Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:261/08.7BECTB
Secção:CT
Data do Acordão:02/09/2017
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:C.I.V.A. OBRIGAÇÃO GERAL DOS SUJEITOS PASSIVOS DISPOREM DE CONTABILIDADE ORGANIZADA.
MECANISMOS DE DEDUÇÃO DO I.V.A.
DEDUÇÃO E REEMBOLSO DE I.V.A. NOÇÃO.
SISTEMA DE DEDUÇÃO DE I.V.A.
REQUISITOS SUBJECTIVOS.
MÉTODO SUBTRACTIVO INDIRECTO.
TJUE. LIMITAÇÕES AO DIREITO À DEDUÇÃO DE I.V.A.
CASOS EXPRESSAMENTE PREVISTOS NA SEXTA DIRECTIVA.
DECLARAÇÃO OFICIOSA DE CESSAÇÃO DE ACTIVIDADE.
ARTº.33, Nº.2, DO C.I.V.A.
REGISTO DA SENTENÇA DE FALÊNCIA NÃO IMPLICA A EXTINÇÃO DA SOCIEDADE.
CONDIÇÃO DE SUJEITO PASSIVO DEFINE-SE EM FUNÇÃO DE CADA OPERAÇÃO TRIBUTÁVEL PRATICADA.
Sumário:1. Nos termos do C.I.V.A., a obrigação geral dos sujeitos passivos disporem de contabilidade adequada ao apuramento e fiscalização do imposto deriva do estabelecido no artº.28, nº.1, al.g), do mesmo diploma. Assim se explica que os sujeitos que face à lei comercial e fiscal estão obrigados a dispor de contabilidade organizada, devam observar, igualmente, certas obrigações contabilísticas em ordem a obter segurança e clareza no registo das operações decorrentes da aplicação do Código do I.V.A. e necessárias ao cálculo do imposto, bem como para permitir o seu controlo.
2. O exercício do direito à dedução do I.V.A. consubstancia uma das principais características deste tributo, tudo em conformidade com o regime consagrado na Sexta Directiva de 1977 (directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17/5/1977), mais exactamente no seu artº.17, preceito que consagra as regras de exercício do direito à dedução do imposto, contemplando diversos requisitos objectivos e subjectivos do exercício do mesmo direito à dedução.
3. Os mecanismos de dedução do I.V.A. estão consagrados nos artºs.19 a 25, do C.I.V.A. Baseando-se o imposto em análise num sistema de pagamentos fraccionados e destinados a tributar o consumo final, a dedução do imposto pago nas operações intermédias do circuito económico é indispensável ao funcionamento do mesmo sistema.
4. Tanto a dedução de I.V.A., como o seu reembolso, estão sujeitos a determinados condicionalismos previstos no C.I.V.A. que se podem considerar similares. O reembolso consiste na devolução ao sujeito passivo do imposto por ele suportado em excesso durante determinado período temporal. Por sua vez, o mecanismo de dedução de I.V.A. consiste na faculdade que o sujeito passivo tem de poder deduzir ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuou o tributo que lhe foi facturado nas suas aquisições de bens ou serviços por outros sujeitos passivos de I.V.A.
5. O sistema de dedução de I.V.A. consiste na faculdade que o sujeito passivo tem de poder deduzir ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuou o tributo que lhe foi facturado nas suas aquisições de bens ou serviços por outros sujeitos passivos de I.V.A. Utilizando o denominado método subtractivo indirecto (ou de crédito de imposto), o sujeito passivo deduz ao imposto liquidado nos seus "outputs", o imposto liquidado nos respectivos "inputs", tudo reportado ao mesmo período de tempo. Isto é, o sujeito passivo assume as vestes de devedor ao Estado pelo montante do tributo que factura aos seus clientes sobre o valor das vendas ou serviços prestados (imposto liquidado a jusante ou sobre os "outputs") e, em contrapartida, é credor do Estado pelo imposto suportado nas aquisições de bens ou serviços realizados para o exercício da respectiva actividade (imposto suportado a montante ou sobre os "inputs"), no mesmo período de tempo.
6. Em sede de requisitos subjectivos do sistema de dedução de I.V.A., apenas podem deduzir o imposto os sujeitos passivos, conforme se retira do artº.19, nº.1, do C.I.V.A.
7. Contabilisticamente, o I.V.A. suportado nas aquisições de bens e serviços e o I.V.A. liquidado nas transmissões de bens e nos serviços prestados é levado a uma conta de terceiros, a subconta 243, no âmbito do P.O.C. aprovado pelo dec.lei 410/89, de 21/11. O montante periodicamente "apurado" na citada subconta terá a natureza de um débito do sujeito passivo ao Estado, que constitui a sua dívida tributária desse período, ou de um crédito perante o Estado, que transitará, em princípio, para o período fiscal seguinte, como imposto a recuperar, igualmente podendo ser objecto de um pedido de reembolso neste segundo caso (cfr.dec.lei 229/95, de 11/9, diploma que regulamenta a cobrança e reembolso do I.V.A.).
8. O TJUE tem afirmado que o direito à dedução de I.V.A., enquanto elemento indissociável do mecanismo do imposto, apenas é susceptível de ser limitado nos casos expressamente previstos na Sexta Directiva (cfr.actualmente a Directiva IVA/DIVA, de 26/11/2006). De acordo com a jurisprudência daquele Tribunal, na ausência de uma disposição que permita aos Estados-Membros limitarem o direito à dedução conferido aos sujeitos passivos, este direito deve ser exercido imediatamente em relação à totalidade do imposto que onerou as operações efectuadas a montante, e porque as limitações ao direito à dedução devem ser aplicadas de modo similar em todos os Estados-membros, só são autorizadas excepções nos casos expressamente previstos pela Sexta Directiva. Consequentemente, qualquer norma ou prática administrativa que imponha uma restrição geral ao direito de deduzir quando existir uma utilização para fins empresariais ou profissionais dos bens ou serviços adquiridos constitui uma violação inadmissível ao artº.17, da Sexta Directiva.
9. A Declaração oficiosa de cessação de actividade, estruturada ao abrigo do disposto no artº.33, nº.2, do C.I.V.A. (equivalente ao artº.34, nº.2, do C.I.V.A., após a renumeração operada neste código pelo dec.lei 102/2008, de 20/6), somente se podia verificar quando fosse manifesto que a actividade não estava a ser exercida, nem existia intenção de a continuar a exercer, tal não se podendo retirar do trânsito em julgado da declaração de falência de determinado ente empresarial. O carácter manifesto deve resultar de elementos de facto objectivos dos quais seja evidente que os requisitos indicados se encontram preenchidos.
10. O registo da sentença de falência não implica a extinção da sociedade, a qual mantém a sua personalidade jurídica até ao registo do encerramento da liquidação e, nessa medida, não se vislumbrando que os motivos indicados pela A. Fiscal constituam fundamento legal para o encerramento oficioso da actividade da sociedade em sede de I.V.A.
11. Se é certo que à luz do citado artº.19, nº.1, al.a), do C.I.V.A., a condição de sujeito passivo do prestador de bens e serviços constitua um requisito essencial ao direito à dedução, a verdade é que tal condição não se define em razão de um “estatuto” que se adquira com a declaração de início de actividade nos termos do artº.30, nº.1, do C.I.V.A., e se perca como decorrência da declaração de cessação de actividade ao abrigo do sequente artº.32, do mesmo diploma. Antes a condição de sujeito passivo se pode definir em função de cada operação tributável praticada, daí que o adquirente dos serviços sempre tenha direito à dedução do montante de I.V.A. mencionado na respectiva factura.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do T.A.F. de Castelo Branco, exarada a fls.111 a 123 do presente processo, através da qual julgou procedente a impugnação intentada pela sociedade recorrida, "D..., L.da.", tendo por objecto as liquidações adicionais de I.V.A. e juros compensatórios relativas aos anos de 2003, 2004 e 2005, no montante total de € 8.673,01.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.144 a 154 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-É objecto do presente recurso a anulação, pela douta sentença, das liquidações adicionais de IVA dos anos de 2003, 2004 e 2005, emitidas à impugnante ora recorrida "D..., Lda.", na sequência de uma inspecção tributária, na qual foram efectuadas as referidas liquidações adicionais com fundamento em dedução indevida de IVA;
2-Violação pela douta sentença dos artigos 19/1 alínea a), 22º, nº 1 e 11 e 33/2, todos do CIVA, em concatenação com os artigos 147/1 e 148/1, ambos do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (CPEREF), em vigor à data da declaração de falência da sociedade emitente das facturas em causa nos autos, "P..., Lda.";
3-Assim, nos termos do nº 1 artigo 22º do CIVA (que tem como epígrafe "início do direito à dedução"), "o direito à dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, de acordo com o estabelecido pelos artigos 7.º e 8.º, efectuando-se mediante subtracção ao montante global do imposto devido pelas operações tributáveis do sujeito passivo, durante um período de declaração, do montante do imposto dedutível, exigível durante o mesmo período";
4-Assim, o sujeito passivo poderá deduzir o IVA suportado nas aquisições de bens e serviços necessários ao exercício da sua actividade no momento em que o mesmo se torna exigível ao sujeito passivo que fez a venda ou prestou o serviço (nos termos dos artigos 7º e 8º do CIVA);
5-Sendo que, o exercício do direito à dedução pode manifestar-se também num pedido de reembolso, ou seja, tal como previsto no artigo 22º do CIVA: i) o sujeito passivo pode subtrair ao IVA a entregar ao Estado (liquidado nas facturas emitidas), o IVA dedutível (constante das facturas de compras), entregando assim, menos IVA liquidado nas transmissões e prestações de serviços efectuadas; ii) pode ir acumulando o IVA dedutível ao longo de algum período de tempo, pedindo mais tarde o seu reembolso na totalidade; iii) ou pedir o reembolso de imediato;
6-Incluindo-se todos estes procedimentos num princípio basilar do sistema de funcionamento do IVA, de forma a, desde logo, assegurar a sua neutralidade: o método do crédito de imposto (ou ainda método subtractivo indirecto ou método da factura), que assegura que os bens utilizados na produção por uma empresa não sejam, em definitivo, tributados. As aquisições são feitas com imposto, mas dão lugar a uma dedução imediata - subsumível num pedido de reembolso -, no respectivo período de pagamento, salvo excepções, muito limitadas, destinadas a prevenir desvios fraudulentos;
7-Assim é que, nos termos do artigo 22/11 do CIVA se prevêem algumas das necessárias excepções que actuam de forma preventiva: "os pedidos de reembolso [que se incluem no exercício do direito à dedução], são indeferidos quando não forem facultados pelo sujeito passivo elementos que permitam aferir da legitimidade do reembolso, bem como quando o imposto dedutível for referente a um sujeito passivo com número de identificação fiscal inexistente ou inválido ou que tenha suspenso ou cessado a sua actividade no período a que se refere o reembolso";
8-Na situação em apreço está em causa IVA "suportado" pela impugnante constante de facturas emitidas por uma sociedade, a "P..., Lda.", após a declaração e registo da falência desta;
9-Assim, contra a sociedade emitente das facturas - a "P..., Lda." - correu termos o processo de falência nº 444/2002, publicitado através de publicação em Diário da República, em 30/11/2002 e em 02/12/2002, vindo a ser declarada falida em 13/06/2003, com trânsito em julgado em 01/07/2003, sendo a falência registada na respectiva conservatória em 23/09/2003 através da Ap. 06/20030923, e a firma declarada cessada em IVA e IRC com efeitos à mesma data;
10-Todas as facturas em causa nos autos têm data de emissão posterior a 23/09/2003;
11-O estado vê-se, assim, "ab initio'', impossibilitado de exercer o seu poder/dever de exigir, de acordo com o estabelecido pelos artigos 7.º e 8.º, ao sujeito passivo que fez a venda - a "P..., Lda." - o IVA por este liquidado nas facturas emitidas após 23/09/2003 à ora impugnante (e que esta veio a deduzir nas suas declarações periódicas), uma vez que o sujeito passivo se encontrava falido. De facto estão a ser emitidas facturas de forma ilegítima;
12-Daí a excepção preventiva ora em causa prevista no artigo 19/1 alínea a) e 22/11 do CIVA, no sentido de não poder vir a ser deduzido imposto aparentemente dedutível quando "o imposto dedutível for referente a um sujeito passivo...que tenha suspenso ou cessado a sua actividade no período a que se refere o reembolso'', excepção esta destinada, pois, a prevenir desvios fraudulentos;
13-A inexistência desta excepção ao direito à dedução - que se inscreve num princípio estruturante do IVA, o princípio da neutralidade - permitiria, na situação em apreço, o tal desvio fraudulento, uma vez que o Estado se vê impossibilitado "ab initio" de exigir o IVA liquidado pela "P..." nas facturas emitidas após 23/09/2003 (que, ainda por cima, a impugnante viria a deduzir);
14-Como salientado, o Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (CPEREF), em vigor à data da declaração de falência da "P..., Lda.", estabelecia no seu artigo 147/1 que "a declaração de falência priva imediatamente o falido, por si, ou no caso de sociedade ou pessoa colectiva, pelos órgãos que o representem, da administração e do poder de disposição dos seus bens presentes ou futuros, os quais passam a integrar a massa falida, sujeita à administração e poder de disposição do liquidatário judicial", assumindo o liquidatário judicial "a representação do falido para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à falência", determinando ainda o artigo 148/1 do mesmo código que "a declaração de falência determina o encerramento dos livros do falido e implica a inibição dele, ou no caso de sociedade ou de pessoa colectiva, dos seus administradores para o exercício do comércio...";
15-Deverá, pois, ser revogada a douta sentença;
16-No que se refere aos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida, eles constam dos autos, tendo sido juntos quer pela impugnante/recorrida, quer pela fazenda;
17-Pelo que, com o mais que Vossas Excelências se dignarão suprir, deve ser dado provimento ao recurso e em consequência ser revogada a decisão recorrida.
X
Não foram produzidas contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso (cfr.fls.162 e 163 dos autos).
X
Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.112 a 118 dos autos - numeração nossa):
1-A sociedade impugnante, "D..., L.da.", com o n.i.p.c. ..., encontra-se colectada, desde 1/02/2000, pela actividade de “Comércio a Retalho de Outros Produtos Novos”, com o CAE 52 488, enquadrando-se em sede de IVA no regime normal de periodicidade mensal (cfr.relatório de inspecção tributária junto a fls.3 a 16 do processo administrativo apenso);
2-A impugnante deduziu IVA relativamente às facturas emitidas, nos anos de 2003, 2004 e 2005, pela sociedade “P..., Lda.”, relacionadas a fls.19 e 20 do processo administrativo apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (cfr.factualidade não controvertida);
3-A sociedade “P..., Lda.” foi declarada insolvente por sentença proferida, em 13/06/2003, pelo Tribunal Judicial da Comarca de ..., transitada em julgado em 01/07/2003, registada na Conservatória do Registo Comercial, através da Ap.6 de 23/09/2003 (cfr.documentos juntos a fls.22 a 28 do processo administrativo apenso);
4-Em 28/12/2005, no Serviço de Finanças de ... foi preenchido o “Boletim de Actividade Oficioso” relativo à cessação de actividade da sociedade “P..., Lda.”, com efeitos reportados a 23/09/2003, constando do referido boletim a seguinte informação, «Este B.A.O. tem por finalidade promover a cessação oficiosa desta sociedade em virtude de a mesma se encontrar extinta por trânsito em julgado da falência cujo registo ocorreu em 23/09/2003, conforme fotocópia anexa” (cfr.documento junto a fls.66 a 67 dos presentes autos);
5-Durante o ano de 2007, e em cumprimento das Ordens de Serviço nºs ..., os serviços de inspecção tributária da Direcção de Finanças da Guarda realizaram uma acção de inspecção tributária à impugnante, com incidência no IRC e IVA dos anos de 2003 a 2005, na sequência de despacho/proposta emitido pelo Exmo. Sr. Procurador da República nos autos de inquérito nº ...2.2 JAAVR-6/02, por indícios de facturação falsa relativamente às facturas emitidas pela sociedade “P..., Lda.” [cfr.relatório de inspecção tributária junto a fls.3 a 16 do processo administrativo apenso; despacho nos autos de inquérito junto a fls.43 a 49 do processo administrativo apenso);
6-Em 24/10/2007 foi elaborado o relatório final de inspecção tributária e respectivos anexos I e II, constante de fls.3 a 20 do processo administrativo apenso, tudo cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
7-Em resultado das conclusões da acção inspectiva foram efectuadas correcções em sede de IVA dos anos de 2003, 2004 e 2005, tendo sido apurado imposto em falta, respectivamente, nos montantes de 3.586,26€, 3.203,73€ e 600,00€ (cfr.conclusões da acção inspectiva a fls.4 do processo administrativo apenso);
8-Do relatório de inspecção tributária mencionado no nº.6, consta um capítulo III, “Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável”, do qual se destaca o seguinte teor:

“(…) na eventualidade de estarmos perante uma possível situação de utilização de facturas falsas, originada pelo facto da sociedade P... – fornecedora da D... – ter emitido facturas mesmo depois de ter sido declarada a sua insolvência, a presente acção foi levada a cabo com o intuito de averiguar essencialmente dois aspectos, que são, em primeiro lugar, se as operações associadas as essas facturas se trataram de transacções reais e, em caso afirmativo, por quem eram feitos os mesmos. Isto porque podemos estar na presença de duas situações distintas que são as facturas emitidas não corresponderem a qualquer transacção efectiva ou, por outro lado, as operações serem reais, mas terem sido realizadas por outra entidade que não a P....
Tendo por base os objectivos da presente acção de inspecção procedeu-se à análise dos elementos da contabilidade, com especial incidência à classe 2 – Terceiros, mais precisamente às facturas emitidas pela P..., tendo-se verificado os seguintes aspectos:
- a sociedade D..., nos anos em questão, ou seja, 2003, 2004 e 2005, possui registadas na sua contabilidade facturas de aquisição, quer de matérias primas, quer de mercadorias, emitidas pela referida firma, facto este comprovado através do extracto de conta corrente do mesmo ano. Com o intuito de se verificar se estas aquisições correspondiam a fornecimentos efectivos efectuaram-se alguns testes, nomeadamente averiguar se os bens adquiridos eram escoados através das vendas ou, em caso negativo, se faziam parte do saldo de existências finais, bem como, qual a forma e meio de pagamento dessas aquisições.
(…)
Podemos assim responder às questões que se puseram aquando do início da presente acção de inspecção, ou seja, os fornecimentos eram efectivos e eram efectuados pela firma P..., Lda.
Tendo em conta o referido, importa agora tratar a presente situação em termos fiscais, um vez que a sociedade D... possuía registadas na sua contabilidade facturas que, apesar de corresponderem a aquisições efectivas de bens, foram emitidas por uma firma, em relação à qual tinha já sido declarada a sua falência, sentença essa com trânsito em julgado em 01-07-2003.
Estas facturas, a nível do IRC, foram contabilizadas pela D... na conta 31 – Compras do POC, influenciando assim, positivamente, o apuramento do custo das mercadorias vendidas e das matérias consumidas.
Relativamente ao IVA, o sujeito passivo procedeu à sua dedução, tendo sido registado contabilisticamente na conta 2432116 - IVA Dedutível nas Aquisições de Existências (Taxa 19%).
O enquadramento fiscal das referidas facturas vai ser diferente em relação a estes dois impostos, porquanto em termos de IRC, dispõe o respectivo código, no artigo 23º - Custos ou Perdas, que, e passo a citar, “consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeito as imposto ou para a manutenção da fonte produtora”, referindo-se, especificamente, a alínea a) do mesmo artigo, aos encargos relativos à produção ou aquisição de bens. Assim, tendo em conta que as facturas emitidas pela P... dizem respeito a aquisições de bens (mercadorias e matérias primas) e que estes foram adquiridos com vista à realização de proveitos, quer por via das vendas das mercadorias, quer por via da incorporação das matérias primas no processo produtivo ir-se-ão considerar estas aquisições como custo do exercício, através do apuramento do custo das mercadorias vendidas e matérias consumidas.
Já no que respeita ao IVA refere o art.º 19º- Dedução do imposto, do CIVA, mais precisamente a alínea a), do nº 1, que os sujeitos passivos no apuramento do imposto poderão deduzir o imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos. Este último requisito relacionado com a condição de se tratarem de aquisições a outros sujeitos passivos é fundamental para o facto de se considerar o IVA deduzido nas aquisições à sociedade P..., Lda, como IVA deduzido indevidamente.
Importa agora determinar a partir de que momento deixou a referida sociedade de ser considerado sujeito passivo de IVA, tendo em conta que em relação a ela foi declarada a falência, com trânsito em julgado em 01-07-2003, de acordo com a informação prestada nos autos de inquérito ...2.2JAAVR, instaurado pelo Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIPAP). Apesar de nestes autos ser referido que a sociedade falida deixa de ter personalidade jurídica (a fls. 1356), ao abrigo da legislação fiscal, bem como do Código das Sociedades Comerciais (CSC) tal não se verifica. De acordo com o nº 2 do art. 146º do CSC, as sociedades em liquidação mantêm a personalidade jurídica, tratando-se de sujeitos passivos susceptíveis de estabelecer relações jurídicas tributárias, o que de acordo com o art.º 15 da LGT também lhes confere personalidade tributária. De facto a sociedade falida e, consequentemente dissolvida, entra na fase de liquidação, fase esta em que é nomeado um liquidatário judicial, o qual na qualidade de representante da sociedade vai promover a realização do activo e pagamento do passivo. O Ofício-circulado 30003, de 15/04/1999, da Direcção de Serviços do IVA, vem no ponto nº 4 afirmar que uma empresa falida mantém a qualidade de sujeito passivo de IVA, qualidade esta atribuída pela alínea a) do nº 1 do art.º 2º do respectivo código. Refere ainda que tal apenas deixará de ser assim, quando se verificar qualquer uma das situações previstas nas alíneas do nº 1, do art. 33º, do CIVA, ou também quando se verificarem as condições previstas no nº 2 do mesmo artigo, as quais determinam a cessação de actividade em sede de IVA.
Em conclusão, apenas com a cessação de actividade da sociedade P..., Lda, se verifica a exclusão ao direito à dedução do IVA, mencionado nas facturas por ela emitidas. Da consulta ao sistema informático constata-se que a cessação de actividade ocorreu em 23/09/2003, cessação esta oficiosa, ao abrigo do nº 2, do art. º 33, do CIVA.
Assim, apenas o IVA contido nas facturas emitidas após esta data será considerado como tendo sido deduzido indevidamente. Esta situação deu origem ao apuramento de valores inferiores ao que seria devido e, para efeitos contra-ordenacionais, encontra-se equiparada a falta de entrega de prestação tributária.
Com base no anexo atrás mencionado (anexo I) procedeu-se ao apuramento dos montantes de imposto em falta por período, ou seja, por trimestre, relativamente aos anos de 2003 e 2004, e por mês, relativamente a 2005, os quais se indicam no quadro seguinte:

    Período
    Valor (euros)
    0309T
    1646,65
    0312T
    2209,61
    TOTAL 2003
    3856,26
    0403T
    230,28
    0406T
    616,37
    0409T
    988,02
    0412T
    1369,06
    TOTAL 2004
    3203,73
    0506
    600
    TOTAL 2005
    600
    TOTAL
    7660,00

O imposto apurado, e que se encontra no quadro acima, é, como já foi referido, imposto deduzido indevidamente, o que pela aplicação do método da subtracção previsto no nº 1, do art.º 22º, do CIVA, resulta em imposto em falta, uma vez que o valor do imposto dedutível a subtrair ao montante de imposto devido pelas operações tributáveis encontra-se inflacionado por aqueles montantes. De referir ainda que ao abrigo do art.º 22º, do CIVA, vem o seu nº 11, na parte final, referir que quando o imposto dedutível seja referente a sujeitos passivos cessados, tal facto determinará o indeferimento dos pedidos de reembolso. Tendo em conta que o art.º 22º do CIVA tem como título “Início do direito à dedução”, também essa situação determinará a exclusão ao direito à dedução desse IVA.
Para tal serão elaboradas as respectivas declarações de IVA de correcção, tendo em conta que a situação não foi regularizada pelo sujeito passivo. (…)”
(cfr.relatório de inspecção junto a fls.3 a 16 do processo administrativo apenso);
9-Sobre o referido relatório de inspecção tributária recaiu parecer concordante e despacho de sancionamento [cfr.documento junto a fls.3 do processo administrativo apenso);
10-Na sequência da inspecção tributária, foram emitidas à impugnante, em sede IVA, as seguintes liquidações adicionais, com data limite pagamento até 31/01/2008:

    Nº Liquidação
    Natureza
    Período
    Valor em €
    IVA
    0506T
600,00
    IVA
    0409T
988,02
    IVA
    0412T
1.369,06
    IVA
    0312T
2.209,61
    IVA
    0309T
1.646,65
    IVA
    0403T
230,28
    IVA
    0406T
616,37
    Juros Comp.
    0506T
53,06
    Juros Comp.
    0412T
147,48
    Juros Comp.
    0409T
116,40
    Juros Comp.
    0406T
78,76
    Juros Comp.
    0403T
31,72
    Juros Comp.
    0312T
325,93
    Juros Comp.
    0309T
259,67
(cf.documentos juntos a fls.14 a 27 dos presentes autos).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não existem factos não provados com interesse para a decisão da causa…”.
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A decisão da matéria de facto efectuou-se com base na posição assumida pelas partes e nos documentos juntos aos autos e ao processo administrativo apenso, conforme discriminado em cada uma das alíneas dos factos provados…”.
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou procedente a impugnação intentada pela sociedade recorrida, em consequência do que anulou as liquidações objecto do presente processo (cfr.nº.10 do probatório).
X
Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
Alega o recorrente, em síntese, que na situação em apreço está em causa I.V.A. suportado pela sociedade impugnante constante de facturas emitidas por uma empresa, a "P..., Lda.", após a declaração e registo da falência desta. Que todas as facturas em causa nos autos têm data de emissão posterior a 23/09/2003, data do registo da falência da "P..., Lda.". Que não pode ser deduzido imposto referente a um sujeito passivo que tenha suspenso ou cessado a sua actividade no período a que se refere o reembolso em causa. Que a decisão recorrida viola os artºs.19, nº.1, al.a), 22, nºs.1 e 11, e 33, nº.2, todos do C.I.V.A. (cfr.conclusões 1 a 15 do recurso), com base em tal alegação pretendendo consubstanciar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Deslindemos se a decisão recorrida comporta tal vício.
Nos termos do C.I.V.A., a obrigação geral dos sujeitos passivos disporem de contabilidade adequada ao apuramento e fiscalização do imposto deriva do estabelecido no artº.28, nº.1, al.g). Assim se explica que os sujeitos que face a lei comercial e fiscal estão obrigados a dispor de contabilidade organizada, devam observar, igualmente, certas obrigações contabilísticas em ordem a obter segurança e clareza no registo das operações decorrentes da aplicação do Código do I.V.A. e necessárias ao cálculo do imposto, bem como para permitir o seu controlo (cfr.artºs.44 a 52, do C.I.V.A.; António Borges e Martins Ferrão, A Contabilidade e a Prestação de Contas, 8ª. Edição, Editora Rei dos Livros, pág.114).
O exercício do direito à dedução do I.V.A. consubstancia uma das principais características deste tributo, tudo em conformidade com o regime consagrado na Sexta Directiva de 1977 (directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17/5/1977), mais exactamente no seu artº.17, preceito que consagra as regras de exercício do direito à dedução do imposto, contemplando diversos requisitos objectivos e subjectivos do exercício do mesmo direito. O sistema comum do I.V.A. instituído pela Sexta Directiva caracteriza-se pela existência de uma base de incidência uniforme, de regras comuns em matéria de incidência objectiva e subjectiva, isenções e valor tributável, pela harmonização de regimes especiais e pelo alargamento obrigatório da tributação ao estádio retalhista e à generalidade das prestações de serviços (cfr.Clotilde Celorico Palma, Estudos de Imposto sobre o Valor Acrescentado, Almedina, 2006, pág.10 e seg.).
Os mecanismos de dedução do I.V.A. estão consagrados nos artºs.19 a 25, do C.I.V.A. Baseando-se o imposto em análise num sistema de pagamentos fraccionados e destinados a tributar o consumo final, a dedução do imposto pago nas operações intermédias do circuito económico é indispensável ao funcionamento do mesmo sistema. No entanto, nos termos do artº.19, nº.2, do referido diploma, só confere direito a dedução o imposto mencionado em facturas ou documentos equivalentes passados em forma legal, sendo tais requisitos, além do mais, os consagrados no artº.35, nº.5, do C.I.V.A. Tal exigência do legislador visa manter a cadeia de deduções, que é a alma do sistema, obstaculizando às tentativas de dedução de imposto não suportado (situação de verdadeiro locupletamento à custa do Erário Público), assim contrariando a evasão fiscal e tornando imperiosa a observância da forma legal na emissão de documentos, sob pena de os mesmos não conferirem direito à mencionada dedução. Para efeitos de apuramento do imposto devido ao Estado, os sujeitos passivos deduzirão ao I.V.A. liquidado nas suas facturas, o imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram relativas à aquisição de bens e serviços (cfr.F. Pinto Fernandes e N. Pinto Fernandes, Código do I.V.A. Anotado e Comentado, Editora Rei dos Livros, 4ª. edição, Janeiro de 1997, pág.501; António Borges e Martins Ferrão, A Contabilidade e a Prestação de Contas, 8ª. Edição, Editora Rei dos Livros, pág.112).
Vale isto por dizer que a determinação da parcela do imposto que cumpre entregar ao Estado assenta basicamente no mecanismo das deduções através do chamado método subtractivo indirecto - indirecto porque não implica a determinação do efectivo valor acrescentado do bem em todas e cada uma das fases do circuito económico, e subtractivo porque, não sendo cumulativo, ao imposto das vendas é subtraído o imposto das aquisições - pelo que não é demais realçar a enorme importância que as deduções têm no apuramento do imposto, pelos efeitos compensatórios entre o direito de crédito de que o sujeito passivo é titular pelo I.V.A. suportado nas operações a montante, e a dívida tributária pelas operações efectuadas a jusante (cfr.F. Pinto Fernandes e N. Pinto Fernandes, Código do I.V.A. Anotado e Comentado, Editora Rei dos Livros, 4ª. edição, Janeiro de 1997, pág.564 e seg.; António Borges e Martins Ferrão, A Contabilidade e a Prestação de Contas, 8ª. Edição, Editora Rei dos Livros, 2000, pág.124 e seg.; Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Cadernos do I.D.E.F.F., nº.1, 2ª.edição, Almedina, 2006, pág.172 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/2/2005, rec.860/04; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/6/2004, proc.6816/02; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/11/2012, proc.5637/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/5/2013, proc.6418/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/4/2015, proc.6525/13).
Tanto a dedução de I.V.A., como o seu reembolso, estão sujeitos a determinados condicionalismos previstos no C.I.V.A. que se podem considerar similares. O reembolso consiste na devolução ao sujeito passivo do imposto por ele suportado em excesso durante determinado período temporal. Por sua vez, o mecanismo de dedução de I.V.A. consiste na faculdade que o sujeito passivo tem de poder deduzir ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuou o tributo que lhe foi facturado nas suas aquisições de bens ou serviços por outros sujeitos passivos de I.V.A. (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 25/11/2004, rec.216/04; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.6280/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/4/2014, proc.7396/14; Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Cadernos do I.D.E.F.F., nº.1, 2ª.edição, Almedina, 2006, pág.157 e seg.).
Voltando ao caso concreto, entendeu a A. Fiscal, resumidamente, que a sociedade impugnante e ora recorrida não podia deduzir o I.V.A. constante de facturas emitidas pela empresa “P..., Lda.”, a partir do momento em que ocorreu a cessação de actividade da sociedade emitente das facturas para efeitos de I.V.A., tal se verificando reportado a 23/09/2003 (cfr.nºs.4 e 8 do probatório). Mais considerou a Fazenda Pública que a cessação de actividade da sociedade emitente das facturas, para efeitos de I.V.A., implicou que esta deixou de ser sujeito passivo do mesmo tributo, pelo que, ao abrigo dos artºs.19, nº.1, al.a), e 22, nº.11, do C.I.V.A., concluiu que a sociedade impugnante deduziu indevidamente o I.V.A. constante das facturas por aquela emitidas após a mencionada data.
Pelo contrário, o Tribunal "a quo" julgou procedente a impugnação intentada pela sociedade recorrida, concluindo que a cessação da actividade da sociedade emitente das facturas não afasta a sua qualidade de sujeito passivo para efeitos de dedução do I.V.A. suportado pelo adquirente, nos termos do artº.19, nº.1, al.a), do C.I.V.A., e por outro lado, não estando em causa nos autos o indeferimento de um pedido de reembolso de I.V.A., não tem aplicação, ao caso concreto, do disposto no nº 11 do artº.22, nº.11, do mesmo diploma. Consequentemente, as liquidações impugnadas padecem do vício de violação de lei, por erro nos pressupostos, determinante da sua anulação.
Vejamos quem tem razão.
Conforme mencionado supra, o sistema de dedução de I.V.A. consiste na faculdade que o sujeito passivo tem de poder deduzir ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuou o tributo que lhe foi facturado nas suas aquisições de bens ou serviços por outros sujeitos passivos de I.V.A.
Utilizando o denominado método subtractivo indirecto (ou de crédito de imposto), o sujeito passivo deduz ao imposto liquidado nos seus "outputs", o imposto liquidado nos respectivos "inputs", tudo reportado ao mesmo período de tempo. Isto é, o sujeito passivo assume as vestes de devedor ao Estado pelo montante do tributo que factura aos seus clientes sobre o valor das vendas ou serviços prestados (imposto liquidado a jusante ou sobre os "outputs") e, em contrapartida, é credor do Estado pelo imposto suportado nas aquisições de bens ou serviços realizados para o exercício da respectiva actividade (imposto suportado a montante ou sobre os "inputs"), no mesmo período de tempo (cfr.Mário Alberto Alexandre, Imposto sobre o valor acrescentado, Exclusões e limitações do direito à dedução, in C.T.F 350, Abr./Jun. 1988, pág.29 e seg.).
Contabilisticamente, o I.V.A. suportado nas aquisições de bens e serviços e o I.V.A. liquidado nas transmissões de bens e nos serviços prestados é levado a uma conta de terceiros, a subconta 243, no âmbito do P.O.C. aprovado pelo dec.lei 410/89, de 21/11(1) (cfr.António Borges e Martins Ferrão, A Contabilidade e a Prestação de Contas, Editora Rei dos Livros, 8ª. Edição, 2000, pág.105 e seg.).
Logo, o tributo a entregar ao Estado consistirá na diferença (sistema de conta-corrente) entre aquele débito e aquele crédito (cfr.artºs.19, nº.1, e 27, nº.1, do C.I.V.A.), sendo que o resultado final será determinado pela aplicação da taxa ao preço na última fase do circuito económico e quem vai suportá-lo é o consumidor final: I.V.A. = [(valor de venda x taxa) - (valor de compra x taxa)]. Antes ocorre o fraccionamento do imposto a cargo dos diversos agentes económicos que vão recuperá-lo, sendo, porém e em princípio, irrecuperável o correspondente à última transacção (cfr.Joaquim Miranda Sarmento e Paulo Marques, IVA Problemas Actuais, Coimbra Editora, 2014, pág.176 e seg.).
O montante periodicamente "apurado" na citada subconta terá a natureza de um débito do sujeito passivo ao Estado, que constitui a sua dívida tributária desse período, ou de um crédito perante o Estado, que transitará, em princípio, para o período fiscal seguinte, como imposto a recuperar, igualmente podendo ser objecto de um pedido de reembolso neste segundo caso (cfr.dec.lei 229/95, de 11/9, diploma que regulamenta a cobrança e reembolso do I.V.A.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/3/2016, proc.9282/16; Joaquim Manuel Charneca Condesso, Operações simuladas em sede de I.V.A. e de I.R.C. Perspectiva da jurisprudência tributária, Cadernos de Justiça Tributária, CEJUR, nº.12, Abril/Junho 2016, pág.21 e seg.).
Em sede de requisitos subjectivos do sistema de dedução de I.V.A., apenas podem deduzir o imposto os sujeitos passivos, conforme se retira do artº.19, nº.1, do C.I.V.A. (cfr. Patrícia Noiret Cunha, Anotações ao C.I.V.A. e ao R.I.T.I., Instituto Superior de Gestão, 2004, pág.305).
Haverá que saber, no caso dos autos, se a cessação da actividade da sociedade emitente das facturas afasta, ou não, a sua qualidade de sujeito passivo para efeitos de dedução do I.V.A. suportado pelo adquirente, nos termos do artº.19, nº.1, al.a), do C.I.V.A.?
O TJUE tem afirmado que o direito à dedução de I.V.A., enquanto elemento indissociável do mecanismo do imposto, apenas é susceptível de ser limitado nos casos expressamente previstos na Sexta Directiva (cfr.actualmente a Directiva IVA/DIVA, de 26/11/2006). De acordo com a jurisprudência daquele Tribunal, na ausência de uma disposição que permita aos Estados-Membros limitarem o direito à dedução conferido aos sujeitos passivos, este direito deve ser exercido imediatamente em relação à totalidade do imposto que onerou as operações efectuadas a montante, e porque as limitações ao direito à dedução devem ser aplicadas de modo similar em todos os Estados-membros, só são autorizadas excepções nos casos expressamente previstos pela Sexta Directiva. Consequentemente, qualquer norma ou prática administrativa que imponha uma restrição geral ao direito de deduzir quando existir uma utilização para fins empresariais ou profissionais dos bens ou serviços adquiridos constitui uma violação inadmissível ao artº.17 da Sexta Directiva (cfr.casos Comissão / França, proc. 50/87-1988; Lennartz, proc. 97/90-1991; Gabalfrisa SL, proc. apensos C-110/98 a C-147/98-2000; Patrícia Noiret Cunha, Anotações ao C.I.V.A. e ao R.I.T.I., Instituto Superior de Gestão, 2004, pág.304).
Revertendo ao caso dos autos, retira-se do probatório que a A. Fiscal declarou oficiosamente a cessação da actividade da sociedade emitente das facturas, “P..., Lda.”, com efeitos reportados a 23/09/2003, em virtude de a mesma se encontrar extinta por trânsito em julgado da falência cujo registo ocorreu na citada data de 23/09/2003 (cfr.nº.4 do probatório).
Ora, a mencionada declaração oficiosa de cessação de actividade, estruturada ao abrigo do disposto no artº.33, nº.2, do C.I.V.A. (equivalente ao artº.34, nº.2, do C.I.V.A., após a renumeração operada neste código pelo dec.lei 102/2008, de 20/6), somente se podia verificar quando fosse manifesto que a actividade não está a ser exercida, nem existe intenção de a continuar a exercer, tal não se podendo retirar do trânsito em julgado da declaração de falência de determinado ente empresarial. O carácter manifesto deve resultar de elementos de facto objectivos dos quais seja evidente que os requisitos indicados se encontram preenchidos (cfr.Patrícia Noiret Cunha, Anotações ao C.I.V.A. e ao R.I.T.I., Instituto Superior de Gestão, 2004, pág.373).
E recorde-se que o registo da sentença de falência não implica a extinção da sociedade, a qual mantém a sua personalidade jurídica até ao registo do encerramento da liquidação e, nessa medida, não se vislumbrando que os motivos indicados pela A. Fiscal constituam fundamento legal para o encerramento oficioso da actividade da sociedade em sede de I.V.A. (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 24/02/2011, rec.1145/09; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 14/06/2012, rec.816/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/4/2012, proc.5315/12).
De facto, se é certo que à luz do citado artº.19, nº.1, al.a), do C.I.V.A., a condição de sujeito passivo do prestador de bens e serviços constitua um requisito essencial ao direito à dedução, a verdade é que tal condição não se define em razão de um “estatuto” que se adquira com a declaração de início de actividade nos termos do artº.30, nº.1, do C.I.V.A., e se perca como decorrência da declaração de cessação de actividade ao abrigo do sequente artº.32, do mesmo diploma. Antes a condição de sujeito passivo se pode definir em função de cada operação tributável praticada, daí que o adquirente dos serviços sempre tenha direito à dedução do montante de I.V.A. mencionado na respectiva factura (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 20/01/2010, rec.974/09).
“In casu”, releve-se, igualmente, que a A. Fiscal concluiu que as facturas emitidas pela sociedade “P..., Lda.”, correspondiam, efectivamente, a bens adquiridos e pagos pela impugnante/recorrida com vista à realização dos seus proveitos, tendo considerado tais aquisições como custo do exercício para efeitos de I.R.C. (cfr.nº.8 do probatório).
Ainda, não ficou provado nos autos qualquer facto que indicie, minimamente, que a sociedade recorrida não estava de boa-fé (v.g.que tinha conhecimento da insolvência da empresa emitente das facturas).
Por último, não estando em causa nos autos o indeferimento de um pedido de reembolso de I.V.A., não tem aplicação ao caso concreto o disposto no artº.22, nº.11, do C.I.V.A.
Atento tudo o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o recurso deduzido e mantém-se a sentença recorrida, ao que se procederá na parte dispositiva do presente acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
X
Condena-se o recorrente em custas.
X
Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 9 de Fevereiro de 2017



(Joaquim Condesso - Relator)



(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Bárbara Tavares Teles - 2º. Adjunto)


(1) (cfr.igualmente a subconta 243, no âmbito do Sistema de Normalização Contabilística, aprovado pelo dec.lei 158/2009, de 13/7, e que entrou em vigor no pretérito dia 1/1/2010).