Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:928/13.8BELLE
Secção:CA
Data do Acordão:07/02/2020
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:REPOSIÇÃO DA LEGALIDADE URBANÍSTICA;
CONSTRUÇÃO NOVA;
DIREITO DE PROPRIEDADE;
REGIME DA REN.
Sumário:I. A sentença que não procede à enunciação dos factos não provadosno julgamento da matéria de facto, quando não se procedeu à abertura da fase de instrução da causa, não se tendo realizado audiência final e o julgamento de facto assentar unicamente na prova documental apresentada pelas partes e constante do processo administrativo, sem que exista qualquer facto não provado com relevo para a decisão a proferir, não incorre na violação do artigo 94.º, n.ºs 3 e 4.º do CPTA.

II. Estando em causa a ampliação de uma construção existente e a construção de três construções novas, não está em causa uma “reconstrução”.

III. Integrando a fundamentação, quer de facto, quer de direito, a sentença recorrida não enferma de falta de fundamentação, nos termos do artigo 205.º, n.º 1 da CRP.

IV. A sentença recorrida não incorre em erro de julgamento no tocante à questão do cumprimento do dever de fundamentação do ato impugnado, se o mesmo permite compreender os seus respetivos fundamentos.

V. O direito de propriedade, tal como previsto nos artigos 1302.º a 1305.º do CC não integra o direito a edificar, nem a proibição de edificar à luz da norma urbanística e de uso e planeamento do solo, prevista no artigo 20.º, n.º 1, do Regime Jurídico da REN, colide com o direito de propriedade.

VI. A construção nova para finalidades de instalações sanitárias, biblioteca, arrumos, sala de estar e de adega e mesmo a ampliação da construção existente, não integram o disposto no artigo 20.º, n.º 2 e 3 do Regime Jurídico da REN, para se poderem considerar excecionadas da regra da proibição de construção prevista no n.º 1 do citado preceito legal.

VII. Não se confunde a autoria da prática da decisão, com a autoria do subscritor do ofício da sua notificação à interessada, de modo a entender ter existido violação das regras de delegação de poderes, previstas nos artigos 35.º a 41.º do CPA/91.

VIII. O ofício que notifica expressamente a interessada para exercer o direito de audiência prévia, nos termos do artigo 106.º, n.º 3 do RJUE, estipulando o prazo de 15 dias para o seu exercício, não se traduz na derrogação do disposto 268.º, n.º 1 da CRP.

IX. Não tem sustento defender que a interpretação do artigo 20.º, n.º 1, b), 2 e 3 do Regime Jurídico da REN, no sentido de não permitir a ampliação de uma construção existente e a construção nova de três anexos, para finalidades díspares, ser materialmente inconstitucional, por violar os princípios do Estado de Direito Democrático, igualdade, proibição de excesso e direito à propriedade e iniciativa privada, habitação em ambiente sadio e ecologicamente equilibrado e tutela jurisdicional efetiva, segundo os artigos 1.º, 2.º, 9.º, b), 13.º, 18.º, n.ºs 2 e 3, 20.º, n.ºs 1 e 4, 61.º, 62.º, 64.º, 65.º, 66.º, 82.º, n.ºs 1 e 3, 90.º e 93, da CRP.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO

J....................Limited, devidamente identificada nos autos, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, datada de 07/02/2017, que no âmbito da ação administrativa especial de impugnação de ato administrativo, instaurada contra o Município de Portimão, a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve – CCDR Algarve, o Ministério do Ambiente do Ordenamento do Território e Energia, o Ministério do Desenvolvimento Regional e a Autoridade Tributária e Aduaneira, julgou a ação improcedente, absolvendo as Entidades Demandadas do pedido, de declaração de nulidade dos atos administrativos da CCDR Algarve e do Município de Portimão, de parecer desfavorável ao licenciamento/autorização da reconstrução do prédio urbano e a ordem de demolição e, a valer a nulidade das obras, serem nulos os atos da Autoridade Tributária e Aduaneira, de tributação das obras de ampliação e remodelação.


*

Formula a aqui Recorrente nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que infra e na íntegra se reproduzem:

“I - O Tribunal "a quo" não procedeu à identificação dos factos provados e não provados de acordo com a legislação em vigor e, muito menos ainda, à luz das regras da experiência e técnico-científicas que devem guiar a livre convicção judicial. Na verdade,

II - O artigo 94.º, n.ºs 3 e 4, do CPTA, direcciona uma inequívoca censura à decisão judicial "sob recurso", visto que (n.º 3) requer que, na exposição dos fundamentos, a sentença deva discriminar os factos que julga provados e não provados, o que não acontece no caso concreto.

III - Pode apontar-se o facto de se falar em «construção» e não em «reconstrução», relativamente a parte do prédio urbano, já existente antes de 1951, dando-se a ideia errada que a Autora procedeu, ex novo, à construção de um inexistente prédio urbano. E, na verdade,

IV - Não foram devidamente valorizados as provas da Autora que, contrariamente ao que ficou plasmado nos factos provados, deram indicações preciosas, quer sobre o facto de não se tratar de uma "construção ex novo" mas de uma reconstrução do que já existia, antes de 1951 (embora a sentença raramente identifique e se reporte a tal facto.

V - Inexiste, para efeitos do disposto nos artigos 205.º n.º 1, e 268.º, n.º 3, da CRP 1976, uma decisão judicial e administrativa fundamentada. de facto e de direito, de modo expresso e acessível.

VI - A sentença, ao nível dos seus fundamentos, em tema de direito de propriedade e ius aedificandi, afigura-se contraditória e incompatível com os preceitos vigentes na ordem jurídica portuguesa, mormente em matéria de regime do direito de propriedade, suas limitações de índole privada e outras de direito público, inexistindo, estranhamente, uma sequer qualquer referência aos artigos 1302.º a 1305.º do Código Civil.

VII - Contrariamente ao invocado, não se leva, automaticamente, à conclusão de que as obras da Autora, levadas a cabo na reconstrução da sua habitação e na construção, ex novo, de dois anexos, são ilegais à luz dos citados preceitos. E, isto, porquê?

VIII - Pelo facto de que, literalmente, não se proíbe a «reconstrução», já que se alude a «urbanização», «construção» e «ampliação». E, na verdade,

IX - Violou-se o disposto no artigo 20.º, n.º 1, alínea b), do RJREN, por a situação de facto, subjacente ao litígio da Autora, não fazer parte do âmbito de protecção proibitivo da norma, já que se alude a "Obras de urbanização, construção e ampliação" e tal não ocorre no que respeita à reconstrução da habitação já existente (e dentro dos limites da mesma).

X - O artigo 1302.º dá-nos conta que o conteúdo do direito de propriedade abrange as coisas móveis, imóveis, corpóreas (ou não), prédios urbanos ou rústicos. E, depois, com pertinência para o nosso tema,

XI - No direito de propriedade se inserem todas as faculdades (uso, fruição e alienação - usus, fruendi et abutendi) possíveis e imagináveis que permitam, como o referia o saudoso ORLANDO DE CARVALHO (Direito das Coisas), «esgotar a lógica das coisas».

XII - Todo o direito de propriedade, sobre bem imóvel, implica o reconhecimento do «ius aedificandi», bem como de todas as outras faculdades de uso, fruição ou destruição, que permitem esgotar a lógica da coisa.

XIII - O direito de propriedade - artigo 62.º da CRP -, constitucionalmente estribado, atento os artigos 61.º, 64.º e 66.º, da CRP 1976, deve ser entendido de modo aglutinador, reconhecendo-se ao seu titular todos os poderes de uso, fruição e destruição que lhe permitam esgotar a "lógica da coisa", isto é, da mesma retirar todas as utilidades possíveis.

XIV - Violou-se o disposto no artigo 20.º, n.º 1, alínea b), do RJREN, por a situação de facto - que é a de pretender a construção de um prédio urbano já existente em solo que, posteriormente, foi classificado como pertencente à RJREN em 2010 -, subjacente ao litígio da Autora, não fazer parte do âmbito de protecção proibitivo da norma, já que se alude a "Obras de urbanização, construção e ampliação" e tal não ocorre no que respeita à reconstrução da habitação já existente (e dentro dos limites da mesma).

XV - Deveria ter feito funcionar o regime excepcional, do artigo 20.º, n.ºs 2 e 3, e 23.º, do RJREN, tolerando-se e admitindo-se quer as obras de «reconstrução» quer de construção ex novo, já que ligadas aqueloutras, que são insusceptíveis para causar qualquer tipo de dano urbanístico ou ecológico protegido pelas normas do RJREN, pois a tal obriga o princípio do legislador e julgador razoável - artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil -, bem como a natureza de Estado de Democrático que deve reconhecer o direito de propriedade, bem como o direito a uma habitação condigna, em condições de salubridade, sadia e ecologicamente equilibrada - artigos 61.º, 62.º, 64.º e 66.º da CRP 1976.

XVI - A ATA tem vindo a tributar a Autora, sob as ditas partes alvo de decisão judicial, pelo que, a ser assim, tacitamente, o Estado português reconhece o direito de propriedade com a amplitude requerida pela Autora, pelo que o Tribunal incorreu no vício exposto no artigo 639.º, n.º 1, alínea d) do NCPC, ex vi artigos 23.º e 140.º, n.º 3, 1.ª parte, do CPTA.

XVII - A sentença faz alusão a "construção" ex novo quando, na verdade, em parte, se trata de uma simples "reconstrução" de uma habitação anterior a 1951, assim surgindo o vício de errónea apreciação da prova produzida, ex vi artigo 94.º, n.º 4, do CPTA.

XVIII - A recorrente em síntese, defendeu que os artigos 35.º a 41.º do CPA foram preteridos, visto que a intervenção de A................, Director do Departamento do Município de Portimão, é ilegal e implica a NULIDADE da ordem de demolição; e, igualmente, o mesmo se diga da intervenção de J..............., Director dos Serviços de Ordenamento do Território, junto da CCDR Algarve.

XIX - Ora, contrariamente ao que se refere, importa o facto de a habitação já se encontrar construída, antes de 1951, já que, assim, contrariamente ao que se diz na sentença, não estamos perante uma construção mas uma reconstrução, que, naturalmente, não pode ser impedida, já que, de outra forma, seria ablar o direito de propriedade de uma das suas faculdades jurídicas secundárias, que se prende com o ius aedificandi.

XX - A Mmª Juiz a quo confunde o que não é confundível, já que o que o Município veio promover - pronúncia em prazo de 15 dias - é algo após a adopção do acto administrativo definitivo, sendo que o que se censura é o incumprimento do princípio da procedimentalização dos actos administrativos, tal qual se encontra previsto no artigo 268.º, n.º 1, da CRP 1976, que exigia que, havendo projecto de acto administrativo com vista a futura demolição, antes da sua definitividade, se desse a hipótese de a Autora sobre tal se pronunciar. O que não ocorreu.

XXI - O entendimento da M.ma Juiz a quo, relativamente ao sentido e alcance do direito à audiência dos interessados, afigura-se materialmente inconstitucional, por violar o disposto no artigo 268.º, n.º 1, da CRP 1976.

XXII - O ius aedificandi é uma prerrogativa ou faculdade jurídica secundária do direito de propriedade, como aliás, bem o atestam algumas soluções jurídicas expostas nos direitos reais, como é o que acontece com o disposto no artigo 1343.º, n.º 1, do Código Civil, onde se consagra uma espécie de "expropriação por utilidade privada". Aliás,

XXIII - Todo o direito de propriedade, sobre bem imóvel, implica o reconhecimento do «ius aedificandi», bem como de todas as outras faculdades de uso, fruição ou destruição, que permitem esgotar a lógica da coisa.

XXIV - Verífica-se que, ao aderir às decisões administrativas, de modo acrítico, a decisão judicial incorre, igualmente, no vício de violação de lei, por falta de fundamentação, de facto e de direito, de modo expresso e acessível, ex vi artigos 205.º, n.º 1, e 268.º, n.º 3, da CRP 1976.

XXV - Os artigos 20.º, n.º 1, alínea h), e 2 e 3, e 23.º, do RJREN, ao serem interpretados como não permitindo a reconstrução de uma habitação já existente, à data da classificação da sua área geográfica como integrante da REN, afigura-se materialmente inconstitucional por violar os princípios do Estado de Direito Democrático, igualdade, proibição de excesso e protecção da propriedade e iniciativa privada, tutela jurisdicional efectiva, ex vi artigos 1.º, 2.º, 9.º alínea b), 18.º, n.ºs 2 e 3, 20.º, n.ºs 1 e 4, 61.º, 62.º, 65.º, 82.º, n.ºs 1 e 3, 90.º,93.º, da CRP 1976.

XXVI - Ao tratar de modo igual o que é diferente - a construção ex novo e a reconstrução, tal qual se alude no artigo 20.º, n.º l, alínea b), do RJREN -, a sentença incorreu em violação dos princípios da igualdade e da proibição de excesso, ex vi artigos 13.º e 18.º, n.ºs 2 e 3, da CRP 1976, bem como numa gravosa desprotecção do direito de propriedade e de habitação (e iniciativa privada) da Autora, ex vi artigos 1.º, 2.º, 9.º, alínea b), 18.º, n.ºs 2 e 3, 20.º, n.ºs 1 e 4, 61.º, 62.º, 65.º, 82.º, n.º 1 e 3, 90.º, 93.º, da CRP 1976.

XXVII - Deveria ter feito funcionar o regime excepcional, do artigo 20.º, n.ºs 2 e 3, e 23.º, do RJREN, tolerando-se e admitindo-se quer as obras de «reconstrução» quer de construção ex novo, já que ligadas aqueloutras, que são insusceptíveis para causar qualquer tipo de dano urbanístico ou ecológico protegido pelas normas do RJREN.

XXVIII - Implica a inconstitucionalidade material de tal regime jurídico por violação dos princípios do Estado de Direito democrático, na vertente da segurança e confiança jurídica, bem como essoutros da igualdade, proibição de excesso, direito à propriedade, habitação em ambiente sadio e ecologicamente equilibrado - ex vi artigos 1.º, 2.º, 9.º, alínea b), 13.º, 18.º, n.ºs 2 e 3, 61.º, 62.º, 64.º, 66.º da CRP 1976.”.

Pede a procedência do recurso e reconhecer-se à Recorrente o direito à reconstrução da sua habitação e dos anexos e não se promover a demolição.


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A ora Recorrida, Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve, notificada da admissão do recurso, apresentou contra-alegações, mas sem formular conclusões.

Pede que se mantenha a decisão recorrida.


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O Recorrido, Município de Portimão, veio contra-alegar o recurso interposto pela Autora, tendo formulado as seguintes conclusões:

“A. Não é verdade que os factos provados não tenham sido identificados, tendo estes sido elencados devidamente com recurso aos documentos juntos aos autos como meio de prova, e que foram integralmente dados como provados pelo douto Tribunal a quo.

B. Não se vislumbra como poderia a douta sentença ter sido mais rigorosa na enumeração dos factos considerados provados quando inclusivamente transpõe os próprios documentos de onde resulta a matéria de facto provada, sendo certo que a factualidade em apreço nos autos resultava precisamente do conteúdo dos pareceres e restante documentação tramitada administrativamente.

C. Por fim, quanto aos factos não provados, e atenta a base documental que fortemente sustenta a matéria de facto provada, conclui-se que a douta sentença procedeu de acordo com o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça num acórdão recente de 22-09-2016, uma vez que, dada a exaustiva enumeração dos factos considerados provados e o facto de os mesmos assentarem precisamente em prova documental, encontram-se preenchidos os pressupostos para concluir que o Tribunal a quo tomou uma posição clara e perfeitamente inteligível sobre os factos essenciais em apreço, não se encontrando, por isso, a douta sentença ferida de qualquer vício de anulabilidade.

D. Ademais, a Recorrente também não esclarece que provas concretas são essas a que se refere e que alegadamente não foram tidas em consideração pelo douto Tribunal a quo, pelo que a mera invocação desses factos não permite sequer ponderar que tal possa de facto ter acontecido, pelo que igualmente não procede o alegado pela Recorrente nesta matéria.

E. Por outro lado, quanto a que deveria ter sido aplicado o regime excepcional do artigo 20.º, n.º 2 e 3 do RJREN uma vez que, segundo a mesma, se "pretender a reconstrução de um prédio urbano já existente", pelo que não faria parte do âmbito proibitivo da norma, da leitura da "Memória Descritiva e Justificativa" descrita da douta sentença recorrida resulta de modo flagrante que aquilo que verdadeiramente estava em causa ia bem para além da mera "reconstrução",

F. Pelo que procedeu correctamente o douto Tribunal a quo ao aplicar o regime do artigo 20.º, n.º 1 do RJREN, porquanto estamos, sem margem para dúvidas, perante uma verdadeira construção ex novo e não de uma mera reconstrução.

G. Assente o facto de que estamos perante uma construção ex novo e não uma mera reconstrução, como conviria à Recorrente, não procede o argumento último da mesma de que "Os artigos 20.º n.ºs 1, al b) e 2 e 3 do art.º 23.º do RJEREN, ao serem interpretados como não permitindo a reconstrução de uma habitação já existente, (...) afigura-se materialmente inconstitucional por violar os princípios do Estado de Direito Democrático, igualdade, proibição de excesso e protecção da propriedade e iniciativa privada", etc.

H. De facto, o "ius aedificandi" a que a Recorrente se refere, muito embora decorra do normal direito de propriedade, está sujeito a limites legais na sua aplicação, designadamente outros interesses e necessidades constitucionais, pelo que o seu exercício deverá ter sempre em atenção critérios de utilidade pública, como é exemplo a Reserva Ecológica Natural e a Reserva Agrícola Nacional.

I. Em suma, conclui-se que o direito de edificação de que a Recorrente se arroga não é irrestrito, devendo antes ser restringido sempre que possa comprometer preocupações como as supra descritas e a que foi dada consagração legal e constitucional , tendo decidido uma vez mais correctamente quanto a este concreto ponto da matéria de direito a douta sentença, pelo que será de manter de forma integral o que nela se conclui quanto à improcedência da presente acção administrativa, porquanto procedeu à adequada aplicação do direito e rigorosa ponderação da prova nos autos produzida.”.

Pede a improcedência do recurso interposto pela Recorrente.


*

Notificado o Ministério Público, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso e da confirmação da decisão recorrida.

Alega que resulta dos autos que o prédio da Autora se integra em REN e, totalmente, na “Faixa de Proteção das Áreas de Sapal”.

A pretensão de legalização da ampliação da habitação pré-existente e anexos de apoio é muito diferente de pretender realizar uma construção de apoio à agricultura.

Sustenta que a própria Autora assumiu que realizou obras de ampliação e de construção relativamente ao edificado.

Assim, a decisão a proferir não podia ser outra, devendo manter-se sentença recorrida.


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Notificada a Recorrente, veio pronunciar-se sobre o parecer emitido, concluindo pela improcedência das razões esgrimidas no parecer e que seja julgado o recurso procedente.

*

O processo vai, com vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

Segundo as conclusões do recurso, as questões suscitadas pelo Recorrente, resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de:

1. Erro de julgamento, por violação do artigo 94.º, n.ºs 3 e 4.º do CPTA no respeitante à exposição dos fundamentos, por dever discriminar os factos provados e não provados;

2. Erro de julgamento no tocante a falar-se em construção, dando a ideia de estar em causa uma construção nova, quando está em causa uma reconstrução;

3. Erro de julgamento no tocante à fundamentação da decisão judicial e administrativa, segundo os artigos 205.º, n.º 1 e 268.º, n.º 3, da CRP;

4. Erro de julgamento, por contradição dos fundamentos da sentença e ser incompatível com os preceitos legais em matéria de direito de propriedade de ius aedificandi;

5. Erro de julgamento, por violação do artigo 20.º, n.º 1, b) do RJREN, por a situação não se subsumir ao âmbito de proteção proibitivo da norma, devendo aplicar-se o regime excecional do artigo 20.º, n.ºs 2 e 3 e 23.º, do RJREN, tolerando-se e admitindo-se as obras de reconstrução e de construção novas, por ligadas àquelas;

6. Erro de julgamento, em violação do artigo 639.º, n.º 1, a) do CPC;

7. Erro de julgamento, por violação dos artigos 35.º a 41.º do CPA;

8. Erro de julgamento, no que se refere ao direito de audiência prévia, em violação do artigo 268.º, n.º 1 da CRP;

9. Erro de julgamento, porque a interpretação dos artigos 20.º, n.º 1, b), 2 e 3 do RJREN no sentido de não permitir a reconstrução de uma habitação existente, ser materialmente inconstitucional, por violar os princípios do Estado de Direito Democrático, igualdade, proibição de excesso e direito à propriedade e iniciativa privada, habitação em ambiente sadio e ecologicamente equilibrado e tutela jurisdicional efetiva, segundo os artigos 1.º, 2.º, 9.º, b), 13.º, 18.º, n.ºs 2 e 3, 20.º, n.ºs 1 e 4, 61.º, 62.º, 64.º, 65.º, 66.º, 82.º, n.ºs 1 e 3, 90.º e 93, da CRP.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

A) A Autora é proprietária do prédio misto, denominado por Vau, situado na Mexilhoeira Grande, com a área total de 6.600m2 (cfr doc nº 1);

B) Em 2002.06.25, a Autora solicitou ao Município de Portimão, o seguinte:


«imagem no original»


(cfr fls 107 do processo administrativo);

C) Em 2004.02.11, a Autora solicitou ao Município de Portimão, a licença administrativa de legalização, nestes termos:


«imagem no original»

(cfr fls não numeradas do processo administrativo);

D) Por ofício de 2007.03.06, o Município de Portimão informou o, então, mandatário da Autora, do seguinte:


«imagem no original»

(cfr fls não numeradas do processo administrativo);

E) Em 2007.08.02, a Autora, através do, então, mandatário, requereu ao Município de Portimão, o seguinte:


«imagem no original»

(cfr fls não numeradas do processo administrativo);

F) A Entidade Demandada, Município de Portimão, na sequência do requerido pela Autora em E), pelo ofício de 2009.04.13, informou o seguinte:


«imagens no original»

(cfr fls não numeradas do processo administrativo);

G) Em 2010.06.02, a Autora por intermédio da sua mandatária, requereu à CCDR Algarve, o “Pedido de Parecer prévio de legalização das edificações existentes destinadas a habitação e apoio agrícola no Sítio do Vau – Quinta do Paraíso Mexilhoeira Grande Portimão” (cfr fls 6 e 12 do processo administrativo);

H) A CCDR Algarve respondeu ao referido em G) à Autora (cfr fls 13 do processo administrativo);

I) Em 2012.10.01, a Autora requereu junto da CCDR Algarve “parecer favorável (…) quanto à localização, legalização das edificações cujas as obras de alteração e ampliação foram efectuadas há muito tempo” (cfr doc nº 2 da petição inicial e fls não numeradas do processo administrativo);

J) Na ‘Memória Descritiva e Justificativa’ anexa ao pedido referido em I) consta designadamente o seguinte: “O terreno em questão, onde estão inseridas as construções a legalizar, encontra-se localizado na Faixa de Proteção das áreas de Sapal (Planta de REN – PDM de Portimão). Nas novas categorias de áreas integradas na REN, localiza-se em Áreas de Protecção do Litoral – águas de transição e respectivos leitos, margens e faixas de protecção” (cfr fls não numeradas do processo administrativo);

K) Na Acta de 2013.02.22, consta o seguinte:


«imagem no original»

(cfr fls 152 do processo administrativo);

L) Pelo ofício de 2013.06.13, a CCDR Algarve notificou a mandatária da Autora, da Informação dos Serviços de 2013.06.06 e respectivo despacho de 2013.07.07, nestes termos:


«imagem no original»


(cfr fls não numeradas do processo administrativo);

M) Pelo ofício de 2013.06.13, a CCDR Algarve informou o Município de Portimão “do parecer destes Serviços, conforme Informação nº …………-INF-ORD, de 06.06.2013, pronúncia dos Srs. DSOT e CDOTCNVP e respectivo despacho” (cfr fls 161 a 163 do processo administrativo);

N) Em 2013.11.07, a CCDR Algarve pronunciou-se nestes termos:


«imagens no original»


(cfr fls 167 a 170 do processo administrativo);

O) No ofício de 2013.10.25 da Entidade Demandada, Município de Portimão, e recepcionado pela mandatária da Autora, em 2013.10.29, consta o seguinte:


«imagens no original»

(cfr fls 165 e 166 do processo administrativo):

P) Na sequência do referido em M), em 2013.11.14, a CCDR Algarve, decidiu que se torna “definitiva a decisão de rejeição da comunicação prévia, com os fundamentos dos pareceres dos Srs. DSOT e CDOTCNVP, de 06.11.2013, exarados sobre a informação em referência, os quais devem ser integralmente transmitidos à sociedade requerente” (cfr doc nº 8 junto com a petição inicial).”.

DE DIREITO

Considerada a factualidade fixada, importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional, segundo uma ordem lógica e prioritária de conhecimento, considerando as múltiplas questões colocadas como fundamento do recurso.

1. Erro de julgamento, por violação do artigo 94.º, n.ºs 3 e 4.º do CPTA no respeitante à exposição dos fundamentos, por a sentença dever discriminar os factos provados e não provados

Começa a Recorrente por pôr em causa a sentença recorrida, com base na violação do artigo 94.º, n.ºs 3 e 4.º do CPTA no respeitante à exposição dos fundamentos, por dever discriminar os factos provados e não provados.

Vejamos.

Extrai-se do disposto no artigo 94.º, n.º 3 do CPTA que na exposição dos fundamentos, a sentença deve discriminar os factos que julga provados e não provados, analisando criticamente as provas.

O n.º 4 do citado artigo 94.º do CPTA estabelece que o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.

Compulsando o julgamento de facto da sentença recorrida dela decorre o julgamento dos factos provados e a sua respetiva fundamentação, sem que conste qualquer facto não provado.

Analisando a sentença sob recurso e nos termos antecedentes, referentes ao seu respetivo julgamento de facto, extrai-se que a sentença procedeu à enunciação dos factos julgados provados, com indicação da sua respetiva fundamentação no meio probatório pertinente, mas não julgou quaisquer factos como não provados, não enunciando os factos que considerou como não provados.

Resulta da sentença recorrida que o julgamento de facto assenta na prova documental produzida, decorrente dos documentos apresentados pelas partes e aqueles que integram o processo administrativo.

Não foi aberta a fase de instrução da causa, para a produção de qualquer meio de prova na audiência final, pelo que, a esta não houve lugar, baseando-se o julgamento da matéria de facto exclusivamente na prova documental.

Por outro lado, não resulta da sentença sob recurso o juízo de não prova de qualquer facto, por nenhum facto ter sido considerado não provado.

O que acarreta que o Tribunal a quo entendeu que da factualidade relevante para a decisão proferir nenhum facto seria de julgar como não provado.

A Recorrente não põe em crise este julgamento, antes se limitando a invocar a violação do disposto na lei acerca das prescrições do legal formalismo da sentença, mas sem razão.

Aferindo-se que não foi realizada audiência final, por ter sido entendido não existir matéria de facto controvertida que, por isso, carecesse de prova, não tendo produzido qualquer meio de prova, para além da prova documental, não se mostra exigível a enunciação dos factos não provados, se os mesmos não existem.

Reafirma-se que a Recorrente não põe em crise o julgamento de facto, mas apenas o legal formalismo da sentença, que se mostra respeitado, não incorrendo na violação do disposto no artigo 94.º, n.ºs 3 e 4.º do CPTA, no respeitante à exposição dos fundamentos, por apenas dever discriminar os factos não provados no caso de existirem.

Temos em que improcede, por não provado, o fundamento do recurso.

2. Erro de julgamento no tocante a falar-se em construção, dando a ideia de estar em causa uma construção nova, quando está em causa uma reconstrução

Sustenta a Recorrente o erro de julgamento da sentença recorrida com o fundamento de na mesma se falar em construção e não em reconstrução, relativamente a parte do prédio urbano, já existente e anterior a 1951, dando a ideia errada que a Autora procedeu ex novo à construção de um prédio urbano inexistente, sendo produzida prova de que não está em causa uma construção ex novo, mas de uma reconstrução que já existia.

Sem razão.

O julgamento da questão de direito tem de assentar no julgamento da matéria de facto, o qual não se mostra impugnado no presente recurso.

Por isso, relevam os factos apurados em juízo, por ser com base neles que delimitam os normativos de direito aplicáveis.

Mostra-se relevante a factualidade que decorre da alínea L) do julgamento da matéria de facto, relativa à Informação datada de 06/06/2013, da CCDR Algarve, nos termos do qual a pretensão urbanística requerida consiste na legalização da ampliação da habitação existente (Edifício C), que passou para a área de implantação de 91,15 m2 e a construção de três anexos, sendo o Anexo A, com a área de 76,90 m2, o Anexo B, com a área de 42,20 m2 e o Anexo C, com a área de 34,60, com 34,60, cada um edificado com as finalidades aí descritas, passando o prédio a ter uma área de implantação de 244,85 m2.

Resulta da citada informação quer a “ampliação de habitação existente”, quer “a construção de habitação”, referindo-se à interdição de “novas ocupações de solos”, como decorre da construção dos citados três anexos.

O que basta para concluir pela improcedência do fundamento do recurso, não assistindo qualquer razão à Recorrente quanto ao invocado erro de julgamento, por além da ampliação da construção existente, existir ainda a construção nova de três anexos.

Termos em que, improcede, por não provado o erro de julgamento da sentença.

3. Erro de julgamento no tocante à fundamentação da decisão judicial e administrativa, segundo os artigos 205.º, n.º 1 e 268.º, n.º 3, da CRP

Na conclusão V do recurso alega a Recorrente como fundamento do recurso a falta de fundamentação de facto e de direito, quer da decisão administrativa, quer da decisão judicial, invocando os artigos 205.º, n.º 1 e 268.º, n.º 3, da CRP.

O que traduz que a Recorrente invoca fundamentos muito distintos na mesma conclusão, já que a decisão administrativa impugnada não se confunde com a sentença recorrida.

O objeto do presente recurso é a sentença recorrida e não o ato impugnado.

Por isso, a censura que há-de ser dirigida no presente recurso tem por objeto a sentença, enquanto decisão judicial e não o ato administrativo, enquanto decisão administrativa.

Isso mesmo decorre do disposto nos artigos 140.º, n.º 1, 142.º, 144.º, n.º 2, 145.º e 146.º, n.º 4, todos do CPTA.

Por isso, estão em causa, não um, mas dois fundamentos distintos do recurso.

No processo civil e no processo administrativo, a falta de fundamentos da sentença reconduz-se a fundamento de nulidade decisória, nos termos previstos no artigo 615.º, n.º 1, b) do CPC, aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA.

Porém, a Recorrente não alega a nulidade da sentença, não reconduzindo a sua alegada falta de fundamentação a causa de nulidade, não a invocando, nem tão pouco se referindo ao disposto no citado artigo 615.º, n.º 1, b) do CPC.

Para além de que, nos termos antes analisados, resulta ter a sentença recorrida procedido ao julgamento da matéria de facto, julgando provados os factos relevantes para a decisão a proferir, não se mostrando exigível a enunciação dos factos não provados, por os mesmos não existirem.

No demais, não concretiza a Recorrente em que medida incorre a sentença recorrida em falta de fundamentação de direito.

Donde, improceder, por não provada a falta de fundamentação de facto e de direito da sentença recorrida.

Pelo que, não tem a Recorrente razão quanto à falta de fundamentação da sentença recorrida.

No que respeita à falta de fundamentação da decisão administrativa, tal alegação não importa, de per si, fundamento que haja sido dirigido contra a sentença recorrida, enquanto objeto do presente recurso.

Donde, apenas no âmbito do eventual erro de julgamento de direito a respeito da questão do cumprimento do dever de fundamentação do ato administrativo tal questão poder ser apreciada, desde que tal questão tenha sido conhecida na sentença recorrida.

Compulsada a sentença recorrida denota-se o conhecimento de tal questão sob o ponto vi) da fundamentação de direito, pelo que está este Tribunal de recurso habilitado a reapreciar a decisão quanto a tal questão.

Porém, analisado o teor da sentença recorrida é patente a correção do respetivo julgamento de direito a respeito da improcedência do vício de falta de fundamentação do ato impugnado, nos termos em que ora se transcreve:

Em primeiro lugar, há que atentar que de acordo com as alíneas D) e F) do Probatório, o Município de Portimão, foi fundamentando de forma extensa e clara, a motivação do seu juízo quanto ao pretendido pela Autora, sendo que na alínea O) se enuncia o despacho de 2013.10.24 que, finalmente, determinou a demolição em conformidade.

Sucede que este acto se suportou, como é evidente, em todos os pareceres e informações que o antecederam como denota o processo administrativo, sendo apreendida a respectiva fundamentação em cumprimento, aliás, de directiva constitucional decorrente do nº 3 do artº 268º da CRP no qual se consagra o dever de uma fundamentação expressa e acessível.

Em segundo lugar, no que toca ao acto da CCDR Algarve, as alíneas H), L), M) e N) demonstram quão profícua foi a fundamentação adoptada para sustentar a rejeição da comunicação prévia, assumida na alínea M) em 2013.11.14 tornando “definitiva a decisão de rejeição da comunicação prévia, com os fundamentos dos pareceres dos Srs. DSOT e CDOTCNVP, de 06.11.2013, exarados sobre a informação em referência, os quais devem ser integralmente transmitidos à sociedade requerente”.

Entende-se que os actos sindicados não padecem, assim, de falta de fundamentação, em virtude de terem permitido à sua destinatária – a Autora – “a reconstituição do iter cognoscitivo e valorativo” dos órgãos decisores, para que se perceba os motivos que o levaram a decidir como decidiu – “um acto estará devidamente fundamentado sempre que um destinatário normal possa ficar ciente do sentido dessa mesma decisão e das razões que a sustentam, permitindo-lhe apreender o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pela entidade administrativa, e optar conscientemente entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação” – cfr Acórdão do STA de 2010.12.02, Processo nº 0554/10 in www.dgsi.pt.”.

Pelo que, também não assiste razão à Recorrente ao invocar o erro de julgamento da sentença recorrida a respeito da falta de fundamentação do ato impugnado, por o mesmo se apresentar suficientemente fundamentado.

Termos em que, com base nas razões antecedentes, improcedem, por não provados, ambos os fundamentos do recurso, aferindo-se quer a fundamentação da sentença recorrida, quer a fundamentação do ato impugnado.

4. Erro de julgamento, por contradição dos fundamentos da sentença e ser incompatível com os preceitos legais em matéria de direito de propriedade e do ius aedificandi

Sustenta a Recorrente que a sentença incorre em contradição dos seus fundamentos sobre a matéria do direito de propriedade e do ius aedificandi, sendo incompatível com os preceitos vigentes, sem existir qualquer referência aos artigos 1302.º a 1305.º do CC.

Alega que não se proíbe a reconstrução, por se aludir a urbanização, construção e ampliação.

Mas total e manifestamente sem razão, por não incorrer a sentença sob recurso de qualquer contradição entre os seus respetivos fundamentos de direito, nem entre estes e o respetivo julgamento de facto, nem se mostrar contrária ao disposto nos artigos 1302.º a 1305.º do CC, no que respeita à regulação do direito de propriedade.

A Recorrente confunde a esfera de atuação da Entidade Demandada, em matéria de vinculações aplicáveis ao ius aedificandi, com as prescrições do direito de propriedade previstas no Código Civil, quanto estão em causa matérias muito diferentes, reguladas por áreas do direito tão diferentes quanto o direito público e o direito privado, respetivamente.

O objeto e o conteúdo do direito de propriedade, regulados nos artigos 1302.º e 1305.º, do CC, ao preverem o gozo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas, não regulam as regras de uso e de disposição do solo, sendo estas antes reguladas por normas urbanísticas e de planeamento urbano.

Além de que, como há muito se mostra assumido, quer pela doutrina, quer pela jurisprudência, o ius aedificandi não integra o conteúdo do direito de propriedade.

Nos mesmos termos foi decidido na sentença sob recurso, nos seguintes termos:

A jurisprudência uniforme do STA, em consonância com a do Tribunal Constitucional, tem reiteradamente acentuado que o jus aedificandi não se inclui no direito de propriedade privada a que se refere o artº 62º da CRP, sendo antes “o resultado de uma atribuição jurídica decorrente do ordenamento jurídico urbanístico pelo qual é modelado, só podendo ser exercido se se contiver dentro dos limites de tal modelação e respeitar as restrições por ela impostas, pelo que a necessidade do licenciamento não afronta o direito de propriedade tal como está gizado na Constituição (art. 62º), devendo o direito de construir ser sempre exercido dentro dos condicionamentos urbanísticos legalmente estabelecidos, de molde a não serem afrontados outros direitos e deveres também constitucionalmente consagrados” – cfr Acórdão do STA, Processo nº 1316/02 de 2003.01.16 in www. dgsi.pt.

A rejeição da comunicação prévia pela CCDR Algarve por ser interdita a ampliação da habitação efectuada pela Autora e a construção ex-novo de três anexos no prédio de sua propriedade, bem como o acto de demolição determinado pelo Município de Portimão, “não afronta o direito de propriedade tal como está gizado na Constituição (art. 62º), devendo o direito de construir ser sempre exercido dentro dos condicionamentos urbanísticos legalmente estabelecidos, de molde a não serem afrontados outros direitos e deveres também constitucionalmente consagrados” – vide Acórdão do STA, Processo nº 0564/08 de 2009.09.30 in www. dgsi.pt.

“O direito de propriedade só tem natureza análoga aos direitos fundamentais, nos termos previstos no art. 62°, 1 da Constituição da República Portuguesa, enquanto categoria abstracta, entendido como direito à propriedade, ou seja, como susceptibilidade ou capacidade de aquisição de coisas e bens e à sua livre fruição e disponibilidade, e não como direito subjectivo de propriedade, isto é, como poder directo, imediato e exclusivo sobre concretos e determinados bens” – cfr Acórdão do STA, Processo nº 32.459 de 1996.07.02 in www.dgsi.pt.

Secundando o Acórdão do Pleno do STA, Processo nº 873/03 de 2007.03.06 in www.dgsi.pt., “no direito de propriedade constitucionalmente consagrado (art.º 62, n.º 1) não se tutela o jus aedificandi, um direito à edificação, como um elemento necessário e natural do direito fundiário. A constatação de que o jus aedificandi não integra o conteúdo essencial do direito de propriedade, constatação repetidamente afirmada pela jurisprudência deste Tribunal e do Tribunal Constitucional, tem-se como inquestionável. Com efeito, se assim não fosse, isto é, se esse direito integrasse o núcleo do direito de propriedade, qualquer cidadão poderia edificar o que quisesse, como quisesse, quando quisesse bastando que o fizesse em parcela sua, o que não seria aceitável nos padrões civilizacionais actuais. O que a consagração constitucional do direito de propriedade visa é, por contraposição aos sistemas políticos em que essa propriedade inexiste, afirmar que é garantido aos cidadãos, a todos os cidadãos, o acesso à apropriação privada de quaisquer bens móveis e imóveis (nem todos, pois alguns há que são insusceptíveis de apropriação privada). Todavia, como é sabido, qualquer direito com protecção constitucional pode ser comprimido (observe-se que a primeira restrição consta do próprio n.º 1, pois a protecção é concedida nos termos da Constituição, e também do n.º 2 que logo prevê a requisição e a expropriação) e essa compressão impõe-se pelo facto de vivermos em comunidade e de termos de fazer a compatibilização dos direitos individuais de todos os sujeitos que a integram. A utilização irrestrita dos direitos individuais inviabilizaria a vida em sociedade como hoje a conhecemos”.

No sentido de que o “jus aedificandi não possui tutela directa no direito (constitucional) de propriedade” podem ver-se, entre outros, os Acórdãos do Tribunal Constitucional de 1988.06.01 no Processo nº 88-0013, de 1987.11.18 no Processo nº 87-0010, de 1994.04.13 no Processo 93-0002, de 1986.12.10 no Processo 84-0111, de 988.06.29 no Processo 88-0003 e de 1993.10.28 no Processo 92-0397, todos inwww.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/.

O jus aedificandi não se incluindo no direito de propriedade privada, a que se refere o artº 62 da CRP, é antes o resultado de uma atribuição jurídica decorrente do ordenamento jurídico urbanístico pelo qual é modelado, só pode ser exercido se se contiver dentro dos limites de tal modelação e respeitar as restrições por ela impostas, que em nada contende com a matéria relativa à iniciativa económica privada e ao seu livre exercício, consagrado no supra mencionado normativo constitucional e nos Acórdãos do STA 2005.01.11 no Processo nº 560/04, de 2004.05.18, no Processo nº 167/05, de 2006.03.14 no Processo nº 762/05, de 2005.12.14 no Processo nº 807/05, de 2005.12.14 no Processo nº 883/03 e de 2005.10.19 no Processo nº 767/05, todos, in www.dgsi.pt.

Gomes Canotilho e Vital Moreira in Constituição da República Portuguesa Anotada, 3 edição, 1993 referem que “a Constituição não menciona expressamente, entre as componentes do direito de propriedade, a liberdade de uso e fruição” e “mesmo que se entenda que ela integra naturalmente o direito de propriedade, fácil é verificar que são grandes os limites constitucionais, especialmente em matéria de meios de produção, que vão desde o dever de uso (art. 88º) até ao seu condicionamento (art. 93º, nº 2), podendo a lei estabelecer restrições maiores ou menores, credenciadas nos princípios gerais da Constituição, particularmente da constituição económica”. Adiantam, ainda, que “limites particularmente intensos a este aspecto do direito de propriedade são os que ocorrem no domínio urbanístico e do ordenamento do Território, a ponto de se questionar se o direito de propriedade inclui o direito de construir - jus aedificandi - ou se este radica antes no acto administrativo autorizativo (licença de construção)”.

Na mesma linha de pensamento considera Alves Correia in Estudos de Direito do Urbanismo, Almedina, 1997, pp 51 e 52 e in o Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, Coimbra, 1990, pp 372 a 383 que “o jus aedificandi (mais propriamente ainda, o direito de urbanizar, lotear e edificar) não se inclui no direito de propriedade privada, sendo antes o resultado de uma atribuição jurídico-publica decorrente do ordenamento jurídico urbanístico, designadamente dos planos” ou seja, “um poder que acresce a esfera jurídica do proprietário, nos termos e nas condições definidas pelas normas jurídico- urbanísticas”.

Verifica-se que tendo sido rejeitado pela CCDR Algarve, o pedido de comunicação prévia que nos ocupa por contender com a legislação REN em vigor, e tendo sido dada ordem de demolição pelo Município de Portimão das obras levadas a cabo pela Autora no seu prédio, não se entende violado o conteúdo essencial do direito de propriedade.”.

Por isso, as prescrições acerca do que se pode construir ou não construir, porque respeitantes ao uso e disposição do solo, dizendo respeito à matéria de planeamento urbanístico, não estão previstas, nem reguladas pelas disposições dos artigos 1302.º a 1305.º, do CC, invocadas pela Recorrente.

Assim, carece totalmente de razão a alegação da Recorrente de que todo o direito de propriedade sobre bem imóvel, implica o reconhecimento do ius aedificandi, por este antes dever obediência às regras vinculísticas de planeamento urbano, que disciplinam, em cada caso, o que se pode construir, com que área e para que fim, não se extraindo o direito de propriedade, com consagração na Constituição (artigo 62.º) e na lei (artigo 1302.º e segs. do CC), o direito a construir.

O que acarreta a improcedência do fundamento do recurso, por não provado.

5. Erro de julgamento, por violação do artigo 20.º, n.º 1, b) do RJREN, por a situação não se subsumir ao âmbito de proteção proibitivo da norma, devendo aplicar-se o regime excecional do artigo 20.º, n.ºs 2 e 3 e 23.º, do RJREN, tolerando-se e admitindo-se as obras de reconstrução e de construção novas, por ligadas àquelas

Com o presente fundamento do recurso, vem a Recorrente assacar o erro de julgamento da sentença recorrida, com a alegada violação do artigo 20.º, n.º 1, b) do RJREN, por a situação não se subsumir ao âmbito de proteção da norma, devendo aplicar-se o regime excecional do artigo 20.º, n.ºs 2 e 3 e 23.º, do RJREN, tolerando-se e admitindo-se as obras de reconstrução e de construção novas, por ligadas àquelas.

Vejamos.

Vem, mais uma vez, a Recorrente com o presente fundamento do recurso olvidar a matéria de facto que resulta do respetivo julgamento de facto da sentença recorrida ao sustentar estar em causa uma reconstrução e, por esse motivo, a edificação levada a efeito estar fora do âmbito de proibição da norma.

Nos termos do julgamento de facto da sentença recorrida, segundo os factos provados nas alíneas L) e N), não está em causa qualquer reconstrução, mas antes a ampliação de uma edificação existente e ainda a construção nova de três anexos.

Encontra-se demonstrado que o prédio em questão é um prédio misto, que se encontra localizado em área “Espaços Agrícolas, de Fomento Agro-Florestal” segundo a Planta de Ordenamento do Plano Diretor Municipal (PDM) de Portimão, aprovada pela Resolução de Conselho de Ministros n.º 53/95, de 07/06, alterada por adaptação do Regulamento do PDM, através do Aviso n.º 21796/2008, de 12/08 e do Aviso n.º 14572/2010, de 22/06.

Além disso, o prédio em questão encontra-se ainda totalmente localizado na tipologia de “Faixa de Proteção das Áreas de Sapal”, segundo a carta da Reserva Ecológica Nacional (REN) em vigor para o concelho de Portimão, aprovada pela Resolução de Conselho de Ministros n.º 47/2000, de 07/06, que corresponde à nova categoria “Sapal”, de acordo com o disposto no ponto 1 do ofício n.º 1382, de 04/08/2010, do gabinete da Secretária de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades.

O Regime Jurídico da REN, aprovado pelo D.L. n.º 166/2008, de 22/08, com a alteração dada pelo D.L. n.º 239/2012, de 02/11, identifica no seu Anexo II, o conjunto de “usos e ações compatíveis com os objetivos de proteção ecológica e ambiental e de prevenção e redução de riscos naturais de áreas integradas na REN”.

A que acresce a Portaria n.º 419/2012, de 20/12, definir as condições para a sua viabilização, identificando no Anexo II, os usos e ações que carecem de parecer obrigatório e vinculativo da Agência Portuguesa do Ambiente I.P.

Tal como se extrai da Informação da CCDR Algarve, “A tipologia em presença constitui uma área de REN onde é interdita a ação de ampliação de habitação existente, bem como a construção de habitação e como consequência esta interdição abrange a construção de anexos de apoio, nos termos do artigo 20.º, não sendo possível proceder-se a novas ocupações de solos, conforme determinado no anexo II do Regime Jurídico da REN.

Importa ainda referir que na tipologia “Sapal” é inviável a construção ou ampliação de qualquer edificação tipificada no ponto I – “Obras de Construção, Alteração e Ampliação”. Neste contexto, apenas é possível a manutenção da habitação comprovadamente construída em data anterior a 1951, mediante declaração camarária, com a área correspondente (…)”.

Ora, considerando as concretas tipologias do prédio onde foram erigidas a ampliação da construção existente e as construções novas de três anexos, tem aplicação o disposto no artigo 20.º, n.º 1 do Regime Jurídico da REN, aprovado pelo D.L. n.º 166/2008, de 22/08, na redação dada pelo D.L. n.º 239/2012, de 02/11, nos termos do qual:

“1 - Nas áreas incluídas na REN são interditos os usos e as ações de iniciativa pública ou privada que se traduzam em:

a) Operações de loteamento;

b) Obras de urbanização, construção e ampliação;

c) Vias de comunicação;

d) Escavações e aterros;

e) Destruição do revestimento vegetal, não incluindo as ações necessárias ao normal e regular desenvolvimento das operações culturais de aproveitamento agrícola do solo e das operações correntes de condução e exploração dos espaços florestais.”.

Além de que não tem a ora Recorrente razão ao defender a aplicação do regime de exceção previsto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 20.º do citado Regime Jurídico da REN, em face do que se encontra comprovado na matéria de facto provada a respeito das finalidades dadas às construções novas, assim como quanto à ampliação do prédio existente.

Encontrando-se demonstrado que o Anexo A é destinado a garagem, arrumos, sala comum e instalações sanitárias; que o Anexo B é destinado a arrumos/jardinagem, biblioteca e instalação sanitária e que o Anexo D é destinado a adega, é patente que qualquer dessas construções novas têm usos que não são compatíveis com os objetivos de proteção ecológica e ambiental e de prevenção e redução de riscos naturais de áreas integradas em REN, nos termos previstos no artigo 20.º, n.º 2 do Regime Jurídico da REN.

O mesmo se diga em relação à construção de ampliação do edifício pré-existente, identificado como Edifício C, por também estar vedada a ampliação de construções.

Tem de defender-se que as construções edificadas pela Autora, ora Recorrente, não se integram no disposto nos n.ºs 2 e 3 do citado artigo 20.º do Regime Jurídico da REN, para poderem ser excecionadas da regra geral da sua proibição.

Nem a Recorrente logra invocar o preenchimento de qualquer das dimensões excecionadas de tais preceitos, antes se limitando a invocar o erro de erro de julgamento em relação ao disposto no artigo 20.º, n.º 1, b) do citado regime, ao defender que está em causa uma mera reconstrução, quando tal é totalmente contrariado pela factualidade constante do julgamento da matéria de facto.

O que implica que a Recorrente assenta o fundamento do recurso em análise em pressupostos de facto que não resultam do elenco dos factos provados.

A Recorrente limita-se a invocar a aplicação das normas dos n.ºs 2 e 3 do artigo 20.º do Regime Jurídico da REN, sem proceder à demonstração dos seus respetivos âmbitos normativos no caso em apreço.

Assim, ao contrário do alegado, procedeu a sentença recorrida a um correto julgamento da questão, razão por que, será de improceder, por não provado, o fundamento do recurso.

6. Erro de julgamento, em violação do artigo 639.º, n.º 1, a) do CPC

Acresce invocar a Recorrente que a Administração Tributária tem vindo a tributar a Autora, implicando que se deva extrair que o Estado português reconhece o direito de propriedade com a amplitude requerida pela Autora, o que acarreta que a sentença recorrida tenha violado o artigo 639.º, n.º 1, a) do NCPC.

Vejamos.

Em primeiro lugar não se compreende a invocação da violação pela sentença recorrida do disposto no artigo 639.º, n.º 1, a) do CPC, visto a norma do artigo 639.º do CPC dizer respeito ao ónus de alegar e de formular conclusões no recurso.

Em segundo lugar confunde a Recorrente a situação urbanística do prédio, com a sua situação tributária.

A tributação patrimonial a existir ocorre no contexto de uma outra relação jurídica (tributária), que nada tem que ver com a relação jurídica (administrativa) estabelecida com o Município em que se localiza o prédio, visto ser este a única entidade com competência para decidir sobre a pretensão urbanística requerida pela Autora.

Essa tributação existe porque uma construção foi erigida no prédio e dela são retirados benefícios e utilidades para a sua respetiva proprietária, o que não releva em sede de reconhecimento do direito a edificar, como alegadamente pretende a Recorrente.

Além de que, é a Administração tributária, integrada da Administração Central do Estado entidade jurídica diferente do Município de Portimão, integrado na Administração Local.

Donde, sem mais, improcede o fundamento do recurso.

7. Erro de julgamento, por violação dos artigos 35.º a 41.º do CPA

No entender da Recorrente a sentença recorrida incorre na violação dos artigos 35.º a 41.º do CPA, no que se refere à delegação de poderes.

Considerando a data da prática do ato impugnado, tem aplicação o primitivo CPA, aprovado pelo D.L. n.º 442/91, de 15/11, na alteração conferida pelo D.L. n.º 6/96, de 31/01.

Novamente, não tem a Recorrente razão quanto ao sustentado, decorrendo da sua alegação confundir o autor da prática do ato, com o subscritor do ofício da sua notificação.

Como se extrai do teor da alínea O) do julgamento da matéria de facto o ato impugnado foi praticado pelo Vice-Presidente da Câmara Municipal de Portimão, J..............., sendo datado de 24/10/2013, o mesmo não se confundindo com o ofício da sua notificação, subscrito pelo Diretor de Departamento da Câmara Municipal de Portimão, A................, por delegação da Presidente da Câmara.

Por isso, consiste num erro de apreciação por parte da ora Recorrente associar o ato impugnado como sendo a sua notificação.

E do mesmo modo no tocante à decisão da CCDR Algarve como tendo sido pretensamente praticada pelo Diretor de Serviços de Ordenamento do Território, J..............., como consta da alínea L) do julgamento de facto.

O citado Diretor de Serviços J............... limitou-se a emitir, em 07/06/2013, o parecer de concordância com a informação e parecer emitidos pelos serviços e a propor a submissão à consideração superior, sendo a decisão proferida em 07/07/2013, pelo Presidente da CCDR Algarve, segundo o teor da alínea L) do julgamento de facto, confirmada segundo o que se dá como provado nas alíneas N) e P).

Neste sentido, baseia a Recorrente o fundamento do recurso em pressupostos de facto que de todo não se verificam.

O que determina, a improcedência do erro de julgamento invocado, por não provado.

8. Erro de julgamento, no que se refere ao direito de audiência prévia, em violação do artigo 268.º, n.º 1 da CRP

Segundo a Recorrente incorre ainda a sentença recorrida em erro de julgamento no tocante ao direito de audiência prévia em relação à decisão do Município de Portimão, em violação do artigo 268.º, n.º 1 da CRP.

Vejamos.

Decorre do ofício datado de 25/10/2013, dado como provado na alínea O) do julgamento da matéria de facto que a interessada, ora Recorrente foi notificada para no prazo de 30 dias proceder à demolição da construção e ainda, podendo pronunciar-se sobre o que tiver por conveniente no prazo de 15 dias, nos termos do artigo 106.º, n.º 3 do D.L. n.º 555/99, de 16/12, na redação aplicável.

Respeita o citado preceito à matéria da “Demolição da obra e reposição do terreno”, prevendo que o presidente da câmara municipal pode, quando for caso disso, ordenar a demolição total ou parcial da obra ou a reposição do terreno nas condições em que se encontrava antes da data de início das obras ou trabalhos, fixando um prazo para o efeito (n.º 1) e que essa ordem de demolição ou de reposição é antecedida de audição do interessado, que dispõe de 15 dias a contar da data da sua notificação para se pronunciar sobre o conteúdo da mesma (n.º 3).

O que significa que a Entidade Demandada, ora Recorrida, entendeu notificar a interessada para se pronunciar em audiência prévia sobre a decisão de demolição, podendo a interessada pronunciar.se no prazo de 15 dias, contados da receção da notificação.

No caso de não exercer esse direito, a decisão administrativa torna-se definitiva.

O que implica não assistir razão à ora Recorrente ao invocar ter sido preterido o direito de audiência prévia, por se encontrar efetivamente demonstrado ter sido esse direito acautelado pela Administração.

Nem se vê em que medida o teor do ofício notificado à interessada possa pôr em causa as prescrições normativas do direito de audiência prévia, como se mostra alegado.

A interessada foi formalmente notificada para exercer direito, sob a indicação das respetivas razões da decisão administrativa e a estipulação do prazo em que deveria exercer o direito de pronúncia, pelo que, foi assegurado o exercício do respetivo direito pela interessada.

Nem se mostra concretizada no presente recurso qual a dimensão do direito de audiência prévia que a Recorrente considera ter sido infringido pela Administração, ora Recorrida.

Termos em que, considerando a factualidade provada nos autos, é de julgar improcedente, por não provado o fundamento do recurso.

9. Erro de julgamento, porque a interpretação dos artigos 20.º, n.º 1, b), 2 e 3 do RJREN no sentido de não permitir a reconstrução de uma habitação existente, ser materialmente inconstitucional, por violar os princípios do Estado de Direito Democrático, igualdade, proibição de excesso e direito à propriedade e iniciativa privada, habitação em ambiente sadio e ecologicamente equilibrado e tutela jurisdicional efetiva, segundo os artigos 1.º, 2.º, 9.º, b), 13.º, 18.º, n.ºs 2 e 3, 20.º, n.ºs 1 e 4, 61.º, 62.º, 64.º, 65.º, 66.º, 82.º, n.ºs 1 e 3, 90.º e 93, da CRP

Por último vem a Recorrente invocar a inconstitucionalidade da interpretação sufragada na sentença recorrida acerca da legalidade da decisão impugnada.

Sob o pretexto de a interpretação dos artigos 20.º, n.º 1, b), 2 e 3 do RJREN no sentido de não permitir a reconstrução de uma habitação existente, ser materialmente inconstitucional, por violar os princípios do Estado de Direito Democrático, igualdade, proibição de excesso e direito à propriedade e iniciativa privada, habitação em ambiente sadio e ecologicamente equilibrado e tutela jurisdicional efetiva, segundo os artigos 1.º, 2.º, 9.º, b), 13.º, 18.º, n.ºs 2 e 3, 20.º, n.ºs 1 e 4, 61.º, 62.º, 64.º, 65.º, 66.º, 82.º, n.ºs 1 e 3, 90.º e 93, da CRP, pretende a Recorrente que este Tribunal de recurso decida pelo erro de julgamento da sentença recorrida.

De imediato se impõe dizer ser manifesta a falta de razão que assiste à ora Recorrente, apenas se compreendendo a alegação do fundamento do recurso como a última tentativa de evitar a manutenção do ato administrativo que determina a demolição do edificado ilegalmente, porque sem ter sido antecedido da necessária licença municipal de construção, nem se mostrar viável a sua legalização.

Nos termos que se extraem do julgamento da matéria de facto, a ora Recorrente procedeu à edificação de construção nova e à ampliação de construção existente sem estar habilitada com o respetivo título, não tendo requerido o licenciamento ou a autorização da construção, pelo que, não é titular de qualquer direito à construção.

Depois de edificar obras sem licença municipal, em zona para tal interdita à construção, tal como resulta dos termos anteriormente analisados e decididos, a interessada veio requerer a legalização das referidas construções, invocando o decurso do tempo decorrido.

Em resultado do período de tempo entretanto decorrido desde a data da construção, pretendia a interessada beneficiar da infração cometida.

Como decorrem dos termos antes decididos, as normas urbanísticas aplicáveis qualificam o solo em causa como estando interdito à construção, nos termos previstos no artigo 20.º, n.º 1 do Regime Jurídico da REN, sem que o mesmo se traduza na situação do caso em apreço em qualquer violação dos princípios fundamentais de direito invocados pela Recorrente, do Estado de Direito Democrático, da igualdade, da proibição de excesso e do direito à propriedade e iniciativa privada, da habitação em ambiente sadio e ecologicamente equilibrado e da tutela jurisdicional efetiva, segundo os artigos 1.º, 2.º, 9.º, b), 13.º, 18.º, n.ºs 2 e 3, 20.º, n.ºs 1 e 4, 61.º, 62.º, 64.º, 65.º, 66.º, 82.º, n.ºs 1 e 3, 90.º e 93, da CRP.

De resto, não concretiza a Recorrente os fundamentos porque considera terem sido violados todos esses princípios fundamentais do ordenamento jurídico, seja na conclusão XXVI do recurso, seja no teor das respetivas alegações do recurso.

A Recorrente limita-se à mera invocação desses princípios, sem a substanciação mínima que determine a compreensão pelas razões da sua invocação.

Assim, traduzindo-se a decisão proferida na sentença recorrida na aplicação dos normativos ao caso em apreço, segundo as suas concretas particularidades de facto, aferindo-se a correção desse julgamento, quer de facto, quer de direito, por estar de acordo com as disposições legais aplicáveis, assim como, seguindo a doutrina e jurisprudência administrativa, em domínio sujeito a fortes vinculações administrativas, em que é reduzida a dimensão aplicativa dos princípios gerais de direito, é de entender pela improcedência do sustentado pela Recorrente.

Além de não constar do julgamento de facto qualquer matéria que permita conhecer da alegada violação do princípio da igualdade, também nada se mostra alegado que permita o conhecimento da violação do princípio da proibição de excesso.

Nem tão pouco se extraem quaisquer factos a respeito do princípio da habitação em ambiente sadio e ecologicamente equilibrado ou da necessidade dessa habitação, tanto mais por o prédio ser detido por uma pessoa coletiva e não por uma pessoa singular e se desconhecer, por não ter sido alegada e demostrada, qualquer necessidade habitacional.

Do mesmo modo que fica por compreender que dimensão do princípio do Estado de Direito Democrático e da tutela jurisdicional efetiva que a Recorrente considera ter sido violado pela sentença recorrida, por nada ser especificamente referido.

Além que, no respeitante ao direito de propriedade, nos termos antecedentemente decididos, o mesmo não integra o ius aedificandi, dele não decorrendo o direito a edificar.

Assim, por todo o exposto, improcede, por não provado, o fundamento do recurso, não incorrendo a sentença recorrida na violação das normas constitucionais e legais invocadas pela Recorrente, não adotando interpretação inconstitucional dos princípios enunciados no presente recurso.


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Em consequência, será de negar provimento ao recurso, por não provados os seus fundamentos, mantendo-se a sentença recorrida na ordem jurídica.

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Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. A sentença que não procede à enunciação dos factos não provados no julgamento da matéria de facto, quando não se procedeu à abertura da fase de instrução da causa, não se tendo realizado audiência final e o julgamento de facto assentar unicamente na prova documental apresentada pelas partes e constante do processo administrativo, sem que exista qualquer facto não provado com relevo para a decisão a proferir, não incorre na violação do artigo 94.º, n.ºs 3 e 4.º do CPTA.

II. Estando em causa a ampliação de uma construção existente e a construção de três construções novas, não está em causa uma “reconstrução”.

III. Integrando a fundamentação, quer de facto, quer de direito, a sentença recorrida não enferma de falta de fundamentação, nos termos do artigo 205.º, n.º 1 da CRP.

IV. A sentença recorrida não incorre em erro de julgamento no tocante à questão do cumprimento do dever de fundamentação do ato impugnado, se o mesmo permite compreender os seus respetivos fundamentos.

V. O direito de propriedade, tal como previsto nos artigos 1302.º a 1305.º do CC não integra o direito a edificar, nem a proibição de edificar à luz da norma urbanística e de uso e planeamento do solo, prevista no artigo 20.º, n.º 1, do Regime Jurídico da REN, colide com o direito de propriedade.

VI. A construção nova para finalidades de instalações sanitárias, biblioteca, arrumos, sala de estar e de adega e mesmo a ampliação da construção existente, não integram o disposto no artigo 20.º, n.º 2 e 3 do Regime Jurídico da REN, para se poderem considerar excecionadas da regra da proibição de construção prevista no n.º 1 do citado preceito legal.

VII. Não se confunde a autoria da prática da decisão, com a autoria do subscritor do ofício da sua notificação à interessada, de modo a entender ter existido violação das regras de delegação de poderes, previstas nos artigos 35.º a 41.º do CPA/91.

VIII. O ofício que notifica expressamente a interessada para exercer o direito de audiência prévia, nos termos do artigo 106.º, n.º 3 do RJUE, estipulando o prazo de 15 dias para o seu exercício, não se traduz na derrogação do disposto 268.º, n.º 1 da CRP.

IX. Não tem sustento defender que a interpretação do artigo 20.º, n.º 1, b), 2 e 3 do Regime Jurídico da REN, no sentido de não permitir a ampliação de uma construção existente e a construção nova de três anexos, para finalidades díspares, ser materialmente inconstitucional, por violar os princípios do Estado de Direito Democrático, igualdade, proibição de excesso e direito à propriedade e iniciativa privada, habitação em ambiente sadio e ecologicamente equilibrado e tutela jurisdicional efetiva, segundo os artigos 1.º, 2.º, 9.º, b), 13.º, 18.º, n.ºs 2 e 3, 20.º, n.ºs 1 e 4, 61.º, 62.º, 64.º, 65.º, 66.º, 82.º, n.ºs 1 e 3, 90.º e 93, da CRP.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, por não provados os seus fundamentos e em manter a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Registe e Notifique.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)


(Pedro Marchão Marques)


(Alda Nunes)