Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:663/18.0 BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:06/22/2023
Relator:ISABEL FERNANDES
Descritores:IVA
IMPORTAÇÃO DE VIATURAS
REGIME DA MARGEM.
Sumário:I – A transmissão de bens em segunda mão efectuadas por um sujeito passivo revendedor podem ser sujeitas a tributação segundo o regime especial de tributação da margem quando este tenha adquirido esses bens no interior da Comunidade a outro sujeito passivo revendedor, desde que a transmissão por este tenha sido efectuada ao abrigo de regulamentação idêntica vigente no Estado membro onde a transmissão dos bens tiver sido efectuada.
II - Tendo as viaturas objecto das operações sujeitas a tributação sido adquiridas pelo sujeito passivo em Portugal a revendedores da União que aplicaram o regime geral de IVA, e não o regime especial de tributação pela margem vigente nesse país, equiparado ao aplicável em Portugal, as transmissões em território nacional deverão ser tributadas segundo o regime normal de IVA, com base tributável correspondente ao valor da contraprestação obtida ou a obter dos adquirentes.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I – RELATÓRIO


P…., Lda., melhor identificada nos autos, impugnou judicialmente as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios, emitidas na sequência de ação inspetiva, relativas aos exercícios de 2014, 2015 e 2016.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, por decisão de 16 de Novembro de 2022, julgou a impugnação parcialmente procedente.

Não concordando com a decisão, a Fazenda Pública e a Impugnante, dela vieram interpor recurso.

A Fazenda Pública, nas suas alegações, formulou as seguintes conclusões:

«I - No que ao caso interessa, o tribunal a quo dá como provado na al. K), que a inspecçao tributária considerou o IVA deduzido pela impugnante no mês de Dezembro de 2016, no valor total de 13 284,84€, como indevido, como consta das facturas discriminadas pelo respectivo número e valor e todas datadas de 31/12/2016 num dos quadros constante do ponto III.1.2.1 do RIT (referentes à dedução indevida nos termos do art. 19º, nº 2 do CIVA); na al. J), que a inspecção tributária corrigiu o valor do IVA respeitante ao mês de Dezembro de 2016 (1612) acima mencionado, no valor total de 13 284,84€, conforme consta do quadro referido no ponto I.1 do RIT; mas dá como provado na al. G) que foram emitidas 14 facturas à impugnante nos meses de Outubro e Novembro de 2016, com IVA no valor total de 9 315,00€, todas constantes do doc. 13 junto pelo impugnante com a petição inicial e aí discriminadas por número, data, descrição e valor, assim como também dá como provado na al. L) que foram emitidas as liquidações adicionais de IVA e respectivos juros compensatórios, que foram extraídas dos quadros elaborados pelo impugnante e também constantes do PAT, onde constam, nomeadamente, as liquidações adicionais referentes aos períodos de Outubro, Novembro e Dezembro de 2016.

II - Refira-se, desde já, que o valor de cada uma das facturas respeitantes aos meses de Outubro e Novembro, assim como o valor total do IVA de 13 284,84€, constantes do doc. 13 junto pela impugnante e dado como provado na al G) é muito estranhamente coincidente com o valor de cada uma das facturas, assim como com o valor total do IVA indevidamente dedutível de 13 284,84€ corrigido pela IT no mês de Dezembro, acima mencionado na al. K) do probatório (ponto III.1.2.1 do RIT, referentes à dedução indevida nos termos do art. 19º, nº 2 do CIVA), mas que, ainda mais estranhamente, as datas e os números das facturas do doc. 13 não coincidem com as datas e números das facturas respeitantes ao mês de Dezembro escrutinadas pela IT.

III - No entanto, vem depois o tribunal fundamentar na sentença que a impugnante tem o direito a deduzir o IVA, no valor de 9 315,00€, constante das 14 facturas elencadas na al. G) do probatório, respeitante aos meses de Outubro e Novembro de 2016, na liquidação corrigida pela inspecção tributária e respeitante ao mês de Dezembro de 2016, descrita no quadro L) do probatório, pelos vistos, em substituição de 14 das facturas mencionadas pela IT quanto ao IVA indevidamente dedutível nos termos do nº 2 do art. 19º do CIVA, dado que as facturas mencionadas na al. G), embora tenham o mesmo valor das indicadas pela IT, tem datas e numeração diferente.

IV- Ora, desde logo, a inspecção tributária não corrigiu qualquer IVA eventualmente deduzido nos meses de Outubro e Novembro de 2016, tendo apenas corrigido o IVA indevidamente deduzido no mês de Dezembro de 2016 derivadas das facturas com IVA indevidamente dedutível datadas de 31/12/2016, como consta de um dos quadros no ponto III.2.1 e do quadro do ponto I.1 do RIT e dados como provados nas als. K) e J) do probatório, respectivamente.

V - Acontece que, as liquidações adicionais dos meses de Outubro e Novembro de 2016 (2016/10 e 2016/11) constantes da al. L) do probatório nada tem a ver com o IVA dedutível e apenas respeitam às correcções nos mesmos períodos de imposto quanto à falta de liquidação do IVA devido nas aquisições intracomunitárias (ou seja, correcções ao IVA a liquidar, e não correcções do IVA deduzido), conforme se pode aferir pelo quadro constante do ponto I.1 do RIT, a que se refere a al. J) do probatório e do ponto III.1.1 do RIT.

VI - Sendo que o IVA constante das mencionadas facturas dos meses de Outubro e Novembro, em regra, apenas poderia ser deduzido nos períodos em que o imposto dedutível se mostra exigível, nos termos do art. 22º do CIVA, ou seja, respeitando as respectivas facturas aos meses de Outubro e Novembro, o imposto torna-se em regra exigível e só poderá ser deduzido nos mesmos períodos de imposto.

VII – E que, por um lado, a impugnante não comprovou nos termos legais que o IVA constante das facturas do doc. 13, que estranhamente e sem mais juntou à PI, não era exigível e por isso não era dedutível nos meses de Outubro e Novembro a que as mesmas facturas dizem respeito e, por outro lado, também não comprovou que não tivesse já deduzido esse IVA nesses mesmos meses de Outubro e Novembro.

VIII - Acresce que, a impugnante nem sequer suscitou a dedução do IVA em causa ao tempo dos actos de inspecção, inclusive na fase de audição prévia, para a IT o poder escrutinar e aferir da sua validade, só vindo agora a fazê-lo em sede de impugnação judicial e, ainda por cima, para pretender justificar a dedução em período de imposto diferente do período de imposto a que respeitam as facturas em causa.

IX - Acresce também, por outro lado, que essas facturas, ora juntas pela impugnante aos autos, não se mostram passadas e justificadas na forma legal, em violação do art. 36º do CIVA, dado que pelo menos metade das facturas apenas descreve em geral o transporte internacional de viaturas sem identificar em concreto quais as viaturas transportadas e não se encontra junto a cada factura o correspondente CMR comprovativo do transporte internacional, pelo que o IVA delas constante jamais poderia ser deduzido, mormente nos termos do art. 19º, nº 2, al. a) e nº 6 do CIVA.

X – Pelo exposto, o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, ao julgar como dedutível o montante do IVA constante das 14 facturas elencadas na al. G) do probatório, no valor total de 9 315,00€, dado que tal dedução se mostra ilegal, de conformidade com os factos e disposições legais acima mencionadas, pelo que deve, nesta parte, ser revogada a sentença recorrida.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, requer-se a V.ªs Ex.ªs se dignem julgar o recurso totalmente procedente, com as legais consequências.

Mais se requer, desde já, atendendo a que o valor da acção é superior a 275.000€, a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do art. 6.º n.º 7 do Regulamento de Custas Processuais, tendo em consideração o valor e a natureza da causa.»


*

A Impugnante, nas suas alegações de recurso, formulou as seguintes conclusões:

« A. O presente recurso é interposto contra a Sentença proferida no dia 16 de Novembro de 2022, no âmbito dos autos de Impugnação Judicial que correram termos junto da Unidade Orgânica 2 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra sob o n.º 663/18.0BEALM, que julgou parcialmente (im)procedente a Impugnação Judicial deduzida pela ora RECORRENTE e, em consequência, determinou a manutenção na ordem jurídica dos actos tributários impugnados, atinentes a Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) dos anos de 2014, 2015 e 2016, com excepção da liquidação de IVA e de Juros Compensatórios referente ao período de Dezembro de 2016, na parte correspondente à correcção da dedução indevida de IVA no valor de € 9.315.

B. Ora, não pode a RECORRENTE conformar-se com o entendimento perfilhado na Sentença recorrida, na exacta medida em que manteve na ordem jurídica os actos tributários impugnados, os quais, como se demonstrará, padecem de ilegalidade, devendo a Sentença ser revogada e substituída por outra conforme com as normas e princípios jurídicos aplicáveis.

C. Assim, como resultará das presentes Alegações, a Sentença recorrida padece, designadamente, de erro de julgamento, razão pela qual deverá ser revogada por este douto Tribunal.

D. Em primeiro lugar, de acordo com o disposto na alínea i) do n.º 3 do artigo 62.º do RCPITA, o Relatório de Inspecção Tributária deve conter uma “descrição dos factos fiscalmente relevantes que alterem os valores declarados ou a declarar sujeitos a tributação, com menção e junção dos meios de prova e fundamentação legal de suporte das correcções efectuadas”.

E. Ora, analisando o Relatório de Inspecção que deu origem aos actos de liquidação aqui em crise, conclui-se que a fundamentação do próprio Relatório não é suficiente, nem, tão-pouco, clara, como se demonstrará de seguida.

F. Com efeito, só com a indicação de todas as razões, de facto e de direito, poderia a RECORRENTE, em consciência, aferir da legalidade dos argumentos invocados pela Administração tributária e, assim, optar pela contestação ou acatamento do referido acto de liquidação.

G. No que ao presente caso tange, importaria, pois, que o contribuinte destinatário da decisão, ficaria minimamente ciente do iter volitivo da Administração tributária no que concerne à determinação do imposto em falta, pelo que a violação destes requisitos da decisão implica a respectiva ilegalidade, que é fundamento da subsequente anulação.

H. No mesmo sentido, o Supremo Tribunal Administrativo determina que “o dever de fundamentação expressa que onera a actividade administrativa, nos termos dos arts. 268º, n.º 3 da Constituição e 124º e seguintes do Código de Procedimento Administrativo, consiste na obrigação de exteriorização das razões de facto e de direito que estão na base da decisão administrativa, para que o respectivo enunciado seja apto a exprimir uma justificação da opção tomada.” (cfr. Acórdão datado de 1 de Julho de 1998, proferido no âmbito do processo n.º 043812, disponível in www.dgsi.pt).

I. Na verdade, o iter volitivo da Administração tributária é o contrário do que seria curial, ou seja, formula a conclusão e aplica a Lei, sem qualquer justificação ou demonstração. Ou seja, a Administração tributária limitou-se a elencar meros juízos conclusivos que, como pacífica e unanimemente aceite na doutrina e na jurisprudência, não representam a fundamentação legalmente exigida.

J. A falta de fundamentação viola pois, frontalmente, quer a Constituição da República Portuguesa – nomeadamente o artigo 268.º, n.º 3 –, quer o artigo 77.º da LGT, o que se invoca para todos os efeitos legais.

K. Conforme postula o Supremo Tribunal Administrativo: “não se indicando na fundamentação os factos mas apenas juízos conclusivos da decisão, o acto não se mostra fundamentado, pois, o destinatário do acto encontra-se impossibilitado de saber se foram tomados em consideração os acontecimentos que na realidade tiveram lugar e até, com base nelas, se pode chegar-se às conclusões que se enunciaram.” (cfr. Acórdão datado de 24 de Junho de 1997, proferido no âmbito do processo n.º 029092, disponível in www.dgsi.pt).

L. Deverá, pois, concluir-se que os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Setúbal, ao não carrearem para as Conclusões do Relatório de Inspecção Tributária, de forma clara e inequívoca, os factos concretos em que baseiam as correções propugnadas, não dão cumprimento ao dever legal, constitucionalmente consagrado, de fundamentação, expressa, clara e cabal, das decisões que sobre os mesmos impende, devendo, por conseguinte, ser anulados os actos de liquidação aqui em crise, como se requer.

M. Por outro lado, o princípio do inquisitório, enquanto corolário do princípio da legalidade e encontrando assento, além do mais, no artigo 58.º da LGT, impõe que a Administração tributária deva, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido.

N. E porque estes princípios se impõem também em sede de procedimento de inspecção (cfr. o art. 63.º da LGT e o art. 6.º do RCPITA), deve a Administração tributária procurar recolher «os elementos probatórios que possibilitem mais tarde fundamentar o acto tributário que venha a ser praticado», apurando o correcto cumprimento das obrigações fiscais por parte dos sujeitos passivos e «com base nessa investigação, recolher elementos que permitam apurar a eventual existência de irregularidades.». É um princípio «postulado pela natureza pública e indisponível da relação jurídico-tributária, abrangendo, por isso, os seus elementos de facto.» (cfr. José Maria Fernandes Pires e outros, Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, Almedina, 2015, pp. 592/593; Diogo Leite de Campos e outros, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 3ª ed., Vislis Editores, 2003, p. 554).

O. No caso vertente, verifica-se, contudo, que não houve, por parte da Administração tributária, a adopção das diligências investigatórias que lhe permitissem conhecer a verdade material e, em função disso, proceder a uma eventual liquidação de IVA, se tal estivesse em conformidade com as normas legais que regulam tal imposto.

P. De facto, a RECORRENTE realiza operações de compra e venda de viaturas em segunda mão de países integrados na União Europeia (principalmente Bélgica, Alemanha e Holanda), que não têm as mesmas regras que as vigentes em Portugal para os bens em segunda mão, pelo que é natural que as facturas emitidas por vendedores sedeados nesses países possam não observar ipsis verbis as exigências do regime específico aplicado em Portugal (o DL n.º 199/96).

Q. Mesmo assim, a Administração tributária imputa toda a responsabilidade à RECORRENTE pela prova da situação dos fornecedores dos Estados membros da União Europeia, sem ter efectuado qualquer diligência no sentido de obter a informação aqui em crise. Até porque, estando-se perante um imposto harmonizado, que obedece a requisitos comunitários, designadamente o VAT Information Exchange System (VIES), a Administração tributária poderia através de tal sistema ter requerido a prestação da informação necessária ao apuramento da verdade material ou mesmo por recurso à troca de informações fiscais entre os Estados-Membros da União Europeia, o que não fez.

R. No caso concreto, a Administração tributária limitou-se a partir do pressuposto de que todas as viaturas usadas foram adquiridas em países membros da União Europeia ao abrigo do regime geral das aquisições intracomunitárias do IVA, independentemente dos contornos especifícios da actividade da RECORRENTE, ignorando que o apuramento do imposto devido ao Estado foi sempre efectuado de acordo com a margem correspondente ao valor acrescentado na operação com reflexo em Portugal.

S. Na verdade, no entender da RECORRENTE, competia à Administração tributária, na fase do procedimento inspectivo, em cumprimento do princípio do inquisitório a que se encontra adstrita na sua actividade administrativa, realizar todas as diligências necessárias à descoberta da verdade material, de modo a que pudesse reunir todos os elementos e informações necessárias ao bom enquadramento e compreensão dos aspectos específicos da actividade da RECORRENTE.

T. Com efeito, não pode impender sobre a RECORRENTE o ónus de ter de suportar um imposto que não liquidou nem cobrou dos seus clientes, tendo cumprido com as regras advenientes do regime de tributação pela margem, a não ser a falta de indicação nas facturas dos seus fornecedores da expressão «Regime da margem de lucro – Bens em segunda mão», exigência da nossa legislação nacional, obrigação que não pode ser transferida para os vendedores dos bens dos outros países, quando aí a respectiva lei a que se encontram sujeitos o não exige.

U. Assim, a conduta da Administração tributária é manifestamente violadora do princípio do inquisitório, uma vez que a mesma nunca se preocupou em saber se o IVA foi efectivamente liquidado nos países dos revendedores das viaturas usadas, conjuntamente com o preço dos veículos, designadamente nos casos em que as facturas não continham qualquer menção ou mesmo, no caso, de IVA incluído no próprio valor final da factura.

V. Em face do exposto, entende a RECORRENTE que a Administração tributária violou o princípio do inquisitório a que se encontra adstrita, o que acarreta a ilegalidade das liquidações objecto da presente Impugnação Judicial e a sua consequente anulação, com base no referido vício.

W. O Decreto-Lei n.º 199/96, de 18 de Outubro, diploma que aprovou o Regime Especial de Tributação dos Bens em Segunda Mão, Objectos de Arte, de Colecção e Antiguidades, procedeu à revogação de anteriores diplomas que regulavam a matéria (Decreto-Lei n.º 504-G/85, de 30 de Dezembro e Decreto-Lei n.º 346/89, de 12 de Outubro), esclarecendo no respectivo preâmbulo que procedia à transposição para a ordem jurídica nacional da Directiva 94/5/CE, do Conselho, de 14 de Fevereiro de 1994 e que o regime instituído tem como finalidade eliminar ou atenuar a dupla tributação ocasionada pela reentrada no circuito económico de bens que já tinham sido definitivamente tributados.

X. A consonância imperativa entre os regimes de tributação que oneram a primeira e a segunda transmissão de bens usados resulta do carácter excepcional do regime e pretende prevenir a manipulação pelos agentes económicos da carga fiscal das transmissões em que intervêm, o que poderia acontecer se em cada Estado membro as bases tributáveis fossem distintas.

Y. Em conformidade com a alínea d) do n.º 1 do artigo 3.º do Regime Especial de Tributação de Bens em Segunda Mão, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 199/96, de 18 de Outubro, a RECORRENTE nas aquisições intracomunitárias de viaturas usadas optou pela aplicação do regime especial de tributação da margem, fazendo constar das respetivas facturas emitidas aos clientes nacionais a menção obrigatória «IVA – Bens em segunda mão», de acordo com o artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 199/96, de 18 de Outubro, pelo que o IVA, desde sempre, foi liquidado pelo regime da margem.

Z. Os cálculos para apuramento do IVA, efectuados pela inspecção tributária, não levaram em linha de conta que o valor da factura teria que, obrigatoriamente, incluir qualquer eventual IVA a liquidar, caso não fosse de aplicar o regime da margem, nas situações em concreto.

AA.Na verdade, o valor da contraprestação das transacções efetivamente percebido dos clientes é o que consta das respetivas facturas que titulam as operações em causa, pelo que nunca, em caso algum, poderia ser aplicada qualquer taxa a este valor, ou seja, qualquer forma de cálculo do IVA terá de considerar que o mesmo está incluído no próprio valor facturado ao cliente final (IVA apurado por dentro).

BB. Já as correcções da Administração tributária resultaram da RECORRENTE ter apurado o IVA a entregar ao Estado pelo regime da margem, quando no seu entendimento deveria ter sido pelo regime geral, pelo que a Administração tributária procedeu aos cálculos, aqui em causa, partindo de uma base tributável teórica (só possível por aplicação de métodos indirectos), uma vez que ao valor de venda retira o valor do IVA da margem (apurado por dentro), apurando, assim, o valor de uma base tributável diferente para efeitos de liquidação do IVA, com repercussão em sede de IRC.

CC. Mesmo que assim se entendesse, sempre os cálculos da Administração tributária estariam erradamente determinados, tendo em conta que a RECORRENTE procedeu aos respectivos cálculos com base no princípio de que o valor facturado e recebido dos clientes inclui, obrigatoriamente, o IVA que eventualmente seja devido ao Estado, ou seja, o preço final da factura inclui o IVA.

DD. Para o efeito, a base tributável da RECORRENTE resultou do valor da factura a dividir por 1,23 (IVA por dentro), à qual se aplicou a taxa normal do IVA, tendo ao valor apurado sido deduzido o imposto liquidado pelo respectivo regime da margem.

EE. Não obstante, dos cálculos efetuados pela RECORRENTE, com base nos critérios utilizados pela Administração tributária no Relatório de Inspecção, foi apurada uma diferença para menos, no montante global de 418.910,84€, correspondente aos anos de 2014, 2015 e 2016, nos valores de 70.402,77€, 137.280,39€ e 211.227,68€ respectivamente, o que demonstra bem a confusão da Administração tributárias nas correções efectuadas no procedimento de inspecção.

FF. Em face do exposto, deve ser concedido provimento ao presente Recurso, determinando-se a revogação da Sentença recorrida nos termos supra melhor explanados e a substituição por outra que aprecie e julgue procedente os argumentos invocados pela aqui RECORRENTE, determinando-se, em consequência, a anulação das liquidações de IVA objecto dos presentes autos, referentes aos anos de 2014, 2015 e de 2016, com excepção da liquidação de IVA e de Juros Compensatórios referente ao período de Dezembro de 2016, na parte correspondente à correcção da dedução indevida de IVA no valor de € 9.315, no valor global de € 3.102.511,59 (três milhões, cento e dois mil, quinhentos e onze euros e cinquenta e nove cêntimos).

NESTES TERMOS, E NOS MAIS DE DIREITO APLICÁVEIS, SEMPRE COM O DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVE SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, DETERMINANDO-SE A REVOGAÇÃO DA SENTENÇA RECORRIDA NOS TERMOS SUPRA MELHOR EXPLANADOS E A SUBSTITUIÇÃO POR OUTRA QUE APRECIE E JULGUE PROCEDENTE OS ARGUMENTOS INVOCADOS PELA AQUI RECORRENTE, DETERMINANDO-SE, EM CONSEQUÊNCIA, A ANULAÇÃO DAS LIQUIDAÇÕES DE IVA OBJECTO DOS PRESENTES AUTOS, REFERENTES AOS ANOS DE 2014, 2015 E DE 2016, NO VALOR DE € 3.102.511,59 (TRÊS MILHÕES, CENTO E DOIS MIL, QUINHENTOS E ONZE EUROS E CINQUENTA E NOVE CÊNTIMOS), POR VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS E NORMAS LEGAIS ENUMERADAS, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS DAÍ DECORRENTES.

MAIS SE REQUER QUE SEJA DETERMINADA, AO ABRIGO DO DISPOSTO NO N.º 7 DO ARTIGO 6.º DO RCP, A DISPENSA DO PAGAMENTO DO REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA.»


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Contra-alegações não foram apresentadas.
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O Exmo. Procurador-Geral Adjunto do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, devidamente notificado para o efeito, ofereceu aos autos o seu parecer no sentido da improcedência de ambos os recursos.
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Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.



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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«Com interesse para a decisão a proferir, dão-se como provados, os factos seguintes:

A) A Impugnante foi constituída em 22 de Fevereiro de 2011, com o objeto social de “Importação, exportação e comércio de veículos automóveis. Prestação de serviços no ramo automóvel”. [cfr. Certidão Permanente – Anexo 3 do RIT a fls. 3655 dos autos];

B) Em sede de IVA, a Impugnante estava enquadrada no regime de normal trimestral entre 2011/02/22 (data do início de atividade) e 2013/12/31, tendo passado para o regime normal de periodicidade mensal após 2014/01/01, situação que se mantém atualmente. [cfr. teor do RIT de fls. 3655 dos autos];

C) Durante os anos de 2014, 2015 e 2016, a Impugnante procedeu à aquisição de diversos “veículos ligeiros em segunda mão”, procedentes de outros Estados-Membros da União Europeia (principalmente, Bélgica, Alemanha e Holanda). [cfr. teor do RIT de fls. 3655 dos autos e prova testemunhal];

D) No registo das faturas, emitidas pelas empresas de outros Estados-Membros da União Europeia com referência às aquisições descritas em C), na contabilidade da Impugnante era tido em consideração os quilómetros dos veículos adquiridos para efeitos de aplicação do “regime da margem” nas faturas de (re)venda dos veículos. [cfr. prova testemunhal];

E) As “menções relativas ao regime de tributação em sede de IVA constantes das faturas descritas em C) não eram consideradas para efeitos de IVA nas faturas de (re)venda dos veículos. [cfr. prova testemunhal];

F) A Impugnante emitiu as faturas de venda dos veículos, em território nacional, descritos na alínea anterior liquidando o IVA pelo “regime da margem”. [cfr. Anexo 12 do RIT de fls. 354 a 3413 dos autos e prova testemunhal];

G) Durante os meses de Outubro e Novembro do ano de 2016 foram emitidas, pela empresa “F… Transportes Rodoviários de Mercadorias, Lda.”, em nome da Impugnante, as faturas abaixo descriminadas:




H) A Impugnante foi objeto de uma ação de inspeção realizado ao abrigo das Ordens de Serviço n.°s 012…. (ano de 2014) e 01201….(ano de 2015), emitidas em 10 de Fevereiro de 2016 pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Setúbal, bem como da Ordem de Serviço n.° 012017….(ano de 2016), emitida em 3 de Fevereiro de 2017, de âmbito parcial, em IVA e IRC para os exercícios de 204, 2015 e 2016. [cfr. teor do RIT de fls. 3655 dos autos];

I) No âmbito da ação de inspeção realizada à Impugnante foram efetuadas as seguintes diligências:

“(…) II.3.6 - Diligências Efetuadas

Em 2016/10/21, foi enviada Carta Aviso (ofício n.° 19580 desta Direção de Finanças) para a morada constante no cadastro informático como seu domicílio fiscal (Av. …., n.° 1…._ pior da M…. – 2….-….Aldeia de Paio Pires - Anexo 5), notificando a P….de que, a curto prazo, se deslocaria àquele endereço um técnico do Serviço de Inspeção Tributária, a fim de proceder à verificação do cumprimento das suas obrigações tributárias. Deste modo, foi dado início à ação inspetiva junto do sujeito passivo no dia 2016/11/29, com a assinatura das Ordens de Serviço n.° 0120…. e 01201…. pelo sócio-gerente A…..

Posteriormente, face ao alargamento do procedimento inspetivo ao ano de 2016, em 2017/02/21 deu-se a assinar a Ordem de Serviço n.° 01201700125, na pessoa do funcionário da sociedade P…., M…., NIF 2…..

A recolha dos elementos necessários ao procedimento de inspeção decorreu sobretudo nas instalações da sede do Pódio Vertical, em virtude de inicialmente ali ter sido disponibilizada a contabilidade do sujeito passivo para os exercícios em questão.

No entanto, é de assinalar que, ao invés do que sucedeu até então, quando em outubro de 2017 se pretendeu consultar as pastas da contabilidade do sujeito passivo, este colocou-as à disposição nas instalações desta Direção de Finanças, conforme termo de entrega que constitui o Anexo 6.

Simultaneamente, de forma a complementar a documentação obtida a partir das pastas da empresa, foram solicitados alguns elementos junto da Alfândega do Jardim do Tabaco, relativos à entrada dos veículos automóveis em território nacional com proveniência noutros Estados membros da UE.

Assim, de modo geral, a análise à contabilidade do P… abrangeu os aspetos mais relevantes da sua atividade, nomeadamente ao nível de fornecedores, clientes, pagamentos e recebimentos, sem descurar a seleção de outros documentos com maior relevância material, a partir dos quais foi possível identificar as correções descritas no ponto III deste relatório.” [cfr. teor do RIT de fls. 3655 dos autos];

J) Em 16 de Fevereiro de 2018, foi elaborado o Relatório de Inspeção Tributária (RIT) no âmbito do qual foram efetuadas correções em sede de IRC e correções de natureza meramente aritmética em sede de IVA nos montantes de €479.451,47, €959.799,36 e €1.455.299,30 com respeito a 2014, 2015 e 2016, e no qual se concluiu, em sede de IVA, o seguinte:

“I. - Descrição sucinta das conclusões da ação de inspeção

Na sequência do procedimento de inspeção, e conforme pontos III e IX deste relatório, são propostas as seguintes correções:

1.1 - IVA - Correções Técnicas - Anos de 2014, 2015 e 2016



K) Do teor do Relatório de Inspeção Tributária (RIT) consta a descrição dos factos e os fundamentos das correções efetuadas, as quais se reproduzem, na parte que importam aos autos (relativa a IVA):

“III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS

III.1 - IVA - Anos de 2014 a 2016

III.1.1 - Aquisição Intracomunitária dos Veículos Automóveis

· Prática adotada pela P…

Segundo os elementos obtidos a partir da contabilidade do sujeito passivo, bem como da área aduaneira da AT, durante os anos de 2014 a 2016 a P... procedeu à aquisição de diversos veículos ligeiros em segunda mão, procedentes de outros países membros da União Europeia (sobretudo Bélgica, Holanda e Alemanha), adquirindo-os junto de revendedores neles sediadas com o objetivo de introduzi-los em território português para, de seguida, comercializá-los a clientes nacionais.

Além dos países supra referidos, ocasionalmente a sociedade adquiriu ainda viaturas a firmas sediadas na Áustria, Dinamarca, Espanha, França, Itália e Luxemburgo.

Analisando-se as faturas emitidas por esses fornecedores intracomunitários da Pódio Vertical, verificou-se que, no âmbito da aquisição de viaturas, em muitas delas constam as seguintes menções relativas ao regime de tributação em sede de IVA que incidiu sobre essas transmissões (conforme se discrimina abaixo para alguns dos principais fornecedores):


(IMAGEM, ORIGINAL NOS AUTOS)

Após legalizar os veículos adquiridos junto dos serviços aduaneiros da AT, verificou-se através da documentação analisada que, aquando da sua revenda em território nacional, a P... emitiu sempre as respetivas faturas aos clientes, liquidando IVA pelo regime da margem, nos termos do regime especial dos bens em segunda mão, aprovado pelo DL n.° 199/96, de 18/10.

Respeitando o art.° 6.° deste diploma legal, essas faturas contêm a menção obrigatória "IVA - Bens em segunda mão”.

Atuando em conformidade com faturas emitidas, aquando da entrega das respetivas declarações periódicas de IVA, o sujeito passivo apurou o montante de imposto a entregar nos cofres do Estado inscrevendo os valores de IVA liquidado que havia registado na sua contabilidade, os quais, como se explicou atrás, seguiam as regras do regime da margem.

Vide, a propósito, os valores declarados em sede de IVA pela sociedade o Anexo 4, fls. 1 a 4. Juntam-se ainda ao presente relatório os registos contabilísticos da P...relativamente às rubricas 2433 - IVA Liquidado:

- Ano de 2014 - Anexo 7, fls. 1 a 8;

- Ano de 2015 - Anexo 8, fls. 1 a 13;

- Ano de 2016 - Anexo 9, fls. 1 a 17.

Enquadramento legal

Estando-se a analisar a revenda em território nacional de viaturas em segunda mão, adquiridas junto de revendedores sediados noutros países membros da UE, importa verificar se o regime especial de tributação dos bens em segunda mão é aplicável às operações ativas efetuadas pela Pódio Vertical, conforme foi sua prática corrente ao longo dos anos de 2014 a 2016.

Entre as condições previstas do regime especial de tributação da margem, dispõe a alínea d) do n.° 1 do art.° 3.° do DL n.° 199/96 que um bem adquirido no interior da UE a outro sujeito passivo revendedor é suscetível de aplicação deste regime, desde que a aquisição a esse revendedor tenha ocorrido ao abrigo do disposto no mesmo diploma (para compras em Portugal) ou de regulamentação idêntica vigente no Estado membro onde tiver ocorrido a transmissão (compras noutro país membro da UE).

Ora, nas situações em apreço, tendo a P... adquirido inúmeras viaturas junto de revendedores sediados noutros Estados membros, é fulcral determinar os termos em que foram emitidas as faturas desses revendedores, nomeadamente quanto ao regime de IVA aplicado pelo fornecedor comunitário na respetiva transmissão.

Surgem, por conseguinte, duas possibilidades:

· “Revendedor intracomunitário efetuou a transmissão ao abrigo de regulamentação similar ao “Regime especial de tributação da margem”

Se a transmissão for efetuada pelo revendedor no Estado membro de origem ao abrigo do regime da margem, mencionando-o na sua fatura, então a aquisição intracomunitária não se encontra sujeita a IVA em Portugal e, aquando da revenda em Portugal, aplica-se o regime especial de tributação dos bens em segunda mão (excepto se o revendedor nacional optar pela regras de tributação do regime geral, ao abrigo do n.° 1 do art.° 7.° do DL n.° 199/96).

Para os países abaixo indicados, nos quais a P... adquiriu viaturas para revenda em território nacional, quando uma transmissão é efetuada ao abrigo do regime da margem a fatura contem uma das seguintes expressões (Anexo 10):

- Alemanha- “Gebrauchtgegenstande/Sonderregelung”, “Verkauf nach §25 a UStG” ou “Differenzbesteuerung";

- Áustria - "Gebrauchtgegenstande/Sonderregelung”, “Differenzbesteuerung: art.313 der RI. 2006/112/EG" ou “Differenzbesteuerung: §24 al. 7 UStG 1994";

- Bélgica – “Régime particulier - biens d'occasion”, “Livraison soumise au régime particulier d'imposition de la marge bénéficiaire - TVA non déductible”;

- Dinamarca - “Varerne saelges efter de saerlige regler for brugte varer m.v.”, "Prisen er en samlet pris, inkl. moms" ou “Momsbelobet, der er indeholdt i prisen, kan ikke fradrages som kobsmoms”;'

- Espanha - “Régimen especial - Bienes de ocasión”;

- França - “Régime particulier - biens dtoccasion", “TVA incluse”, “Prix TTC” ou “Livraison effectuée dahs le cadre de la 7ème directive”;

- Holanda - “Marge regeling”;

- Itália - “Regime dei margine - beni di occasione" ou “Operazione soggetta al regime dei margine, ai sensi dell’ art 36 del DL 41/96”;

- Luxemburgo - “Régime particulier d’imposition de la marge bénéficiaire”.

· “Fornecedor comunitário optou pelo regime geral das transmissões intracomunitárias”

Nestes casos, a fatura emitida pelo revendedor intracomunitário não faz qualquer menção ao regime da margem e, estando-se perante uma transmissão intracomunitária isenta de IVA, não é liquidado IVA no Estado membro de origem, pelo que na fatura emitida não consta qualquer importância de IVA sobre a transação.

Ou seja, o sujeito passivo revendedor nacional está a efetuar uma aquisição intracomunitária nos termos do RITI.

Esta aquisição é sujeita a IVA em Portugal, sendo a liquidação do imposto efetuada através do mecanismo do “reverse charge", no qual o sujeito passivo revendedor nacional expressa o IVA liquidado no campo 13 da declaração periódica. Simultaneamente, tratando-se de veículos para revenda, o IVA autoliquidado é dedutível e inscrito no campo 22 da mesma declaração periódica, sem prejuízo dos limites previstos no art.° 19.° do CIVA.

Note-se que o valor tributável a considerar acima para efeitos de IVA deve incluir o ISV, nos termos do art.° 17.°, n.º 3 do RITI.

Posteriormente, aquando da revenda da viatura em território nacional, o revendedor nacional não pode aplicar o regime especial de tributação da margem, face ao disposto no n.° 1 do art.° 3.° do DL n.° 199/96, sendo sua obrigação liquidar o IVA de acordo com as regras do regime geral, aplicando a taxa prevista no art.° 18.°, n.° 1, alínea c) do CIVA sobre o valor da contraprestação obtida.

· “Correções em sede de IVA”

Conjugando os itens anteriores deste ponto do relatório, “Prática adotada pela Pódio Vertical" e “Enquadramento legal", verifica-se que, apesar da maior parte das faturas emitidas pelos fornecedores comunitários de veículos automóveis da P... não fazerem menção ao regime da margem, o sujeito passivo tratou-as como tal, pelas razões que a seguir se indicam:

- nas declarações periódicas entregues pela P… , não liquidou, nem deduziu o IVA relativo às aquisições intracomunitárias efetuadas (vide Anexo 4, fls. 1 a 4). De igual forma, não procedeu a tais registos na sua contabilidade (Anexos 7 a 9);

- aquando da revenda dessas viaturas em território nacional, a P... emitiu as suas faturas fazendo menção à aplicação do regime especial de tributação dos bens em segunda mão.

Ora, como se esclareceu atrás, quando as aquisições efetuadas pela P... aos seus fornecedores comunitários de veículos automóveis não fazem menção ao regime da margem, como é obrigatório, então é inequívoco que essas transações intracomunitárias ocorreram ao abrigo do regime geral, ou seja, nos termos do RITI.

Nestes casos, era obrigação do sujeito passivo liquidar e deduzir o IVA no momento da aquisição, devendo posteriormente, aquando da revenda em território nacional dessas viaturas, proceder à liquidação do IVA de acordo com as regras do regime geral (em vez do regime da margem, conforme efetuou a P…).

No entanto, conforme se expôs detalhadamente no item "Prática adotada pela P… a maioria das faturas emitidas pelos fornecedores intracomunitários menciona que a transmissão dos veículos automóveis foi efetuada ao abrigo do RITI, facto que o sujeito passivo ignorou ou quis ignorar grosseira e sistematicamente.

Entre os anos de 2014 e 2016, foi isso que sucedeu na revenda das viaturas que se listam no Anexo 11, fls. 1 a 22, sendo o Anexo 12, fls. 1 a 3681, constituído pela documentação relativa a essas transações, nomeadamente fatura de compra, DAV e fatura de venda.

O resultado dessa errónea aplicação do regime de bens em segunda mão por parte da P...às suas operações ativas, em vez de aplicar as regras do regime geral como era sua obrigação, traduziu-se numa falta de liquidação e entrega de IVA nos cofres do Estado.

É ainda de referir que, entre 2014/12/01 e 2016/12/31, detetaram-se várias situações onde o sujeito passivo recebeu veículos de retoma dos seus clientes a título de contraprestação nas vendas efetuadas.

Ora, conforme dispõem os n.°s 1 e 3 do art.° 17.° do CIVA, o valor tributável a considerar nestas operações corresponde ao montante recebido em dinheiro, acrescido do valor normal dos bens dados em troca.

Contudo, a P... não procedeu dessa forma nos casos que se identificaram no campo de “Observações” do Anexo 11, fls. 1 a 22, cingindo o montante faturado à componente monetária da transmissão e, por essa via, omitindo da sua faturação os veículos de retoma recebidos no âmbito dessas vendas.

Para corroborar a situação descrita, verifica-se que, relativamente às faturas em questão, foi emitido documento interno justificativo da entrada do veículo de retoma entregue pelo cliente, no qual se identificou a sua matrícula, o valor que lhe foi atribuído e a fatura a que respeita. Contabilisticamente, estes documentos internos assinalaram a receção do veículo de retoma debitando a conta 31116 - Compras Mercadorias (Mercado Nacional - Isentas Viaturas) pelo valor atribuído, dando-se a contrapartida a crédito na conta 22 - Fornecedores. Em simultâneo, esta conta 22 - Fornecedores foi saldada através de registo a débito de igual montante, tendo a contrapartida a crédito sido inscrita na conta 2781 - Outras Contas a Regularizar.

Para o efeito, juntam-se extratos da conta 2781 — Outras Contas a Regularizar e da conta 31116 - Compras Mercadorias (Mercado Nacional - Isentas Viaturas) relativos ao período 2014/12/01 a 2016/12/31, os quais constituem o Anexo 13, fls. 1 a 141, e o Anexo 14, fls. 1 a 19, respetivamente.

Deste modo, atendendo ao montante de IVA liquidado pelo sujeito passivo nas suas declarações periódicas, serão efetuadas as seguintes correções no âmbito deste imposto, relativas a falta de liquidação de IVA à taxa normal em operações faturadas, com consequente falta de entrega do imposto ao Estado, por infração aos artigos 19.°, 27.° e 41.°, todos do CIVA (Anexo 11, fls. 1 a 22):




Relativamente às aquisições intracomunitárias das viaturas (AICB), sabe-se que é obrigação do sujeito passivo efetuar a autoliquidação nos termos da alínea a) do n.° 1 do art.° 23.° do RITI, devendo mencionar o valor das aquisições, bem como o correspondente imposto a favor do Estado, nas respetivas declarações periódicas de IVA.

Por outro lado, o facto de o IVA a liquidar sobre o valor da fatura de aquisição ser dedutível, por força do disposto no art.° 19.° n.° 1 do RITI, não extingue a obrigação de declaração e autoliquidação a que a sociedade se encontra sujeita.

Apesar de se estar perante uma operação de natureza meramente contabilística, a liquidação e dedução do IVA são aceites sem quaisquer consequências desde que o sujeito passivo entregue a declaração de substituição, sem prejuízo da penalidade que ao caso couber, conforme dispõe o art.° 78. n.° 14 do CIVA.

Deste modo, e de acordo com as instruções propostas pelo Sr. Diretor Geral em 2012/03/28, (Informação n.° 31, referente ao Proc. 37/2012), efetuar-se-á a liquidação do IVA e, simultaneamente, será inscrito o correspondente montante de IVA dedutível, daí não resultando qualquer imposto adicional a liquidar dado o valor nulo desta correção (vide Anexo 15, bem como Anexo 16, fls. 1 a 20, no qual se discriminaram as AICB):






III.1.2 – Dedução indevida de IVA

III.1.2.1 – Art.º 19.º n.º 2 do CIVA

Por análise aos elementos contabilísticos do sujeito passivo, verificou-se que na declaração periódica de IVA relativa a 1612 (dezembro/2016) a P... procedeu à dedução das importâncias de IVA abaixo discriminadas através do Campo 24, conforme documentos registados na conta de IVA 2432331 - IVA Dedutível (Outros Bens e Serviços - Taxa Normal) que constitui o Anexo 17, fls. 1 a 29:




Ora, conforme se constata por exame aos elementos que compõem o Anexo 18, fls. 1 a 17, todos os documentos supra identificados respeitam a folhas impressas pela P...a partir da página de internet do E-fatura, disponibilizado no Portal das Finanças, consistindo no detalhe de faturas que lhe foram emitidas por alguns dos seus fornecedores.

Ou seja, nenhuma das faturas listadas no quadro acima se encontra na posse da sociedade.

Tal facto constitui um impedimento à dedução do IVA suportado nessas faturas pela P...pois, conforme dispõe o art.° 19.°, n.° 2 do CIVA, apenas confere direito à dedução do IVA o imposto mencionado em faturas que estejam na posse do sujeito passivo.

Deste modo, será realizada a seguinte correção em sede de IVA, por infração ao art.° 19.°, n.° 2 do CIVA:




III.1.2.2 – Art.º 19.º, n.º 8 do CIVA

Analisados os valores do Campo 24 das declarações periódicas de IVA, verificou-se que o sujeito passivo procedeu à dedução das seguintes importâncias de IVA em 2015, conforme extrato da conta 2432331 - IVA Dedutível (Outros Bens e Serviços - Taxa Normal) que constitui o Anexo 19, fls. 1 a 22:




As faturas supra identificadas têm em comum o facto de respeitarem à aquisição de serviços de construção civil, conforme descrição inscrita nas mesmas.

Ora, como esclarece o ofício-circulado n.° 30101, emanado em 2007/05/24 pela Direção de Serviços do IVA, o tipo de serviço prestado por estes fornecedores da P... encontra-se abrangido pela regra de inversão do sujeito passivo, por aplicação do art.° 2.°, n.° 1, alínea j) do CIVA.

No entanto, não foi esse o procedimento seguido pelos fornecedores da P... aquando da emissão das respetivas faturas, tendo os mesmos liquidado IVA sobre os serviços prestados, quando a legislação dispõe que tal obrigação competia ao sujeito passivo.

Por tal facto, não poderá a P...efetuar a dedução do IVA suportado nas faturas supra identificadas, nos termos dos n.°s 2 e 8 do art.° 19.° do CIVA, em virtude de não ter procedido à liquidação e pagamento desse imposto como era sua obrigação, razão pela qual serão efetuadas as seguintes correções em sede de IVA por dedução indevida de IVA:




(…)

IV. DIREITO DE AUDIÇÃO

Notificado o sujeito passivo em 2018/01/30, na pessoa do seu sócio-gerente António Sanguinette para, querendo, exercer o direito de audição no prazo de quinze dias, de acordo com o previsto nos artigos 60.° da LGT (Lei Geral Tributária) e 60.° do RCPITA (Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira), conforme Anexo 28, fls. 1 e 2, o mesmo usou dessa faculdade.

Para tal, exerceu o direito de audição em 2018/02/14, contestando as correções em sede de IVA relatadas no ponto III.1.1 do presente relatório, nos montantes de €479.451,47, €956.211,36€ e €1.442.014,46 (para os anos de 2014, 2015 e 2016, respetivamente), bem como a correção de €13.284,84 relatada no ponto 111.1.2.1 (apenas para o ano de 2016), conforme Anexo 29, fls. 1 a 21.

Contestou ainda as correções propostas em sede de IRC relatadas no ponto III.2.1.1, nos montantes de €14.374,37, €307.453,56 e €483.583,41 (para os anos de 2014, 2015 e 2016, respetivamente), bem como a correção de €1.674,61 relatada no ponto 111.2.2.1 (ano de 2016) e a correção de €57.760,16 relatada no ponto 111.2.3.1 (ano de 2016).

Fê-lo invocando os seguintes motivos:

(i) IVA apurado pelo regime normal nas aquisições intracomunitárias de veículos automóveis (ponto 111.1.1 do relatório) (…)

(ii) Dedução indevida de IVA (ponto III.1.2.1 do relatório) (…)

(iii) Omissão de rendimentos (pontos III.1.1 e 111.2.1.1 do relatório) (…)


(…)

Apreciado o direito de audição, verifica-se:

(i) Quanto ao IVA apurado pelo regime normal nas aquisições intracomunitárias de veículos automóveis (ponto III.1.1 do relatório)

Sobre a situação em apreço, no âmbito da qual foram propostas correções em sede de IVA no montante total de €479.451,47, €956.211,36 e de €1.442.014,46, para os anos de 2014, 2015 e 2016, respetivamente, conforme ponto III.1.1 do relatório, foram apresentados diversos considerandos pelo sujeito passivo relativos à desadequação e falta de preenchimento dos requisitos legais das mesmas.

Assim, quanto à dificuldade sentida na interpretação das menções constantes nas faturas de aquisição dos veículos automóveis, bem como ao facto de muitas dessas faturas não conterem qualquer menção ao regime aplicado pelos revendedores estrangeiros, diz a sociedade que seguiu as indicações dos seus serviços de contabilidade, pressupondo que todas as viaturas adquiridas junto de sujeitos passivos revendedores intracomunitários estavam abrangidas pelo regime da margem aquando da sua revenda em território nacional.

Ora, conforme se expôs no ponto III.1.1 do presente relatório, uma das condições para a aplicação do regime especial de tributação da margem é que o bem tenha sido adquirido no interior da UE a outro sujeito passivo revendedor ao abrigo de regulamentação idêntica vigente no Estado membro de origem (vide alínea d) do n.° 1 do art.º 3.° do DL n.° 199/96).

Ou seja, ao pretender aplicar o regime da margem nas suas vendas, a P...deveria atender ao enquadramento legal utilizado pelo fornecedor no momento da aquisição intracomunitárias das viaturas, efetuando uma apreciação necessariamente casuística, em vez de se limitar a verificar se esse fornecedor cumpre com o estatuto de revendedor no país de origem.

Importa recordar aqui que, nos termos do art.° 74.°, n.° 1 da LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos recai sobre quem os invoque.

Logo, é ao sujeito passivo que, sob pena de ficar sujeito às regras gerais de aplicação do IVA, compete provar que estão reunidos todos os requisitos que lhe permitem beneficiar do regime especial de tributação pela margem, nomeadamente, que as faturas passadas pelos fornecedores intracomunitários e restante documentação permite aferir, de forma inequívoca, que nessas transmissões foi aplicada regulamentação idêntica ao regime da margem no Estado membro de origem dos veículos.

Ora essa prova inabalável não foi realizada pela P... no caso das faturas que constituem o Anexo 12, fls. 1 a 3681.

Antes pelo contrário, a maioria das faturas de compra em questão menciona expressamente respeitarem a transmissões intracomunitárias, enquanto as restantes são omissas sobre o enquadramento aplicado (ou, em casos pontuais, houve liquidação de IVA no país de origem), daí resultando as correções propostas no ponto 111.1.1.

Apesar da análise casuística efetuada a todas as faturas que compõem o Anexo 12, fls. 1 a 3681, veio a sociedade alegar que algumas dessas faturas de compra não foram objeto de exame pela inspeção tributária no âmbito desta ação inspetiva, nomeadamente aquelas sem menção explícita do regime aplicado pelos revendedores estrangeiros e aquelas em cujo fornecedor liquidou IVA.

No seu entendimento, a AT não realizou todas as diligências necessárias à descoberta da verdade material, no que constitui uma violação dos princípios da justiça e do inquisitório, previstos nos art.°s 55.° e 58.° da LGT, pois deveria verificar junto de todos os fornecedores intracomunitários qual o regime de IVA aplicado em cada transmissão.

Ou seja, a P... pretende beneficiar de um regime especial de tributação sem efetuar a prova de que se encontra capacitada a tal, antes imputando à AT a competência de demonstrar que não estavam reunidas as condições exigidas no art.° 3.º do DL n.° 199/96, numa inversão plena do princípio estatuído no art.° 74.° da LGT.

Sobre este assunto, importa ainda frisar:

• quanto às faturas de compra de veículos sem menção explícita do regime aplicado pelos revendedores estrangeiros, foi a sociedade quem assumiu tratarem-se de transmissões ao abrigo do regime da margem, sem diligenciar junto daqueles se, de facto, era esse o caso, eximindo-se assim da responsabilidade que lhe cabia segundo o art.º 74.° da LGT;

• quanto às faturas de compra que mencionam IVA incluído, as mesmas nunca poderiam respeitar a transmissões ao abrigo do regime da margem, pois estipula o n.° 1 do art. 6.° do DL n.° 199/96 que as faturas emitidas nos termos deste regime não contêm discriminação do imposto devido (situação análoga ocorre na regulamentação similar ao regime da margem em vigor nos restantes Estados membros da UE). Eventualmente, serão casos em que foi liquidado IVA de forma indevida nos países de origem.

Rebatidos acima os argumentos invocados pela P... para sujeitar as suas operações ativas de 2014, 2015 e 2016 ao regime especial de tributação, importa agora sublinhar que a forma de cálculo do IVA sugerida pelo sujeito passivo (IVA “apurado por dentro") não tem aderência à realidade pois implicaria que o sujeito passivo revenderia regularmente as suas viaturas com prejuízo.

Para o efeito, ilustra-se essa situação através da fatura n.° 764 da sociedade, emitida em 2015/03/06 (note-se que aqui, como em todas as vendas efetuadas em 2014, 2015 e 2016, a P...não calculou corretamente o IVA a liquidar de acordo com o regime da margem, mas tal influência o raciocínio apresentado):

- valor de compra da viatura = €8.000,00;

- valor de ISV suportado = €2.003,32;

- valor de venda da viatura = €11.000,00;

- margem = €3.000,00;

- IVA a liquidar pelo regime da margem = €560,98 (=€3.000,00 /1,23 x 23%);

- base tributável com IVA regime da margem= €10.439,02 (=€11.000,00 - €560,98);

- lucro obtido (sem IVA) = €435,70 (=€10.439,02 - €8.000,00 - €2.003,32)

Usando o mesmo exemplo, caso a correção tivesse seguido a regra do IVA “apurado por dentro", os cálculos seriam os seguintes:

- valor de compra da viatura = €8.000,00;

- valor de ISV suportado = €2.003,32;

- valor recebido do cliente = €11.000,00;

- IVA a liquidar pelo regime normal = €2.056,91 (=€11.000,00 / 1,23 x 23%);

- base tributável a considerar = €8.943,09;

- prejuízo obtido (sem IVA) = - €1.060,23 (=€8.943,09 - €8.000,00 -€2.003,32)

Deste modo, demonstrou-se quão ilógicas e desajustadas da realidade seriam as correções obtidas por aplicação da regra do IVA “apurado por dentro", conforme sugeriu o sujeito passivo. Além disso, e uma vez que a sociedade aplicou o regime da margem nas faturas emitidas, a base tributável a considerar no âmbito desta análise não poderá ser outra que não a resultante desse regime, pois doutra forma estar-se-ia a ajustar a base tributável sem existir fundamento para tal.

A este propósito, convém esclarecer que a infração incorrida pela P...é a falta de liquidação de IVA à taxa normal nas suas operações e, por esse motivo, seria errada a aplicação da regra do IVA “apurado por dentro”, pois nesta pressupõe-se a apropriação indevida do imposto em causa.

Quanto ao último ponto referido neste âmbito pela P… , não se compreende como pode o sujeito passivo invocar "que o cálculo efetuado pela AT não permite compreender com incerteza ou perplexidades qual foi o iter cognoscitivo-valorativo da decisão que levou à determinação da base tributável daqueles anos [2014, 2015 e 2016] e consequentemente do IVA corrigido."

O quadro que constitui o Anexo 11, fls. 1 a 22, demonstra exaustivamente todos os cálculos efetuados, os quais seguem a linha de raciocínio apresentada atrás para a fatura n.° 764 emitida em 2015/03/06 pela P… , tendo-se incluído referência numérica em cada coluna por forma a facilitar o acompanhamento desses cálculos.

Nesse quadro existe ainda um campo destinado a observações, o qual se utilizou para mencionar as situações em que o sujeito passivo apurou incorretamente o valor de IVA a entregar nos cofres do Estado segundo o regime da margem, bem como a entrega de veículos de retoma não incluída nas faturas.

Por conseguinte, como ficou bem patenteado no Anexo 11, fls. 1 a 22, considera-se que os cálculos que levaram à determinação da base tributável dos anos de 2014, 2015 e 2016 e do IVA corrigido foram claramente expressos no projeto de relatório.

Sobre o incumprimento do preceituado no art.º 77.° da LGT, e apesar do sujeito passivo não descrever nem detalhar exatamente qual a falta em questão, refere-se apenas que o projeto de relatório contém parecer da chefe de equipa emitido em 2018/01/30, no qual se concorda de forma expressa com o teor do projeto de relatório, onde se fundamentaram material e legalmente as correções efetuadas em sede de IVA e IRC.

Face ao exposto anteriormente, não será atendida a pretensão do sujeito passivo quanto à situação em apreço, em nenhum dos pontos invocados.

(ii) Quanto à dedução indevida de IVA (ponto III.1.2.1 do relatório)

Relativamente ao item em apreço, é de referir que em momento algum se questionou a existência e/ou legalidade das faturas emitidas e comunicadas à AT.

O motivo da correção proposta no ponto III.1.2.1 deste relatório, no montante total de €13.284,84, prende-se com o facto do art.° 19.°, n.° 2 do CIVA cingir o direito à dedução do imposto mencionado em faturas passadas na forma legal quando estas estiverem em nome e na posse do sujeito passivo.

Ora, como a P... reconhece no seu direito de audição, a sociedade não se encontra na posse dos documentos ora objeto de correção.

Tal não impediu esta firma de deduzir na declaração periódica do IVA de 1612 o imposto suportado nas faturas em questão, após tê-las contabilizado apenas com base no detalhe de faturas obtido a partir do E-fatura, conforme se constata no Anexo 18, fls. 1 a 17.

Por conseguinte, não se compreende por que motivo a P... alega em direito de audição desconhecer a inexistência daquelas faturas quando a sua contabilidade evidencia o contrário.

Esclarece-se ainda o sujeito passivo que a informação comunicada pelas empresas à AT no âmbito do E-fatura não inclui, entre outros, a descrição dos serviços ou bens transacionados. A falta desses elementos obrigatórios impediria sempre uma análise apropriada.

Face ao exposto acima, não será atendida a pretensão do sujeito passivo quanto à situação em apreço.

(iii) Omissão de rendimentos (pontos 111.1.1 e 111.2.1.1 do relatório)

(…)” [cfr. RIT de fls. 3655 e ss. dos autos];

L) Na sequência das correções descritas na alínea anterior foram emitidas em nome da Impugnante, as liquidações de IVA e respetivos Juros compensatórios referentes aos anos de 2014, 2015 e 2016 descritas no quadro infra, perfazendo o total de €3.100.826,59 (€2.871.712,66 + €240.113,93 (JC)) e todas com data limite de pagamento em 5 de Abril de 2018:



M) A presente Impugnação deu entrada no Serviço de Finanças de Seixal 1, em 3 de Julho de 2018 sendo depois remetida a este Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada. [cfr. a fls. 4 dos autos];»

*

Factos não provados

«1. Não resultou provado que “a Impugnante não dispõe de meios necessários para obrigar os seus fornecedores a mencionar nas faturas o seu regime de tributação pelo regime da margem, uma vez que nos seus países, a respetiva legislação nacional nem os obriga a tal procedimento”. [atenta a ausência total de prova não foi possível ao Tribunal dar como provado o facto alegado no ponto 36.º da pi. Acresce, outrossim, que da prova testemunhal produzida resultou que “não analisavam as menções que as faturas tinham relativamente ao regime do IVA, tendo dito “nem sabemos se elas tinham (as menções).”];
2. Não resultou provado que durante o ano de 2016 foram emitidas, pela empresa “F… Transportes Rodoviários de Mercadorias, Lda.”, em nome da Impugnante, a fatura n.º 20715/493 (8-mar) no valor total de €10.000,00 (IVA €1.869,92), fatura n.º 20615/5208 (06-abr) no valor total de €10.000,00 (IVA €1.869,92) e fatura n.º 20615/7267 (21-Jun) no valor total de €1.230,00 (IVA €230,00). [atenta a ausência total de prova];
3. Não está provado que no valor das viaturas fixado pelo Impugnante e faturado aos clientes finais estava o IVA incluído. [atenta a ausência de prova, considerando as faturas descriminadas no Anexo 12 do RIT e o facto F), não foi possível ao Tribunal dar como provado o facto descrito.

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Motivação da decisão de facto

«A decisão da matéria de facto efetuou-se com base na posição assumida pelas partes nos articulados, no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos – que não foram impugnados e que, pela sua natureza e qualidade, mereceram a credibilidade do Tribunal em conjugação com a livre apreciação da prova, foi, ainda, valorado o depoimento da testemunha arrolada na petição inicial, tal como se foi fazendo referência em cada uma das alíneas do probatório.

A testemunha M…, revelou que a sua razão de ciência advém do facto de ter prestado serviços de contabilidade para a Impugnante até 2017, todavia, não acompanhou a ação de inspeção na génese das liquidações impugnadas. O depoimento da testemunha mostrou-se claro e sincero, permitindo ao Tribunal a sua valoração no que concerne ao modo como eram analisadas e contabilizadas as faturas dos fornecedores estrangeiros da impugnante de “veículos em segunda mão”. Esclareceu ao Tribunal que a “única coisa que controlavam” no documento de venda (fatura de aquisição) era “os quilómetros que a viatura tinha” e verificando-se que eram viaturas usadas, tratavam todas as aquisições, independentemente das menções que as faturas tinham, como aquisições sob o regime da margem. Referiu, ainda, que não analisavam as menções que as faturas tinham relativamente ao regime do IVA, tendo dito “nem sabemos se elas tinham (as menções)”. A final, instada quanto à possível utilização de métodos indiretos, referiu que a Administração Tributária tinha todos os dados e elementos na contabilidade não sendo necessário o recurso aos métodos indiretos.

A demais matéria alegada não foi aqui considerada por ser conclusiva, de direito ou não relevar para a decisão da causa.

Quanto à motivação dos factos não provados, a prova junta aos autos mostra-se insuficiente para dar como provados os factos alegados pela Impugnante, como ali se fundamentou.»


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Ao abrigo do disposto no nº1 do artigo 662º do CPC, adita-se ao probatório a seguinte factualidade, documentalmente suportada:

N) Dá-se por reproduzido o mapa de apuramento incluído no Anexo 11, referido no RIT, e que deste faz parte integrante – Cfr. documento constante do PAT;

O) Dá-se por reproduzido o conteúdo do anexo 18 do RIT e que deste faz parte integrante – Cfr. documento constante do PAT, consultável no SITAF, no âmbito do processo nº 701/18, relativo às mesmas partes e acção inspectiva, determinando-se a sua junção aos presentes autos;

- De Direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Como supra vimos, ambas as partes vieram recorrer da sentença proferida pelo TAF de Almada que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida quanto às liquidações oficiosas de IVA relativas aos anos 2014, 2015 e 2016.

Iniciaremos a nossa análise pelo recurso interposto pela Impugnante P... – Comércio de Automóveis, Ldª.

Lidas as conclusões de recurso verificamos que vem assacado à sentença recorrida erro de julgamento no que se refere a:

· Falta de fundamentação das liquidações impugnadas;

· Violação pela AT do princípio do inquisitório;

· Base de cálculo do imposto aplicada pela AT nas correcções efectuadas.

Vejamos, então.

A Impugnante dedica-se à actividade de compra e venda de viaturas usadas, sendo que está em causa nos presentes autos a utilização do regime da margem, em sede de IVA, na revenda de viaturas importadas de países situados na EU, sem que as facturas respectivas (da importação) contivessem as menções necessárias à utilização, pela Impugnante, de tal regime de tributação.

Foram, assim, efectuadas pela AT as liquidações oficiosas de IVA dos anos 2014, 2015 e 2016, na sequência de acção inspectiva realizada à Impugnante.

Da falta de fundamentação

Alega a Recorrente/Impugnante que a fundamentação utilizada pela AT no RIT não é clara nem suficiente.

Refere, em síntese, que os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Setúbal, ao não carrearem para as Conclusões do Relatório de Inspecção Tributária, de forma clara e inequívoca, os factos concretos em que baseiam as correções propugnadas, não dão cumprimento ao dever legal, constitucionalmente consagrado, de fundamentação, expressa, clara e cabal, das decisões que sobre os mesmos impende, devendo, por conseguinte, ser anulados os actos de liquidação aqui em crise, como se requer.

A sentença recorrida, debruçando-se sobre a fundamentação das correcções, entendeu, nomeadamente, o seguinte:

“(…) Em súmula a fundamentação deve, pois, ser suficiente, clara, expressa e congruente, de forma a permitir ao destinatário, neste caso aos Impugnantes, o conhecimento dos factos e direito considerados como pertinentes e que conduziram à emissão das liquidações adicionais de IVA liquidação adicional de IRS aqui impugnadas. Aqui chegados, revertendo à situação autos, temos que, as liquidações em crise se fundamentam no teor do Relatório de Inspeção Tributária, reproduzido, na parte que importa aos autos, nos factos provados em K). Da leitura fundamentação constante do relatório – mormente do “ponto III Descrição dos factos e Fundamentos das Correções Meramente Aritméticas – Aquisição Intracomunitária dos veículos Automóveis e dedução indevida de IVA” e da resposta ao direito de audição exercido pela Impugnante, concluímos que não padece do alegado vício de forma por falta de fundamentação, estando a mesma alicerçada nos motivos que conduziram às correções técnicas em matéria de IVA, bem como, o apuramento da base tributável sobre que incidiu o IVA e a indicação das correspondentes disposições legais. Permitindo à Impugnante compreender os motivos porque a AT procedeu às correções efetuadas, como decorre da análise ao exercício da audição prévia:

“(…) O quadro que constitui o Anexo 11, fls. 1 a 22, demonstra exaustivamente todos os cálculos efetuados, os quais seguem a linha de raciocínio apresentada atrás para a fatura n.° 764 emitida em 2015/03/06 pela Pódio Vertical, tendo-se incluído referência numérica em cada coluna por forma a facilitar o acompanhamento desses cálculos.

Nesse quadro existe ainda um campo destinado a observações, o qual se utilizou para mencionar as situações em que o sujeito passivo apurou incorretamente o valor de IVA a entregar nos cofres do Estado segundo o regime da margem, bem como a entrega de veículos de retoma não incluída nas faturas.

Por conseguinte, como ficou bem patenteado no Anexo 11, fls. 1 a 22, considera-se que os cálculos que levaram à determinação da base tributável dos anos de 2014, 2015 e 2016 e do IVA corrigido foram claramente expressos no projeto de relatório.”

Razão pela qual se conclui, que do teor do RIT, resulta de forma explícita, o iter cognoscitivo, de facto e de direito, percorrido pelos serviços de inspeção tributária da AT.

Assim, considerando que a fundamentação que antecedeu a emissão dos atos impugnados, se mostra clara, suficiente e congruente, respeitando, o disposto no art.º 77.º da LGT, permitindo à Impugnante apresentar a sua defesa, neste caso, impugnar os atos de liquidação, improcede o alegado quanto à falta de fundamentação do relatório inspetivo que está na génese das liquidações de IVA Impugnadas.(…)”

Entendemos que a sentença decidiu com acerto. Efectivamente, como ressalta do conteúdo da alínea k) da matéria de facto assente, do RIT consta a fundamentação que esteve na origem das liquidações impugnadas, sendo que da respectiva leitura é possível apreender, sem esforço, diríamos, as razões de facto e de direito que motivaram as correcções efectuadas.

Aliás, da leitura das peças processuais apresentadas pela Impugnante, ora Recorrente, é possível verificar que esta apreendeu a fundamentação que esteve na base das liquidações impugnadas, que, também a nosso ver se revela suficiente, clara e perceptível a um destinatário médio.

Assim, sem necessidade de outras considerações, evitando repetições, dada a profundidade da apreciação efectuada na sentença recorrida, concluímos, como a sentença, que não se verifica o vício de falta de fundamentação, pelo que improcede a argumentação recursiva, quanto a este aspecto.

Da violação do princípio do inquisitório

Para a Impugnante, a actuação da AT, ao não realizar todas as diligências necessárias à descoberta da verdade material, revela-se violadora do princípio do inquisitório a que se está adstrita.

A este propósito, refere, nas conclusões recursivas que: verifica-se, contudo, que não houve, por parte da Administração tributária, a adopção das diligências investigatórias que lhe permitissem conhecer a verdade material e, em função disso, proceder a uma eventual liquidação de IVA, se tal estivesse em conformidade com as normas legais que regulam tal imposto. No entender da RECORRENTE, competia à Administração tributária, na fase do procedimento inspectivo, em cumprimento do princípio do inquisitório a que se encontra adstrita na sua actividade administrativa, realizar todas as diligências necessárias à descoberta da verdade material, de modo a que pudesse reunir todos os elementos e informações necessárias ao bom enquadramento e compreensão dos aspectos específicos da actividade da RECORRENTE.

Afirma, por outro lado, que não pode impender sobre a RECORRENTE o ónus de ter de suportar um imposto que não liquidou nem cobrou dos seus clientes, tendo cumprido com as regras advenientes do regime de tributação pela margem, a não ser a falta de indicação nas facturas dos seus fornecedores da expressão «Regime da margem de lucro – Bens em segunda mão», exigência da nossa legislação nacional, obrigação que não pode ser transferida para os vendedores dos bens dos outros países, quando aí a respectiva lei a que se encontram sujeitos o não exige.

Que dizer?

Nos termos do preceituado no artigo 58º da LGT, em sede de procedimento tributário a administração tributária deve realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido, podendo os órgãos competentes, nos termos da lei, desenvolver todas as diligências necessárias ao apuramento da situação tributária dos contribuintes – Cfr. nº1 do artigo 63º da LGT.

Concretamente, no âmbito da actividade de inspecção tributária, a Autoridade Tributária e Aduaneira está obrigada a obedecer aos princípios enunciados no artigo 5º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPITA) aprovado pelo Decreto-Lei nº 413/98, de 31 de Dezembro.

Preceitua o artigo 6.º do RCPITA, sob a epígrafe “Princípio da verdade material”:
“O procedimento de inspecção visa a descoberta da verdade material, devendo a administração tributária adoptar oficiosamente as iniciativas adequadas a esse objectivo”.

Porém, o princípio da descoberta da verdade material ou do inquisitório, que deve nortear a actuação da Autoridade Tributária e Aduaneira na prossecução do interesse público, tem de conjugar-se com as regras da distribuição do ónus da prova.

Ora, nos termos do nº 1 do artigo 74º da Lei Geral Tributária (LGT) “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”.

Feito este enquadramento, atentemos no que na sentença recorrida se escreveu a este propósito:

“(…) Atentemos, então, se os serviços inspetivos da AT adotaram todas as medidas úteis com vista à demonstração dos pressupostos legais da sua atuação.

De regresso aos autos, do teor do Relatório de Inspeção Tributária, no qual se inclui o Parecer do chefe de Equipa que confirmou as correções propostas pelos serviços inspetivos, resulta o modo operandi da AT e as diligências efetuadas no âmbito da referida inspeção à Impugnante. Daí decorre que foram solicitadas, ao abrigo do princípio da colaboração, informações relativas à Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) junto da Alfândega do Jardim do Tabaco, as quais foram objeto de análise conjuntamente com as faturas emitidas pelos fornecedores intracomunitários da P...e constantes da contabilidade da Impugnante. [cfr. al. K)]

Coligidos todos os documentos (Anexo 12 do RIT) verificaram os serviços de inspeção quais as menções relativas ao regime de tributação em sede de IVA que incidiu sobre transmissões efetuadas pela Impugnante e os seus principais fornecedores, bem como qual o regime do IVA adotado pela Impugnante no procedimento de revenda dos veículos ligeiros em segunda mão. Tendo concluído que, relativamente às transmissões ocorridas em território nacional de veículos adquiridos a fornecedores comunitários, não se se mostravam preenchidos os pressupostos para a aplicação do regime da margem. [cfr. al. F)]

Após tais diligências [cfr. al. I)] e em resultado das mesmas, a AT emitiu o projeto de Relatório de Inspeção Tributária no âmbito do qual foram propostas correções de natureza meramente aritmética à matéria tributável de IRC e apuramento de IVA em falta nos anos de 2014, 2015 e 2016.

Seguidamente, em face do exercício de audição prévia por parte da Impugnante e ponderação do mesmo, a AT elaborou o competente Relatório Final de Inspeção Tributária, no âmbito do qual se manteve o apuramento de IVA em falta nos anos de 2014, 2015 e 2016.

Termos em que, em face da realidade retratada anteriormente dimana inequívoco que a AT cumpriu o ónus probatório a que estava adstrita e adotou os procedimentos necessários com vista ao apuramento da verdade material inerente as correções – meramente técnicas – impugnadas.

Pelo que, improcede o vício de violação do princípio do inquisitório alegado na petição inicial.(…)”

Adiante-se que concordamos com o assim decidido.

Como é sabido, uma vez que a Administração Tributária, se arroga à liquidação de imposto tem por encargo probatório, nos termos do n.º1 do art.º 74.º da LGT, a prova dos factos constitutivos dos direitos à liquidação.

No caso dos autos entendemos que a actuação da AT não violou o princípio do inquisitório. Estando em causa os requisitos legalmente exigidos para a utilização do regime da margem, em sede de IVA, o que se exige à AT é que verifique se estão reunidos para aquele tipo de tributação, o que foi feito pela análise das facturas emitidas pelos vendedores comunitários em posse da Impugnante.

Pretendendo a Impugnante demonstrar o contrário do que resulta da referida documentação, obviamente, é sobre si que impende o ónus de o provar, ou seja, que as compras de viaturas que efectuou o tinham sido ao abrigo daquele regime da margem. Nomeadamente, cabia à Impugnante diligenciar junto dos vendedores das viaturas sedeados em países da EU para suprir eventuais menções, ou falta delas, nas facturas emitidas. Cabia, igualmente, à Impugnante esclarecer, no caso de existirem dúvidas quanto ao regime de tributação em IVA acolhido por quem lhe vendeu as viaturas, qual o regime seguido na venda em concreto.

Assim, por concordarmos com o decidido, improcede este segmento do recurso da Impugnante.

Do cálculo do imposto

A Recorrente dissente do decidido quanto à forma de cálculo do imposto liquidado pela AT. Para tanto, afirma que:

· Os cálculos para apuramento do IVA, efectuados pela inspecção tributária, não levaram em linha de conta que o valor da factura teria que, obrigatoriamente, incluir qualquer eventual IVA a liquidar, caso não fosse de aplicar o regime da margem, nas situações em concreto.

· Na verdade, o valor da contraprestação das transacções efetivamente percebido dos clientes é o que consta das respetivas facturas que titulam as operações em causa, pelo que nunca, em caso algum, poderia ser aplicada qualquer taxa a este valor, ou seja, qualquer forma de cálculo do IVA terá de considerar que o mesmo está incluído no próprio valor facturado ao cliente final (IVA apurado por dentro).

· Já as correcções da Administração tributária resultaram da RECORRENTE ter apurado o IVA a entregar ao Estado pelo regime da margem, quando no seu entendimento deveria ter sido pelo regime geral, pelo que a Administração tributária procedeu aos cálculos, aqui em causa, partindo de uma base tributável teórica (só possível por aplicação de métodos indirectos), uma vez que ao valor de venda retira o valor do IVA da margem (apurado por dentro), apurando, assim, o valor de uma base tributável diferente para efeitos de liquidação do IVA, com repercussão em sede de IRC.

· Mesmo que assim se entendesse, sempre os cálculos da Administração tributária estariam erradamente determinados, tendo em conta que a RECORRENTE procedeu aos respectivos cálculos com base no princípio de que o valor facturado e recebido dos clientes inclui, obrigatoriamente, o IVA que eventualmente seja devido ao Estado, ou seja, o preço final da factura inclui o IVA.

· Para o efeito, a base tributável da RECORRENTE resultou do valor da factura a dividir por 1,23 (IVA por dentro), à qual se aplicou a taxa normal do IVA, tendo ao valor apurado sido deduzido o imposto liquidado pelo respectivo regime da margem.

· Não obstante, dos cálculos efetuados pela RECORRENTE, com base nos critérios utilizados pela Administração tributária no Relatório de Inspecção, foi apurada uma diferença para menos, no montante global de 418.910,84€, correspondente aos anos de 2014, 2015 e 2016, nos valores de 70.402,77€, 137.280,39€ e 211.227,68€ respectivamente, o que demonstra bem a confusão da Administração tributárias nas correções efectuadas no procedimento de inspecção.

Comecemos por dizer que a alegação recursiva omite qualquer referência ao decidido, relativamente ao método de cálculo do imposto, na sentença recorrida. Efectivamente, não obstante no corpo das alegações de recurso se efectuar um resumo da sentença recorrida, a verdade é que, quanto ao cálculo do imposto, nada diz a Recorrente que espelhe o seu desacordo quanto ao decidido.

Limita-se a Recorrente a afirmar que a sentença recorrida padece de erro de julgamento, na medida em que manteve na ordem jurídica os actos tributários impugnados, os quais, no seu entendimento, padecem de ilegalidade.

No entanto, e uma vez que a sentença considerou legais as liquidações impugnadas, e na medida em que o presente recurso se centra na ilegalidade destas, mantendo a linha de argumentação seguida na p.i., se entende, como tem sido opção da mais recente jurisprudência dos tribunais superiores, que será de apreciar o mérito da questão que nos vem colocada.

Dito isto, prossigamos.

A sentença recorrida entendeu que a forma de cálculo de imposto utilizada pela AT, no âmbito do RIT, é a correcta e legal tendo, para chegar a tal conclusão, mencionado o seguinte:

“(…) tendo as viaturas objeto das operações sujeitas a tributação sido adquiridas pelo sujeito passivo em Portugal a revendedores da União Europeia que aplicaram o regime geral de IVA, e não o regime especial de tributação pela margem vigente nesse país, equiparado ao aplicável em Portugal, as transmissões em território nacional deverão ser tributadas segundo o regime normal de IVA, com base tributável correspondente ao valor da contraprestação obtida ou a obter dos adquirentes. [cfr. Acórdão do TCASul de 24 de Fevereiro de 2022, processo n.º 759/10.7BESNT, disponível em www.dgsi.pt]

Assim, aplicando o regime geral do IVA o valor tributável das transmissões de bens é o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente, ou seja, o valor a pagar pelo comprador.

Quanto à “regra do IVA apurado por dentro" como bem sustenta a Autoridade Tributária no exemplo que apresenta no relatório de inspeção tributária o mesmo não tem aderência à realidade pois implicaria que o sujeito passivo revenderia regularmente as suas viaturas com prejuízo.(…)

A sentença recorrida acolheu a fundamentação expressa no RIT e suportou a sua conclusão, de que os cálculos foram correctamente efectuados, em Acórdão proferido por este TCAS, que transcreveu parcialmente.

Pretende a Recorrente que os cálculos para apuramento do IVA, efectuados pela inspecção tributária, não levaram em linha de conta que o valor da factura teria que, obrigatoriamente, incluir qualquer eventual IVA a liquidar, caso não fosse de aplicar o regime da margem, nas situações em concreto.

Já as correcções da Administração tributária resultaram da RECORRENTE ter apurado o IVA a entregar ao Estado pelo regime da margem, quando no seu entendimento deveria ter sido pelo regime geral, pelo que a Administração tributária procedeu aos cálculos, aqui em causa, partindo de uma base tributável teórica (só possível por aplicação de métodos indirectos), uma vez que ao valor de venda retira o valor do IVA da margem (apurado por dentro), apurando, assim, o valor de uma base tributável diferente para efeitos de liquidação do IVA, com repercussão em sede de IRC.

Vejamos.

Não é controvertido nos autos que às vendas a clientes nacionais das viaturas importadas pela Impugnante foi aplicado IVA calculado no regime da margem. Isto significa que o valor do IVA foi calculado sobre a margem que dista do valor de aquisição ao valor de venda.

A Inspecção Tributária conclui que não se encontravam reunidos os requisitos exigidos por lei para que a Impugnante pudesse utilizar o regime da margem e procedeu às correcções que entendeu necessárias, pelo que às referidas vendas aplicou o regime normal do IVA.

Do RIT resulta que a forma de cálculo utilizada pela AT, no âmbito das correcções de que vimos falando, foi a seguinte:

Ao valor da venda da viatura ao cliente nacional retirou o valor correspondente ao IVA calculado sobre a margem. Fez menção, no Anexo 11 a que se refere a alínea N) do probatório, que o sujeito passivo tinha, erroneamente, deduzido o valor suportado de ISV à margem, dedução que eliminou, por ilegal. Alcançou, assim, a base tributável à qual aplicou o IVA – regime normal.

Note-se que a AT deu conta que o valor do IVA calculado pela Impugnante seguindo o regime da margem estava incorrecto, uma vez que à margem tinha sido descontado o ISV, o que é contrário ao regime legal.

Contrariamente ao que afirma a Recorrente, não vislumbramos como se pode afirmar que a basse tributável foi calculada com o recurso a métodos indirectos, quando os valores apurados resultam da documentação apresentada pela Impugnante e constante dos autos. Acompanhamos, por conseguinte, a sentença recorrida quanto refere que considerando que estão na génese das liquidações adicionais de IVA correcções meramente aritméticas, não decorrendo do teor do RIT a menção do recurso a métodos indirectos, improcede o alegado quanto ao recurso a métodos indirectos pela impugnante no cálculo do apuramento do IVA.

No entanto, isto não significa que não possa ter ocorrido erro na metodologia utilizada pela AT.

Assim, vejamos, agora, a forma de cálculo concretamente utilizada pela AT, recordando que a Impugnante refere que deveria o IVA, segundo o regime normal, ter sido calculado por dentro, ou seja, retirado ao preço de venda.

A forma de cálculo do IVA utilizada pela AT encontra-se demonstrada no RIT em conjunto com o respectivo Anexo 11. Da leitura conjugada dos referidos documentos resulta que a AT, para alcançar a base tributável, encontrou o valor do IVA segundo o regime da margem (o utilizado pela Impugnante), aplicando a respectiva taxa ao valor de venda da viatura. De seguida, deduziu o valor do IVA pela margem ao valor da venda e encontrou a base tributável, a que aplicou a taxa de IVA segundo o regime normal.

Esta metodologia foi plasmada no quadro de correcções incluído no Anexo 11 do RIT, sendo que, no RIT se explanaram as razões por que se entendeu não dever ser utilizado o método de cálculo do IVA por dentro.

Dissente a Recorrente da forma de cálculo utilizada, por não ter sido o IVA calculado por dentro, ou seja, retirado ao valor de venda das viaturas.

A sentença recorrida acolheu a argumentação da AT no sentido de que, o apuramento do IVA por dentro implicaria prejuízo para a Impugnante. Quanto a este aspecto, escreveu-se, na sentença, o seguinte:

“(…) Quanto à “regra do IVA apurado por dentro" como bem sustenta a Autoridade Tributária no exemplo que apresenta no relatório de inspecção tributária o mesmo não tem aderência à realidade pois implicaria que o sujeito passivo revenderia regularmente as suas viaturas com prejuízo.(…)”

A questão é, pois, a de saber se o IVA em causa deve, ou não, ser calculado por dentro.

O Acórdão do TJUE de 22.11.2018, proferido no âmbito do Processo C-295/17 (MEO-Serviços de Comunicações e Multimédia, SA) referiu, a este propósito que: “(…) dado que o sistema do IVA tem como objectivo onerar unicamente o consumidor final, o valor tributável do IVA a cobrar pelas autoridades fiscais não pode ser superior à contraprestação efectivamente paga pelo consumidor final, sobre a qual foi calculado o IVA que recai em definitivo sobre esse consumidor (v., neste sentido, Acórdão de 24 de outubro de 1996, Elida Gibbs, C 317/94, EU:C:1996:400, n.º 19)”.

Mais recentemente, o Acórdão do TJUE, de 01.07.2021, proferido no âmbito do Processo C-521/19, veio considerar que, mesmo nos casos de fraude, em que não foi emitida factura nem incluídos os rendimentos gerados numa declaração a título de impostos directos, “deve considerar se que a reconstituição, no âmbito da inspecção de tal declaração, dos montantes pagos e recebidos durante a operação em causa levada a cabo pela Administração Tributária em causa é um preço que já inclui o IVA”, ou seja, consequentemente, o IVA deve ser calculado por dentro.

Seguindo a orientação propugnada pelo TJUE, entendemos que, no caso dos autos, o IVA deveria ter sido calculado por dentro, de forma a que não ultrapasse o valor de venda, já que será suportado pela Impugnante e não pelo consumidor final.

Não podemos concordar com a sentença recorrida, quando acompanha a fundamentação da AT para a não utilização deste método de apuramento do IVA.

Como facilmente se compreende do método de cálculo do IVA por dentro resultará, necessariamente, um valor menor a pagar do que se fosse calculado por fora. Assim, não se compreende como poderá o prejuízo apurado para a Impugnante ser menor segundo o método utilizado pela AT.

Entendemos que o método correcto será o de apurar o IVA por dentro, em função do preço de venda, e ao valor alcançado retirar o IVA apurado e declarado pela Impugnante pelo sistema da margem, como pretendido.

Procede, assim, a argumentação recursiva quanto ao método de cálculo dos montantes de IVA liquidados na sequência da acção inspectiva, devendo as liquidações de IVA ser anuladas, ficando prejudicada a apreciação do demais invocado pela Impugnante, aqui Recorrente.


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Do Recurso apresentado pela Fazenda Pública

Afirma a Fazenda Pública, no recurso apresentado da sentença recorrida que o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, ao julgar como dedutível o montante do IVA constante das 14 facturas elencadas na al. G) do probatório, no valor total de 9 315,00€, dado que tal dedução se mostra ilegal.

A questão que nos cumpre apreciar é a de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento ao ter considerado indevida a correcção efectuada pela AT que não aceitou as deduções de IVA no que se refere a facturas com o fundamento de que, à data da acção inspectiva, não se encontravam na posse da Impugnante, ora Recorrida.

Para tanto, refere a Fazenda Pública que, não só as datas das facturas ora apresentadas não coincidem com as mencionadas no RIT, como não se sabe se já foi aceite a sua dedução pela AT.

Vejamos.

Resulta da matéria de facto dada como assente na sentença recorrida, concretamente, da alínea G), que nos meses de Outubro e Novembro de 2016 foram emitidas, pela empresa “F… – transportes de mercadorias, Ldª”, em nome da Impugnante as facturas aí mencionadas, totalizando o valor de IVA de € 9.315,00.

Mais resultou provado que, no âmbito da acção inspectiva realizada pela AT à Impugnante, não foram aceites as deduções de IVA contabilizadas pela Impugnante, referentes ao período de 1612, com a data de 32/12/2016.

O motivo da não aceitação das deduções consistiu no facto de o sujeito passivo não se encontrar na posse das facturas em causa, tendo o documento de suporte das deduções sido elaborado a partir da página da Internet E-Factura, pelo que se considerou não estar conforme ao estipulado no nº2 do artigo 19º do CIVA – cf. alínea K) do probatório.

Refere a ora Recorrente que não existe correspondência entre as facturas juntas com a p.i. e as correcções efectuadas, já que não se verifica coincidência de períodos, uma vez que estas respeitam ao período de Outubro e Novembro de 2016.

Importante referir que, ao longo de todo o processo e mesmo no âmbito do procedimento inspectivo, a Impugnante sempre disse que, em momento algum, foi notificada pela AT para apresentar as facturas em causa.

A sentença recorrida entendeu que, dada a coincidência de valores das facturas elencadas no quadro do RIT e das facturas juntas aos autos, seria de anular a correcção e considerou procedente a impugnação judicial, neste concreto segmento.

Vejamos.

Como vimos, a Recorrente Fazenda Pública afirma, nas alegações de recurso, que as facturas juntas pela Impugnante não respeitam ao mesmo período, apenas se verificando coincidência de valores.

Não é verdade. Como a Recorrente bem deveria saber por confronto do conteúdo do Anexo 18 do RIT com as facturas constantes dos autos. Efectivamente, constatamos que não obstante no quadro elaborado no RIT se referir o período de 1612, com a data de 31/12/2016, a verdade é que os elementos incluídos no Anexo 18 e que estiveram na base das correcções efectuadas, têm datas, números e valores correspondentes aos das facturas a que se refere a alínea G) do probatório.

Não tem, pois, razão a Recorrente, neste ponto.

Invoca, ainda, a Fazenda Pública que não podem ser aceites e considerados os documentos em causa, por não terem sido disponibilizados aquando da acção inspectiva.

Não vem posto em causa o facto de, à data em que foi realizada a inspecção, a AT não ter tido acesso às facturas em causa, mas apenas à cópia dos documentos constantes do site E-Factura.

Certo é que com a junção das facturas nos presentes autos a Impugnante logrou dar satisfação ao ónus que lhe incumbia, de que estava na posse da documentação relevante, embora não se conheçam as razões pelas quais a AT não a terá solicitado no decurso da inspecção.

E que, no decurso da tramitação dos autos, não foi suscitada, pela Fazenda Pública, qualquer incidente de falsidade das mesmas.

O cerne da questão reside em saber se é possível ao sujeito passivo dar cumprimento ao ónus que lhe cabia apenas em sede judicial, tendo presente que para tal não foi solicitado anteriormente pela AT no decurso da acção inspectiva.

Nos termos do disposto no artigo 20.º do CIVA, para que seja possível o exercício do direito à dedução é necessário que o imposto a deduzir tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo.

O direito à dedução tem como pressuposto que a entidade que suporta o IVA nas respectivas aquisições a montante irá realizar, a jusante, operações tributadas ou operações isentas que conferem o direito à dedução.

O sujeito passivo, actuando como tal, pode deduzir nos seus outputs (vendas bens ou serviços com IVA) o IVA suportado nos seus inputs (compra de bens ou aquisições de serviços com IVA a outros sujeitos passivos).

O direito à dedução é, portanto, um elemento central no IVA, estando o seu exercício dependente da verificação cumulativa de requisitos objectivos relacionados com o tipo de despesa e requisitos subjectivos atinentes ao sujeito passivo e requisitos formais.
De acordo com o mecanismo da liquidação do IVA a factura ou documento equivalente que o suporta torna-se um elemento fundamental e decisivo, pois é esse documento que vai permitir ou não a dedução e ainda vai definir a incidência subjectiva e objectiva, as taxas aplicadas aos diversos bens e serviços transaccionados ou prestados.

A lei, ao estabelecer determinadas exigências relativas à emissão de facturas, tem por objectivo evitar a fraude e a evasão fiscal e cumprir o princípio da neutralidade fiscal, o qual visa assegurar que, aos operadores económicos, seja permitido recuperar com maior justeza o IVA suportado nas aquisições de bens e serviços por si efectuadas, sendo certo que quem suporta o pagamento do IVA é o consumidor final.

Garantindo assim, a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as actividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas actividades, na condição de as mesmas estarem, em princípio, também elas, sujeitas ao IVA (v. acórdãos do TJEU de 22 de fevereiro de 2001, Abbey National, C-408/98, Colet., p. I-1361, n.° 24, e de 6 de julho de 2006, Kittel e Recolta Recycling, C-439/04 e C-440/04, Colet., p. I-6161, n.° 48).

A propósito da possibilidade de demonstração posterior da posse de documentação legalmente exigida, em anotação ao artigo 14º do RITI (no que respeita à posse do comprovativo da saída dos bens de território nacional), refere Filipe Duarte Neves que os princípios da verdade material e o da prevalência da substância sobre a forma impõem que a tributação incida sobre a realidade tal como ela ocorreu, não se vislumbrando razão com força suficiente para afastar a aplicação da isenção nos casos em que o comprovativo não está na posse do fornecedor no momento da emissão da factura.

Quanto à possibilidade de a prova em causa ser efectuada posteriormente, em sede judicial, diz o referido autor que essa prova poder ser sempre feita pelo sujeito passivo, mesmo no âmbito de um processo judicial, pois o que, a final, constitui factor decisivo é demonstrar que os bens saíram de território nacional.

Cremos que a mesma linha de raciocino é de aplicar à situação ora em apreciação.

Por outro lado, importa referir a crescente tendência de desmaterialização dos sistemas de facturação, quer nacional, como internacionalmente, em que o mote é simplificar.

Esta tendência encontra-se espelhada no teor do Decreto-Lei n.º 28/2019, de 15 de Fevereiro, que procedeu à regulamentação das obrigações relativas ao processamento de facturas e de outros documentos fiscalmente relevantes e à conservação de livros, registos e respectivos documentos de suporte, que recaem sobre os sujeitos passivos de IVA.

Regressando ao caso dos autos, a verdade é que a Impugnante, quando foi confrontada com a falta das facturas ora apresentadas, no decurso da acção inspectiva, não logrou demonstrar que as facturas estavam na sua posse. Certo também é que não há notícia nos autos de que a AT tenha solicitado que o fizesse.

Ora, entendemos, como a sentença, que a demonstração da posse das facturas pode ser efectuada em sede judicial. Repare-se que as facturas em causa estavam registadas no site E-Factura, o que não foi posto em causa pela AT.

Acresce, como supra demos conta, que se verifica total correspondência entre as facturas juntas com a p.i. e as registadas no E-Factura.

Não vislumbramos razões para não concordar com o decidido na sentença recorrida.

Assim, concluímos que não tem razão a Fazenda Pública, sendo de negar provimento ao recurso e manter a sentença na parte relativa à dedução do IVA.


*

Da dispensa do remanescente da taxa de justiça

Estabelece o nº7 do artigo 6º do RCP, que «nas causas de valor superior a € 275 000 o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento».

Conforme entendimento expresso no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07.05.2014, proferido no processo n.º 01953/13, a que aderimos, «A norma constante do nº7 do art. 6º do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz, ser lícito, mesmo a título oficioso, dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de €275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes),iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade.»

In casu, considerando que o valor da presente acção ultrapassa o valor de 275.000,00 € e que a mesma não assumiu especial complexidade, nem a conduta assumida pelas partes, em sede de recurso, se pode considerar reprovável, entende-se ser de deferir a pretensão da Impugnante.


III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em:


· Negar provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública;


· Conceder provimento ao recurso interposto pela Impugnante, revogar parcialmente a sentença recorrida e considerar totalmente procedente a impugnação judicial, anulando-se as liquidações de IVA impugnadas.


Custas pela Fazenda Pública.

Registe e Notifique.

Lisboa, 22 de Maio de 2023

(Isabel Fernandes)

(Catarina Almeida e Sousa)

(Maria Cardoso)