Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2935/15.7BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/27/2021
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores:PROCEDIMENTO CONTRAORDENACIONAL
PRESCRIÇÃO
CAUSAS DE INTERRUPÇÃO E DE SUSPENSÃO
Sumário:I. O prazo de prescrição do procedimento por contraordenação é de 5 anos (cf. artigo 33/1 do RGIT).
II. Para efeitos do n.º 3 do artigo 28.º do RGCO, que estabelece um prazo de prescrição máximo do procedimento, apenas releva o tempo de suspensão, não sendo de considerar qualquer interrupção ocorrida no procedimento;
III. A falta do pagamento do IMT constitui uma infração omissiva que se considera praticada na data em que termina o prazo para o cumprimento e é a partir dessa data que se inicia o prazo de prescrição do procedimento por contraordenação.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - Relatório

A Autoridade Tributária e Aduaneira, não se conformando com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que ordenou a devolução dos autos à entidade administrativa, no âmbito do processo de contraordenação nº 325520110600..., em que foi aplicada à V... - I..., S.A., uma coima no montante de € 26.935,08, por infração prevista e punida nos artigos 36.° do CIMT e 114/2 e 26/4 do RGIT, dela veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo Sul.


Nas alegações de recurso apresentadas, a Recorrente formula as seguintes conclusões:

I. - O requisito da decisão administrativa de aplicação da coima prevista no n° 1 do artigo 79° do RGIT - descrição sumária dos factos - deve interpretar-se tendo presente o tipo legal de infração no qual se prevê e pune a contraordenação imputada ao arguido, sendo que os factos aí descritos, devem sê-lo sumariamente, encontrando-se assim devidamente fundamentada a recorrida decisão de aplicação da coima.
Tais factos constitutivos constam dessa decisão e, como tal, encontram a sua fundamentação legal ínsita na tipicidade da norma que os pune como contraordenação fiscal, tendo em causa a conduta do agente.

II. Como tem sido entendimento jurisprudencial, para que se verifique a possibilidade de dispensa da coima o art° 32° do Regime Geral das Infrações Tributárias impõe que se verifiquem, cumulativamente, os seguintes requisitos: que a prática da infração não ocasione prejuízo efetivo à receita tributária; que esteja regularizada a falta cometida; que a falta revele um diminuto grau de culpa.

III. De acordo com as decisões dos Tribunais sobre a matéria, a exigência cumulativa de que esteja regularizada a falta cometida e que a prática da infração não ocasione prejuízo efetivo à receita tributária conduz à conclusão de que, para ocorrer dispensa, não basta a regularização da falta, sendo necessário que se esteja perante uma situação em que não chegou a produzir-se prejuízo, antes de ocorrer a regularização.
Assim, é condição da dispensa de coima que não tenha sido ocasionado prejuízo, não sendo relevante para preenchimento dessa condição o eventual ressarcimento do prejuízo provocado pela conduta que constitui contraordenação.
Tais desideratos não têm lugar nos presentes autos.

IV. No que respeita à resolução de que a decisão proferida em sede de contraordenação tributária deve ser anulada porque “persiste a omissão relativa ao montante da prestação tributária em falta, elemento essencial para a definição concreta da medida da coima, devendo constar expressamente da fundamentação da decisão se o recorrente procedeu ou não ao pagamento parcial ou total da liquidação oficiosa efetuada, bem como a data em que assim procedeu.
Por outro lado e, analisada a fundamentação daquela decisão administrativa, verifica-se que a mesma se encontra claramente em contradição, quando refere que, a recorrente não tem obrigação de não cometer a infração, que pratica a infração frequentemente, mas que há mais de 6 meses que a infração não é praticada.”, não podemos concordar com essa decisão.

V. A autoridade administrativa fez prova, designadamente que, a infração respeita a imposto sobre as transmissões onerosas, IMT; sobre o valor da prestação tributária em falta 134.675,40 Eur e, a data da infração que ocorreu em 20/12/2010.
Quanto às normas punitivas, o despacho administrativo indica, expressamente, os art.°s. 36.°, do CIMT e art.°s. 114.°, n.° 2 e 26.°, n.° 4 do RGIT.
Portanto, como já referimos, a fls. 76 e 77 dos autos a AT menciona que a moldura abstrata tem como limite mínimo o montante de Eur. 26 935,08 e, como limite máximo o montante de Eur.30 000,00 e mais indica, os elementos que contribuíram para a graduação da coima concreta, o que fixou no valor igual ao mínimo legal.
Ora, assim sendo e concluindo, as referências concretas e individualizáveis aos factos constantes do auto de notícia e a outros elementos explicitados e levados em consideração na graduação da coima pela autoridade administrativa, satisfazem as exigências legais previstas no n.° 1 do art. 79.° do RGIT e a graduação da coima respeita o disposto no n.° 1 e no n.° 2 do art. 27.°, também do RGIT.

VI. Por último, quanto à suposta contradição quando se refere que, a recorrente não tem obrigação de não cometer a infração e, que, “pratica a infração frequentemente, mas que há mais de 6 meses que a infração não é praticada”, tais elementos que contribuíram para a graduação da coima concreta, estão corretamente formulados ainda que sucintamente, pois que, apesar de existir um dever de zelo consubstanciado num dever profissional com manifesta conexão funcional com o desempenho do serviço/função a que a arguida se encontra adstrita, o mesmo cumpre-se mediante uma atuação funcional, por não se enquadrar no âmbito de factos de interesse público ou de imagem pública, o que não é incompatível com o facto de terem decorrido (à data do levantamento do auto de notícia) mais de seis meses desde a prática da última infração e ser baixa a situação económica e financeira da arguida.

VII. Como se conclui, na decisão de aplicação da coima foram cumpridos os requisitos do art. 79.°, n.° 1, do RGIT - a descrição sumária dos factos e a indicação das normas violadas e punitivas, com vista a assegurar ao arguido a possibilidade do exercício efetivo dos seus direitos de defesa.

VIII. Nesta senda, salvo o devido respeito, a sentença recorrida, ao fundamentar indevidamente os factos com deficit instrutório e consequente errada interpretação da lei, não poderá manter-se na ordem jurídica.

IX. Como tal, face ao supra já demonstrado em sede de alegações a decisão recorrida deve ser revogada.

Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado procedente anulando-se a recorrida decisão em apreço, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.


A Recorrida apresentou contra-alegações, tendo formulado as conclusões seguintes:

1. A infração alegadamente praticada pela Recorrida reporta-se a 21.06.2010, e não a 20.12.2010, como descrito na Decisão da fixação da coima, atento o facto de que foi naquela data que terminara o prazo para o cumprimento da obrigação tributária a que a Recorrida estava adstrita - pagamento do IMT - sem que este se tivesse verificado.
Estando em causa infrações fiscais omissivas, estas consideram-se praticadas na data em que termine o prazo para o cumprimento das obrigações tributárias - conforme disposto no nº 2 do artigo 5.º do RGIT. Logo, haverá que reconhecer-se que, nos termos do artigo 33.º, n.º 1, do RGIT, o presente procedimento contraordenacional se encontra prescrito. Tal, porquanto desde aquela data até à presente já decorreu o prazo legal de prescrição de cinco anos.
A prescrição constitui motivo extintivo do presente processo de contraordenação, consubstanciando uma exceção perentória de conhecimento oficioso em qualquer altura do processo, até à decisão final, nos termos do disposto na alínea b) do artigo 61.º do RGIT. 

2. Face à desconsideração dos vícios assacados à notificação inicialmente dirigida à Recorrida, e tendo presente que a notificação sobre que recaem as presentes contra-alegações é idêntica àquela de finais de 2011, reitera a Recorrida as nulidades insupríveis de que a notificação padece.

3. Nomeadamente, por se verificar uma que é justificada, agora em sede de Recurso, por parte da ora Recorrente, de forma incoerente e ininteligível, e que se encontra nitidamente desfasada da factualidade em litígio, pelo que dela não se consegue retirar nenhum raciocínio ou efeito útil, que seja esclarecedor da contraditoriedade que mantém na sua Decisão da fixação da coima, principalmente quando assinala a não obrigatoriedade de não cometer a infração ou, até, a prática frequente (?) da infração.
Tendo essa contraditoriedade sido assinalada na Decisão proferida no âmbito do Processo n.º 07328/14, 2.5 Juízo – 2ª Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, que refere: '‘despacho este que padece até de uma outra contraditoriedade, pois à referência "obrigação de não cometer a infracção" (negrito nosso) responde "não’', o que significa que a arguida não tinha essa obrigação...".
E ora novamente analisada na Sentença do tribunal o quo, que concluiu no mesmo sentido que a Decisão proferida pelo TCAS: "Por outro lado e, analisada a fundamentação daquela decisão administrativa, verifica-se que a mesma se encontra claramente em contradição, quando refere que, a recorrente não tem obrigação de não cometer a infracção, que pratica a infracção frequentemente, mas que há mais de 6 meses que a infracção não é praticada.’'

4. Até à presente data, a ora Recorrida desconhece por completo se foi efetivamente levantado Auto de Notícia, se o foi por funcionário competente ou qual o seu conteúdo.
O processo de Contraordenação fiscal padece de nulidade insuprível, decorrente da "falta de notificação do Auto de Notícia", fazendo com que a ora Recorrida não possa ter conhecimento e não possa, consequentemente, analisar todas as razões que serviram de fundamento à aplicação da coima. Não permite, desta forma, que se possa aferir do cumprimento de todos os requisitos exigidos pela lei, por parte da Administração Fiscal, nomeadamente os previstos nos artigos 57.º, 59.º e 60.º do Regime Geral das Infrações Tributárias.

5. O processo de Contraordenação fiscal padece ainda de nulidade insuprível, decorrente da "omissão da descrição sumária dos factos relacionados, ou constitutivos, da infracção", prevista nos artigos 79.º, n.º 1, alínea b) e artigo 63.º, n.º 1, alínea b) do Regime Geral das Infracções Tributárias, uma vez que o Despacho de aplicação da coima se limita a fazer uma mera remissão para o Auto de Notícia, que não foi sequer notificado à ora Recorrida.

6. A decisão de aplicação de coima proferida no processo de contraordenação supra identificado não revela fundamentada, clara e inequivocamente a condição económica da arguida, a gravidade dos factos ou a culpa do agente. No caso em apreço, é manifesto que a decisão de fixação da coima não contém os requisitos legalmente exigíveis, não tendo, igualmente, sido convocados outros elementos importantes para a decisão, como sucede com os montantes mínimo e máximo da coima, conexionados com o montante da prestação tributária em falta, elemento essencial para a definição concreta desses montantes, tal como exige o art.º 79.º, n.º 1, al. c), 2.ª parte, do RGIT.
Refere, ainda, a Decisão da Fixação da Coima que não ocorreram atos de ocultação, a frequência da prática é frequente (o que muito se estranha!), que se tratou de negligência simples, que não havia obrigação de não cometer a infração (?), que a situação económica e financeira da Recorrida é baixa e que o tempo decorrido desde a prática da infração até à data é superior a seis meses.
Pior, não é explícita a razão pela qual se optou pela fixação da coima por aquele valor e não por outro qualquer. Nestes termos, será de salientar que o artigo 27.2 do RGIT não foi efetivamente cumprido, graduando-se a coima em função da gravidade do facto, da culpa do agente e da sua situação económica, inclusive com fundamentação a este respeito.
Tal origina a falta de requisitos legais da decisão que aplica a coima, previstos no artigo 79.º do RGIT, e constitui, segundo a alínea d) do n.º 1 do artigo 63.º do mesmo diploma, uma nulidade insuprível do processo de contraordenação fiscal.
Por isso, a falta de indicação dos referidos elementos, que obrigatoriamente devem constar da decisão, em abstrato têm influência na defesa da Recorrida, havendo que reconhecer-se que tal é suficiente para que se diga nitidamente que estão em causa nulidades insupríveis, nos termos do disposto no art.º 63.º, n.º 1, al. d), conjugado com o estabelecido no art.º 79.º, n.º 1, al. c), ambos do RGIT.

7. Em momento algum, quer na 1.ª, quer na 2.ª decisão administrativa, veio a Recorrente demonstrar os cálculos que efetuou para que se apurasse o montante da coima fixado na Decisão da Fixação da Coima, que se reputa como controverso devido à insuficiência dos mesmos.
Destarte, não se consegue vislumbrar como apurou a Recorrente aqueles valores mínimo e máximo (€ 26.935,08 e € 30.000,00, respetivamente) que, para além de registarem uma margem efetiva (entre limite mínimo e máximo) reduzida, não são acompanhadas de qualquer tipo de fundamentação e cálculos para o seu apuramento, assentando apenas na referência a dois artigos do RGIT (artigos 114.º, n.º 2 e 26.º, n.º 4) na Decisão da Fixação da Coima.
Assim sendo, deveria a fixação concreta do montante da coima conter a indicação de elementos que efetivamente contribuíram para a fixação da coima, bem como a demonstração dos cálculos que efetuou para que se apurasse aquele montante.

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser julgado improcedente e, em conformidade, ser mantida na ordem jurídica a douta Sentença recorrida, com todas as legais consequências.


O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso jurisdicional.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II – Fundamentação

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso [artigo 411º do Código de Processo Penal (CPP) aplicável ex vi artigo 41/1, do RGCO, por sua vez aplicável ex vi artigo 3.b) do RGIT].

Nos presentes autos importa em primeiro lugar apreciar e decidir da questão da prescrição do procedimento contraordenacional suscitada pela Recorrida.

Depois, em caso de resposta negativa, se a sentença recorrida padece de erro de julgamento, ao decretar a procedência do recurso por ter concluído existir, no auto de notícia, omissão de um elemento da ação típica do delito em causa, com a consequente nulidade insuprível de harmonia com o disposto no artigo 63/1.d), do RGIT, com referência ao artigo 79/1.b), do mesmo diploma.


II.1- Dos Factos

Ainda que não venham destacados factos provados e não provados na decisão recorrida, da mesma se extrai a seguinte factualidade provada, a qual, estruturada por este tribunal, se subordinará às alíneas infra:

A) Por despacho do Chefe de Finanças de 2011.12.22, foi aplicado à Arguida a coima de € 26 935,08, constante de fls. 18/147 de documento nº 003293376 registado em 02-11-2015 às 09:17:01, que aqui se dá por integralmente reproduzido;

B) Em 2012.01.19, no Serviço de Finanças de Lisboa-10, deu entrada recurso da decisão de aplicação da coima identificada na alínea que antecede (cf. constante de fls. 22/147 de documento nº 003293376 registado em 02-11-2015 às 09:17:01);

C) Por sentença de 2013.06.11, foi negado provimento ao recurso identificado na alínea anterior, revogada por decisão sumária do Relator que anulou a decisão de fixação da coima e determinou a devolução do processo à Autoridade Tributária, com vista a eventual renovação da decisão (cf. fls. constante de fls. 75 e 129 de documento nº 003293376 registado em 02-11-2015 às 09:17:01);

D) Por despacho do Chefe de Finanças de 2015.08.15, por delegação do Diretor de Finanças, foi aplicado à Arguida a coima de € 26 935,08, constante de fls. 48 de documento nº 003293377 registado em 02-11-2015 às 09:17:01, que aqui se dá por integralmente reproduzido, e da qual se transcreve:
«Imagem no original»



E) Este despacho foi comunicado à Arguida por carta registada em 2015.09.16 (cf. fls. 50 e 51 de doc. nº 003293377 registado em 02-11-2015 às 09:17:01);

F) Em 2015.10.07, no Serviço de Finanças de Lisboa-10, deu entrada recurso da decisão de aplicação da coima identificada na alínea que antecede (cf. constante de fls. 54 de documento nº 003293377 registado em 02-11-2015 às 09:17:01);

G) Em 2016.03.30, foi proferida a decisão recorrida, constante de fls. 332 (doc. nº 003293382 registado em 01-04-2016 às 17:25:47);

H) Em 2018.04.12, o processo foi remetido a este Tribunal Central Administrativo.


II.2 Do Direito

A Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que ordenou a devolução dos autos à Autoridade Administrativa para suprir cabalmente as nulidades invocadas no douto acórdão do TCA Sul, de forma ao Tribunal de lª Instância poder apreciar se estão ou verificados os pressupostos para uma eventual dispensa ou atenuação da coima aplicada.

Nas conclusões das alegações de recurso imputa à sentença recorrida erro de julgamento, ao decretar a procedência do recurso por ter concluído existir, no auto de notícia, omissão de um elemento da ação típica do delito em causa, com a consequente nulidade insuprível de harmonia com o disposto no artigo 63/1.d), do RGIT, com referência ao artigo 79/1.b), do mesmo diploma.

Todavia, tendo sido suscitada pela Recorrida a exceção de prescrição do procedimento contraordenacional cumpre, antes do mais, conhecer desta, por se tratar de causa extintiva e que precede o conhecimento do mérito da causa, porquanto a verificar-se, torna inútil a apreciação de qualquer outra questão.

Vejamos, então, se se completou já o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional.

O prazo de prescrição do procedimento contraordenacional está previsto no artigo 33º do RGIT, que nos diz o seguinte:

1 - O procedimento por contraordenação extingue-se, por efeito da prescrição, logo que sobre a prática do facto sejam decorridos cinco anos.
2 - O prazo de prescrição do procedimento por contraordenação é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infração depender daquela liquidação.
3 - O prazo de prescrição interrompe-se e suspende-se nos termos estabelecidos na lei geral, mas a suspensão da prescrição verifica-se também por efeito da suspensão do processo, nos termos previstos no nº 2 do artigo 42º, no artigo 47º e no artigo 74º, e ainda no caso de pedido de pagamento da coima antes de instaurado o processo de contraordenação desde a apresentação do pedido até à notificação para o pagamento.

Este artigo 33º RGIT no nº 1 estabelece um prazo geral de prescrição de cinco anos, e no nº 2 institui um prazo especial, mais curto, para os casos em que a infração depende da liquidação da prestação tributária, idêntico ao prazo de caducidade do direito à liquidação.

Na anotação a este artigo referem Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos:

Não é clara a ideia subjacente a esta coincidência entre o prazo de liquidação e o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional, parecendo que ela se poderia justificar por não ser razoável que a tutela sancionatória se estendesse para além do prazo em que é possível a liquidação, isto é, se na perspetiva legislativa deixa de interessar, pelo decurso do prazo de caducidade, a liquidação do tributo, também deixará de justificar-se a punição de condutas que conduziram à sua omissão.
No entanto, a fórmula utilizada no n.º 2 deste artigo, ao referir a dependência da infração relativamente à liquidação da prestação tributária, não traduz esta ideia, pois a infração depende da liquidação da prestação tributária sempre que a determinação do tipo de infração ou da sanção aplicável depende do valor daquela prestação, pois é a liquidação o meio de determinar este valor. Neste sentido, casos em que a existência da contraordenação depende da liquidação da prestação tributária são dos previstos nos arts. 108.º n.º 1, 109.º, n.º 1, 114.º, 118.º e 119.º, n.º 1, do R.G.I.T.

Ora, no caso em análise, a Arguida foi coimada por infração prevista no artigo 36° do CIMT, e punida pelos artigos 114/2, e 26/4 do RGIT.

Vejamos o que nos dizia o artigo 36° do CIMT:

Artigo 36.º
Prazos para pagamento
1 - O IMT deve ser pago no próprio dia da liquidação ou no 1.º dia útil seguinte, sob pena de esta ficar sem efeito, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
(…)
6 - Se caducar qualquer isenção ou redução de taxas, o imposto deve ser pago no prazo previsto no n.º 1 do artigo 34.º
(…)

E o artigo 34º CIMT:

Artigo 34.º
Caducidade da isenção - Pedido de liquidação

1 - No caso de ficar sem efeito a isenção ou a redução de taxas, nos termos do artigo 11.º, devem os sujeitos passivos solicitar, no prazo de 30 dias, a respetiva liquidação.
2 - O pedido é efetuado em declaração de modelo oficial e deve ser entregue no serviço de finanças da localização do imóvel.


Assim, quando se verifique a caducidade da isenção de que gozava, deve o Contribuinte solicitar a sua liquidação, no prazo de 30 dias, contados do dia em que se verifique o facto que a determinou.

Trata-se, pois, de uma liquidação por iniciativa do Contribuinte.

O pagamento do imposto deverá ser efetuado dentro desse mesmo prazo de 30 dias.

Vejamos agora as normas do RGIT.

Dispunha o artigo 114º RGIT:

Artigo 114.º
Falta de entrega da prestação tributária
1 - A não entrega, total ou parcial, pelo período até 90 dias, ou por período superior, desde que os factos não constituam crime, ao credor tributário, da prestação tributária deduzida nos termos da lei é punível com coima variável entre o valor da prestação em falta e o seu dobro, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstratamente estabelecido.
2 - Se a conduta prevista no número anterior for imputável a título de negligência, e ainda que o período da não entrega ultrapasse os 90 dias, será aplicável coima variável entre 15 % e metade do imposto em falta, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstratamente estabelecido.
(…)

A infração em causa decorre de a Arguida não ter efetuado a entrega da declaração de modelo oficial e o pagamento do imposto, cujo prazo terminou em 20 de dezembro de 2010, data em que se considera cometida a infração, pois, tratando-se de infração omissiva, esta é cometida na data em que terminou o prazo para o cumprimento do respetivo dever tributário (artigos 5º do RGCO e 5/2 do RGIT).

Como vimos já, o prazo de prescrição é de 5 anos (artigos 33/1 RGIT), e no caso de não ter ocorrido qualquer causa de interrupção ou de suspensão, o procedimento contraordenacional prescreveria em 21 de dezembro de 2015.

Vejamos então se verificaram causas de interrupção ou de suspensão da prescrição.

Não se verificando, no caso, as situações previstas no artigo 42/2 RGIT, i. é, ter existido procedimento prévio em curso de que dependa a qualificação contraordenacional dos factos, no artigo 47° do mesmo diploma legal (estar a correr processo de impugnação ou de oposição que desse lugar à suspensão do procedimento de contraordenação) e no artigo 74° RGIT (indícios de crime tributário) e ainda no caso de ter havido pedido de pagamento da coima antes de instaurado o processo de contraordenação desde a apresentação do pedido até à notificação para o pagamento, o nº 3 do já citado artigo 33º RGIT remete-nos para os artigos 27-A e 28º RGCO (DL nº 433/82):

Artigo 27.º-A
Suspensão da prescrição
1 - A prescrição do procedimento por contraordenação suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento:
a) Não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal;
b) Estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério Público até à sua devolução à autoridade administrativa, nos termos do artigo 40.º;
c) Estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso.
2 - Nos casos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar seis meses.

Artigo 28.º
(Interrupção da prescrição)
1 - A prescrição do procedimento por contraordenação interrompe-se:
a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação;
b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa;
c) Com a notificação ao arguido para exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito;
d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima.
2 - Nos casos de concurso de infrações, a interrupção da prescrição do procedimento criminal determina a interrupção da prescrição do procedimento por contraordenação.
3 - A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade.

No caso vertente, a última causa de interrupção ocorreu com a notificação da decisão administrativa de aplicação de coima por carta enviada em 2015.09.16.

E, por outro lado, há que ter também em atenção o disposto no artigo 28/3 do RGCO, segundo o qual a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo de prescrição acrescido de metade.

Então, adicionando os cinco anos a metade deste tempo e a seis meses de prazo máximo de suspensão, temos que, o prazo de prescrição decorrido desde 20 de dezembro de 2010, se completou em 21 de dezembro de 2018.

A extinção do procedimento contraordenacional, por efeito da prescrição, implica o arquivamento dos autos como resulta das disposições conjugadas dos artigos 33º, 61º e 77º do RGIT, tornando-se, pois, desnecessário e inútil, por isso, apreciar o suscitado no recurso.


Sumário/Conclusões:

I. O prazo de prescrição do procedimento por contraordenação é de 5 anos (cf. artigo 33/1 do RGIT).
II. Para efeitos do n.º 3 do artigo 28.º do RGCO, que estabelece um prazo de prescrição máximo do procedimento, apenas releva o tempo de suspensão, não sendo de considerar qualquer interrupção ocorrida no procedimento;
III. A falta do pagamento do IMT constitui uma infração omissiva que se considera praticada na data em que termina o prazo para o cumprimento e é a partir dessa data que se inicia o prazo de prescrição do procedimento por contraordenação.


III - DECISÃO

Nos termos expostos, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em declarar extinto o procedimento contraordenacional, por prescrição, e determinar o consequente arquivamento dos autos.

Sem custas.

[Nos termos e para os efeitos do artigo 15º-A do DL nº10-A/2020, de 13 de março, o Relator atesta que os Juízes Adjuntos - Excelentíssimos Senhores Juízes Desembargadores Tânia Meireles da Cunha e Luísa Soares - têm voto de conformidade.]

Lisboa, 27 de maio de 2021

Susana Barreto