Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:713/13.7 BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:06/01/2023
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:IRS
AJUDAS DE CUSTO
REMUNERAÇÃO
Sumário:I - Em regra, os valores pagos a título de ajudas de custo, dado o caráter compensatório que lhes é reconhecido (compensação por despesas que o trabalhador é obrigado a suportar, designadamente por motivo de deslocações), não se integram no conceito de remuneração, para efeitos de IRS.
II - Cabe à AT demonstrar que as quantias declaradas como ajudas de custo constituem remuneração.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio recorrer da sentença proferida a 04.10.2018, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Almada, na qual foi julgada procedente a impugnação apresentada por C… e A… (doravante Recorridos ou Impugnantes), que teve por objeto a liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) atinente ao ano de 2008.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, a FP apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“1. Não concorda a Representação da Fazenda Pública com a, aliás, Douta Sentença, na qual se decidiu pela procedência da presente Impugnação, ordenando a anulação do ato tributário – liquidação de IRS referente ao ano de 2008 -, por ter considerado que a Administração Tributária não logrou demonstrar que as quantias pagas como ajudas de custo não estavam relacionadas com a comprovada deslocação para as obras de M.C.A.V. em Monfalcone, Itália, e em Pont-Sur-Sambre, França, ou ainda que excediam as despesas normalmente suportadas com tais deslocações, em termos de integrarem o conceito de retribuição;

2. Caso se conclua que os pagamentos realizados não têm carater compensatório, mas meramente remuneratório, não há sequer que ir para aquela alínea d) do n.º 3 do artigo, pois trata-se apenas de aplicar a regra geral prevista nos n.ºs 1 e 2, dos quais se subsume que os pagamentos realizados pela entidade patronal ao seu trabalhador (independentemente da forma que revistam) se enquadram na categoria de rendimentos de trabalho. Pelo que, salvo melhor opinião, caberia sempre a quem paga os rendimentos e quem os recebe fazer prova de que os mesmos não revestem natureza remuneratória, mas antes compensatória;

3. Seguindo a regra geral do ónus da prova que percorre todo o direito português, com expressão no art.º 342.º do Código Civil (CC), e tendo em atenção o regime fixado no CIRS, não existem quaisquer dúvidas que, como referido no Douto Acórdão do STA de 08.11.2006, proc.º 01082/04, cabe à Administração Tributária provar o excesso dos pagamentos de carater compensatório, os quais passam então a ser tributados como se revestissem natureza remuneratória;

4. Cabe, no entanto ao sujeito passivo da relação tributária fazer prova necessária e logicamente anterior – a de que os pagamentos realizados revestem a natureza de ajudas de custo, assim eximindo tais pagamentos ao disposto nos n.ºs 1 e 2 do art.º 2.º do CIRS. E parece que é curto fundamentar o caráter compensatório dos pagamentos realizados na mera qualificação feita pelas partes, sem mais;

5. Ainda que tendo verdadeira natureza compensatória, os pagamentos, a partir de determinados limites, passam a ser tributados como se de natureza remuneratória se tratassem. Mas se os rendimentos têm natureza remuneratória ab initio são sempre tratados tendo em conta essa natureza, e portanto tributados;

6. Por outro lado, e trata-se de diferente requisito, a alínea d) do n.º 3 do art.º 2.º do CIRS, aplicável apenas nas situações de pagamento de ajudas de custo, faz depender a sua tributação, não apenas do cumprimento dos limites legais, mas também da observação dos pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado;

7. Quanto ao ónus da prova, suporta-se o tribunal no disposto no n.º 1 do art.º 75.º da LGT, afirmando que só passa a competir ao contribuinte a prova de que declarou todos as situações a que estava legalmente vinculado quando, efetivamente, a AT tenha carreado elementos de facto que sejam suscetíveis de abalar a dita presunção da escrita. E como entende que a AT não reuniu os indícios suficientes não terá cumprido com aquele ónus;

8. Ainda que acedendo, sem conceder, não se concorda, no entanto, pois ainda assim se entende que, no caso, reuniu a Autoridade Tributária prova indiciária suficiente a fazer abalar a presunção prevista no n.º 1 do art.º 75.º da LGT;

9. Refere a Douta Sentença que valores pagos a título de ajudas de custo de forma regular não os qualifica como remuneração, e por si só assim será. No entanto, esse não foi o único argumento utilizado pela Autoridade Tributária em sede Inspetiva para fundamentar as suas correções e, por outro lado, o facto de se tratarem de pagamentos regulares muito menos os qualifica como ajudas de custo – e caberia ao contribuinte fazer essa prova. Não pode também deixar de se relevar o facto de, mensalmente, os valores pagos pela empresa ao seu trabalhador e qualificados como ajudas de custo serem em montante bastante superior ao rendimento do trabalho – o que será sempre de estranhar utilizando um argumento de normalidade social (ou laboral) – o qual, se por si só vale o que vale, juntamente com os demais argumentos que fundamentaram as correções não pode deixar de revestir força probatória;

10. Mais fundamenta a Douta Sentença que o Impugnante foi contratado para exercer funções em Amora, sendo admissíveis as importâncias pagas como ajudas porque se deslocou para as obras de M.C.A.V. em Monfalcone, Itália, e em Pont-Sur-Sambre, França. No entanto, suporta-se factualmente o Tribunal na cláusula 4 do contrato de trabalho outorgado entre o Impugnante e a respetiva entidade patronal, o qual faz parte integrante do Relatório inspetivo (assim como todos os recibos referentes ao sujeito passivo no ano de 2008), mas, com o devido respeito, os contratos de trabalho em causa não são constituídos apenas por aquela cláusula, mas por outras (algumas delas nem sequer levados á factualidade fixada), havendo que proceder à análise do mesmo num todo sistemático;

11. Assim, consta daqueles contratos, que o Impugnante é contratado para as oficinas na sede da CMN, mas desde logo, fica também ali fixado que, com o início da execução do contrato, exerce as suas funções nas instalações/obra da M.C.A.V. em Monfalcone, Itália, e em Pont-Sur-Sambre, França. E todas as deslocações que ocorram dentro e fora do território nacional ficam a cargo da entidade contratadora. Não deixa de ter relevância o facto de, pela Cláusula Segunda, os contratos de trabalho serem a termo incerto, motivado por acréscimo excecional de atividade da empresa, o qual obriga a reforço do trabalho temporário. E estes contratos de trabalho, a termo incerto, duram por todo o tempo necessário para a substituição do trabalhador ausente ou para a conclusão da atividade, tarefa, obra ou projeto cuja execução justifica a celebração – nos termos do disposto no art.º 144.º da Lei n.º 99/2003, de 27.08, na redação à data;

12. A Douta Sentença agora recorrida, conclui que da leitura dos aludidos contratos não se retira que o Impugnante foi contratado para exercer funções fora de Portugal. No entanto, não pode deixar de se extrair das várias cláusulas daqueles contratos de trabalho que o local de trabalho do Impugnante – contratado a termo incerto por “todo o tempo necessário para a substituição do trabalhador ausente ou para a conclusão da atividade, tarefa, obra ou projeto cuja execução justifica a celebraçãoé obra da M.C.A.V. em Monfalcone, Itália, e em Pont-Sur-Sambre, França. E, pela cláusula Sexta dos referidos contratos, estes “caduca com a conclusão do trabalho para que o 2.º Outorgante é contratado ou mediante comunicação da CMN de cessação do mesmo (…)”.

13. É, a obra de M.C.A.V. em Monfalcone, Itália, e de Pont-Sur-Sambre, França o local de trabalho que consta de todos os recibos de vencimento do Impugnante referentes ao ano de 2008 e juntos no Relatório Inspetivo. Pelo que, não pode deixar de se considerar como domicílio necessário do Impugnante o local no qual ficou acordado que iria exercer funções, e durante o tempo em que tais funções durassem, cessando de imediato o contrato com o fim destas;

14. Por fim, cabe questionar como poderia a Autoridade Tributária trazer algo aos Autos que pudesse assegurar que o valor pago fosse superior ao das despesas efetivamente suportadas pelo Impugnante, quando o próprio Impugnante não faz prova de ter efetivamente suportado qualquer despesa. Algo que o Tribunal “a quo”, com o devido respeito, parece olvidar;

15. Ao decidir, como decidiu, a Douta Sentença fez errada apreciação dos factos que fixou e omitiu factualidade relevante, como algumas das cláusulas contratuais – erro de julgamento de facto;

16. Fez também errada aplicação do direito – erro de julgamento de Direito - , tendo violado o disposto nos n.ºs 1, 2 e 3 do art.º 2.º do CIRS e Decreto-Lei n.º 106/98, de 24.04, assim como o disposto no art.º 342.º do CC.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.as Ex.as se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto Acórdão que julgue totalmente improcedente a presente Impugnação, tudo com as devidas e legais consequências”.

Os Recorridos apresentaram contra-alegações, nas quais formularam as seguintes conclusões:

“A. A sentença ora recorrida determinou a anulação da liquidação de IRS do ano de 2008 por vício de violação de lei consubstanciada na insuficiência da fundamentação e errónea interpretação da citada norma de incidência no que respeita à desconsideração dos rendimentos auferidos pelo Recorrido marido a título de ajudas de custo por parte da AT.

B. 0 objecto de recurso do Ilustre Representante da Fazenda Pública considera que a liquidação adicional se deverá manter atendendo a que o montante pago a título de ajudas de custo ao Recorrido marido constitui remuneração proveniente de trabalho por conta de outrem e, nessa medida, considerado como rendimento de trabalho dependente de acordo com o disposto na alínea a} do n.Q 1 do artigo 2° do CIRS.

C. Considerou o Tribunal a quo, e bem, que sempre caberia à Autoridade Tributária (AT) demonstrar que as ajudas de custo não correspondem a efectivas deslocações e que os montantes pagos excediam os limites previstos na lei.

D. Ora, dos autos e tal como exaustivamente fundamentado na sentença ora recorrida, em nenhum momento a Representante da Fazenda Pública ou a AT faz a prova que lhe competia para afastar a verificação dos pressupostos legais quanto à não trihutação das ajudas de custo: (i) a prova de que os montantes auferidos enquanto ajudas de custo ocorreram por inexistência de efectivas deslocações por parte do trabalhador ao serviço e no interesse da sua entidade patronal; e, [ii] de que o pagamento de quantitativo diário excedia os limites anualmente fixados para os servidores do Estado.

E. Bem andou a decisão proferida pelo Tribunal a quo, que considerou, na senda do Acórdão do STA de 08/11/06, recurso 01082/04, que sendo a alínea d) do n.Q 3 do artigo 2° do CIRS uma verdadeira norma de delimitação negativa de incidência ou exclusão de tributação de IRS, o ónus da prova de tal excesso, bem como a verificação da falta de pressupostos de atribuição, enquanto pressuposto da norma de tributação, sempre recairia sobre a AT.

F. Na verdade, da apreciação da prova vertida nos autos, resultou claro que não foi possível qualificar, sem mais, as ajudas de custo como revestindo natureza remuneratória - antes pelo contrário, ficou provado que as deslocações do Recorrido ocorreram efectivamente para França e que o local de trabalho era em Amora, Seixal.

G. De facto, nos termos do disposto na aludida norma de exclusão de incidência de IRS, apenas as ajudas de custo que excedam o limite legal fixado anualmente para os servidores do Estado estão sujeitas a IRS.

H. Sendo certo que, o ónus de prova de tal excesso, bem como da verificação dos pressupostos da sua atribuição, como pressuposto da norma de tributação, impendia sobre a AT e a Fazenda Pública não logrou fazer prova nesse sentido, "agarrando-se" a uma presunção, a um mero enquadramento legal, nem sequer considerando existir excesso para além do limite legalmente estabelecido, nem contrariando a existência de verdadeiras deslocações.

I. Provando-se que ocorreram efectivas deslocações do Recorrido marido do seu local de trabalho, sempre caberia à AT a prova do excesso do seu pagamento ou a prova da inexistência das deslocações em causa. Revelando para efeitos de tributação de ajudas de custo que o trabalhador esteja efectivamente deslocado do seu local de trabalho e que as mesmas tenham um carácter compensatório.

J. Assim, a definição do regime da atribuição das ajudas de custo e sua não tributação na esfera de um trabalhador particular resulta do regime consagrado no artigo 2° do Código do IRS.

K. 0 pagamento das ajudas de custo e sua (não] tributação dependem, de acordo com a aludida norma legal, da verificação dos seguintes pressupostos substantivos: (i] os montantes serem auferidos enquanto ajudas de custo por realização de uma efectiva deslocação por parte do trabalhador ao serviço e no interesse da sua entidade patronal; e, (ii] o pagamento de quantitativo diário não exceder os limites anualmente fixados para os servidores do Estado.

L Neste sentido, o Acórdão do STA n.s 24239 de 15/12: "De facto, (...) tudo se passa por conhecer se num montante de ajudas de custo são descortináveis os dois vectores patentes na alínea d) do n° 3 do artigo 2° do Código do IRS; ou seja, tem que se identificar a natureza legal dos pagamentos e, num segundo momento, verificar se o montante reembolsado excedeu os limites legais. Ora, esses vectores ou condições sempre se encontraram no CIRS e não, como pretendia a Administração Fiscal, no Decreto-lei n.g 519-M/79. De 28 de Dezembro" (actual DL 106/98],

M. Ora, in casu, ficou mais do que provado e admitido pela própria Fazenda Pública, que ocorreram efectivas deslocações por parte do Recorrido marido para França ao serviço da entidade patronal.

N. De facto, ficou provado que o Recorrido marido à data em que foi contratado para a empresa residia em Portugal bem como, havia sido contratado para o desempenho de funções nas oficinas sitas no local da sede da CMN.

O. Assim, ficou determinado pelo Tribunal a quo que a liquidação adicional era ilegal, uma vez que a AT se limitou a desconsiderar as ajudas de custo nos termos em que haviam sido atribuídas pela entidade empregadora ao trabalhador, sem ponderar os limites previstos na lei quanto à sua atribuição e não sujeição a IRS.

P. Desse modo, ficou provado que, não logrou a AT, em sede de inspecção tributária, dar a conhecer ao contribuinte os fundamentos da tributação dos montantes recebidos a título de ajudas de custo, que, de acordo com os dois pressupostos substantivos para a sua determinação, passaria por demonstrar que os valores pagos constituem ajudas de custo que excedem os valores máximos legalmente estabelecidos, ou seja, as ajudas de custo atribuídas ultrapassaram os limites impostos na alínea d) do n.a 3 do artigo 2° do CIRS.

Ou

Q. Demosntrar que, nos termos do artigo 74° da LGT, o trabalhador não realizou as deslocações ao serviço da sua entidade patronal, nem suportou as despesas em causa.

R. Não tendo logrado demonstrar tais pressupostos, bem andou a sentença do Tribunal a quo ao considerar que nunca estaria a AT em condições de efectuar correcções às declarações dos contribuintes, assentes na descaracterização das ajudas de custo, pois que tal revelará uma errada aplicação das normas jurídicas atinentes à presente querela, o que determinou, bem, a anulação da liquidação adicional de 1RS.

S. Ou seja, bem andou a sentença recorrida ao determinar que, a AT não logrou demonstrar que as ajudas de custo pagas ao Recorrido marido excederam os limites legais, nem que não ocorreram efectivas deslocações.

T. 0 mesmo é dizer que, não conseguiu a AT em definitivo fundamentar a desconsideração das ajudas de custo a que procedeu.

U. Face ao que foi vertido nos presentes autos, em particular o invocado quanto ao dever de fundamentação da AT, bem assim o que foi referido quanto ao ónus da prova que sobre si impendia, considerou o Tribunal a quo, por ser evidente, que o Recorrido marido prestou serviço à sua entidade patronal com sede em Portugal, em obra sita em França, encontrando-se, assim, deslocado do seu local de trabalho.

V. Portanto, sempre caberia à AT a obrigação de demonstrar/provar que as estadias do Recorrido marido em França não eram ocasionais, o que não aconteceu.

W. Contudo, sempre se reiterará que, ficou provado que o Recorrido marido foi contratado para exercer funções em Amora - Seixal, na sede da empresa.

X. Bem como, ficou provado ser o domicílio necessário do Recorrido em Amora, Seixal - Portugal -, e nunca em França.

Y. Desta forma, por cada deslocação que realizou, sempre seriam devidas ajudas de custo.

Z. Nesse sentido, atento o disposto na alínea d) do n.Q 3 do artigo 2° do C1RS, deveria a AT fundamentar a liquidação adicional de IRS que teve por base as ajudas de custo consideradas enquanto rendimento de trabalho dependente, ou invocando que a sua atribuição foi excessiva face aos limites legais estabelecidos na lei ou provando a sua não ocorrência.

AA. Assim, resultou claro, como provado e devidamente apreciado pelo Tribunal a quo, reitere-se que a sede da CMN situa-se em Amora, pelo que, sem mais, se pode reter que o Recorrido marido foi contratado para prestar trabalho na Amora, podendo deslocar-se (!] para outros locais.

BB. De facto, o Recorrido marido foi contratado para prestar trabalho em Amora - Seixal, tratando-se a sua prestação de trabalho em quaisquer outros locais de verdadeiras deslocações, pelas quais sempre seria devido o pagamento de ajudas de custo por parte da entidade patronal.

CC. Com efeito, apesar de ter sido contratado para prestar trabalho na sede da CMN, obrigou-se a aceitar as deslocações que a entidade patronal lhe pudesse impor para fora da sede da empresa, sendo que esta custearia as despesas com tais deslocações.

DD. De facto, a questão da "residência habituai" deverá ser tida em primordial conta.

EE. Isto porque, entendem os tribunais ser legítimo o pagamento de valores a título de ajudas de custo quando exista deslocação da residência habitual.

FF. Ora, não só ficou demonstrado como provado nos presentes autos a efectiva deslocação da residência habitual, por parte do Recorrido marido, como também se conseguiu patentear a deslocação do domicílio profissional.

GG. Pelo que, bem andou a douta sentença, ao considerar que a AT interpretou de forma absolutamente errada os pressupostos da não tributação das ajudas de custo, conduzindo a um entendimento e, consequentemente, liquidação ilegal por errada aplicação das normas jurídicas.

HH.Quanto à questão do ónus da prova e da falta de fundamentação que sempre caberia à AT veja-se, entre outras, as doutas sentenças proferidas pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, nesse mesmo sentido, quanto aos trabalhadores da CMN nos processos n.as 289/13.5BEBJA, 344/13.1BEBJA, 176/13.7BEBJA, 119/13.8BEBJA,355/13.2BEBJA, 145/13.7BEBJA,453/13.7BEBJA, 341/13.7BEBJA, 342/13.7BEBJA, 338/13.7BEBJA, 414/13.7BEBJA, 288/13.7REBJA, 336/13.7BEBJA, 339/13.5BEBJA, 127/13.9BEBJA; pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, nesse mesmo sentido, quanto aos trabalhadores da CMN nos processos n.ºs 835/13.4BEALM, 586/13.OBEALM e pelos Tribunais Administrativos e Fiscais de Sintra e Penafiel, nesse mesmo sentido, quanto aos trabalhadores da CMN nos processos n.ºs 1176/13.2BESNT, 764/13.1BEPNF, respectivamente.

II. As aludidas Impugnações, que foram totalmente procedentes, apresentadas nos Tribunais Administrativos e Fiscais de Beja, Almada, Sintra e Penafiel por outros trabalhadores da mesma empresa CMN, com a mesma identidade de factos e fundamentos, tiveram por hase a impugnação das liquidações de IRS do ano de 2008 na sequência da mesma acção inspectiva levada a cabo pela Direcção de Finanças de Setúbal a cerca de 300 trabalhadores.

JJ. No mesmo sentido foram, entre muitos outros, os doutos Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte e do Tribunal Central Administrativo Sul, proferidos no âmbito dos processos n.°s 764/13.1BEPNF e 696/13.3BEALM, respectivamente, que, com a mesma identidade de factos e fundamentos, tiveram por base a impugnação da liquidação adicional de IRS referente ao ano de 2008 (ut. Doc. n.Q 1 e se dá por integrado para todos os legais efeitos), tendo- se acordado negar provimento ao recurso apresentado pela Fazenda Pública.

Nestes termos, e nos melhores de Direito, que V.s Ex.as mui doutamente suprirão, com os fundamentos expostos, deve ser considerado totalmente improcedente, por não provado, o Recurso apresentado, confirmando-se a sentença recorrida que determinou a anulação da liquidação adicional de IRS do ano de 2008, com as legais consequências.

Assim se fazendo inteira e sã

Justiça!”.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do então art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) A decisão proferida sobre a matéria de facto padece de erro?

b) Há erro de julgamento, na medida em que administração tributária (AT) demonstrou estar-se perante verdadeiras remunerações, não tendo sido feita prova de que os pagamentos efetuados revestem natureza compensatória?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“A) - Em 16 de janeiro de 2008, C…, Impugnante marido, celebrou escrito denominado de “CONTRATO DE TRABALHO A TERMO INCERTO” com a sociedade “C…., LDA.”, com sede na Rua A…, n.º 1…, 1.º direito, concelho do Seixal, do qual resulta, designadamente, o seguinte: “(...)

«Imagem no original»

«Imagem no original»

«Imagem no original»

(...)” - cfr. fls. 55 a 57 do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

B) - Em 7 de abril de 2008, C…, Impugnante marido, celebrou escrito denominado de “CONTRATO DE TRABALHO A TERMO INCERTO” com a sociedade “C…, LDA.”, com sede na Rua A…, n.º 1…, 1.º direito, concelho do Seixal, do qual resulta, designadamente, o seguinte: “(...)

«Imagem no original»

«Imagem no original»

«Imagem no original»

«Imagem no original»

(...)” - cfr. fls. 39 a 40 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

C) - No ano de 2008, os Impugnantes tinham a sua residência habitual e o domicílio fiscal em Setúbal - facto não controvertido, alegado no art.º 22.º da p.i. em conjugação com a alínea d. das conclusões da p.i., não impugnado pela Fazenda Pública; cfr. confirmada pela análise dos documentos de fls. 39 a 40 dos autos e 55 a 57 do PAT apenso, não impugnados;

D) - Durante o ano de 2008, e ao abrigo dos contratos identificados nas alíneas A) e B) da factualidade assente, o Impugnante marido efetuou diversas deslocações para as instalações/obras da M.C.A.V, sitas em Pont-Sur-Sambre, França, e em Monfalcone, Itália - facto não controvertido, alegado no art.ºs 27.º e 92.º da p.i. e não impugnados pela Fazenda Pública; cfr. informação que se extrai do teor do Relatório de Inspeção Tributária (RIT), que consta de fls. 48 e seguintes do PAT apenso; cfr. mapas de pagamentos por empregado (resumo) de fls. 56v a 58v dos autos, não impugnados;

E) - No ano de 2008, a sociedade “C…, LDA.”, pagou ao Impugnante marido o valor de € 17.970,01, a título de ajudas de custo - facto que se extrai do RIT, em concreto de fls. 150v do PAT apenso;

F) - Em 24 de março de 2009, os Impugnantes apresentaram declaração modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2008, tendo declarado no Anexo A, rendimentos de trabalho dependente no valor total de € 10.676,28, que deu origem à liquidação n.º 2009 4000901779, no valor a receber de € 579,94 - facto não controvertido e que se extrai de fls. 52 a 54 do PAT apenso; cfr. informação de fls. 62 a 67 e ainda fls. 21v do PAT apenso;

G) - A Autoridade Tributária, credenciada pela Ordem de Serviço n.º OI201200373, de 21.02.2012, deu início a uma ação de Inspeção Tributária, de âmbito parcial, com vista à análise do cumprimento das obrigações tributárias do Impugnante marido, em sede de IRS, respeitante ao ano de 2008, que teve por base os elementos recolhidos na sociedade “C…, LDA.” - cf. RIT que consta de fls. 48 e seguintes do PAT apenso;

H) - Em 27 de abril de 2012, os Serviços de Inspeção Tributária, da Direção de Finanças de Setúbal, remeteram o ofício n.º 10396 aos ora Impugnantes, destinado a notificar o projeto de correções do relatório de inspeção, de que se extrai o seguinte:

- cfr. ofício de fls. 61 do PAT apenso;

I) - Em 3 de maio de 2012, os ora Impugnantes apresentaram declaração modelo 3 de substituição, na qual declararam, no Anexo A, rendimentos de trabalho dependente no valor total de € 24.270,00 - facto que se extrai de fls. 59 a 60 do PAT apenso;;

J) - Em 3 de maio de 2012, o Impugnante marido apresentou requerimento dirigido ao Chefe de Serviço de Finanças, nos termos do qual solicitou “redução de coima ao abrigo do 29.º do RGIT em virtude da submissão do IRS 2008 com base na ordem de serviço OI 2012 00373” - cfr. fls. 61v do PAT apenso;

K) - Em 23 de junho de 2012, a AT emitiu a liquidação adicional de IRS n.º 2012 4004488819, referente ao ano de 2008, com o valor a pagar de € 2.778,59, e a respetiva demonstração de juros compensatórios, no montante total de € 364,26 - cfr. fls. 32 e 33 dos autos, cujos teores se dão por integralmente reproduzidas;

L) - A 2 de julho de 2012, a AT emitiu a liquidação de demonstração de acerto de contas n.º 2012 00006327362, referente ao ano de 2008, com valor total a pagar de € 3.358,53 - cfr. fls. 34 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

M) - No âmbito da ação de inspeção identificada na alínea G) da factualidade assente, foi elaborado, em 2 de julho de 2012, o Relatório de Inspeção Tributária, constando do seu teor, designadamente, o seguinte: “(...)

Da análise de diversos contratos celebrados pela empresa, nomeadamente o disposto na cláusula quatro, n.º 2, conclui-se que os trabalhadores foram contratados para exercer funções em diversos locais distintos fora de Portugal, não tendo existido assim deslocação desses mesmos locais de trabalho, pelo que, os valores atribuídos não visavam compensar os trabalhadores por despesas realizadas ao serviço da entidade patronal, mas sim pelo facto do seu local de trabalho não coincidir com a sede da empresa, revestindo esses montantes a natureza de remunerações.

No presente caso, como relativamente a outros trabalhadores da empresa em causa, constatou-se que o local de trabalho determinado no contrato (anexo 3) coincidia com o local onde os trabalhadores prestaram o serviço e como tal constante dos recibos de remunerações (anexo 4).

Constatou-se igualmente que a retribuição, sob a designação de “ajudas de custo”, supera o valor da respectiva remuneração e que nas pastas dos documentos de suporte verificadas junto da C…, Lda., faltam muitos boletins itinerários justificativos desses montantes e outros não estão assinados pelos próprios trabalhadores”.

Tendo presente informações recolhidas na empresa, no ano em análise, os trabalhadores estiveram envolvidos na prestação de serviços de “manutenção e reparação de fábricas, transformações e reparações industriais e navais, indústria de montagens de estruturas metálicas de tubagens, soldaduras, serralharia e electricidade, instalações de gás e ar condicionado” em diversos países da União Europeia.

Para esse efeito a empresa recrutava trabalhadores em Portugal e suportava encargos relacionados com a deslocação, o alojamento e a alimentação contabilizando esses valores como Deslocações e Estadas.

Por outro lado, procedia igualmente à contabilização dos valores designados por Quilómetros e Ajudas de Custo pagas aos trabalhadores, constatando-se assim que estes últimas eram pagos de forma regular, não dependendo da apresentação de documentos comprovativos de despesas realizadas pelos trabalhadores, nem visavam a sua respectiva compensação.

Por este facto, e como já se referiu, estas importâncias devem ser consideradas como complementos de remuneração, e como tal constituem rendimentos de trabalho dependente (categoria A) e que deveriam ter sido englobados nos termos do artigo 22.º do Código do IRS.

Deste modo, e porque a entidade pagadora dos rendimentos, não procedeu à retenção do IRS correspondente, cabe ao titular dos mesmos a responsabilidade originária pelo seu pagamento de acordo com o n.º 2 do artigo 103.º do Código do IRS, pelo que se procederá à correcção das remunerações declaradas de harmonia com o disposto no n.º 4 do artigo 65.º do mesmo Diploma, mediante o acréscimo das importâncias pagas a título de “ajudas de custo”.

Face ao exposto verifica-se a omissão de rendimentos na declaração entregue pelos sujeitos passivos, pelo que se propõe a alteração de rendimentos declarados, nos do n.º 4 do artigo 65.º do CIRS, corrigindo-se o valor dos rendimentos da categoria A nos seguintes termos:

(…)

«Imagem no original»

(...)” - cfr. RIT a fls. 48 e seguintes do PAT apenso PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

N) - Em 28 de setembro de 2012, na sequência da notificação dos atos de liquidação referidos nas alíneas K) e L) da factualidade assente, os Impugnantes apresentaram reclamação graciosa, tendo sido elaborada «Informação» pela Divisão de Justiça Tributária na qual foi proposto o seu indeferimento - cfr. fls. 3, 6 a 32 e 62 a 67v do PAT apenso, cujos teores se dão por integralmente reproduzidos;

O) - Em 19 de outubro de 2012, o Chefe de Divisão de Inspeção Tributária, por delegação da Diretora de Finanças de Setúbal, com base na «Informação» identificada na alínea antecedente, proferiu projeto de decisão de indeferimento de reclamação graciosa - cfr. despacho de fls. 62 do PAT apenso;

P) - Na sequência da notificação do projeto de decisão de indeferimento identificado na alínea antecedente, os Impugnantes exerceram audição prévia - cfr. fls. 70 a 77 do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

Q) - Em 2 de novembro de 2012, a Divisão de Justiça Tributária elaborou «Informação Complementar» de indeferimento da reclamação graciosa - cfr. fls. 86 a 87v do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

R) - Em 5 de novembro de 2012, o Chefe de Divisão de Inspeção Tributária, por delegação de competências da Diretora de Finanças de Setúbal, proferiu despacho de indeferimento da reclamação graciosa com base na informação identificada na alínea antecedente - cfr. fls. 86 do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

S) - Em 13 de dezembro de 2012, os Impugnantes interpuseram recurso hierárquico contra a referida decisão de indeferimento da reclamação graciosa - cfr. fls. 4 a 19 do PAT apenso - procedimento recurso hierárquico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

T) - Em 8 de março de 2013, foi elaborada «Informação» pela Divisão de Administração, da Direção de Serviços de IRS, na qual foi proposto o indeferimento do referido recurso hierárquico, de que se extrai, designadamente o seguinte: “(...)

«Imagem no original»

«Imagem no original»

- cfr. fls. 27v a 33v do PAT apenso - procedimento recurso hierárquico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

U) - Em 12 de março de 2013, a Diretora de Serviços do IRS, proferiu despacho de indeferimento do recurso hierárquico, com base na informação identificada na alínea antecedente - cfr. despacho de fls. 27v do PAT apenso - procedimento recurso hierárquico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

V) - Em 29 de julho de 2013, a presente impugnação judicial deu entrada neste Tribunal - cfr. carimbo aposto a fls. 2 dos autos”.

II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:

“Não existem factos alegados não provados com interesse para a decisão da causa”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A decisão da matéria de facto resultou do exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que constam dos autos e do PAT apenso, conforme referido em cada uma das alíneas do probatório”.

II.D. Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto

Entende a Recorrente que a decisão proferida sobre a matéria de facto padece de erro, por terem sido omitidas cláusulas relevantes dos contratos mencionados em A) e B), concretamente a cláusula sexta.

Considerando o disposto no art.º 640.º do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão (1) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 169..

Assim, o regime vigente atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. a), do CPC];

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo art.º 640.º do CPC;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. c), do CPC].

Como tal, não basta ao Recorrente manifestar de forma não concretizada a sua discordância com a decisão da matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, impondo­-se-lhe os ónus já mencionados (2) V., a título exemplificativo, o Acórdão deste TCAS, de 27.04.2017 (Processo: 638/09.0BESNT) e ampla doutrina e jurisprudência no mesmo mencionada..

Transpondo estes conceitos para o caso dos autos, verifica-se que tais ónus foram cumpridos, pelo que, apreciando o requerido, o mesmo é de indeferir. Com efeito, a celebração dos contratos e o seu teor decorre dos factos A) e B), teor esse que, ainda que não esteja integralmente transcrito, é naturalmente parte desses contratos (tendo o Tribunal a quo dado por integralmente reproduzido o seu conteúdo).

Logo, indefere-se o requerido.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento

Considera a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, porquanto, na sua perspetiva, e em síntese, a AT logrou cumprir com o seu ónus da prova, não tendo, por seu turno, o Impugnante demonstrado o caráter compensatório dos valores em causa.

Estão, in casu, em exame as correções efetuadas pela AT ao Impugnante, na sequência de elementos recolhidos junto da sociedade C…, Lda (doravante C…).

De acordo com o relatório de inspeção tributária (RIT), os valores pagos ao Recorrido, a título de ajudas de custo, foram considerados como retribuição, logo, objeto de tributação em sede de IRS.

Assim, considerando o RIT, mencionado em M) do probatório, verifica-se que a AT sustentou a sua posição no seguinte:

a) A C… contratou os trabalhadores para exercer funções em diversos locais distintos fora de Portugal;

b) Os valores atribuídos não visavam compensar os trabalhadores por despesas realizadas ao serviço da entidade patronal, mas sim pelo facto de o seu local de trabalho não coincidir com a sede da empresa, revestindo esses montantes a natureza de remunerações;

c) O local de trabalho determinado no contrato coincidia com o local onde os trabalhadores prestaram o serviço;

d) A retribuição, sob a designação de “ajudas de custo”, supera o valor da respetiva remuneração;

e) Faltam muitos boletins itinerários e outros não estão assinados pelos trabalhadores.

Vejamos então.

O IRS tem como âmbito, como o próprio nome indica, todas as importâncias auferidas pelas pessoas singulares que se possam designar de rendimento, maxime rendimento de trabalho dependente.

A este propósito, é pertinente chamar à colação o disposto no art.º 2.º do Código do IRS (CIRS), na redação vigente, nos termos do qual:

“1 - Consideram-se rendimentos do trabalho dependente todas as remunerações pagas ou postas à disposição do seu titular provenientes de:

a) Trabalho por conta de outrem prestado ao abrigo de contrato individual de trabalho ou de outro a ele legalmente equiparado;

(…)

2 - As remunerações referidas no número anterior compreendem, designadamente, ordenados, salários, vencimentos, gratificações, percentagens, comissões, participações, subsídios ou prémios, senhas de presença, emolumentos, participações em coimas ou multas e outras remunerações acessórias, ainda que periódicas, fixas ou variáveis, de natureza contratual ou não.

3 - Consideram-se ainda rendimentos do trabalho dependente:

(…) d) As ajudas de custo e as importâncias auferidas pela utilização de automóvel próprio em serviço da entidade patronal, na parte em que ambas excedam os limites legais ou quando não sejam observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado e as verbas para despesas de deslocação, viagens ou representação de que não tenham sido prestadas contas até ao termo do exercício”.

Portanto, especificamente no que respeita às ajudas de custo, e reportando-nos à redação do CIRS à época em vigor, as mesmas eram consideradas como remuneração, a partir do valor que excedesse os limites legais. O mesmo sucedia com as verbas para despesas de deslocação, viagens ou representação de que não tivessem sido prestadas contas até ao termo do exercício [cfr. art.º 2.º, n.º 3, al. d)].

Ou seja, em regra, os valores pagos a título de ajudas de custo, dado o caráter compensatório que lhes é reconhecido (compensação por despesas que o trabalhador é obrigado a suportar, designadamente por motivo de deslocações), não se integram no conceito de remuneração, para efeitos de IRS.

Como referido por José Guilherme Xavier de Basto (3) José Guilherme Xavier de Basto, IRS – Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pp. 128 e 129., “[a]s ajudas de custo, bem como as importâncias auferidas pela utilização de automóvel próprio em proveito da entidade patronal, são, pela sua própria natureza e em princípio, compensações por despesas incorridas pelo trabalhador mas a favor da entidade patronal, pelo que só tem sentido tributá-las quando extravasem essa funções e passarem a constituir verdadeira ‘vantagem económica’. Enquanto se limitarem a compensar o trabalhador por despesas efectivamente incorridas a favor da entidade patronal, as somas recebidas não são sequer um rendimento líquido do trabalhador. A lei presume que isso acontece quando as ajudas de custo e as importâncias recebidas pela utilização de viatura própria se mantêm dentro dos limites legais previstos para os servidores do Estado e sempre que sejam observados os pressupostos da sua atribuição as esses mesmos servidores”.

Apenas nos casos em que lhes seja conferido caráter remuneratório, referidos no então art.º 2.º, n.º 3, al. d), do CIRS, as mesmas eram tributadas, como se de rendimento de trabalho dependente se tratassem (cfr. Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 08.11.2006 – Processo: 01082/04).

Como referido por João Ricardo Catarino («Ajudas de Custo – algumas notas sobre o regime substantivo e fiscal», Fisco, 97/98, p. 79), “… sendo claro que o pagamento de ajudas de custo é susceptível de constituir um rendimento, no quadro da consagração do conceito de rendimento acréscimo, a lei não as considera como tal sem mais, adoptando antes, uma postura pela qual só é de considerar rendimento o quantitativo pago a título de ajuda de custo se o seu montante exceder certo limite anualmente actualizado…”.

Portanto, e como mencionado no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 28.01.2015 (Processo: 0901/14) e ampla jurisprudência no mesmo citada:

“Resulta daqui claro que as ajudas de custo só têm natureza remuneratória na parte em que excederem os apontados limites, tendo natureza compensatória na parte que os não exceda.

A tributação das ajudas de custo como rendimentos do trabalho, pode ainda decorrer da inobservância dos pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado, ou da não prestação de contas até ao termo do exercício”.

É ainda pertinente abordar in casu a disciplina atinente ao âmbito e alcance do ónus da prova em casos como o dos autos.

Nos termos do art.º 75.º da LGT:

“1 - Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.

2 - A presunção referida no número anterior não se verifica quando:

a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo…”.

Está, pois, consagrado o princípio da verdade declarativa.

Caberá, nestes casos, em primeira linha, à AT pôr em causa de forma sustentada esta presunção de veracidade das declarações apresentadas pelos contribuintes. Afastada que seja tal presunção, passa a competir ao contribuinte o ónus da prova de que o declarado corresponde à realidade.

Apliquemos estes conceitos ao caso dos autos.

Compulsado o RIT, verifica-se que a AT afirmou o seguinte:

a) “Da análise de diversos contratos celebrados pela empresa, nomeadamente o disposto na cláusula quatro, n.º 2, conclui-se que os trabalhadores foram contratados para exercer funções em diversos locais distintos fora de Portugal, não tendo existido assim deslocação desses mesmos locais de trabalho, pelo que, os valores atribuídos não visavam compensar os trabalhadores por despesas realizadas ao serviço da entidade patronal, mas sim pelo facto do seu local de trabalho não coincidir com a sede da empresa, revestindo esses montantes a natureza de remunerações”.

b) “… o local de trabalho determinado no contrato (anexo 3) coincidia com o local onde os trabalhadores prestaram o serviço e como tal constante dos recibos de remunerações (anexo 4)”;

c) “… a retribuição, sob a designação de “ajudas de custo”, supera o valor da respectiva remuneração e que nas pastas dos documentos de suporte verificadas junto da C…, Lda., faltam muitos boletins itinerários justificativos desses montantes e outros não estão assinados pelos próprios trabalhadores”;

d) “Tendo presente informações recolhidas na empresa, no ano em análise, os trabalhadores estiveram envolvidos na prestação de serviços de “manutenção e reparação de fábricas, transformações e reparações industriais e navais, indústria de montagens de estruturas metálicas de tubagens, soldaduras, serralharia e electricidade, instalações de gás e ar condicionado” em diversos países da União Europeia”;

e) “Para esse efeito a empresa recrutava trabalhadores em Portugal e suportava encargos relacionados com a deslocação, o alojamento e a alimentação contabilizando esses valores como Deslocações e Estadas”;

f) “… procedia igualmente à contabilização dos valores designados por Quilómetros e Ajudas de Custo pagas aos trabalhadores, constatando-se assim que estes últimas eram pagos de forma regular, não dependendo da apresentação de documentos comprovativos de despesas realizadas pelos trabalhadores, nem visavam a sua respectiva compensação”.

Adiante-se, desde já, que a AT não logrou demonstrar, como era seu ónus, o caráter remuneratório das importâncias em causa.

Explicitemos, cumprindo, desde já, referir que situações em tudo similares com a ora em apreciação já foram decididas, quer neste TCAS, quer no Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), designadamente nos seguintes arestos:

¾ Acórdão do TCAN, de 10.11.2016 (Processo: 00764/13.1BEPNF);

¾ Acórdão do TCAS, de 28.09.2017 (Processo: 578/13.9BEALM);

¾ Acórdão do TCAS, de 17.05.2018 (Processo: 696/13.3BEALM);

¾ Acórdão do TCAS, de 31.10.2019 (Processo: 588/13.6BEALM);

¾ Acórdão do TCAS, de 30.09.2020 (Processo: 766/13.8BEALM);

¾ Acórdão do TCAS, de 16.12.2020 (Processo: 803/13.6BEALM);

¾ Acórdão do TCAS, de 14.01.2021 (Processo: 583/13.5BEALM);

¾ Acórdão do TCAS, de 25.02.2021 (Processo: 623/13.8BEALM);

¾ Acórdão do TCAS, de 27.05.2021 (Processo: 1484/14.5BESNT);

¾ Acórdão do TCAS, de 11.11.2021 (Processo: 14/14.3BEALM).

Refere-se no primeiro dos mencionados acórdãos:

“No relatório inspectivo que sustenta a correcção que suportou a liquidação impugnada, os serviços de inspecção tributária constataram que o impugnante marido foi contratado para exercer funções em diversos países da União Europeia e que os abonos em causa foram pagos de forma periódica e regular não dependendo de apresentação de despesas, nem tendo por objecto o reembolso das mesmas, concluindo que a quantia percebida pelo Recorrido marido a título de «ajudas de custo» seria de considerar como rendimento de trabalho dependente por se tratar de uma quantia fixa e regular paga aos funcionários que se encontravam a trabalhar no estrangeiro.

Ou seja, as quantias percebidas a título de «ajudas de custo» foram consideradas remunerações, não porque o seu recebimento tivesse excedido os limites qualitativos e quantitativos consignados na lei, mas porque o modo de atribuição (através de uma quantia periódica e regular) constituía indicador suficiente de que esta quantia não se destinava a compensar quaisquer custos, mas a atribuir uma remuneração mais compensadora a quem se dispusesse a trabalhar deslocado no estrangeiro.

Contudo, compulsado o contrato de trabalho celebrado entre o impugnante marido e a sua entidade empregadora, verificamos, na sua cláusula 4.ª, que o impugnante marido foi contratado para as oficinas sitas no local da sede da “C...”, obrigando-se a deslocar-se para qualquer um dos estabelecimentos ou obras em que a C... exerça ou venha a exercer a sua actividade, a fim de realizar a prestação de trabalho contratada. Resultando da decisão da matéria de facto (ponto 3.º) que a C... tem sede em Amora [Seixal]. Assim, embora o ponto 2 da cláusula 4.ª refira que no início da execução do contrato o impugnante se deslocará para as instalações da obra da S… s.r.I., em Southampton [Inglaterra], podendo a entidade empregadora a todo o tempo indicar outro local para a realização da prestação do trabalho, o certo é que o impugnante marido foi contratado para as oficinas sitas no local da sede da “C...”, em Amora, Seixal, obrigando-se, todavia, a efectuar todas as deslocações, dentro e fora do território nacional, necessárias para a execução das suas funções, com as correspondentes despesas a cargo da C... – cfr. cláusula 4.ª do contrato. Logo, da leitura do contrato não podemos concluir, como o fizeram os serviços inspectivos, que o impugnante marido foi contratado para exercer funções em diversos países da União Europeia.

Em eventual situação de destacamento, o contrato de trabalho clausula ainda que o ora impugnante receberá uma ajuda de custo mensal de valor a fixar de acordo com o local da obra, a que acrescerá uma ajuda de custo diária suplementar para transportes locais – cfr. ponto 4 da cláusula 4.ª.

Mas já vimos que do facto de a quantia paga ao trabalhador a esse título ser fixa e regular não decorre em si mesmo que seja retribuição. Circunstâncias relacionadas com a dificuldade de estimar a natureza e os montantes das despesas adicionais a que se sujeita quem está deslocado no estrangeiro, com a inexistência de estruturas administrativas para as processar ou outras vicissitudes, estão entre muitas possíveis razões para que entre a entidade patronal e os trabalhadores seja fixado um valor constante, correspondente aos custos que presumivelmente irão suportar.

Assim, o impugnante foi contratado para exercer funções em Amora/Seixal, sendo admissíveis as importâncias pagas como ajudas de custo, porque se deslocou para Inglaterra (Southampton) para exercer funções de serralheiro civil de 1.ª numa obra ao serviço da sua entidade empregadora.

Caberia, por isso, à administração tributária reunir outros indicadores que, por si só ou conjugadamente, suportassem a conclusão de que as quantias percebidas são consideradas remuneração de trabalho. Como decorre do artigo 74.º da Lei Geral Tributária.

Só que os serviços de inspecção tributária não reuniram ou não invocaram quaisquer outros indícios que suportassem essa conclusão. Consideraram os serviços de inspecção que tais importâncias não podem ser consideradas como ajudas de custo, mas como rendimento de trabalho dependente (categoria A), nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS, uma vez, que, não foram observados os pressupostos previstos na Lei n.º 106/98 de 24 de Abril “Regime Jurídico do Abono de Ajudas de Custo e Transportes do Pessoal da Administração Pública” e no Decreto-Lei n.º 192/95 de 28 de Julho “Ajudas de Custo no Estrangeiro”.

O principal pressuposto para a atribuição de ajudas de custo aos servidores do Estado é a existência de deslocação do funcionário em serviço para local diferente do seu domicílio necessário e, na óptica da Administração Tributária, o seu domicílio necessário seria o local onde aceitou prestar o serviço.

Este raciocínio estaria correcto se o Recorrido marido tivesse sido contratado em Portugal para prestar serviço em Inglaterra. Mas não é isso que resulta do contrato a que aludem os pontos 4. a 7. dos factos provados. O que dali resulta é que o Recorrido marido foi contratado para prestar serviço em Portugal e aceitou trabalhar deslocado em qualquer um dos estabelecimentos ou obras em que a C... exerça ou venha a exercer a sua actividade, incluindo no estrangeiro. O centro da sua actividade funcional é nas oficinas de Amora/Seixal, sendo dentro ou fora do território português os locais onde aceitou deslocar-se para realização da prestação de trabalho, dependendo de onde a C... tinha obras e trabalhos adjudicados, por períodos que podiam ser mais ou menos longos.

De todo o exposto decorre que a administração tributária não reuniu indicadores suficientes de que o abono da quantia em causa não observava os pressupostos da atribuição de ajudas de custo aos servidores do Estado.

Contrapõe a Recorrente que da forma como as ditas ajudas vêm descritas se afere o seu carácter remuneratório, nomeadamente, por faltarem muitos documentos justificativos de tais ajudas de custo - o facto de não terem sido elaborados boletins de itinerário.

Adiante-se, porém, quanto às irregularidades dos boletins de itinerário que a Recorrente pretende valorar, que a lei não exige a elaboração de boletins de itinerário semelhantes ao previstos para os funcionários do Estado para que as prestações efectuadas a trabalhadores por conta de outrem assumam a natureza de ajudas de custo ou, sequer, para que seja feita a prova da natureza dessas prestações.

Embora a qualificação da natureza das quantias recebidas por um trabalhador por conta de outrem tenha sempre subjacente um problema de prova, não é imprescindível a existência de boletins itinerários para a prova dos factos necessários à qualificação desses abonos como ajudas de custo - neste sentido, vejam-se os Acórdãos do TCA proferidos em 7/10/03, 13/05/03 e 12/12/03, nos Recursos nºs 466/03, 6910/02 e 898/03, respectivamente, e o Acórdão do STA proferido em 15/11/00 no Recurso n.º 25.481.
Como ficou dito neste acórdão do STA, «Não havendo qualquer exigência formal especial para prova da natureza de ajudas de custo de pagamentos efectuados a trabalhadores é admissível qualquer meio de prova, em conformidade com o preceituado no art. 134º do C.P.T. (e, presentemente, no art. 72.º da L.G.T. e 115.º do C.P.P.T.)».

Assim, para que os montantes em causa pudessem ser considerados ajudas de custo não era imprescindível o preenchimento de um boletim itinerário – cfr. Acórdão deste TCAN, de 14/09/2006, proferido no âmbito do processo n.º 111/02-Braga.

O que verdadeiramente releva no caso vertente é que o impugnante marido prestara serviço à sua entidade patronal, sediada em Portugal, em obra sita na Inglaterra, isto é, que se encontrava deslocado do seu local de trabalho. E, efectivamente, mostra-se provado nos autos que o impugnante celebrou contrato de trabalho com a “C...”, para exercer a actividade profissional de serralheiro civil de 1ª, tendo, no âmbito desse contrato, exercido funções em várias obras, nomeadamente em Southampton (Inglaterra).

Portanto, independentemente da falta dos boletins itinerários, o que releva é que as despesas foram efectuadas ao serviço da entidade patronal e por causa desse serviço, e não vem alegado que excedessem o valor previsto no CIRS para efeitos de tributação em sede deste imposto.

Por fim, argumenta a Fazenda Pública perceber-se (dos Mapas de Pagamento – Resumo) que os montantes pagos ao Impugnante como sendo de ajudas de custo terem pressuposto a laboração em dias não úteis (31 dias em Julho, 29 dias em Outubro e 29 dias em Novembro, etc.) mas, estranhamente, não ocorrer qualquer pagamento pela prestação de trabalho suplementar naqueles meses.

Efectivamente, destinando-se as ajudas de custo a compensar o trabalhador por despesas suportadas em favor da entidade patronal por motivo de deslocações ao serviço desta, é normal e comum que a entidade patronal só pague esse abono diário durante os dias úteis, e já não em férias ou aos fins-de-semana, dias em que o trabalhador não presta serviço.

Todavia, o seu pagamento em dias não úteis não releva para descaracterizar aquela natureza de ajudas de custo. Podemos até dizer que o facto de o abono diário variar nalguns meses é até indiciador da existência de correspondência entre as despesas efectuadas e as quantias pagas, tendo de ser encarado, na ausência de outros elementos que apontem em sentido contrário, como um facto conatural e inerente à sua natureza compensatória daqueles abonos.

Em conclusão, aceite que estava, pela Administração Tributária, a efectividade da deslocação, a qual, segundo as regras da experiência comum, implica geralmente despesas, incumbia-lhe demonstrar (ainda que através de factos indiciantes) que esse abono mensal e diário era totalmente independente das deslocações e das inerentes e normais despesas, representando um ganho real para o trabalhador ou, pelo menos, que esse abono excedia as despesas normais das deslocações ao serviço da entidade patronal. O que não fez, já que não provou, minimamente, a inexistência de despesas normais ou, sequer, que elas fossem largamente inferiores às importâncias pagas para as compensar.

Razão por que a impugnação tinha de proceder, como procedeu, com fundamento no facto de a Administração Tributária não ter logrado convencer, como lhe competia, que as quantias pagas como “ajudas de custo” não estavam conexionadas com as comprovadas deslocações para a obra em Southampton ou, ainda, que excediam as despesas normalmente suportadas com tais deslocações, em termos de integrarem o conceito de retribuição”.

Ora, também nos presentes autos resulta dos contratos de trabalho, mencionados em A) e B) do probatório, que o Impugnante foi contratado para as oficinas sitas na sede da C… (Amora, Seixal), sem prejuízo de ter de fazer deslocações a outros estabelecimentos ou obras (cláusula quarta).

Aliás, ficou nesses mesmos contratos logo estipulado que o Impugnante iria deslocar-se para obra em Monfalcone e para obra em Pont-Sur-Sambre, o que ocorreu efetivamente [cfr. facto D)].

Mais se refere que a situação de destacamento teria inerente o pagamento de uma ajuda de custo mensal de valor a fixar de acordo com o local da obra, acrescida de uma ajuda de custo diária, para os transportes.

Portanto, tal como se refere na jurisprudência citada, da leitura do contrato não resulta que o Impugnante tenha sido contratado para exercer funções em vários países da União Europeia. Foi contratado, sim, para exercer funções na sede da C…, sem prejuízo de realizar deslocações quando tal se justificasse – e tal não colide com o facto de os contratos preverem especificamente a realização de duas concretas deslocações.

Os demais fundamentos do RIT não são igualmente ponderosos, nos termos mencionados na jurisprudência citada, para a qual se remete.

Como tal, a AT não logrou carrear ao procedimento inspetivo elementos que, de forma sustentada, evidenciassem o caráter remuneratório dos valores em causa.

Assim sendo, não assiste razão à Recorrente.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso;

b) Custas pela Recorrente;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 01 de junho de 2023

(Tânia Meireles da Cunha)

(Susana Barreto)

(Patrícia Manuel Pires)