foi o caso do aqui Recorrente, que foi excluído ainda na fase de admissão;
J. Para o júri do procedimento concursal, o que se trata de se saber é, se até à data limite de apresentação da candidatura (imposto pelo ponto 8.4 do referido Aviso, conjugado com o n.° 3 do artigo 19.° da Portaria 189/18), o Recorrente reunia a condição prevista na alínea c) do ponto 8.1 do Aviso ………./22, conjugada com a alínea c) do artigo 240.° do EMGNR, o que se constata claramente que não, pelo que decidiu bem a sentença ao considerar que não houve qualquer violação das normas constitucionais;
K. Por outro lado, vem o Recorrente alegar que à data de submissão da candidatura o certificado de registo criminal já cumpria os requisitos para não constar qualquer averbamento, contudo, e independentemente da decisão do Tribunal de Execução de Penas que cancele provisoriamente o registo criminal, ou que haja extinção das penas, o Recorrente seria sempre excluído da admissão ao CFG, pois factualmente, foi condenado por crimes dolosos, o que legalmente obriga a que seja excluído do procedimento em causa;
L. Quanto ao princípio da igualdade que o Recorrente alega ter sido violado, quando comparado com os candidatos que ostentam tatuagens, piercings ou outras formas de corporal, na qual lhes é permitido a sua remoção até à data de incorporação, também aqui não lhe assiste qualquer razão pois a imposição legal de admissão ao CFG não é ter as suas penas extintas ou canceladas provisoriamente pelo Tribunal de Execução de Penas. A imposição legal de admissão ao CFG é não ter sido condenado por qualquer crime doloso, factualidade que nunca poderá ser apagada ou removida à semelhança das tatuagens, tanto mais que o Recorrente apenas começou a desencadear o processo de cancelamento após ter sido notificado da sua exclusão, pelo que, conforme refere a Douta sentença "se deve a este, o facto de ainda constar averbado no registo criminal, a prática dos dois crimes dolosos que havia cometido, aquando da submissão da sua candidatura."
M. Em conclusão, e face ao exposto, entende-se e defende-se, que a Douta Sentença recorrida não padece de quaisquer dos vícios ou erros de julgamento que lhe são imputados pelo Recorrente, inexistindo assim motivos que pudessem levar à sua revogação.
Nestes termos, e nos demais de Direito aplicáveis e com o douto suprimento de V. Exas. deverá o presente recurso ser considerado totalmente improcedente, mantendo-se a Douta Sentença proferida.”
O Recurso Jurisdicional apresentado veio a ser admitido por Despacho de 26 de fevereiro de 2024.
O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 14 de março de 2024, nada veio dizer, requerer ou Promover.
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, importando verificar, designadamente, se, como invocado, a Sentença incorre em manifesto erro de julgamento ao ter interpretado erradamente o previsto nos regimes jurídicos aplicáveis.


III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo considerou a seguinte factualidade como provada:
“1. Em 28/06/2016, o Autor foi condenado, por Sentença transitada em julgado, em 16/09/2016, por ter cometido um crime de condução sem habilitação legal - documentos ref. c) e e) juntos com a Contestação;
2. Em 27/09/2017, o Autor foi condenado, por Sentença transitada em julgado, em 02/11/2018, por ter cometido um crime de condução sem habilitação legal - documentos ref. c) e e) juntos com a Contestação;
3. Através do Aviso n.° …………./2022, de 5 de dezembro, foi aberto o procedimento concursal para a constituição de reserva de recrutamento para a admissão ao Curso de Formação de Guardas da Guarda Nacional Republicana - cf. documento 2 junto com a PI, documento ref. a) junto com a Contestação;
4. O Autor constituiu-se opositor no referido procedimento concursal, tendo referido que nunca havia sido condenado em processo criminal - documento ref. b) junto com a Contestação;
5. O Autor foi notificado para a apresentação de documentação - documento ref. c) junto com a Contestação;
6. Em 08/05/2023, o Autor foi notificado da intenção do júri do procedimento fazer constar na lista de candidatos a excluir na análise documental, porquanto não reunia o requisito previsto na alínea c) do ponto 8.1 do Aviso n.° …………/22 - cf. documento 3 junto com a PI, documento ref. d) junto com a Contestação;
7. Em 22/05/2023, o Autor apresentou as alegações em sede de audiência dos interessados, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzida, e nos termos da qual requereu a suspensão do procedimento por causa prejudicial, ou que o Autor fosse admitido provisoriamente, até à decisão do Tribunal de Execução de Penas, e arrolou 3 testemunhas - documento ref. e) junto com a Contestação;
8. As testemunhas arroladas pelo Autor não foram ouvidas - facto não controvertido;
9. Em 02/06/2023, o júri do procedimento concursal para a constituição de reserva de recrutamento para a admissão ao CFG da GNR, deliberou manter a decisão de considerar o Autor, excluído nos termos da alínea c) do ponto 8.1 do Aviso n.° ………./2022 - Procedimento concursal para a constituição de reserva de recrutamento para a admissão ao Curso de Formação de Guardas da Guarda Nacional Republicana, conjugado com a alínea c) do art.° 240.° do EMGNR, tendo a lista final de candidatos aprovados sido homologada pelo Comandante-Geral da GNR na mesma data - cf. documento 1 junto com a PI, documento ref. f) junto com a Contestação e PA a fls. 513 e seguintes;
10. O Autor foi aprovado em todos os métodos de seleção - cf. PA a fls. 192 e seguintes;
11. O Autor é português e o seu agregado familiar é composto pela sua companheira e o seu filho - cf. documento 5 junto com a PI, depoimento de Mirelle Fernandes Ledura Feitosa e declarações de parte do Autor;
12. O Autor já tinha concorrido anteriormente, por duas vezes, à GNR, tendo referido que fora condenado em processo-crime - cf. documento 8 junto com a PI, depoimento de Mirelle Fernandes Ledura Feitosa e declarações de parte do Autor;
13. O Autor sempre quis ser polícia, e tem especial motivação para o cargo - Depoimento de Mirelle Fernandes Ledura Feitosa e declarações de parte do Autor;
14. O Autor requereu o cancelamento de registo criminal, após ter sido excluído do Procedimento Concursal para a constituição de reserva de recrutamento para a admissão ao Curso de Formação de Guardas da Guarda Nacional Republicana - cf. declarações de parte do Autor;
15. Em 15/09/2023, foi proferida sentença no processo judicial de cancelamento de registo criminal, que correu termos no Tribunal de Execução de Penas de Coimbra, sob o processo n.° ………./23.0TXCBR-A, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzida, e nos termos da qual foi determinado o cancelamento provisório das decisões averbadas no Certificado de Registo Criminal do Autor - cf. documento junto com requerimento a fs. 1325 a 1336;
16. Em 29/12/2023, já havia sido cancelado o registo criminal do Autor no seu certificado de registo criminal - cf. documento junto pelo Autor em Audiência de Julgamento.


IV – Do Direito
Analisemos então o suscitado.
Discorreu-se no discurso fundamentador da decisão Recorrida:
“Refere o seguinte o art.° 240.° do EMGNR:
"Condições gerais de admissão
Podem concorrer ao curso de formação de guardas os cidadãos que satisfaçam as condições seguintes:
(…)
c) Não tenham sido condenados por qualquer crime praticado com dolo;
(…)
De acordo com a alínea c) do suprarreferido preceito legal, relativamente aos requisitos de admissão, não é de admitir o candidato que tenha sido condenado por qualquer crime doloso.
O legislador impõe como causa de exclusão a prática de um crime doloso, tendo em conta que a profissão de militar da GNR implica um grau de confiança com os cidadãos e com as instituições acima do normal.
O que se retira do suprarreferido normativo é que um militar da GNR que haja praticado um qualquer crime a título doloso, não transmite a confiança necessária num agente da autoridade, resultando elevados prejuízos para o serviço e para terceiros, colocando gravemente em causa o prestígio e bom nome da GNR, inviabilizando, desta forma, a autoridade funcional inerente ao cargo desempenhado, uma vez, na sua vida civil, praticou atos censuráveis e contrários à lei.
Vale isto por dizer que a exclusão do Autor é compreensível e justificada. A prática de um crime por parte de um candidato a guarda da GNR dita a impossibilidade de criação da relação jurídica como agente da autoridade, não violando qualquer fim de integração social do condenado e da sua ressocialização, nem o direito fundamental vertido entre o mais no artigo 30.° n.° 4 da CRP, ou os princípios da dignidade da pessoa humana, do Estado de direito democrático, da legalidade, da proteção dos direitos e interesses dos cidadãos, da boa administração, da proporcionalidade, da razoabilidade, da justiça ou da igualdade.
E, quanto a facto de estar a aguardar o desfecho relativo ao processo judicial de cancelamento provisório de registo criminal, junto do Tribunal de Execução de Penas de Coimbra, que corre termos sob o processo n.° ………./23.0TXCBR-A, acaba por ser irrelevante, porque os candidatos devem reunir os requisitos de admissão à data da submissão da sua candidatura, e não a posteriori, não havendo qualquer justificativo para que o Autor fosse admitido provisoriamente.
Entende este Tribunal, que não pode ser comparável, a prática de um crime doloso, com a utilização de quaisquer tatuagens ou piercings. O que se pretende com esta restrição, é que o militar, ao exercer a sua profissão de agente de autoridade, não seja portador de qualquer tatuagem ou piercing durante o exercício das suas funções, daí se justificar que seja possível a sua remoção até ao início do seu serviço, não existindo, assim, qualquer discriminação irrazoável, que comporte a violação do princípio da igualdade.
A acrescer, é de referir que o Autor apenas começou a desencadear o processo de cancelamento após ter sido notificado da sua exclusão, pelo que se deve a este, o facto de ainda constar averbado no registo criminal, a prática dos dois crimes dolosos que havia cometido, aquando da submissão da sua candidatura.
Por outras palavras, as condenações por ilícitos criminais podem produzir efeitos laterais ou acessórios, uma vez que geram a inidoneidade para a prática de determinadas profissões, como seja a de guarda da GNR ou agente da PSP, que são postos de trabalho que fazem apelo a exigências de dignidade e confiança superiores ao normal, tratando-se de uma limitação proporcional ao acesso à função pública, que não coloca em causa o conteúdo essencial desse direito.
No caso dos autos, pelos factos que subjazem à exclusão do Autor, e de acordo com o normativo suprarreferido, é manifesto que o Autor não reúne as condições que lhe permitam desempenhar as funções de guarda da GNR, pelo facto de ter sido condenado pela prática de dois crimes dolosos e, à data da submissão da sua candidatura, ainda constar averbado no certificado de registo criminal, pelo que não há motivo para invalidar o ato impugnado e condenar a Entidade Demandada a admiti-lo.
É verdade, que na presente data, nada consta averbado no registo criminal do Autor, mas essa não era a realidade quando este submeteu a sua candidatura.
Face ao exposto, o ato em crise não padece das invalidades invocadas pelo Autor, tendo este sido bem excluído do procedimento concursal em causa.
Quanto à não inquirição das testemunhas arroladas pelo Autor e do déficit instrutório, há a referir o seguinte.
Embora não se configurando um poder discricionário de efetuar ou não as diligências de prova requeridas, é naturalmente, ao órgão administrativo decisor que cabe o juízo sobre a utilidade ou conveniência das diligências complementares requeridas pelo interessado, ou seja, sobre a relevância para o procedimento, na perspetiva, obviamente, de que a complementaridade se reporta às necessidades da instrução.
Como sublinham Mário Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e Pacheco de Amorim, in, Código do Procedimento Administrativo, Comentado, 2ª edição, pág. 459, "O órgão instrutor é, porém - salvo violação de vínculos legais formais e recurso do ato final -, o único a quem compete «julgar» da necessidade dessas diligências em termos de instrução do procedimento administrativo e da consistência da comprovação já existente sobre as questões (de facto e de direito) relevantes".
Ou seja, ocorrendo a solicitação de diligências complementares, nomeadamente prova testemunhal sobre determinados factos, torna-se necessário saber se a não realização dessas diligências pode ou não inquinar o ato final do procedimento de irregularidade formal. Dito de outro modo, torna-se necessário saber se o instrutor do procedimento, ao não proceder à realização das diligências complementares leva a que o ato possa ser considerado como não tendo ocorrido a audiência dos interessados.
Esta conclusão apenas pode ser analisada tendo em atenção cada caso concreto, uma vez que caberá ao instrutor decidir da utilidade ou pertinência das diligências em causa para a decisão final.
Como referem os referidos autores, agora a pág. 467 "O juízo sobre a utilidade de tais diligências complementares, para a correta decisão do procedimento, é do órgão instrutor (sob orientação ou supervisão do órgão administrativo com competência decisória) e abrange tanto as que se deve à sua iniciativa, como aquelas que tenham sido solicitadas na resposta (ou defesa) dos interessados ao abrigo do n.0 3 do artigo 101o- não havendo, portanto, um direito destes à realização das mesmas ou de impugnação autónoma da decisão que denegou a sua realização. É uma questão de “ liberdade probatória”, sujeita ao regime próprio aplicável nessa matéria".
Feitas estas considerações vamos ao caso concreto.
O Autor requereu que a Entidade Demandada inquirisse três testemunhas.
A Entidade Demandada proferiu decisão final, tendo concluído que: "(...) No que toca à audição de testemunhas, importa considerar o teor do art.0 60 ° do CPA, que concretiza que deverá existir uma relação consubstanciada na boa-fé entre a Administração e os administrados; v. Na realidade, devem aqueles cooperar entre si na procura de uma decisão justa. No entanto, a decisão da Administração deverá ocorrer num tempo razoável, e para tal, importa que as diligências de prova, não redundem em diligências sem qualquer interesse para a prática do ato. w. Assim, atentando às diligências suscitadas pelo mandatário do candidato L………, as mesmas consubstanciam diligências inúteis, que concretizam uma situação tendente a protelar no tempo o procedimento.
Efetivamente e em termos abstratos, a não realização de diligências solicitadas, não acarretam qualquer prejuízo para as garantias de imparcialidade e contraditório do procedimento administrativo (...)"
Como verificámos, a Entidade Demandada pronunciou-se sobre a dispensa da prova testemunhal, analisando o referido pelo Autor na audiência prévia e concluiu como considerou mais correto.
Mais se acrescenta que este Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa inquiriu todas as testemunhas apresentadas pelo Autor que, como vimos, não trouxeram acréscimos substanciais aos factos que estiveram por base da decisão de exclusão.
Concluindo, as referidas testemunhas não estavam aptas a demonstrar que o Autor não havia cometido tais crimes (porque os cometeu), nem que este já não tivesse averbado no seu certificado de registo criminal tais condutas, por isso bem andou a Entidade Demandada em considerar irrelevante a sua inquirição, não havendo qualquer vício de forma por deficit instrutório ou falta de fundamentação.
Por outras palavras, ainda que se suscitassem dúvidas sobre a validade da não inquirição das testemunhas e do seu interesse para a descoberta da verdade material, no âmbito procedimental, estas ficaram definitivamente dissipadas na presente ação, onde, pelas razões supra expostas, tais depoimentos não se revelaram relevantes nem aportaram nenhum facto adicional que levasse a uma mudança de posição da Entidade Demandada.
Improcede, assim, a ação.”


Correspondentemente, decidiu-se em 1ª Instância julgar a presente ação improcedente.


Vejamos:
Há aqui e desde logo uma questão incontornável, e que se prende com o não preenchimento dos pressupostos de candidatura do aqui Recorrente até ao termo do prazo para a apresentação das candidaturas.


Como se afirmou nas Contra-alegações de Recurso, Para o júri do procedimento concursal, o que se trata de se saber é, se até à data limite de apresentação da candidatura (imposto pelo ponto 8.4 do referido Aviso, conjugado com o n.° 3 do artigo 19.° da Portaria 189/18), o Recorrente reunia a condição prevista na alínea c) do ponto 8.1 do Aviso ………./22, conjugada com a alínea c) do artigo 240.° do EMGNR, o que se constata claramente que não, pelo que decidiu bem a sentença ao considerar que não houve qualquer violação das normas constitucionais.”


Efetivamente, como sumariado no Acórdão do TCAN nº 1057/08.1BELSB de 16-02-2018, “No quadro normativo pelo qual se rege o concurso aqui em causa (…), os requisitos legalmente exigidos para a admissão a concurso de provimento devem, em regra, verificar-se até ao termo do prazo para a apresentação das candidaturas e manter-se no momento do provimento, não constituindo desvio o caso presente, em que o candidato funcionário perdeu entrementes o vínculo definitivo à função pública por exoneração.”


Resulta, por outro lado, do sumariado no Ac. do STA, de 22-04-2009, proc. nº 0949/08, que «Os requisitos legalmente exigidos para a admissão a concurso de provimento devem, em regra, verificar-se até ao termo do prazo para a apresentação das candidaturas e manter-se no momento do provimento».


Como aí se escreve, “(…) a razão de ser da lei incute no intérprete as ideias de continuidade e estabilidade subjetiva durante todo o procedimento e de não preclusão verificativa na fase de admissão das candidaturas, isto é, de que, os requisitos gerais e especiais de provimento têm de se mostrar preenchidos não só, num primeiro momento, «até ao termo do prazo fixado para a apresentação a concurso» (…), mas também no momento final da nomeação, no qual podem e devem ser conferidos uma outra vez, devendo os concorrentes manter os requisitos com os quais se apresentaram a concurso.
(…)
Pelo que “todas as exigências são referentes ao momento da admissão ao concurso, que nenhum outro”.


Correspondentemente, e sem que mereça censura, entendeu-se na Sentença Recorrida que, tendo o recorrente sido condenado pela prática de dois crimes de condução de veículo sem habilitação legal, cometidos com dolo, não é de o admitir ao Curso de Formação de Guardas.


Entendeu, pois, o Tribunal a quo que o legislador impõe como causa de exclusão a prática de um crime doloso, tendo em conta que a profissão de militar da GNR um grau de confiança com os cidadãos e com as instituições acima do normal, pelo que a exclusão do aqui Recorrente é justificada.


Mais foi entendido que a prática de um crime por parte de um candidato a militar da GNR dita a impossibilidade de criação da relação jurídica como agente da autoridade, não violando qualquer fim de integração social do condenado e da sua ressocialização, nem o direito fundamental constante no artigo 30.° n.° 4 da CRP, ou os princípios da dignidade da pessoa humana, do Estado de direito democrático, da legalidade, da proteção dos direitos e interesses dos cidadãos, da boa administração, da proporcionalidade, da razoabilidade, da justiça ou da igualdade.


Em qualquer caso, entende o Recorrente que a Sentença incorreu em manifesto erro de julgamento ao ter interpretado erradamente o previsto nos regimes jurídicos aplicáveis.


Mais uma vez incontornavelmente, resulta da matéria dada como provada que o aqui Recorrente quando se candidatou ao procedimento concursal para a constituição de reserva de recrutamento para a admissão ao Curso de Formação de Guardas da Guarda Nacional Republicana, aberto Através do Aviso n.° …………/2022, de 5 de dezembro de 2022 não preenchia os requisitos aplicáveis, uma vez que havia sido condenado por crime doloso.


Não obstante o referido, o Recorrente aquando da submissão da sua candidatura, atestou sob compromisso de honra que nunca tinha sido condenado em processo criminal, o que pôde ser contrariado aquando da apresentação do seu Certificado de Registo Criminal, de onde constava que havia sido condenado pela prática de dois crimes dolosos.


Resulta assim do referido que, adequadamente, o júri do procedimento concursal procedeu à exclusão do aqui Recorrente porquanto não reunia o requisito previsto na alínea c) do ponto 8.1 do Aviso n.° …………/22 {"Não ter sido condenado por qualquer crime praticado com dolo"), conjugado com a alínea c) do artigo 240.° do Estatuto dos Militares da GNR, acima transcrito;


Por outro lado, ficou por demonstrar que "existem concorrentes que foram admitidos no presente Curso de Formação de Guardas da GNR, bem como nos anteriores procedimentos concursais, que já incorreram na prática de crime doloso, que são do conhecimento da GNR, mas que não conduzem à exclusão do candidato".


De resto, mesmo que tal tivesse ocorrido, o que, repete-se, ficou por demonstrar, não há igualdade na ilegalidade, pelo que sempre o aqui Recorrente teria de ser excluído por incumprir os requisitos concursais aplicáveis.


É certo que o Recorrente cuidou de requerer “o cancelamento de registo criminal, após ter sido excluído do Procedimento Concursal para a constituição de reserva de recrutamento para a admissão ao Curso de Formação de Guardas da Guarda Nacional Republicana” (Facto 14).


Em qualquer caso, e como já reiteradamente afirmado, até ao termo do prazo de apresentação de candidatura, o Recorrente mantinha no seu Registo criminal a referência à prática de dois crimes dolosos, o que se mostrava impeditivo da apresentação da sua candidatura à GNR, ao que acresce o facto de ter declarado por sua honra, a circunstância de “não ter sido condenado por qualquer crime praticado com dolo", o que e mostrava manifestamente falso.


Por outro lado, e no que concerne às invocadas inconstitucionalidades, sempre teria o Recorrente que demonstrar acrescidamente o invocado, pois que invocar conclusivamente que “(…) as normas e ou a interpretação das normas que a sentença propugna (nomeadamente a vertida no artigo 240.°, al. c) do EMGNR), sempre se afiguram manifestamente erróneas e inconstitucionais”, mostra-se insuficiente para demonstrar qualquer eventual inconstitucionalidade.


Com efeito, não basta invocar a verificação em abstrato de qualquer violação de princípio ínsito em lei ordinária ou inconstitucionalidade, importando que a sua verificação seja densificada e demonstrada, o que não ocorreu.


Como tem vindo a ser reconhecido pela generalidade da Jurisprudência (Vg. o Acórdão do TCA - Sul nº 02758/99 19/02/2004) “não é de conhecer por omissão de substanciação no corpo de alegação, a violação dos princípios Constitucionais, designadamente por interpretação desconforme mormente à Lei Fundamental, se o Recorrente se limita a afirmar a referida desconformidade de interpretação e de aplicação, sem apresentar, do seu ponto de vista, as razões de facto e de direito do discurso jurídico fundamentador nem, sequer, a modalidade a que reverte o vício afirmado.”


No mesmo sentido aponta, igualmente, o Acórdão do Colendo STA nº 00211/03 de 29/04/2003, onde se refere que “por omissão de substanciação no articulado inicial e nas alegações de recurso, não é de conhecer da questão da inconstitucionalidade e/ou interpretação desconforme à CRP de normas de direito substantivo …, na medida em que a Recorrente se limita a afirmar, conclusivamente, a referida desconformidade sem que apresente, do seu ponto de vista, as razões de facto e de direito do discurso jurídico fundamentador nem, sequer, a que modalidade reverte o vício afirmado”.


Assim, até por falta de concretização e densificação do alegado, não se vislumbra que se verifique qualquer inconstitucionalidade, tanto mais que alegar não é provar.


Ainda ao nível dos princípios, alega o Recorrente a violação do princípio da igualdade, face aos candidatos que ostentem tatuagens, piercings, uma vez que lhes foi permitida a sua remoção até à data de incorporação.


Em qualquer caso, e como se discorreu e decidiu em 1ª Instância, tal situação não se mostra comparável com a prática de um crime doloso, pois que aquela imposição visa tão-só que os operacionais não ostentem no exercício das suas funções, nomeadamente tatuagens, pelo que, até ao exercício das referidas funções as mesmas possam ser removidas, não sendo, naturalmente, uma questão constante do registo criminal dos seus detentores, mas antes um obstáculo material suscetível de ser fisicamente removido, quando e se necessário.


Finalmente, só tendo o Recorrente começado a desencadear o processo de cancelamento do seu registo criminal dos crimes que do mesmo constavam, após ter sido notificado da sua exclusão do concurso, é patente que aquando do termo do prazo de apresentação das candidaturas, os referidos crimes constavam do mesmo, pelo que o Recorrente só se pode queixar de si próprio por não ter antecipadamente iniciado o correspondente procedimento, sendo que o júri e a própria entidade Recorrida, se limitaram a aplicar a lei e os regulamentos aplicáveis, ao excluir o Recorrente do procedimento, impondo-se garantir e assegurar a estabilidade subjetiva do procedimento.


Em face de tudo quanto precedentemente ficou expendido, não merece censura a decisão proferida no Tribunal a quo, que aqui se confirmará.


V - Decisão
Deste modo, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo, Subsecção Social, do presente Tribunal Central Administrativo Sul, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão proferida em 1ª instância.


Custas pelo Recorrente.


Lisboa, 14 de abril de 2024

Frederico de Frias Macedo Branco

Ilda Côco

Rui Pereira