Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1361/06.3BELRA
Secção:CA
Data do Acordão:11/08/2018
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:DECISÃO EQUITATIVA
SINDICABILIDADE JUDICIAL
INDEMNIZAÇÃO ÀS VÍTIMAS DE CRIMES VIOLENTOS
DECRETO-LEI N.º 423/91, DE 30-10
Sumário:I - Através das normas insertas nos art.ºs 2.º, n.ºs. 1, 1.ª parte, 4 e 6, do Decreto-Lei n.º 423/91, de 30-10, remeteu-se para a Administração a procura e a fixação do quantum indemnizatório que mais se adeqúe ao caso, porque seja o valor mais justo, atendendo a todos os circunstancialismos que envolvem a decisão individual;
II - O juízo de equidade terá como limite interno a própria justiça material, que é, afinal, a razão pela qual o legislador concedeu à Administração o poder de decidir tendo por base a equidade;
III- Como reverso daquele limite, poderão os tribunais administrativos sindicar pela negativa o juízo equitativo que foi feito pela Administração, aferindo acerca da eventual violação do princípio da justiça, porque se tenha decidido de forma injusta, arbitrária ou desadequada;
IV- O juízo equitativo remete para uma obrigação acrescida em termos de fundamentação, porquanto a finalidade de alcançar a justiça concreta exige necessariamente uma exteriorização pormenorizada das razões decisórias, para que se possa dar por verificado o fim que está subjacente à própria decisão;
V- Se face à fundamentação adoptada pelo acto impugnado é possível concluir que a Administração fez uma errada interpretação do art.º 2.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 423/91, de 30-10 - porque entendeu que aquele preceito exigiria que a indemnização a atribuir não excedesse o montante arbitrado pela sentença penal – deve dar-se por verificada a existência de um vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de Direito.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I - RELATÓRIO
A..., em nome próprio e em representação das filhas menores, D... e B..., intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Leiria acção administrativa comum, contra o Ministério da Justiça (MJ), na qual impugna o Despacho de 21-08-2006, do Secretário de Estado da Justiça (SEJ), que concedeu à A. uma indemnização de €15.535,00, à sua filha D... de €13.500,00 e à sua filha B... de €17.500,00, em razão de terem sido vítimas de um crime violento.
Por Acórdão do TAF de Leiria foi julgada parcialmente procedente a acção e foi condenado o R. Estado Português (EP) a pagar os montantes indemnizatórios de €29.927,88 para a A., de €23.400,00 para D... e de €29.927,88 para B....

O MJ apresentou recurso e A... apresentou recurso subordinado.

Em alegações são formuladas pelo Recorrente MJ, as seguintes conclusões: “1. O acto impugnado não padece do vício que lhe é imputado, pela sentença recorrida, ao considerar, na fixação do quantum indemnizatório a atribuir à A. e suas filhas, no âmbito regime, previsto no DL 423/91, de 30 de Outubro, o limite da indemnização que fixada em sede penal àquelas interessadas, uma vez que tal elemento consta do processo administrativo.
2. Por essa razão bem andou a entidade administrativa ao definir, atentas as condições concretas do caso, no âmbito do seu poder discricionário e com respeito pelas vinculações legais impostas pelo DL 423/91,de 30 de Outubro, o quantum indemnizatório a atribuir à A. e suas filhas, nos termos que o fez.
3. Ademais, a sentença recorrida não pode defender que o regime de previsto no DL 423/91, de 30 de Outubro, é de carácter supletivo, não tem em mente a reparação de integral de danos patrimoniais e se baseia numa ideia de solidariedade social, e depois condenar o R. a pagar à A. e suas filhas uma indemnização, por danos patrimoniais, bastante superior àquela que viriam obter do titular da responsabilidade.
4. Pelo que o douto Tribunal incorreu em erro de apreciação e de direito ao assacar ao acto impugnado o vício de que lhe imputa, nos termos do artigo 9º do DL 423/91, de 30 de Outubro e 125º do CPA, sendo, também, nula nos termos nº 668º nº 1 alínea c) do CPC ex vi CPTA.
5. Do mesmo modo, ao Douto Tribunal ao condenar R. no pagamento dos montantes indemnizatório enunciados no ponto 1, extravasou ostensivamente o seu poder de pronúncia, atento o disposto no artigo 71º n° 2 do CPTA.
6. Uma vez que, o juízo de equidade a atender com vista à fixação do montante indemnizatório, previsto no artigo 2 nº 1 do Dl 423/91, de 30 de Outubro traduz-se num exercício de um poder discricionário pela Administração.
7. Por conseguinte, estaria sempre o Tribunal a quo, no caso concreto, limitado a enunciar as vinculações legais a que a entidade administrativa estaria obrigada a observar, com vista à pratica do acto supostamente devido.
8. Ao ter extravasado tal poder de pronúncia, incorreu o Douto Tribunal a quo em erro de direito, por violação do artigo 71º n° 2 do CPTA.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e confirmando-se a validade do acto impugnado, como é de Justiça!!”

A Recorrente A... não contra-alegou, mas apresentou recurso subordinado, onde formula as seguintes conclusões: “A) As aqui recorrentes pediram na acção que intentaram que o valor fixado fosse actualizado, com base no índice de preços ao consumidor com exclusão da habitação, desde data de pedido de indemnização pelas requerentes até efectivo e integral pagamento da mesma.
B) A douta sentença aqui em recurso e de que se recorre subordinadamente não apreciou tal pedido pelo que violou o disposto no artigo 668.° do Código de Processo Civil 668.°, n.° l, alínea d) do Código de Processo Civil
C) E é facto notório c conhecido que a moeda se desvaloriza, pois é facto de conhecimento geral (artigo 514.°, n.° l do CPC) - Ac. STJ de 18.07.1985: BMJ, 349.°... A correcção monetária decorrente do processo inflacionário tem de ser feita a partir da data do acidente... o processo inflacionário, por ser facto notório e do conhecimento geral, não carece de ser alegado nem provado (n. °1l do artigo 514.º do C. Civil)
Ver também Ac. STJ de 29.11.1989; AJ, 2.º/89, pag. 12) A inflação e a desvalorização da moeda são factos notórios, não precisando assim de ser alegados e provados D) O Ministério da Justiça foi condenado a pagar os seguintes montante indemnizatórios: À Autora o valor de € 29.927,88; À D... o valor de € 23.400,00; À B... o valor de €29.927,88.
E) Ora tendo em conta o que rezam os artigos 514.°, n.° l do CPC e artigos 550.° e 551.º do Código Civil aquelas quantias devem ser actualizadas com base no índice de preços ao consumidor com exclusão da habitação, desde a data do pedido de indemnização pelas requerentes até efectivo e integral pagamento.
F) Devendo o conhecimento deste recurso subordinado preceder o do recurso principal quando o objecto daquele seja questão, como é o caso, que nos termos do artigo 514.°, n.° l do CPC…, tenha prioridade sobre questão ou questões que sejam objecto do recurso principal, como aliás prescreve o artigo 752, n.° 2 do CPC
Foram violados os artigos 668.º n.° l, alínea d) e bem assim os artigos 514.°, n.° l e 725.°, todos do Código de Processo Civil, assim como os artigos 551.° e 554.°, ambos do Código Civil
Termos em que nestes e nos melhores de direito deve o presente recurso subordinado ser dado provimento com as legais consequência, assim se fazendo a costumada e habitual JUSTIÇA

O MJ não contra-alegou.
A DMMP junto deste TCA Sul, notificada nos termos do art.º 146.º, n.º 1, do CPTA não se pronunciou.

II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – OS FACTOS
Em aplicação do artigo 713º, n.º 6, do CPC, não tendo sido impugnada, remete-se a matéria de facto para os termos em que foi decidida pela 1ª instância.

II.2 - O DIREITO
As questões a decidir neste processo, tal como vêm delimitadas pelas alegações de recurso, do recurso subordinado e respectivas conclusões, são:
- aferir da precedência do conhecimento do recurso subordinado, nos termos do art. 752.º, n.º 2, do (antigo) CPC;
- aferir da nulidade decisória por a decisão recorrida ser contraditória nos seus fundamentos, por ter entendido que a indemnização atribuída tem natureza supletiva e se funda numa ideia de solidariedade social, e, em simultâneo, ter fixado um valor indemnizatório bastante superior àquele que a A. e suas filhas tiveram em sede de responsabilidade civil;
- aferir do erro decisório porque o Tribunal ao substituir-se à Administração no juízo de equidade pronunciou-se em matéria discricionária e, assim, extravasou os seus poderes de pronúncia;
- aferir do erro decisório porque na fixação do quantum indemnizatório a atribuir à A. e às suas filhas a Administração atendeu aos elementos constantes do processo administrativo, logo, também ao valor indicado na sentença condenatória penal, devendo este último valor ser considerado para efeitos da fixação da indemnização devida;
- relativamente ao recurso subordinado, aferir da nulidade decisória por a decisão recorrida não se ter pronunciado sobre o pedido deduzido na PI, para que o valor da indemnização fixada fosse actualizado com base no índice de preços do consumidor, com exclusão da habitação desde 01-02-2005, a data do pedido das requerentes e até efectivo e integral pagamento;
- aferir do erro decisório por o valor da indemnização não ter sido actualizado com base no índice de preços do consumidor, com exclusão da habitação desde 01-02-2005, a data do pedido das requerentes e até efectivo e integral pagamento.

Vem A... requerer que o recurso que apresentou – subordinado – seja de conhecimento prévio ao recurso principal, apresentado pelo MJ, invocando a respectiva precedência, nos termos do art.º 752.º, n.º 2, do (antigo) CPC.
O recurso interposto pela Recorrente é subordinado, não um agravo autónomo, que tenha subido em simultâneo com o recurso do MP. Logo, haverá que ser conhecido após o recurso principal e não previamente a este, não se retirando do invocado preceito uma regra diversa.
Acresce, que no recurso subordinado a Recorrente clama pela nulidade decisória, por a decisão recorrida não se ter pronunciado sobre o pedido deduzido na PI, para que o valor da indemnização fixada fosse actualizado com base no índice de preços do consumidor, com exclusão da habitação, assim como, vem alegar um erro decisório, pelas mesmas razões.
Por conseguinte, não existe nenhum motivo, legal ou lógico, para que o recurso subordinado tenha precedência no conhecimento face ao recurso principal.
Falece, assim, o correspondente pedido.

O Recorrente MJ vem invocar a nulidade decisória por a decisão recorrida ser contraditória nos seus fundamentos, por ter entendido que a indemnização atribuída tem natureza supletiva e se funda numa ideia de solidariedade social, e, em simultâneo, ter fixado um valor indemnizatório bastante superior à que a A. e suas filhas tiveram em sede de responsabilidade civil.
É jurisprudência pacífica que só ocorre a nulidade da decisão por omissão de pronúncia, nos termos do art.º 668.º, n.º 1, al. d), do anterior CPC (vide actualmente o art.º 615.º, n.º 1, al. b), do CPC), quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devia apreciar, que são todas as que lhe forem submetidas e que não se encontrem prejudicadas pela solução dada a outras (cf. art.ºs. 660.º, n.º 2, do anterior CPC e 608.º, n.º 2, do actual CPC). Deve o juiz apreciar as questões respeitantes ao pedido e à causa de pedir, e ainda, os argumentos, as razões ou fundamentos invocados pelas partes para sustentarem a sua causa de pedir. Mas só a falta absoluta de fundamentação gera a nulidade da decisão. Também nos termos da al. c) do n.º 1 do art.º 668.º do anterior CPC (que corresponde ao art.º 615.º do actual CPC), para ocorrer a nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos e decisão, terá de se verificar uma situação grave, patente, que implique uma incongruência absoluta.
Ora, no caso em apreço, o Tribunal ponderou as questões em litígio e decidiu-as. Para tanto, indicou o Tribunal as razões de facto e de Direito que levavam à sua decisão.
Explicou o Tribunal, na decisão recorrida, de forma escorreita e com uma fundamentação compreensível, o seu raciocínio. A simples leitura atenta da decisão permitiria ao Recorrente entender as razões aduzidas pelo Tribunal e compreender que não existia contradição alguma naquele raciocínio, com o qual podia, apenas, não concordar.
Da mesma forma, o Tribunal recorrido não foi contraditório nos fundamentos, pois apenas considerou que a indemnização havia de ser fixada por um valor superior, por assim o exigir a equidade, não obstante a indemnização ter natureza supletiva e se fundar numa ideia de solidariedade social. Tal fundamento não implica uma incongruência absoluta da fundamentação, mas só pode conduzir a um erro de Direito.
Em suma, com a fundamentação adoptada pela decisão recorrida ter-se-á de considerar que não ocorre nenhuma nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão.
O Recorrente pode discordar daquela fundamentação, mas a mesma não é reconduzível a uma nulidade da decisão. Evidência de que não existe nulidade alguma na decisão recorrida, pelo que a sua invocação é manifestamente improcedente e impertinente, é a própria Recorrente arguir a nulidade, e em simultâneo, pelas mesmas razões, o erro na decisão recorrida. Esta invocação simultânea é sinal claro de que a própria Recorrente reconhece que a decisão não encerrava nulidade alguma, tendo-a arguido desprovida das razões que legalmente fundam a invocação da nulidade decisória.
Por conseguinte, falece manifestamente a invocada nulidade da decisão.

Vem o Recorrente MJ invocar um erro decisório alegando que a Administração emitiu um juízo de equidade, que remete para o uso de competências discricionárias, que não poderia ser substituído pelo Tribunal e que na fixação do quantum indemnizatório se havia de atender necessariamente ao valor indicado na sentença condenatória penal, pelo que também foi errada a decisão recorrida quando entendeu que aquele valor não limitava a indemnização concedida.
Vejamos o regime legal em que se enquadra o litígio.
O Decreto-Lei n.º 423/91, de 30-10, prevê o pagamento pelo Estado de uma indemnização às vítimas de crimes violentos baseada numa ideia de solidariedade social e não numa teoria de responsabilidade do Estado.
Trata-se de fixar uma indemnização supletiva, que “não pretende substituir, por via de uma eventual qualificação como lex specialis, outras fontes do direito a uma reparação, porventura mais favoráveis (v. g. por o acto poder ser considerado como «acto humanitário ou de dedicação à causa pública»), antes constituindo um regime mínimo a que qualquer cidadão tem direito” - cf. preâmbulo do citado diploma.
Quanto aos danos cobertos serão apenas os patrimoniais resultante da lesão corporal ou da morte.
Refere-se, também, no preâmbulo do indicado diploma que: “A indemnização não deve intervir somente nos estritos casos de necessidade ou carência económica. Mas parece razoável admitir, visto tratar-se de uma «indemnização social», que a situação económica dos lesados possa ser tida em conta.
(…) Do montante da indemnização deve ser deduzida qualquer importância recebida de outra fonte, com a possível excepção de um seguro pessoal voluntário.”
Assim, no art.º 2.º, n.ºs 1, 2, 4, 6 e 7 do Decreto-Lei n.º 423/91, de 30-10, na redacção dada pela Lei n.º 10/96, de 23-03, 136/99, de 28-08, pelo Decreto-Lei n° 64/2004, de 22-03 e pela Lei n.º 31/2006, de 21-07 (aqui aplicável), estabeleceu-se o seguinte: “Artigo 2.º
Montante da indemnização
1 - A indemnização por parte do Estado é restrita ao dano patrimonial resultante da lesão e será fixada em termos de equidade, tendo como limites máximos, por cada lesado, o montante correspondente ao dobro da alçada da relação, para os casos de morte ou lesão corporal grave.
2 - Nos casos de morte ou lesão de várias pessoas em consequência do mesmo facto, a indemnização por parte do Estado tem como limite máximo o montante correspondente ao dobro da alçada da relação para cada uma delas, com o máximo total do sêxtuplo da alçada da relação.
(…) 4 - Será tomada em consideração toda a importância recebida de outra fonte, nomeadamente do próprio delinquente ou da segurança social; todavia, com respeito a seguros privados de vida ou acidentes pessoais, só na medida em que a equidade o exija.
(…) 6 - A fixação da indemnização por lucros cessantes tem como referência as declarações fiscais de rendimentos referidas na alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º
7 - No caso de não ter sido concedida qualquer indemnização no processo penal ou fora dele por facto unicamente imputável ao requerente, nomeadamente por não ter deduzido pedido de indemnização cível ou por dele ter desistido, o limite máximo do montante da indemnização a conceder pelo Estado é reduzido para metade, salvo quando circunstâncias excepcionais e devidamente fundamentadas aconselhem o contrário.
Determinam os art.ºs 5.º, 6.º, 7.º e 8.º do Decreto-Lei n.º 423/91, de 30-10, na redacção dada pela Lei n.º 10/96, de 23-03, 136/99, de 28-08, pelo Decreto-Lei n° 64/2004, de 22-03 e pela Lei n.º 31/2006, de 21-07, o seguinte: “Artigo 5.º
Requerimento e documentos anexos
1 - A concessão de indemnização por parte do Estado depende de requerimento das pessoas referidas no artigo 1.º ou do Ministério Público.
2 - O requerimento deve ser acompanhado de todos os elementos úteis justificativos, nomeadamente:
a) Indicação do montante da indemnização pretendida;
b) Cópia da declaração fiscal de rendimentos da vítima relativa ao ano anterior à prática dos factos, bem como, no caso de morte, da do requerente;
c) Indicação de qualquer importância já recebida, bem como das pessoas ou entidades públicas ou privadas susceptíveis de, no todo ou em parte, virem a efectuar prestações em relação com o dano.
3 - Se tiver sido deduzido pedido de indemnização no processo penal ou fora dele, nos casos em que a lei o admite, o requerimento deve informar se foi concedida qualquer indemnização e qual o seu montante.
4 - Em caso de falsidade da informação a que se refere o número anterior, o Estado tem direito ao reembolso da quantia eventualmente paga aos requerentes, devendo exercê-lo por meio de acção cível no prazo de um ano a contar da data em que tiver conhecimento da falsidade.
Artigo 6.º
Competência e instrução do pedido
1 - A concessão da indemnização é da competência do Ministro da Justiça.
2 - A instrução do pedido compete a uma comissão constituída por um magistrado judicial designado pelo Conselho Superior da Magistratura, que preside, por um advogado ou advogado estagiário designado pela Ordem dos Advogados e por um funcionário superior do Ministério da Justiça, designado pelo Ministro.
3 - Não podem constituir a comissão pessoas que tenham intervindo em qualquer processo instaurado pelo facto que der origem ao pedido de indemnização.
Artigo 7.º
Poderes da comissão
1 - A comissão a que se refere o artigo anterior procede a todas as diligências úteis para a instrução do pedido e, nomeadamente:
a) Ouve os requerentes e os responsáveis pela indemnização;
b) Requisita cópias de denúncias e participações relativas aos factos criminosos e de quaisquer peças de processo penal instaurado, ainda que pendente de decisão final;
c) Requisita informações sobre a situação profissional, financeira ou social dos responsáveis pela reparação do dano a qualquer pessoa, singular ou colectiva, e a quaisquer serviços públicos.
2 - Mediante autorização do Ministro da Justiça, a comissão pode ainda solicitar as informações que repute necessárias à administração fiscal ou a estabelecimentos de crédito, quando o responsável pela indemnização recuse fornecê-las e existam fundadas razões no sentido de que o mesmo dispõe de bens ou recursos que pretende ocultar.
3 - Às informações solicitadas não é oponível o sigilo profissional ou bancário.
4 - As informações obtidas dos números anteriores não podem ser utilizadas para fins diferentes da instrução do pedido, sendo proibida a sua divulgação.
Artigo 8.º
Prazos
1 - A instrução é concluída no prazo de três meses, salvo prorrogação autorizada pelo Ministro da Justiça, por motivos atendíveis e com base em proposta fundamentada da comissão.
2 - Concluída a instrução, o processo é enviado ao Ministro da Justiça, acompanhado de parecer sobre a concessão da indemnização e respectivo montante.
3 - Antes de concluída a instrução, pode a comissão sugerir ao Ministro da Justiça a concessão de uma provisão nos termos do n.º 4 do artigo 4.º”
Conforme deriva do supra indicado regime, a indemnização a arbitrar às vítimas de crimes violentos é uma competência do MJ, após instrução e parecer da Comissão de Protecção às Vitimas de Crimes Violentos (Comissão) - cf. art.º 6.º e 8.º do Decreto-Lei n.º 423/91, de 30-10.
Trata-se, ainda, de uma indemnização fixada em termos de equidade, dentro dos limites legais, nomeadamente dos indicados no art.º 2.º, n.ºs 1, 2, 4, 6 e 7, do supra-citado diploma.
Na fixação daquele valor há que atender obrigatoriamente “toda a importância recebida de outra fonte nomeadamente do próprio delinquente ou da segurança social”, mas no caso de “seguros privados de vida ou acidentes pessoais, só na medida em que a equidade o exija” – cf. art.º 2.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 423/91, de 30-10.
Nestes termos, assente o quadro legal em questão, há que concluir, primeiramente, que a decisão tomada pelo MJ relativamente ao quantum da indemnização se baseou no critério equidade.
Nessa mesma medida, porque fora do campo da estrita legalidade, a sindicabilidade daquela decisão pelos tribunais administrativos nunca poderá ser total, ou não pode admitir um controlo substitutivo, tal como foi feito na decisão recorrida.
Portanto, a decisão recorrida ao substituir-se à Administração no juízo de equidade, errou claramente e invadiu um espaço reservado ao decisor administrativo.
Porém, o juízo de equidade não se reconduz a um juízo arbitrário. Diversamente, o julgamento de equidade “visará ordenar determinado problema perante um conjunto articulado de proposições objectivas”, à luz da “vertente individualizadora da justiça”, que constituirá uma finalidade devida (in CORDEIRO, António Menezes - A decisão segundo a equidade. O Direito. Lisboa. 122, II (1990), pp. 267 e 271-272; Cf. também OTERO, Paulo - Equidade e arbitragem administrativa. Em Centenário do nascimento do Professor Doutor Paulo Cunha: estudos em homenagem Coord: António Menezes Cordeiro. Coimbra: Almedina, 2012. ISBN 978-972-40-4502-3. pp. 836-837).
Consequentemente, não obstante se estar frente a um espaço de livre decisão da Administração, ou de reserva da Administração, a decisão equitativa será sindicável pelos tribunais administrativos quando afronte o valor paramétrico que corresponde àquela justiça do caso concreto, que se quer atingida pelo uso do critério da equidade.
Ademais, tal como resulta do acima indicado, no caso em análise, que se delimita pelo preceituado no Decreto-Lei n.º 423/91, de 30-10, o juízo equitativo a formular pela Administração está balizado por toda uma série de outras vinculações pré-estabelecidas pelo legislador que, enquanto tal, são sindicáveis, nos seus precisos contornos, pelos tribunais administrativos.
Em suma, no caso concreto, para se aferir dos poderes cognitivos e substitutivos do juiz administrativo há que distinguir entre as vinculações que resultam para a Administração ao decidir segundo a equidade, das vinculações que ficaram pré-determinadas no Decreto-Lei n.º 423/91, de 30-10. No que concerne às primeiras, como explicaremos a seguir, o controlo pelos tribunais administrativos será sobretudo um controlo pela negativa, que nunca encerra poderes substitutivos. No que diz respeito às segundas, aquele controlo já poderá ser feito pela positiva, podendo encerrar, ou não, poderes substitutivos.
A decisão equitativa apela a um critério de justiça. Através do juízo de equidade pretende-se encontrar a solução mais justa para o caso concreto.
Menezes Cordeiro indica-nos duas acepções fundamentais para a equidade: uma noção mais fraca, em que a equidade intervém para corrigir a aplicação da lei - positiva - no caso concreto, como um mecanismo intra legem; e uma noção mais forte, no qual a equidade intervém praeter legem, para se encontrar a solução baseada na justiça - e não do direito estrito - à luz do caso concreto (cf. CORDEIRO, António Menezes - A decisão, ob. cit., p. 267).
No caso em apreço, a decisão tomada pelo MJ remete-nos para a equidade no seu sentido mais fraco: através do juízo equitativo quer-se encontrar a decisão mais justa para a situação jurídica que se individualiza, mas tal decisão move-se dentro das determinações que já estão (abstractamente) estabelecidas na lei, que se afeiçoam ou, se necessário, se corrigem, para encontrar a justiça do caso. A lei não fixa todas as soluções possíveis, mas mantém-nas em aberto e obriga a Administração a decidir adequando o caso concreto aos objectivos e limites que se pré-estabeleceu, seguindo razões de justiça concreta.
Não está na disponibilidade da Administração decidir se indemniza, ou não, as vítimas de crimes violentos, porquanto a lei determina esse dever de indemnizar. Quanto ao âmbito da indemnização circunscreve-se, por força da lei, ao dano patrimonial. Igualmente, na decisão que vier a tomar, a Administração tem de respeitar os limites máximos da indemnização, que vêm indicados na parte final do n.º 1 e nos n.ºs 2 e 7 do art.º 2.º do Decreto-Lei n.º 423/91, de 30-10. Na tomada da decisão, a Administração tem ainda que ponderar as importâncias que já foram recebidas pelos lesados, a existência de lucros cessantes, que terá que aferir por reporte para os valores constantes das declarações fiscais, ou a conduta dos lesados em sede de processo penal.
Mas, para além destas vinculações, o legislador terá considerado que o quantum indemnizatório não se coadunava com fórmulas fixas, sob pena de se chegar a uma solução injusta na diversidade das situações reais, pelo que remeteu para o critério da equidade essa determinação.
Daí, que as normas insertas nos art.ºs 2.º, n.ºs. 1, 1.ª parte, 4 e 6, do Decreto-Lei n.º 423/91, de 30-10, apresentem uma textura aberta, que remete para o decisor o restante do conteúdo da decisão. Assim, através destas últimas normas remeteu-se para a Administração a procura e a fixação do quantum indemnizatório que mais se adeqúe ao caso, porque seja o valor mais justo, atendendo a todos os demais circunstancialismos que envolvem a decisão individual.
Quanto à ponderação desses circunstancialismos à luz da finalidade da justiça do caso concreto, na parte em que escape às pré-balizas que ficaram estabelecidas pelo legislador, é uma tarefa que passa a caber, apenas, ao decisor.
Em consequência, o juízo de equidade terá como limite interno a própria justiça material, que é, afinal, a razão pela qual o legislador concedeu ao MJ o poder de decidir tendo por base a equidade (e não a legalidade estrita).
Como reverso daquele limite, poderão os tribunais administrativos sindicar pela negativa o juízo equitativo que foi feito pelo MJ, aferindo acerca da eventual violação do princípio da justiça, porque se tenha decidido de forma injusta, arbitrária ou desadequada. Visto de outra forma, a sindicabilidade judicial da decisão do MJ – na parte em que baseada apenas na equidade fixou o valor da indemnização devida - só pode ocorrer pela negativa, enquanto apreciação de limites e não encerrará – nunca - poderes substitutivos.
Poderão os tribunais administrativos aferir acerca da violação dos limites legais impostos pela equidade, verificando se, no caso concreto, a solução encontrada foi injusta ou desadequada. Mas não podem os tribunais administrativos substituir-se à Administração na escolha da decisão equitativa, porque a entendem como a mais justa e adequada ao caso concreto (cf. neste sentido, o Ac. do STA n.º 47741, de 07-11-2002).
Concomitantemente, o juízo equitativo remete para uma obrigação acrescida em termos de fundamentação, porquanto a finalidade de alcançar a justiça concreta exige necessariamente uma exteriorização pormenorizada das razões decisórias, para que se possa dar por verificado o fim que está subjacente à própria decisão. Ou seja, o raciocínio decisório deve ser explanado através de uma fundamentação completa, de uma argumentação que permita compreender a lógica do decisor ou as razões que levaram ao respectivo quantum indemnizatório.
Nas palavras de Menezes Cordeiro, a decisão equitativa exigirá sempre uma fundamentação que fazendo “apelo ao razoável, ao equilíbrio entre as partes e à justa repartição de encargos”, remeta para um sentido material de justiça (in CORDEIRO, António Menezes - A decisão, ob. cit., p. 280; Cf. também, OTERO, Paulo - Equidade e arbitragem administrativa. Em Centenário do nascimento do Professor Doutor Paulo Cunha: estudos em homenagem Coord: António Menezes Cordeiro. Coimbra: Almedina, 2012. ISBN 978-972-40-4502-3. p. 836-837).
Para efeitos do respectivo controlo jurisdicional, a fundamentação do acto administrativo – enquanto limite externo do exercício do poder administrativo – ganha também aqui uma especial importância, pois interliga-se com a aferição do limite interno que decorre da obrigação administrativa de procurar e efectivar a justiça do caso concreto.
Ou seja, para demonstrar que cumpriu o fim de justiça (concreta), o decisor administrativo terá de expressar o seu raciocínio decisório através de uma fundamentação completa, de onde se retire que ponderou todas as variáveis do caso à luz daquele mesmo fim e das demais balizas que estejam pré-fixadas pelo legislador. Por seu turno, para a aferição pelo julgador da eventual violação do fim de justiça pelo decisor administrativo, concorrerá, necessariamente, a fundamentação que se tenha dado ao acto.
Na decisão recorrida não se aferiu nem da violação do supra indicado fim da justiça material, enquanto limite interno do acto administrativo em questão, nem da eventual violação do dever de fundamentação (acrescida). Diversamente, partindo-se do pressuposto que se deveria desprezar o pedido impugnatório face ao pedido de condenação à prática do acto devido, apreciou-se imediatamente o quantum indemnizatório, considerando-se dever “saber se o capital necessário para compensar a perda patrimonial (decorrente da perda do marido da A.) se encontra dentro dos padrões equitativos para o presente caso”. Depois, entendendo-se que a indemnização fixada não era equitativa e justa, fez-se um novo juízo de equidade e fixou-se a indemnização devida em €29.927,88 para A..., em €23.400,00 para a filha D... e em €29.927,88 para a filha B..., condenando-se o MJ a pagar estes novos quantitativos.
Ora, tal como invoca o Recorrente MJ, ao assim proceder a decisão recorrida invadiu um campo que pertencia unicamente à Administração, pois não se limitou a fazer um juízo pela negativa, acerca da violação limites legais impostos pela equidade, mas procedeu a uma apreciação substitutiva da Administração, que não se alicerçou na consideração da injustiça, arbitrariedade ou desadequação dos valores administrativamente fixados.
A presente situação remete para uma decisão da Administração tomada com base no critério da equidade. A remissão para tal critério implica a atribuição à Administração de uma margem de livre apreciação, competindo-lhe, apenas a ela, adequar as circunstâncias concretas do caso à justiça material que se pretende atingir com (aquela) decisão equitativa. No leque das várias soluções possíveis, a Administração tem de encontrar aquela que se lhe afigure a mais adequada, porque justa. Esse juízo encerra, portanto, competências subjectivas. Nessa mesma medida, o indicado juízo é insindicavel pelos tribunais, que não podem substituir-se à Administração, fazendo um novo juízo equitativo.
Assim, tem de proceder o recurso nesta parte, não se podendo acompanhar a decisão recorrida quando julgou que a decisão do MJ não era a mais equitativa e procedeu a um novo juízo, calculando novos quantitativos para a indemnização devida.
Sem embargo do que antes se afirma, verifica-se, ainda, que a decisão recorrida ao calcular a nova indemnização visou igualmente conhecer da alegação feita na PI relativa ao erro na fixação do quantum indemnizatório por na declaração fiscal de 2003 se indicar um lucro no montante de €21.268,50 e nos termos do n.º 6 do art.º 2.º do Decreto-Lei n.º 423/91, de 30-10, aquele valor dever ser tido em conta pela Administração. Ou seja, na PI a A. tinha alegado que o cálculo feito pela Comissão foi errado porque atendendo ao valor daquele lucro dever-se-ia concluir que o agregado familiar tinha um rendimento mensal de €1.789,04, não sendo “lógica” a conclusão da Comissão quando considerou que desse rendimento mensal se retirava que as menores beneficiariam de quantia não inferior o €150,00€ por mês e a Mãe de quantia não inferior a €400,00.
Segundo a A., face àquele rendimento mensal havia de concluir-se que cada menor beneficiaria de um rendimento mensal não inferior a €500,00.
Nesta sequência, com base no indicado rendimento mensal de €1.789,04, na decisão recorrida afirma-se que os valores fixados pela Comissão “se nos afiguram ser muito inferiores aos montantes disponíveis pela A. e filhas antes da ocorrência do crime” pelo que “nunca se deveria deixar de atribuir uma quantia superior à A. que deverá ser próximo dos €600,00 mensais” e às “crianças” “não considerando a pensão de sobrevivência de €70,80, deverão receber uma indemnização de cerca de €150,00 mensais”.
Tal como acima indicamos, o juízo equitativo a levar a cabo pelo MJ, para além de ter que respeitar um princípio de justiça material e exigir uma fundamentação acrescida, está ainda balizado por diversas vinculações, pré-estabelecidas pelo legislador.
Assim, a indemnização concedida tem de se restringir aos danos patrimoniais e não pode ultrapassar os limites fixados no art.º 2.º, n.ºs 1, parte final, 2 e 7.
Igualmente, na fixação daquele valor há que atender obrigatoriamente “toda a importância recebida de outra fonte nomeadamente do próprio delinquente ou da segurança social”, mas no caso de “seguros privados de vida ou acidentes pessoais, só na medida em que a equidade o exija” – cf. art.º 2.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 423/91, de 30-10.
Nos termos do n.º 6 do citado art.º 2.º do mesmo diploma, na fixação da indemnização por lucros cessantes a Administração tem também de ter como referência as declarações fiscais de rendimentos.
Por conseguinte, a decisão sindicada poderia escrutinar estes aspectos vinculados do agir administrativo. Depois, caso viesse a concluir que algum aspecto vinculado tinha sido desrespeitado, poderia, então, condenar a Administração a agir conforme a legalidade, eventualmente emitindo uma pronúncia substitutiva, caso ocorresse uma situação de vinculação total.
Ora, no que concerne à correlação entre o valor constante das declarações fiscais e o cálculo da indemnização às vítimas por lucro cessantes, apenas decorre do Decreto-Lei n.º 423/91, de 30-10, a obrigação da Administração ponderar necessariamente essas variáveis, logicamente atendendo à normalidade das coisas e aos valores de justiça que estão ínsitos ao juízo de equidade.
Conforme decorre da matéria fáctica apurada, no acto sindicado apreciou-se e ponderou-se o valor indicado na declaração fiscal de 2003. Ali entendeu-se que a perda patrimonial das menores era de €80,00 mensais e a de A... era de €400,00 mensais.
Logo, estará respeitada a vinculação legal que obriga à Administração a ponderar o valor constante da declaração fiscal para aferir os lucros cessantes.
Quanto ao valor concreto pelo qual se deva fazer o cálculo da indemnização devida, o mesmo não resulta em termos totalmente pré-definidos da correspondente lei.
Assim, o escrutínio judicial desse cálculo também só pode fazer-se pela negativa, apreciando da eventual violação dos princípios legais que enquadram a actividade administrativa, no caso, atendendo aos princípios da justiça e da proporcionalidade, na sua vertente da adequação, verificando se o estabelecimento dos indicados montantes é desajustado, injusto ou desproporcional.
O acto sindicado fixou a perda patrimonial de cada menor pelo valor mensal de €150,00 e calculou nesta parte a indemnização mensal a atribuir-lhes em €80,00, a cada uma. Por seu turno, relativamente a A..., calculou tal perda mensal em €400,00. Os indicados valores somam um total de €700,00. Na fundamentação do acto sindicado decorre, ainda, que no cálculo da indemnização atribuída a cada uma destas vítimas se atendeu, nos termos do art.º 2.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 423/91, de 30-10, ao valor indemnizatório concedido pela sentença condenatória – global de €141.535,00, sendo de €46.535,00 para os danos patrimoniais – ao valor pago pela seguradora – de €39.425,51 - e ao valor da pensão de sobrevivência que fora atribuído a cada menor - de €70,80 mensais para cada. Igualmente, considerou-se naquela decisão o valor indicado na declaração fiscal de 2003, de €21.468,50 anuais.
Logo, neste contexto, não se pode entender violado o art.º 2.º, n.º 6, do Decreto-Lei n.º 423/91, de 30-10, ou os princípios da justiça, proporcionalidade e adequação, pois os valores que estão na base do cálculo da indemnização atribuída à A. e suas filhas, quando fundado em lucros cessantes, são valores que não são desajustados, injustos ou desproporcionais.
Calcular um montante total de €700,00 a título de lucros cessantes, tendo por base os anteriores quantitativos e um rendimento anual de €21.468,50 - que dividido por 12 meses dá €1.789,04 - não se afigura algo que afronte os princípios da justiça e igualdade.
Portanto, também aqui não se pode acompanhar a decisão recorrida, nem na sua fundamentação, nem no seu sentido decisório.

O Recorrente MJ invoca, ainda, um erro decisório, alegando que na fixação do quantum indemnizatório a atribuir à A. e às suas filhas, a Administração atendeu aos elementos constantes do processo administrativo, logo, também ao valor indicado na sentença condenatória penal, não padecendo de nenhum erro a consideração pela Comissão do valor indemnizatório fixado na sentença condenatória.
Na decisão recorrida julgou-se errada a decisão da Comissão, por ter feito uma errada interpretação do art.º 2.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 423/91, de 30-10, quando co-relacionou o montante da indemnização a atribuir com o montante da indemnização arbitrada pela sentença condenatória. Assim, não obstante não se afirmado de forma expressa, naquela decisão deu-se por verificado o invocado vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito, relativamente ao despacho de 21-08-2006 do SEJ.
Dos factos provados em 10. a 12, resulta que a Comissão no juízo que produziu para arbitrar a indemnização a A... e suas filhas – que se baseou na equidade – atendeu, entre outros aspectos, aos valores constantes da condenação penal. Por seu turno, o SEJ veio a reduzir a indemnização proposta pela Comissão para A... de €20.000,00 para €15.535,00, invocando ser o que derivava da equidade atendendo ao que fora recebido pela Seguradora e ao montante que tinha sido arbitrado pela sentença condenatória para os danos patrimoniais, que se considerava ser também um “limite legal”.
Ou seja, conforme resulta da fundamentação do acto da Comissão, esta entidade não indicou que o valor fixado pela sentença penal para os danos patrimoniais funcionasse como limite legal para a atribuição da indemnização às vítimas de crimes violentos. Pelo contrário, decorre evidente do parecer da Comissão que o montante fixado pela sentença penal não era um limite, mas apenas um valor a ponderar no juízo equitativo que se fez, pelo que se propôs uma indemnização que excedia o tal montante da condenação penal.
Mas o mesmo raciocínio não ocorre com o acto do SEJ. Da fundamentação deste acto resulta que o SEJ arbitrou a indemnização a A... e suas filhas tendo por base um juízo equitativo, mas, em simultâneo, considerou que o valor atribuído pela decisão penal para indemnizar os danos patrimoniais era um “limite legal”. Porque assim se entendeu, reduziu-se a indemnização atribuída a A... de €20.000,00 para €15.535,00, fazendo-se corresponder o valor global da indemnização a atribuir a €46.535,00, o mesmo que já tinha sido atribuído pela sentença penal.
Portanto, face à fundamentação adoptada pelo acto do SEJ é possível concluir, como se faz na decisão recorrida, que aquele SEJ fez uma errada interpretação do art.º 2.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 423/91, de 30-10, porque entendeu que tal preceito exigiria que a indemnização a atribuir não excedesse o montante arbitrado pela sentença penal.
Nos termos do indicado preceito, na redacção dada pela Lei n.º 10/96, de 23-03, 136/99, de 28-08, pelo Decreto-Lei n° 64/2004, de 22-03 e pela Lei n.º 31/2006, de 21-07 “Nos casos de morte ou lesão de várias pessoas em consequência do mesmo facto, a indemnização por parte do Estado tem como limite máximo o montante correspondente ao dobro da alçada da relação para cada uma delas, com um máximo total do sêxtuplo da alçada da relação”.
Assim, considerando que à data da prolação do acto sindicado – em 21-08-2006 - o valor da alçada do Tribunal da Relação era de €14.963,94, a indemnização a fixar por cada lesado não poderia ser superior a €29.927,88 e no global não poderia ser superior a €89.783,64.
Consequentemente, porque a indemnização a atribuir a A..., de €20.000,00, ou a indemnização total de €51.000,00, que vinha proposta pela Comissão, não excedia aqueles montantes, foi errada a decisão do Secretário de Estado, quando entendeu que do art.º 2.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 423/91, de 30-10, derivava um “limite legal” para a atribuição da indemnização equivalente ao valor da indemnização atribuída pela sentença penal e que esse limite se situava nos €46.535,00
Há, portanto, que julgar improcedente o recurso nesta parte e confirmar a decisão recorrida quando entendeu que o acto sindicado enfermava de uma invalidade por haver interpretado erradamente o art.º 2.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 423/91, de 30-10.
Em conclusão, o recurso interposto pelo MJ procede parcialmente, havendo que revogar-se a decisão recorrida quando entendeu que a indemnização fixada não era equitativa e justa e fez um novo juízo de equidade, fixando a indemnização devida em €29.927,88 para A..., em €23.400,00 para a filha D... e em €29.927,88 para a filha B..., condenando, depois, o MJ a pagar esses mesmos montantes.
Mas mantem-se aquela decisão quando entendeu que o acto sindicado enfermava de uma invalidade por haver interpretado erradamente o art.º 2.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 423/91, de 30-10.
Em consequência, terá de ser anulado o despacho de 21-08-2006, do SEJ, que concedeu à A. uma indemnização de €15.535,00, à sua filha D... de €13.500,00 e à sua filha B... de €17.500,00, em razão de terem sido vítimas de um crime violento, por tal acto padecer de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de Direito, por se ter limitado o montante indemnizatório a €46.535,00, o valor que resultava da indemnização atribuída pela sentença penal.
Em consequência, condena-se a entidade demandada, na pessoa do Ministro da Justiça, a atribuir um novo montante indemnizatório que não se restrinja àquele limite de €46.535,00, devendo, antes, apenas limitar-se em função dos quantitativos que resultam do art.º 2.º, n.ºs 1, 2, 4, 6 e 7 do Decreto-Lei n.º 423/91, de 30-10, na redacção dada pela Lei n.º 10/96, de 23-03, 136/99, de 28-08, pelo Decreto-Lei n° 64/2004, de 22-03 e pela Lei n.º 31/2006, de 21-07.

A... interpõe recurso subordinado invocando a nulidade decisória por a decisão recorrida não se ter pronunciado sobre o pedido deduzido na PI para que o valor da indemnização fixada fosse actualizado com base no índice de preços do consumidor, com exclusão da habitação desde 01-02-2005, a data do pedido das requerentes e até efectivo e integral pagamento.
A decisão recorrida, na verdade, não apreciou do indicado pedido formulado na PI, omitindo por completo a sua existência.
Portanto, a referida decisão omitiu uma pronúncia que devia apreciar, porque requerida pela A. na PI. Nessa medida, procede a invocada nulidade decisória - cf. art.ºs. 660.º, n.º 2 e 668.º, n.º 1, al. d), do anterior CPC.
Não obstante a verificação da invocada nulidade, nos termos do art.º 715.º, n.º 1, do (antigo) CPC, cumprirá a este TCAS conhecer do objecto da apelação, aferindo do invocado erro decisório por o valor da indemnização não ter sido actualizado com base no índice de preços do consumidor, com exclusão da habitação desde 01-02-2005, a data do pedido das requerentes e até efectivo e integral pagamento.
Este pedido - que vem formulado no ponto III do petitório incluso na PI - é relativo ao pedido de condenação do MJ a atribuir uma indemnização à A. no montante de €29.927,87.
Porque o pedido condenatório claudica, conforme resulta deste recurso, este pedido para a actualização da indemnização que vem peticionada também terá necessariamente que falecer.
Ademais, do invocado Decreto-Lei n.º 423/91, de 30-10, não deriva qualquer obrigação legal da indemnização a atribuir ser actualizado com base no índice de preços do consumidor, pelo que, no caso, também não se verificaria a permissão legal constante da primeira parte do art.º 551.º do Código Civil.
Portanto, esta pretensão da A. teria sempre que falecer.

III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam:
- em conceder provimento parcial ao recurso interposto pelo MJ, revogando a decisão recorrida na parte em que condenou o MJ no pagamento da indemnização de €29.927,88 a A..., de €23.400,00 à sua filha D... e de €29.927,88 à sua filha B...;
- julgar inválido o despacho de 21-08-2006, do SEJ, por padecer de vício de violação de lei e, em consequência, condena-se a entidade demandada, na pessoa do Ministro da Justiça, a atribuir um novo montante indemnizatório a A... e suas filhas D... e B..., que não se restrinja ao limite de 46.535,00€;
- em conceder provimento parcial ao recurso subordinado interposto por A..., julgando nula a decisão recorrida por não se ter pronunciado sobre o pedido deduzido na PI para que o valor da indemnização fixada fosse actualizado com base no índice de preços do consumidor;
- em substituição, julgar improcedente o indicado pedido
- custas do recurso principal pelos Recorrente e Recorrida, na proporção do decaimento, que se fixa de 50% para cada parte e custas do recurso subordinado pela Recorrente (cf. art.ºs. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2, do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA).

Lisboa, 8 de Novembro de 2018.

(Sofia David)
(Conceição Silvestre)

(José Correia)